“... Vi intermináveis olhos próximos perscrutando-me como num espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum me refletiu...” *

Deitei com a cabeça no travesseiro, completamente sem sono, abri o Istagram. Como sempre fazia.

Por mais torturante que fosse encarar aquelas fotos tão perfeitas e compara-las com minha vida eu, simplesmente, não conseguia parar de observa-las.

E era quase impossível não querer o que aquelas fotos bem produzidas mostravam, fotos que faziam com que eu sentisse que minha vida perto daquilo era completamente rasa e entediante, tão sem valor.

Eu estava mais uma vez pensando no quão fácil e feliz era a vida dessas pessoas que não deixavam de compartilhar seus momentos com aplicativos e redes sociais... Isso me fazia inveja-las de uma forma não intencional.

Peguei-me olhando mais uma vez o feed organizado de uma garota com milhões de seguidores e tantas fotos postadas.

O interessante é que em todas publicações um sorriso estampado em seu rosto era presente ou uma legenda bonita dizendo algo sobre pensamentos e perfeição. Será que era só eu que tinha esses momentos como apenas passageiros, ou que só eles tivessem sua realidade baseada em riso e alegria o tempo inteiro?

Realidade. Algo doloroso quando eu parava olhando para mim mesma.

Desci um pouco seu feed e a primeira foto que me deparei era excepcional, o sol brilhando pelas arvores floridas e uma garota com um sorriso perfeitamente alinhado.

Era errado eu querer tanto uma vida assim?

Era errado desejar que a realidade fosse como nas fotos que eu encontro por aí?

Viajar o mundo inteiro é um dos meus maiores sonhos, passar pela Disney e aproveitar os parques... Ah como seria agradável poder aproveitar em cada lugarzinho do mundo, como seria bom comprar uma coisa em cada cidade que eu visitasse para olhar depois e me sentir realizada. 

Como seria incrível ter amigos que estivessem comigo apenas por gostarem de mim, que soubessem me ouvir falar e estivessem do meu lado quando eu precisasse, pessoas que não se importariam em sair comigo só para jogar conversa fora. Amigos que eu poderia dizer com toda certeza: Esses estarão comigo uma vida.

Ah, já pensou comer os pratos mais chiques todos os dias? Posso sentir o cheiro das comidas mais bonitas e saborosas bem embaixo do meu nariz, o quão bom seria ter a oportunidade de comer tudo que me desse vontade?

E aquele corpo esbelto e robusto? Imagino que seja o sonho de muita gente ter o corpo que a mídia tanto mostra, ser considerada de fato bonita pela sociedade. É incrível poder colocar um biquíni com extrema confiança de que ele lhe caiu bem.

Desejo sim ter uma família unida e bem estruturada, onde se pode tomar um café com todos na mesa conversando sobre o cotidiano, sobre as coisas mais simples que a vida pode oferecer.

Só gostaria de ter a chance de poder estar num relacionamento baseado em amor e respeito, poder ter um companheiro para todas as horas que conhecesse cada pedacinho de mim. Onde o amor seria maior do que qualquer briga ou desentendimento.

Ah... Sempre que penso nisso um suspiro pesado encerra esses devaneios que tanto me perseguem na fria madrugada.

Essa garota tinha tudo isso e mais um pouco exposto no perfil dela, assim como todos aqueles perfis baseados na inexistente e ilusória perfeição.

Bem vindo ao Istagram.

Sabe aquela foto que ela estava rodeada com amigos todos sorrindo? Aquilo foi um dos raros momentos em que ela conseguiu reunir todo mundo ali, mas do que adiantava estar cheia de pessoas quando se sentia sozinha? Aqueles amigos que foram definidos como os melhores pela legenda falam mal dela pelas costas e só aparecem quando precisam de algo; será que essa legenda combina mesmo com esse tipo de situação?

Tinha também uma foto de um jantar romântico para o casal, mas aposto que as pessoas que viram não sabiam que o único motivo para ter acontecido era porque ela e o namorado haviam brigado no dia anterior e ele queria uma reconciliação.

E aquela foto com a família reunida? Aqueles sorrisos só estiveram ali para a fotografia, por que quando a câmera foi desligada a realidade veio á tona. A mãe foi arrumar o quarto em que dorme sozinha após descobrir que o marido lhe traía, o filho mais novo se levantou com o celular para atender a ligação do rapaz com quem mantinha um relacionamento escondido da família por saber que eram cabeça dura demais para aceitar algo do tipo; o pai saiu para o trabalho com a camisa ainda suja de batom do encontro na noite passada... E a garota apenas ficou na mesa olhando para aquela foto desejando poder encontrar na realidade aquilo que a tela lhe mostrava.

Do que adiantava viajar, nem era sempre que iam e quando acontecia, quase sempre, os pais estavam brigados.

Aqueles itens e roupas que pareciam chiques eram compradas em brechós ou muitas vezes emprestadas, as pessoas que viam as publicações não sabiam que a garota estava passando por uma crise financeira que até a linda casa que ela mostrava com tanto orgulho estava sendo colocada a venda.

Aquela foto de biquíni na praia foi um sacrifício para tirar, barriga encolhida e pose escolhida renderam muitas fotos, mas a única que realmente ficou boa fora apenas uma.  Essa que passou por uma série de edições em um aplicativo de foto qualquer.

E depois de um tempo o sorriso nas fotos havia se tornado costume, rotina. E que nem sempre estavam presentes na realidade.

E mesmo com tudo isso, a jovem fazia pose para foto e esperava o maior número de curtidas possíveis...

Não culpo as redes sociais por isso, mas me culpo por comparar minha vida á vida dos outros. É preciso saber que existem momentos e momentos, a vida é feita deles e ninguém é feliz o tempo todo. Mas é o que tanto tentam demonstrar, é uma necessidade de provar para o mundo o quão sua vida é boa.

Mas o que se esperar de um mundo regido por padrões impostos por uma sociedade de mente fechada? De uma sociedade que acredita que todos devem pertencer a um grupo criado por eles mesmos?

Participar de um grupo de pessoas é uma opção, mas não uma regra.

E ao me olhar no espelho eu não via aquilo que mostravam, eu via apenas uma garota que sonhava, que sentia. E não tinha mal nenhum nisso.

Minha realidade não estava dentro desses padrões de imagem que passavam, mas o que me deixava chateada comigo mesma é não ter tudo aquilo que o feed mostrava, é fazer a mesma coisa que eu critico todos os dias: Mostrar o melhor lado para as pessoas.

Eu não era capaz de ficar um dia sem compartilhar algo, de mostrar um pouco de uma vida perfeita que existia só ali naquele feed, só nos meus sonhos. Bom...

Eu era a garota do feed perfeitamente organizado.

E ainda insistia em olhar e comparar com minha verdadeira realidade.