Histórias da Segunda Guerra escrita por JWHFhiiii


Capítulo 1
Capítulo Único




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Não me peça explicações, eu só conto a história.

Sabe aquelas criaturas da escuridão? Não? Você nunca olhou para um canto escuro e viu dois olhos te observando e quando olhou de novo percebeu que não havia nada ali? Somente paledolia sua mente lhe dizia...

A questão é que talvez exista. Mais escuro que a escuridão. Algo que se relaciona entre si. Forças muito antigas e esquecidas pelo mundo, tão ignoradas que as fazem parecer inexistentes, mas ainda assim poderosas. Talvez adormecidas esperando a sua hora.

Talvez várias delas existissem ali mesmo, naquele exato beco escuro, com o calçamento encharcado pela chuva constante, onde três homens encapuzados se encontravam.

Era final de guerra, aviões carregados passavam contaminando o ambiente com aquele barulho ensurdecedor e sombrio que já caracterizava as noites. Ainda havia o medo de uma nova bomba explodir a qualquer momento e, por vez ou outra, explosões eram mesmo escutadas, alarmando a todos. Sem dúvida 1945 foi um ano marcante para toda a humanidade, porém talvez fosse ainda mais do que a maioria das pessoas pode imaginar.

— Eles estão vindo? Você tem certeza, Capitão? – A voz grossa do homem mais alto, parado impaciente por ali, irrompeu na escuridão.

— Claro, Major. Tenho homens os rastreando desde que chegaram na cidade. Eles estão vindo para cá.

— Eu não teria tanta certeza... – O mais baixo entre os três, balbuciou com suas mãos nos bolsos, enquanto olhava com dificuldade a escuridão pelas lentes grossas de seus óculos.

— Você os criou, Doutor. Você que deveria saber! – O Major bramiu, o encarando com raiva.

— É, e-eu sei... E é exatamente por isso que estou falando... – O Doutor foi para trás enquanto dizia, levantando as mãos em defesa.

— O que que há, Doc.? – A voz ressoou na escuridão e ninguém conseguia dizer de onde veio.

As três figuras encapuzadas no beco se sobressaltaram, olhando ao redor.

O Major retirou sua arma da bainha e a apontou para o nada; tentando, sem sucesso, manter-se calmo.

— Abaixe isso, Major! – No desespero, o Doutor arranjou forças que desconhecia para rosnar aquelas palavras.

Ele sabia melhor do que ninguém que pessoas que atacavam esses seres ou mesmo vítimas que rebatiam seus ataques, lhes eram as favoritas.

Eles adoram isso. Eles adoram o caos. E algo feito contra eles, eles tinham o prazer e a capacidade de lhe retornar em dobro.

— Doutor! Você sentiu saudades de mim, Doutor? – E exatamente atrás dos três senhores, para onde eles já tinham virado outras diversas vezes, foi de onde veio uma nova voz e de onde surgiram em meio à escuridão, duas pequenas silhuetas, de no máximo um metro e meio, muito próximas a eles.

Próximas o suficiente para fazer todo o sangue do Doutor fugir.

— É, abaixa isso, Major. Ei escute, Doutor, quem é esse cara barbudo? – A segunda voz se repetiu, continuando a falar. Ela era fina e vibrava energia, soava quase infantil se não fosse pelo calafrio que fazia percorrer a espinha daqueles senhores a ouvindo ressoar pela noite.

— F-frank... – O Doutor Walter começou a dizer o nome do Major Lawrence às duas criaturas meio humanoides a sua frente, perdendo o fôlego em meio à tentativa.

— Frank, sua mãe sabe que você está na rua essa hora? – Uma das criaturas, a mais alta e silenciosa disse. Sua voz também era meio esganiçada e debochada, porém ao mesmo tempo era mais cansada e cheia de tédio e... Prepotência.

— Olha Frank, falando francamente, sejamos amigos, hem? – O menor sugeriu, dando um passo a frente, saindo das sombras e aparecendo a vista de Frank.

O Doutor deu um passo atrás por instinto.

O Major, Frank Lawrence, e o Capitão se arrepiaram por completo ao colocarem os olhos pela primeira vez naquela figura meio disforme, andando sobre suas duas patas.

Parecia um humano, falava como um humano, mas era tudo, menos isso. Era um animal, ou deveria ser... Ele estendeu sua mão para Frank, uma mão enluvada, tão branca que só poderia ter acabado de sair da lavagem.

Frank nunca poderia esperar por isso, mas eles realmente existiam, feitos em experimentos secretos antes do início da segunda guerra mundial, durante muitos estudos envolvendo diferentes raças, animais, exposições a materiais radiativos e todo o tipo de tentativa laboratorial que cientistas conseguissem imaginar.

O governo não se importava com ética, nenhum deles se importava, estávamos em guerra, tudo que interessava era o resultado.

Assim, foram criados animais modificados, com o intuito de dar a eles relativa inteligência, de forma que pudessem enviar e receber mensagens secretas durante a sabida iminente grande guerra. Porém, obviamente, não saiu como eles imaginavam. Humanos mexendo com vidas, uma coisa que eles não fazem sequer ideia de como funciona... Os fez criar algo que também não fazem ideia do que foi... E cada vez mais que esses animais iam crescendo, os envolvidos percebiam que os entendiam ainda menos.

Eles possuíam racionalidade muito próxima da humana e tentavam imitar e se aproximar das pessoas.

Alguns ficavam presos a seus objetivos iniciais como carteiros, porém, o que todos tinham em semelhança, era uma grande tendência ao pandemônio. Como se fosse uma alma incomodada dentro de um corpo apertado. Como se tivessem muito mais energia do que podiam usar ou controlar.

Sua hiperatividade foi constatada diminuir com os anos de vida, porém não aquela sua mentalidade manipulatória e diabólica. Eles diziam gostar dos humanos, pareciam imita-los, mas, na verdade, o que parecia que eles tinham era inveja e ódio. Odiavam a forma escrota que os humanos os tratavam, a estupidez do homem... Por os obrigarem a conviver com eles, em um local onde esses mesmo humanos eram os seres dominantes. Assim, o que eles pareciam mais se deleitar era em fazê-los de bobos, inferniza-los e atormenta-los ao máximo.

Logo no início da criação, se reparou que esses animais eram perigosos e incontroláveis demais para serem usados.  O Doutor nunca conseguiu mantê-los contidos o suficiente para estuda-los. Foi quando os financiadores mandaram fazer uma limpa completa desse projeto e só então, naquela noite em seu laboratório, em uma de suas últimas tentativas de destruir esses seres, o Doutor Walter começou a perceber, com toda a certeza, a periculosidade desses seus pequenos experimentos.

Um pássaro de cabeça vermelha, com braços e andando em duas pernas, o seguia de um quarto branco, onde ele morava, por um corredor iluminado até o laboratório.

— Esse cara é meio louco... – O pássaro alarmado contava uma história, que o Doutor preocupado como estava, não prestava atenção.

— Você precisa ficar aqui. – Doutor disse e pegou o animal, o colocando sobre uma cadeira de metal e afivelando seus pulsos e pernas.

— Aí ele disse: “você não é humano, você é um pássaro, ouviu?” Hm, acredita, Doutor? Essa gente inventa cada coisa. – Então a pequena figura olhou para os próprios membros, vendo o que o Doutor fazia lhe prendendo ali. – Ué, pra que isso? Aposto que eu não consigo sair. Ahn? Eu não consigo mesmo. Tire-me daqui, Doutor, socorro, socorro!

— Fique calmo, são somente alguns experimentos simples, eu prometo. Nada para se preocupar.

Doutor Walter se virou para a mesa de controle ao lado, seus olhos vermelhos depois de passar seguidas noites em claro, seu coração a mil, enquanto pensava que essa era sua última esperança de mata-lo. Esse era um projeto secreto, a responsabilidade estava quase que inteiramente sobre ele. Na verdade, os únicos companheiros que teve, haviam sido esses próprios pequenos demônios, mas agora, a única coisa que ele conseguia pensar era em se livrar deles.

A cada nova tentativa falha, ele se tornava mais e mais desesperado. Esses seres não podiam ser imortais, eles precisavam morrer. Eram feitos de carne e osso, ele sabia, ele os fez!

— Legal, deixa eu te dar uma ajudazinha. – Foi quando Walter ouviu a voz próxima a seu ouvido. Ele se virou parando de programar a voltagem na tela do equipamento e viu ao seu lado a pequena figura solta, em pé, lhe encarando.

Walter o encarou de volta com puro horror no olhar, como ele havia feito isso? Apesar de tudo que ele já tinha visto dessas criaturas, isso continuava o assustando como o inferno.

— O que foi, Doutor? Só uma ajudazinha.

A pequena ave perguntou, como se não entendesse o olhar de Walter. O cientista não disse nada ao pega-lo e coloca-lo de volta na cadeira. Provavelmente ele não tinha travado direito seus pulsos, essas criaturas são espertas, ele não perderia uma chance de se soltar.

Estava tudo bem, ele travaria direito dessa vez.

Colocou os eletrodos pelas regiões de menos penas no rosto da ave e no peito.

Ela somente o encarava, com grandes olhos, que piscavam vez ou outra parecendo não entender o que acontecia.

Walter ligaria o equipamento e não teria como qualquer ser vivo sobreviver a uma descarga direta como aquela.

— Adeus, meu pequeno experimento. – Walter se permitiu dizer, antes de se virar e ligar o equipamento.

— Ahn? Adeus, Doutor. – O pequeno ser na cadeira disse e quando Walter apertou o botão, o equipamento explodiu, não conseguindo emitir a descarga nos eletrodos, travando no meio do circuito e estourando a mesa de controle sobre o rosto do homem de óculos. – Heh, chocante, não é? Acho que esse seu negócio mecânico está com problema.

A sala ficou em chamas, com pedaços de equipamento por todos os lados, porém Walter não estava machucado, o que era muito estranho e, muito menos estava, a ave.

— Tudo bem, eu não sou mecânico e prometo nunca te dar problemas, Doutor.

Foi naquele dia que Walter percebeu que a consciência desses seres afetava diretamente a realidade.

O medo ou algo sobre eles, que Walter suspeitava ser inclusive consciente, lhes assegurava a vida, independente do que o Doutor tentasse para mata-los, nunca seria fatal e costumava voltar-se, na verdade, contra ele.

A única coisa que podiam fazer, então, é tentar torna-los úteis. O pássaro e o outro, semelhante a um coelho, tinham chegado de uma missão na Rússia e agora o Doutor Walter tentava fazê-los falar as informações que coletaram, enquanto oferecia comida a eles, em um bar fechado naquela rua deserta.

Os envolvidos nesse projeto tinham recrutado o máximo possível daquelas criaturas ali naquela noite. Todos em suas mesas, distraídos, se esbanjando com a comida. Foi então que uma fumaça começou a invadir o local.

Doutor Walter olhou para a porta da cozinha e viu um homem alto, não usava blusa, sobre o peito ele tinha colares feitos com dentes e couro de animais. Sua pele era toda riscada com símbolos. Ele fazia uma fogueira no chão e balançava um tecido empurrando a fumaça para dentro do salão.

O Doutor levantou seus óculos, vendo homens do serviço secreto cercando o local.

Esse era o último plano deles, por mais ilógico que fosse, Doutor Walter, nesse momento, já aceitava qualquer coisa.

Uma antiga tribo americana havia relatado conhecer esses espíritos que Walter trancou dentro de corpos orgânicos e disse saber como mata-los.

Eles só precisavam inalar a fumaça daquela mistura sagrada.

As criaturas, realmente, inalaram, mas não foram só elas que morreram naquela noite.

Os olhos da ave começaram a piscar e pareciam mudar de cor, a cada vez que os abria. Ela soltou uma risada alucinada, enquanto o olhar do coelho também se alterou, se tornando completamente vago.

— COMIDA! – Os seres disseram olhando um para os outros.

O pássaro e um urubu começaram a pular um sobre o outro. O pássaro pareceu levar vantagem mais facilmente, arrancando pedaços e membros a cada mordida. Eles tinham dentes próximos aos dos humanos, o que tornava um pouco difícil agarrar e puxar fora pedaços, mesmo assim em poucos segundos o bico amarelo da ave estava derramando sangue pelo chão, ao enfim tirar a vida de seu companheiro e devorar toda a carne comestível.

Os humanos presentes, também não conseguiram escapar da fome que dominou aquelas almas. Em pouco tempo, todos ali dentro, impedidos de sair pelo serviço secreto que isolou o local, se tornaram nada além de corpos mutilados pelo chão.

No final, só havia sobrado inteiro naquele estabelecimento, a ave e o coelho, um olhando para o outro, com olhos perdidos. Cobertos de sangue, inclusive sobre aquelas suas estranhas e inseparáveis luvas pálidas, agora rubras.

Então, um deu o primeiro passo, a ave, ela foi para cima. Porém, esses dois, não eram quaisquer dessas criaturas, o momento em que a penugem na sua mão se esbranquiçava, como luvas, aquele era o ápice que conseguiam de sua evolução. Eles já sabiam o que faziam com a realidade próxima e não davam mais a mínima para leis da física.

O coelho cavou um buraco no concreto do bar, tão fundo que eles se jogaram e começaram a cair, em uma queda livre até o outro lado do mundo, saindo por um bueiro em uma rua asiática. Eles iam contra a gravidade, caindo em direção ao céu, até que pararam para pensar sobre isso.

A ave então bateu seus braços, voando pelos prédios e trombou em um ser que estava sentado no topo, o fazendo derrubar um caderno preto.

As pessoas pelas ruas, mal conseguiam entender o que era aquelas rajadas rápidas de vento que passava ao seu redor. Eles não se locomoviam mais como matéria.

Entraram em um prédio, cheio de quadros em exposição, havia um castelo europeu e deveria ser só um desenho, porém, não foi assim quando o animal orelhudo tentou se esconder atrás de um salgueiro dali. Logo, a árvore começou a se movimentar como um lutador, parecendo inicialmente impulsionada pelo vento, atacando o pássaro. Irritada, a criatura menor, ainda com o olhar deformado e aparentemente alucinado, começou a destruí-la com seu bico, foi quando o coelho saltou para fora da tela, indo parar em um país latino, em uma sessão de cinema, passando um filme juvenil sobre bruxos.

Eles continuaram a perseguição, indo para o meio de uma estação lotada do metro... Esse, definitivamente, não era mais o ano de 1945.

Até que os dois, juntos, se viraram e viram, ao mesmo tempo, um chinês gordo os encarando. Eles pararam ao perceber que ele era o único que os via. Um animal olhou para o outro, voltando a tomar consciência sobre si mesmo. O efeito da fumaça parecia estar finalmente passando.

Percebendo o que tinham feito e sem entender sequer onde estavam, não puderam resistir em seguir o homem que os olhava.

O homem tinha chegado em casa, sentado em seu computador e começado a escrever algo... Eles entraram no quarto se aproximando por trás.

— Nhé... Então nós existimos por causa de você! – O coelho falou ao entrar no local e olhar ao redor, diversos pôsteres, desenhos e histórias sobre um coelho e um pássaro, espalhados sobre o chão e parede.

Os dois animais pareciam cansados agora, mas uma coisa é certa sobre eles, desde sempre, eles, mais do que qualquer outro, queriam entender o sentido de estarem entre os humanos. E ao me verem no meu quarto, escrevendo suas histórias, eles imaginaram que tinham descoberto algo. Mas eu já disse, não me peça explicações, eu só conto a história.

Como para provar isso, minha estante velha pendeu da parede sobre mim, antes que eu pudesse me virar para olha-los. Com o peso daquelas estátuas sobre a minha cabeça eu deveria estar inconsciente ou até mesmo, ter morrido, mas eu ainda sabia o que estava acontecendo com eles. Como sempre.

— Uga buga, unga dunga, unga mir... – Era a voz de um índio, o impacto sobre a minha parede parecia que teve algo a ver com o novo viajante do tempo que apareceu no meu quarto. Ele começou a empestear tudo com uma fumaça escura e densa.

— Você não vai fazer essa velha brincadeira comigo de novo, não é, filho? Você sabe o que aconteceu com o último que fez isso comigo? Eu fiz ele em pedacinho, por pedacinho!!! – A ave praguejou raivosa o encarando fixamente.

— Nhé... Chega disso, velhinho. Esses humanos estão uma porra. – Tudo ao redor dos dois se apagou. A realidade deles nesse momento não era nada além do que eles quisessem que fosse e era só um vazio, branco.  – O rato é que tinha razão... Tentar conviver com eles é perda de tempo.

Os dois andaram se aprofundando naquele nada, até ver um roedor escuro, também em pé sobre suas duas patas, os encarando a distancia.

O da cabeça vermelha olhava estático para frente, para aquele movimento ininterrupto do rato, balançando de um lado para o outro, enquanto os encarava e assobiava sem emitir nenhum barulho. Então a ave, sem controle sobre isso, disse:

— Eles ainda querem discutir quando foi a primeira vez que o homem foi a lua... Por que não discutem algo mais importante como quando foi a primeira vez que o homem foi a Disney... - Quebrando o contato, o pássaro piscou seus olhos algumas vezes, sacudindo as mãos. — Até parece. Corta essa, seu rato. Pensa que sou quem, a miss universo, é? Heheheheh heheheh hehehehehehehe...

Assim, os três saíram caminhando para o nada e essa foi a última coisa que consegui saber sobre eles. Depois disso, eles desapareceram de vez, deixando para trás só sua história distorcida na mente das pessoas.

Ou pelo menos é só isso que podemos saber que eles deixaram, até porque, ainda não conseguimos ver muita coisa na escuridão.


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