Mal entendido escrita por Jude Melody


Capítulo 1
Capítulo único




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Jean esfregava os dedos no pedaço de pão, alheio ao mundo. Com os dentes trincados, resmungava baixinho sobre algum assunto qualquer. Era o único no refeitório; todos os outros estavam cuidando da louça ou se preparando para ir dormir. Por isso, ele teve um sobressalto quando Connie aproximou-se por trás e tocou seu ombro:

— Ei, Jean?

— Que susto, cara! — repreendeu o Kirschtein. — Quer me matar do coração?

— Fica calmo. Eu só queria conversar um pouco antes de ir dormir.

— Que seja. — Jean suspirou, acomodando-se melhor no banco.

Connie sentou-se diante dele e pôs as mãos sobre a mesa. Tinha o mesmo sorriso bobo de sempre.

— Você parece emburrado — disse, puxando conversa. — Tá tristinho porque a Mikasa não te deu bola quando você falou com ela durante o treinamento?

— Não é nada disso! — bradou Jean, mas suas bochechas coradas traíram-no. — Que se dane a Mikasa. É com a Sasha que eu estou bolado.

O outro pareceu subitamente interessado em suas razões.

— O quê? Você gosta da Sasha?

— Mas é claro que não, seu idiota! — Jean deu uma mordida voraz no pedaço de pão, quase arrancando um dedo junto. — É que aquela garota chata ficou me atrapalhando hoje. Sempre entrando na minha frente, prejudicando a minha rota... Ela até atacou um dos alvos que eu estava mirando!

A reação de Connie foi conter o riso. Se achara tudo uma graça ou se estava apenas aliviado, eu já não posso contar.

— Fora que, durante o café, ela roubou meu pão.

Connie soltou uma gargalhada.

— Ela é assim mesmo! Devora até a sua mão, se você não desviar do bote rápido o suficiente.

Jean fez uma careta.

— Parece um bicho, aquela garota. Admira-me que não tenham prendido aquele troço ainda. Aposto que, se ela estiver com fome, fica mais perigosa do que um titã de dez metros.

— Que maldade, Jean! — disse Connie, mas ele estava rindo.

— Eu já até sei: quando tivermos de enfrentar titãs de verdade, é só jogar batatas nas nucas deles. A Sasha vai descer igual a uma ventania, destruindo tudo pelo caminho para conseguir as drogas das batatas.

Connie já estava ofegante. Até limpou uma minúscula lágrima no canto do olho.

— Ela é uma garota selvagem. Lembra daquela vez que estávamos na floresta e ela abateu alguns pássaros para a gente comer? Foi tão incrível!

— Selvagem — grunhiu Jean. Aparentemente aquela fora a única palavra na fala de Connie que captara a sua atenção. — Eu não definiria melhor...

O Springer estava prestes a corrigi-lo, explicando o que realmente quisera dizer, quando percebeu um movimento na porta. Sasha fitava ambos, atônita, a mão tremendo na maçaneta.

— Sasha?

Ela bateu a porta sem dizer nada. Pela janela, os garotos viram a Blouse afastar-se.

— Poxa, Jean! Olha só o que você fez!

O Kirschtein atirou o resto do pão em sua boca.

— E daí? — resmungou enquanto mastigava.

— E daí que você a magoou! Ela tem sentimentos, sabia?

Connie levantou-se do banco e correu até a porta. Hesitou antes de tocar a maçaneta.

— Será que ela ficou chateada por nós falarmos dela assim? — perguntou por cima do ombro. — Quanto será que ela ouviu?

— Não sei e não estou interessado em saber. — Jean engoliu o resto da comida e se levantou também. — Acho que vou dormir.

— Mas e a Sasha?

Em resposta, o Kirschtein esfregou as mãos uma na outra para limpar o farelo.

— Ah, quer saber? Faz o que você quiser.

O Springer saiu para a noite escura e procurou por Sasha. Avistou sua silhueta não muito longe dali e começou a se aproximar, nervoso. A Blouse tinha uma careta emburrada. Não raivosa ou vingativa. Apenas emburrada.

— Ei, Sasha — chamou de mansinho, sentando-se ao lado dela no gramado. — Desculpe pelo que o Jean disse agora há pouco.

Ela virou-se para ele.

— O quê?

— Sobre... — Connie engoliu em seco. — Você ser selvagem e tudo...

— Ah... Mas eu sou mesmo.

Connie quase engasgou. Fitou a Blouse com seus olhos âmbares.

— E-eu não acho! Não do jeito que o Jean falou!

Sasha piscou para ele sem entender.

— Eu... acho você uma garota legal! “Selvagem” de um jeito legal! — O Springer cerrou os punhos. Agora que começara a falar, não conseguia mais calar a maldita boca. — A forma como você caça, abate os pássaros... é simplesmente incrível! E o Jean é um babaca por dizer que deveriam te prender em uma jaula. Ele só está com inveja porque você é muito boa nos treinos! Mas eu... Eu não quero que você fique magoada por causa das coisas que ele disse, está bem?

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Desculpe por ter rido... Não pareceu nada de mais na hora...

Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. Não ousaram encarar-se. Ao menos Connie estava envergonhado demais para fitar a Blouse.

— Tudo bem. Eu não fiquei chateada.

— Mesmo? — O Springer virou-se para ela em um rompante. — Então porque você fugiu daquele jeito?

— É porque... — O rosto dela corou. — O Jean roubou o meu pãozinho!

Connie esperava por todas as explicações do mundo. Exceto aquela.

— O quê?!

— Hoje, no jantar, alguém roubou meu pãozinho quando eu não estava olhando. Quase armei o maior escândalo por causa disso, cheguei até a acusar a Ymir, que estava perto de mim. A gente só não partiu pra briga porque a Christa ofereceu o pãozinho dela.

Connie piscou, atônito. Não se lembrava de nada daquilo. Pensando bem, ele se atrasara um pouco para o jantar. Sim, sim, se puxasse suas memórias, recordar-se-ia de Sasha devorando alegre seu pedaço de pão enquanto Ymir fazia uma careta emburrada para Christa.

— Aaaaaaaah... Então, foi isso.

— Eu fiquei com tanta vergonha... Foi o Jean o tempo todo. Ele comeu um pão durante o jantar. E agora há pouco estava comendo o meu. — Ela cerrou os punhos. — Aquele traidor!

— Ei, ei... Você também roubou o pão dele no café da manhã.

— Não justifica! — bradou a Blouse. — Imagina se todo mundo começa a roubar o pão de todo mundo?! Eu queria encontrar a Ymir para pedir desculpas. Nem pensei em dar um murro no Jean.

Ela abaixou o rosto, pensativa. Connie ficou observando. Sasha era tão bonitinha! E com aquela expressão de culpa era mais atraente ainda. Ele só não admitia isso.

— Você pede desculpas amanhã. A Ymir já deve ter ido dormir a essa hora.

— Acho que tem razão. — Sasha bocejou. — Eu vou dormir também.

Os dois levantaram-se e limparam a sujeira em suas roupas. Connie sentia um alívio sereno. Sasha não estava brava com ele, afinal. E assim, nessa leveza de espírito, ele se dirigiu ao dormitório, encolheu-se em sua cama e dormiu um sono tranquilo e repleto de lindos sonhos sobre uma garota ruiva com jeito selvagem.

 

**

 

Ainda estava inebriado por esse encanto quando se sentou ao lado de Jean no dia seguinte. Cumprimentaram-se com um aceno de cabeça — Jean não fez perguntas sobre o enorme sorriso do Springer — e voltaram suas atenções para os pratos diante deles. O Kirschtein estendeu o braço para pegar seu pão, mas um vulto estranho passou correndo pela mesa e afanou a comida.

— Sashaaaaa! — berrou Jean, correndo atrás dela.

O pobre Connie apenas suspirou. A garota era mesmo perigosa.


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