Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 9
Capítulo 9




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Quando cheguei com Alice no escritório logo notei a monotonia do lugar que sempre era agitado. Todos calados, com o semblante triste. Pude jurar que vi Ju chorar em um canto.

— O que tá pegando? – sussurrou Alice para mim.
— Não faço ideia.
— Creio que vocês não foram avisadas – a voz de Rafael surgiu por trás de nós duas, deixando Alice assustada, e a mim arrepiada. – Venham comigo, por favor.

 Rafael tinha a tristeza no olhar, usava preto e hoje nem era terça-feira. Era segunda-feira, e geralmente ele usaria o terno cinza com a gravata azul. Ele seguiu para seu escritório e nós o seguimos em silêncio. Ele fechou a porta e se encostou na mesa, não nos encarou em momento algum. Claramente estava desconfortável e independentemente do que ele tinha para dizer parecia que as palavras o faltavam.

— Está tudo bem, Raf ... Dr. Duarte? – corrigi depressa.
— Não, não está nada bem. Foi bom vocês terem se atrasado um pouco, preferi conversar com vocês duas em particular. – ele ergueu o olhar e olhou de uma para a outra. Mas tive a impressão de que ele se demorou mais em mim. – Eu não sei falar isso de outra forma. Creio que vai ser doloroso de qualquer maneira. A dona Sônia .. – suspirou – ela ... ela sofreu um acidente.
—Meu Deus! Ela tá bem? – disse Alice, mas Rafael se manteve em silêncio.
— Por favor, diz que ela tá viva. – supliquei.
—Infelizmente eu não posso. Os médicos fizeram o possível, mas ...
— Ela não resistiu – completei, e imediatamente me lembrei da morte de minha mãe.
— Não ... Não, não pode ser. Dona Sonia não – Alice andava de um lado para o outro completamente sem chão. Eu me sentei – mesmo sem o convite de Rafael – no sofá de couro da sala de Rafael. Não conseguia pensar, minha cabeça simplesmente estava com um bloqueio. Fiquei ali não sei quanto tempo, e mal me dei conta que Alice tinha saído da sala, provavelmente foi pro primeiro banheiro que encontrou e foi chorar. Alice odiava chorar na frente dos outros.

Rafael se sentou do meu lado, e me ofereceu um copo de água, mas eu não tinha forças nem pra tomar.

— Eu sei o quanto vocês eram próximas. Sinto muito.
— Me apeguei tanto a ela. Não acredito que perdi mais alguém pelo mesmo motivo.
— Quem você perdeu?
— Minha mãe.
— Eu sinto muito. Quase perdi a minha uma vez, não sei o que faria sem ela.
— O que aconteceu? – disse o encarando e vi que ele trincou o queixo – se não quiser falar, não tem problema.
— Um assalto, mas já tem muito tempo.
— Que horror.
— Dona Sonia era como uma mãe pra mim.
— Pra todos nós. Esse escritório não vai mais ser o mesmo. – ele assentiu concordando.

  Um interminável silêncio se instalou. Eu nunca soube lidar muito bem com o luto, e aparentemente, Rafael também não. Resolvi deixa-lo sozinho, talvez ele fosse como Alice, preferindo sofrer em silêncio. Ele se levantou junto comigo, e vi que seus olhos estavam marejados. Não pude me conter e o abracei. Ele se assustou, mas cedeu e me abraçou de volta. Era reconfortante estar nos braços dele e eu não queria mais sair dali. Percebi que ele também não, afundou a cabeça no meu pescoço e respirou fundo, tentando se acalmar. Eu ficaria ali todo o tempo que fosse preciso. No fundo, nós dois precisávamos desse abraço.

— Obrigado. – ele se libertou do meu abraço e respirou fundo. – Vai ser difícil ficar aqui sem ela. Mas acho que a única coisa que podemos fazer, é tentar manter a alegria desse lugar, e deixar tudo funcionando como ela gostava. Conto com você pra me ajudar.
— É claro. – ele deu um aperto na minha mão que ele ainda segurava.
— Vou liberar todo mundo pra ir ao funeral, vamos lá?! – assenti e ele me conduziu ate a saída, ainda segurando minha mão, e só quando abriu a porta a soltou.

Rafael foi super atencioso com todos nós e com a família de dona Sônia. Ela teve um funeral lindo e emocionante, tudo pago por Rafael. Além disso, ele deixou uma boa quantia para a família de dona Sônia, o que eu achei muito generoso da parte dele. Nos dias que seguiram, tentamos recuperar o ritmo, mas sempre tínhamos a sensação de que alguma coisa faltava. Temporariamente, assumi as funções de dona Sônia, até Rafael conseguir contratar alguém para ocupar o seu lugar e estava sobrecarregada de trabalho. A agenda de Rafael era pior do que a de todos os outros advogados juntos e – como sempre – eu fiz algumas confusões, mas ele se mostrou compreensivo. Ele já havia entrevistado várias candidatas, mas nenhuma delas era boa o suficiente para ocupar o lugar de dona Sônia. Eu tinha dúvidas se ele um dia encontraria a candidata perfeita.


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