Eu queria ter poder para calar a voz dentro de mim que gritava em total desespero. Eu me sentia sozinho, confuso, triste, não conseguia pensar direito. Eu era horrível, falso. Minha vida parecia uma mentira que eu prolongava cada dia mais em sofrimento. Ironicamente eu só podia ser eu mesmo quando eu usava aquela máscara, que era como a chave para a minha liberdade. Eu desejava poder me revelar, dizer diretamente ao meu pai que ele não mandava em mim e que eu não resumiria a minha vida ás suas vontades, ele não poderia mais me prender, eu iria me livrar do sorriso perfeito e falso que era obrigado a colocar no meu rosto todos os dias, poderia chorar sem remorso pela saudade que sentia da minha mãe. Eu queria poder ser um garoto normal e me livrar de tudo que estava entalado na minha garganta. Meus maiores momentos de liberdade eram quando eu me transformava em herói e podia correr por aí, pular de prédio em prédio como se estivesse voando, sentindo um vento gelado no meu rosto que me fazia perceber que eu era vivo. Mas na verdade nem aí eu conseguia ser totalmente sincero, uma coisa eu escondia e isso me atormentava cada dia mais: os meus sentimentos por ela. Não era como se eu escondesse eles de propósito, meus flertes os deixavam mais do que explícitos, mas Ladybug não os levava á serio. Eu também já havia tentado me confessar diversas vezes para ela, mas nunca era capaz de fazê-lo e isso vinha me matando por dentro. O que eu sentia por ela não era uma quedinha boba como costumava parecer, era um amor sério, um sentimento forte e tão grande que se eu continuasse o guardando dentro de mim iria me sufocar com aquilo.

Suas bochechas estão coradas?

Você já ficou com medo de não conseguir esquecer um tipo

Que gruda na sua cabeça como algo em seus dentes?

Você tem alguma carta na manga?

Você não tem ideia de que é minha obsessão?

Sonhei com você quase todas as noites esta semana

Quantos segredos você consegue guardar?

Porque esta melodia que encontrei

Me faz pensar em você de alguma forma

E a toco repetidamente

Até cair no sono

Derramando bebidas no meu sofá

Eu repassava mentalmente cada vez que tive vontade de beijá-la desesperadamente. Toda vez que ela sorria confiante de que tudo ia se resolver, quando ela encarava corajosamente um vilão como se não temesse nada, quando os olhos dela brilhavam ao bolar um plano perfeito para salvar a cidade. Ah, essa garota era demais, cada pequeno gesto dela me deixava louco. E ela estava ali ao meu lado naquele momento. Já era tarde da noite quando finalmente conseguimos derrotar o vilão daquele dia, Ladybug orgulhosamente encarava a luminosa cidade que acabara de salvar novamente de cima de um alto edifico. A luz do luar iluminava seu majestoso rosto e um brilho prateado, a face misteriosa a fazia parecer uma deusa inalcançável para um mero mortal como eu.

— Chat? Chat Noir? – Ela estalou os dedos em frente aos meus olhos me acordando dos meus pensamentos. – O que aconteceu? Estou te chamando faz tempo e você nada de responder! Está se sentindo mal? – O cenho franzido indicava preocupação.

— Ah, gentileza sua se preocupar Bugaboo, mas eu estou puuurrrfeitamente bem. – Tentei brincar e dar um sorriso de canto típico para disfarçar o que sentia de verdade.

— Não está não! Eu te conheço e percebi que você anda muito esquisito de uns dias pra cá! – Ela me olhou dos pés a cabeça como se me analisasse. – Mais esquisito que o normal.

— My Lady, você está muito paranoica! Eu tô bem, relaxa. – Eu ri, mas claramente era de nervoso.

— Chat... – Ela suspirou. – Depois desse tempo todo eu achei que você confiava em mim, mas parece que me equivoquei.

— E-eu confio! – Eu falei surpreso.

— Então por que não me conta o que você tem? – Ela questionou brava se aproximando de mim. – Por que não pode me deixar te ajudar? Me diga o que está acontecendo com você, sei que não está bem. Talvez possa resolver conversando, desabafar pode ajudar.

—Aah, eu acho que desabafar pode piorar tudo. – Falei em voz alta sem perceber, ela acabou escutando.

— Então você está mesmo com um problema? – A única coisa que consegui pensar foi “Eu e minha estúpida boca grande!”. – Chat, eu sou sua amiga e parceira para o que for. Se não pode confiar em mim para te ajudar como vai confiar em mim durante uma batalha? – A cada palavra ela se aproximava mais de mim, uma proximidade um tanto perigosa. Ela falou algumas outras coisas, mas eu já não estava conseguindo discernir o que ela estava a dizer. Me concentrava em seu perfume adocicado inebriante, sua voz suave vinha, mas não formava palavras, seus olhos brilhando em preocupação comigo, os cabelos luminosos que pareciam tão macios ao toque. Tão próxima, mas não o suficiente.

(Eu quero saber?)

Se esse sentimento é recíproco

(Triste ver você partir)

Meio que esperava que você ficasse

(Amor, nós dois sabemos)

Que as noites foram feitas especialmente para dizer coisas

Que não podem ser ditas no dia seguinte

— My Lady você quer mesmo saber o que está me deixando assim? – Perguntei, mesmo sabendo que mais tarde poderia me arrepender amargamente por isso. Eu estava disposto a correr esse risco.

— Sim. – Ela me olhou com uma determinação feroz nos olhos.

— Você.

Dito isso eu não parei mais pra pensar em nada. Se eu sabia que já estava arriscando tudo com aquelas palavras, o que mais eu tinha a perder? Talvez nunca mais tivesse uma chance daquelas. Rapidamente segurei o rosto da minha amada Lady e a puxei para um beijo. Seus lábios delicados encontraram os meus em um toque que de inicio parecia muito estranho, mas logo ela cedeu e o beijo foi se tornando uma dança conduzida por dois. Ela tinha gosto de morango, muito bom. Nós dois parecíamos não saber muito bem o que fazer, tão inexperientes com aquilo. Minha língua pediu passagem, que foi conduzida apesar da hesitação. Foi estranho, mas muito bom. Eu desci uma das minhas mãos até chegar à cintura dela, enquanto ambas as mãos dela se direcionaram ao meu cabelo, acariciando levemente. O beijo foi deixando a calmaria e passou para algo com mais intensidade, as línguas travando uma doce batalha por domínio. As mãos dela agora subiam e desciam acariciando as minhas costas. O toque era viciante, não queríamos parar com aquilo, mas o ar se fez necessário e interrompemos o contato. Em meio à respiração ofegante tocamos nossas testas e nos encaramos diretamente um nos olhos do outro tentando decifrar o que se passava nos pensamentos do parceiro.

— Uau, o qu-e fo-foi isso? – A heroína perguntou em uma respiração entrecortada.

Nesse momento parecia que um balde de agua fria foi jogado na minha cara. O que raios eu pensava que estava fazendo? Não podia simplesmente sair beijando ela desse jeito, era loucura! Ah, eu tive certeza de que agora ela me odiava. O desespero me atacou mil vezes mais forte do que antes.

— Meu Deus! O que eu fiz? La-ladybug me perdoe! Me perdoe, me perdoe, eu não devia, eu não podia... Ah, me desculpe, droga eu estraguei tudo... – Sussurrei sem saber o que fazer depois daquilo. – Eu nunca mais faço isso! Por favor, não me odeie! – Implorei.

Até aquele momento ela só estava me encarando perplexa, tão sem reação que parecia uma estátua. Então eu pude escutar uma risadinha.

— Céus, como você é exagerado Chat Noir! – Ela sorriu enquanto balançava a cabeça levemente.

— Eh-h? Então... Você não me odeia mesmo? – Eu perguntei receoso e confuso.

— Você não entende nada mesmo, gatinho bobo. - Dessa vez ela puxou o meu rosto e colou seus lábios aos meus em uma doce dança. – Espero ter respondido as suas perguntas com isso. Até mais. – Dito isso a joaninha correu até a beirada do prédio e atirou o ioiô em algum lugar antes de pular para longe da minha vista, sumindo no céu noturno e me deixando cheio de uma alegria efervescente e ainda mais dúvidas sobre aquela bela heroína. Ela era indecifrável.