Apenas respire.

A voz em sua cabeça sussurrava. Suas pernas continuavam a obrigar o corpo tomado pelo pânico a seguir em frente. Sentia alguns galhos dos altos pinheiros rasgando sua pele enquanto avançava. Tremia. Não veio preparada para o clima frio típico da floresta de coníferas.

Apenas respire, repetiu.

O coração marchava ruidosamente dentro de sua caixa torácica como se usasse toda sua energia para impulsionar a menina em frente. O rosto estava sujo e algumas lágrimas deixavam um rastro por onde passavam. Respire. Agora era um grito, uma ordem. Conseguia ver as sombras dançando a sua volta, perseguindo-a. Só conseguia ouvir sua respiração, folhas e galhos sendo esmagados e a voz que a direcionava.

Estava exausta e com medo, mas não estava sozinha. Algo dentro de si lhe dava forças para continuar. Corria de forma automática e sem rumo, mas uma bússola interna lhe dava um norte. O desespero já estava a consumindo, mas tudo que conseguia pensar era "Tudo que você precisa é apenas respirar". Chorava em silêncio, ouvindo os sons distantes e sutis daqueles que a perseguiam. O ruído de sombras se movendo em meio às árvores. Era como um leve farfalhar das folhas, ou as asas batendo de um pássaro assustado, mas foi o suficiente para alimentar o medo que crescia dentro de si.

Queria gritar, queria desistir e se entregar. Queria chorar de verdade, mas as lágrimas vinham e saiam mudas, sem conseguir se expressar em meio ao olhar contemplativo das árvores que eram espectadoras educadas e silenciosas. Os músculos de suas pernas queimavam pelo esforço com o qual não estavam habituados. A neve do dia anterior havia transformado as trilhas em armadilhas escorregadias. Pássaros e outros animais pequenos observavam os cabelos negros da menina dançando junto ao vento. Testemunharam calados quando a quando a pequena menina caiu. Tropeçou em uma raiz e tudo ficou escuro enquanto seu corpo rolava desajeitado colina abaixo.

Molhada, com frio, talvez alguns ossos quebrados. Tantos arranhões cobriam sua pele que parecia ter sido atacada por um gato selvagem. Sentia dor física de todas as formas, mas a pior dor era interna. O medo, a tristeza, a solidão e insegurança estavam consumindo cada um dos seus pensamentos. Tudo dentro e fora dela estava girando quando finalmente parou. A respiração era apenas um suspiro. Se sentia quebrada como nunca antes, abandonar sua mãe, abandonar sua vida por culpa de um pai que nunca conheceu. Tudo que ele tinha feito foi condená-la a possuir um eterno alerta de "procura-se". A vida que deixou para trás, eram agora mil pedaços no chão. As sombras estavam se aproximando lentamente, pelo menos foi o que ela pensou ser, mas era apenas o abraço do sono a acolhendo.

Estava exausta. Os olhos já cansados de lutar para ficarem abertos agora se fechavam com uma esperança. Pelo menos esperava encontrar em seus sonhos um lugar melhor. Antes de adormecer conseguiu ver uma centelha de esperança se aproximar dela. Era um jovem loiro com olhos azuis de um céu ensolarado com um meio sorriso no rosto. A última coisa que Neya conseguiu pensar era que seu salvador parecia tão alto quanto uma árvore. Mais tarde saberia seu nome e inclusive lhe daria apelidos. Foi Lecter, o rastreador, que a salvou e a levou para o Instituto Eredi onde crianças que como ela encontravam segurança. Ela não precisou mais correr, não agora. Lecter a levou em seus braços até um lugar quente, onde as sombras já não poderiam machucá-la. A menina já não precisava fugir, então tudo o que se obrigou a fazer foi continuar a respirar.

Apenas respirar.