Wasting Time escrita por Cosette Guinevere


Capítulo 1
I




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O vento passando pelo friso das janelas soava quase como um fantasma durante a noite fria e calada. Dentro da biblioteca, Sara imprimia as últimas folhas do trabalho que teria que entregar na próxima aula, embora a falta de dinheiro lhe atrasasse. Contava as moedas um pouco atrapalhada pela pressa, ignorando o homem irritadiço que bufava a todo instante atrás de si. “Merda, ainda falta dinheiro” pensou, controlando-se para não entrar em desespero.

― Quanto ficou mesmo? – perguntou novamente enquanto pensava em uma solução para a falta de dinheiro. O rapaz atrás dela soltou algum palavrão e o funcionário a olhou com ar de tédio.

― Cinco e vinte e cinco. ― o funcionário respondeu novamente. Sara contou novamente suas moedas: 4,40. Xingou-se mentalmente.

― Albert, aqui tem 5,25 ― O jovem rapaz atrás dela adiantou-se, deixando o dinheiro sobre o balcão, virando-se para Sara em seguida. ― Desculpe, mas minha aula começa em cinco minutos, do outro lado do campus, então…

― Obrigada ― murmurou Sara entre a surpresa e a vergonha. ― eu só tenho 4,40 aqui.
― Tudo bem, o que são alguns centavos? Eu te ajudo aqui e você me ajuda liberando a fila. ― Sara estendeu suas moedas ao rapaz, sentindo-se envergonhada pela situação. Ao singelo toque de ambas as mãos um pequeno choque os atingiu, fazendo-os se afastar de supetão. ― Encostou em alguma coisa com estática recentemente?

― Não, não que eu me lembre. ― Sara começou a falar, mas o funcionário os interrompeu, ainda com o mesmo tom entediado de antes.

― Três e noventa, senhor Mackenzie. ― anunciou. Sara aproveitou o momento para se afastar com um pequeno “obrigada” e um rápido aceno.

Passou pelas grandes portas adornadas, tomando cuidado para não tropeçar pelo tapete carmim que cobria o chão de madeira do local, saindo da suntuosa construção de pedra. Sara correu para a sala de aula, sua primeira aula também começaria em menos de cinco minutos. Por sorte chegara junto com o professor, embora ofegante e suada.

Talvez o período de azar houvesse passado por hoje. Percebeu pequenos amassados em seu trabalho, tão pequenos que dificilmente seriam percebidos por um olhar menos atento, mas isto a desagradou. Divagou um pouco sobre o emprego que precisava, lembrando-se da promessa de seu professor em auxiliá-la no processo de conseguir um estágio. O mesmo professor o qual entregaria o trabalho em suas mãos.

Logo Senhor L. passava pela porta da sala, com seus cabelos brancos e postura de erudita. Sentou-se em sua cadeira, avaliando a sala com um olhar que poderia ter mais de mil anos de sabedoria, pousando o olhar em Sara logo em seguida. Ao fazer isso, ergueu as sobrancelhas, parecendo curioso sobre algo e fazendo com que a moça logo desviasse o olhar. Às vezes era como se ele pudesse ver o que se passava sua alma. Coisas que nem ela mesma poderia imaginar, mas o velho sabia. Senhor L pegou então sua lista de chamada, chamando um a um. Logo, uma pilha de papel se juntava em cima de sua mesa.

― Acho que consegui um estágio para você. ― segredou quando Sara deixava seu trabalho junto com o dos outros alunos. ― Se você concordar com os termos, é claro.

― Já esperava por isso. Vou ter que pintar o cabelo, não é? ― Sara segurou uma mecha dos cabelos pintados de roxo. Havia retocado há pouco tempo, mas sabia que nenhum emprego a aceitaria desta forma, então se conformava aos poucos em mudar sua cor mais uma vez. Talvez cobre lhe caísse bem.

― Não, nada disso. ― o professor negou, olhando para seu cabelo colorido sem o tom de julgamento que ela já havia se habituado ver em outros professores. ― Você não pode sair até que termine seu contrato. Veja, é uma importante pesquisa, que abrange várias disciplinas. Tenho outros dois alunos meus neste projeto e conseguiria te inserir também, mas você tem que entender que é de suma importância que você se comprometa de verdade conosco.

― Eu aceito.

― Tudo bem. Agora diga-me, porque está tão pálida?

― Tive que correr, minha resistência não é das melhores. ― deu de ombros, as pontas de seus dedos ainda formigando com a lembrança do choque levado mais cedo. Senhor L riu um pouco, a mandando lavar o rosto em seguida. Sara se dirigiu ao banheiro com um suspiro de alívio, um sorriso no rosto e a tranquilidade do coração de quem não seria despejada por não conseguir pagar sua parte no aluguel da república onde vivia.

 

Chegou em casa quase meia noite, encostando a porta com delicadeza para não despertar os outros moradores. O cheiro doce de incenso denunciou que Aisha estaria acordada. Entrou no quarto que dividia com ela, passando pela porta de madeira estilo camarão.

A luz das velas deixavam o quarto com um aspecto misterioso, mas confortável aos olhos. ― Tighearnach! ― Sara fez uma careta ao ouvir meu sobrenome. ― Fiz chá, fique à vontade, se quiser.

Avaliou a noite fria pela janela. Talvez uma xícara de chá quente lhe caísse bem.

― Não é mais uma de suas mágicas, é?

― Todas as ervas possuem propriedades e energias, mas é apenas uma infusão de artemísia. É boa para enxaquecas, para problemas digestivos, alivia a tpm…

― Mas você não o fez com nenhuma dessas intenções, se eu a conheço bem. ― comentou bebericando a xícara do conjunto de chá que Aisha mantinha no quarto que dividiam enquanto sentava em sua cama.

― Não sente na cama com a roupa da rua. ― repreendeu ― De fato, artemísia também ajuda na adivinhação e clarividência. ― ela deu de ombros. ― Agora vá tomar um banho para se deitar, não traga energias ruins para este quarto.

― Jamais! ― Sarah colocou as mãos contra o peito em uma expressão de falso ultraje, levando um revirar de olhos de minha amiga, que olhava as runas a sua frente com um uma expressão enigmática. ― O que você está vendo aí?

― Fala sobre… colher o que se plantou. Sobre mudanças, restauração.

― Interessante. ― murmurou mais para si do que para Aisha. Seus pensamentos foram para seu novo estágio, com uma sensação de algo nostálgico que num estalo desapareceu. Parou por alguns momentos, tentando recuperar o pensamento, mas este já tinha ido embora. ― Acho que vou tomar um banho mesmo, estou morrendo de frio e a água quente me fará dormir melhor.

Aisha assentiu. Momentos depois, quando voltou, o quarto estava mais frio, sem as velas acesas ou o cheiro de incenso. A janela entreaberta trazia um ar congelante, o que a fez correr para fechá-la antes de me deitar na pequena cama de solteiro, preparada para dormir.

 

Uma grande pedra impedia a visão do resto do caminho, fazendo com que a trilha fosse dividida em duas. Ela obrigada a parar, tendendo ir para a direita, mas sem saber exatamente qual caminho deveria seguir. Na verdade, sequer sabia quem era. Seu corpo todo formigava e hesitou andar, a pergunta ainda ecoando em sua mente. “Quem sou eu? O que faço aqui? Porque não me lembro quem sou?”

Com um leve passo a frente, olhou para cima. Seus olhares se cruzam, um arrepio descendo ao longo de toda a espinha. Não se sabe quem é ele, mas há algo de ameaçador em seu olhar e, enquanto todos seus instintos dizem “fuja”, ela permanece parada, encarando os belos pares de olhos azuis que pareciam frios e ameaçadores. Lá no fundo, uma pontada de reconhecimento permanece viva e pulsante, a dividindo entre correr e ficar. Seria ela a presa ou parte do bando?

 

Sara levantou atordoada, o coração ainda rápido devido ao estranho sonho, que era real a ponto de ainda sentir a pressão da grama sob seus pés e o frio daquele ambiente deixando a pele gelada. Tentou controlar a respiração, lembrando do olhar penetrante, ainda sem saber quem era ele ou o que queria. Respirou devagar, se acalmando aos poucos até se sentir preparada para levantar.

Parecia fazer frio lá fora e por isto escolheu um sobretudo preto e uma meia calça de lã por baixo do jeans. Aquele inverno prometia ser mais cruel que os anteriores a julgar pela neve espalhada pelo chão. Comprou um chocolate quente no caminho, a compulsão por doces falando mais alto conforme a temperatura baixava. Seria seu primeiro dia no estágio e ela foi andando, absorta em pensamentos enquanto ouvia o som de suas botas amassando a camada de gelo que revestia o gramado.

Senhor L. havia lhe dito muito sobre o projeto, que abrangia várias disciplinas, principalmente história, paleografia e arqueologia. Tratava-se de escritos muito antigos, encontrados em uma caverna, acompanhados de vários artefatos que pareciam ter algum uso místico para aquele povo primitivo. Estimava-se que haviam sido feitos em cerca de 2.000 A.C. e trariam, além de sabedorias populares da época, crenças e costumes, a compreensão do dia a dia das pessoas que habitavam este país há 4.000 anos atrás.

Terminou seu copo de chocolate antes de entrar no local de pesquisa, onde, por motivos óbvios, era proibido se alimentar. Senhor L. lhe saudou com um cumprimento e um sorriso amistoso, me apresentando pra o restante de seus companheiros de pesquisa.

― Sara nos auxiliará nesta pesquisa. É uma de minhas melhores alunas da turma de história e creio que terá muito o que aprender e contribuir conosco.

― Tenho certeza que sim. Sou Beth. ― sorriu uma mulher alta e magra, com cabelos grisalhos misturados nos fios pretos presos em um coque. ― Venha até aqui, querida, quero lhe mostrar o que achamos até agora. Creio que já leu ou ouviu um pouco sobre a pesquisa, não?

― Sim. Parece que em algum momento eles citam algo sobre outros escritos, não? Já achamos algo?

― Não, ainda não, infelizmente. O que achamos até o momento parece ser algo ritualístico. Fala sobre uma espécie de ritual de casamento, talvez. Estamos vasculhando a área, acredito que vamos achar mais alguma coisa que nos ajude a entender melhor de quem o livro fala. Está vendo aqui? ― ela apontou para uma parte de uma das três pedras ― acredito que esteja citando o líder do povoado, que se casou com uma estrangeira.

― Isso não deve ter agradado muito o restante da tribo.

― Com certeza não. Eram grupos muito fechados, até onde conseguimos descobrir.

― Parece ser de 2.500 A.C., estamos supondo ― Sr. L. se manifestou. ― Achamos algumas peças de pedra e cerâmica desta data.

― Talvez estes noivos estejam enterrados perto de onde estavam os escritos. Não era incomum que casais fossem enterrados juntos. ― comentou a garota.

― Realmente. De qualquer maneira, não é o foco encontrá-los, mas sim traduzir totalmente este livro e achar pistas sobre o dia a dia deles. Queremos reconstruir o máximo possível como era a vida aqui há cerca de quatro mil anos. E eu quero que você me acompanhe nas buscas e escreva esse artigo comigo e com Beth. ― segredou Sr. L., fazendo o coração de Sara coração dar um pulo dentro do peito. Num momento de total fascínio, olhou para o professor, com seu cabelo totalmente grisalho, as rugas ao redor dos olhos sábios e gentis, sentindo uma enorme gratidão pela oportunidade oferecida. Uma publicação junto com o famoso Leonard Lion Mackenzie abriria infinitas portas do mundo acadêmico.

― Isso seria incrível, professor!

― Sempre soube que poderia contar com você, Sara.

 

Horas mais tarde, Sara, Beth e Sr. L. tomavam café em uma cafeteria no centro da cidade. Sr. L. era um estudioso nato, ávido por conhecer a fundo tudo o que lhe despertasse curiosidade. Já Sara, era apenas uma curiosa nata, que adorava investigar o que lhe chamasse atenção. O passado e a história da humanidade era uma destas coisas.

Beth explicava que em alguns dias eles iriam até o sítio arqueológico.

― Desculpem o atraso ― disse o garoto que se jogou na poltrona a frente de Sara, parecendo mal humorado para ela. Passou os olhos, que Sara julgou serem frios e ameaçadores pela mesa, pousando-os na garota com um leve franzir de testa. Uma pontada de reconhecimento os atingiu e assim como no estranho sonho de Sara, ela se dividiu entre correr e ficar. ― A menina dos 5,25. ― ele parecia achar graça fazendo com que ela apenas murmurasse um cumprimento, baixando a atenção para seu chocolate, pensando em talvez lhe pagar um café para compensar a situação ocorrida no outro dia. Pelo jeito, este seria um longo projeto.


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Notas finais do capítulo

Opiniões, elogios, críticas, alguém aí?



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