Chuva, migalhas e teto de pontinhos escrita por Yuki Max


Capítulo 1
Capítulo Único - Pontinhos


Notas iniciais do capítulo

Olá, *.*

a música "God only knows" vai bem a história (e se acabar essa e quiser emendar outra, "Can't help falling in love with you" é uma ótima pedida!)

Nos vemos nas notas finais?
Boa leitura! ♥



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Quando era ainda muito, muito pequenino – pequenino do tipo que nem sequer se deixa acreditar o quanto vai crescer –, ele lembrava-se de ter ouvido uma história. Era tarde já, e, ainda que não mais chovesse, na noite anterior havia chovido o bastante para colocar por trás de suas pálpebras o medo do barulho e em suas mãozinhas o desejo por carinho. O pai ainda não dormia – tal qual chuva trovejando ainda na sala de treinamento –, então pôs-se nas pontas dos pés até o maior quarto da casa e enfiou-se devagar, bem devagarinho, debaixo das cobertas, os dedinhos procurando urgentes as bochechas sempre frias da mãe. Por um instante, bem bobo instante, travou de medo ao sentir as pontinhas dos dedos molhadas. Talvez a chuva ainda não tivesse de todo parado... Quando os olhos cinzas de tempestade abriram-se, contudo, e a mãe sorriu em sua direção, nada mais importava.

Ele não podia ficar ali, sabia disso. Ambos sabiam. Então ele aproveitou o quanto podia, afundando o rostinho no travesseiro e enroscando as mãozinhas geladas nos cabelos claros, só parando quando, bem baixinho, seu nome foi dito em repreenda e bem suaves os dedos gelados escorregaram pelo topo de sua cabeça.

A partir de então, ele conhecia o ritual: teria que levantar-se e, nas pontinhas dos pés, torcer para não ser pego nos corredores longos demais.

Naquela noite foi diferente, entretanto. E talvez tenha sido exatamente aí que ela começou a tornou-se especial o bastante para acompanhá-lo mesmo quando tornou-se tão grande que mal lembrava aquele embrulhinho miúdo escondido bem quietinho nos braços da mãe que atravessava apressada a casa grande até o quarto no fim do corredor.

Foi quando a ouviu, a história. Sussurrada de memória debaixo das cobertas, a voz baixinha, bem baixinha, acarinhando junto aos dedos frios o topo de sua cabeça. Não se lembrava muito bem como ela era, nem início nem fim nem quase nada do meio. Só se lembrava de migalhas, do desejo urgente que alguém tinha de voltar para casa, do caminho perigoso, e da quase certeza de que, mesmo que estranho, de alguma forma começara a chover no pequeno quarto, chuva gelada que caia quase como neve quando em vez no meio dos carinhos. Mas, mesmo que fosse tão pouquinho o que se lembrava, lembrou-se desse pouquinho com tudo o que tinha. Lembrou-se pra sempre.

E desde essa noite, Todoroki Shoto passou a guardar suas migalhas.

Guardou com carinho os beijos na pontinha dos dedos que recebia da mãe quando o pai não olhava. Guardou com carinho os elogios que recebia do pai quando acertava alguma coisa nos treinos. Guardou com carinho as vozes dos irmãos perguntando baixinho ao pai se podia brincar. Guardou com carinho os dias quando, ao invés de na sala de treinamento, passava as tardes no colo da avó. Guardou com carinho a pelúcia que recebeu escondidinho da irmã mais velha. Guardou com carinho a luz da TV brilhando sonhos acarinhados pela mãe.

No começo, nem ao menos sabia por que as guardava. Se já tinha casa. Se não estava perdido. Se tinha para onde voltar.

Depois, passou a guardá-las por desespero.

Guardou os dias em que os cumprimentos eram respondidos. Guardou os momentos quando olhos não fugiam de seu rosto. Guardou os almoços que eram compartilhados. Guardou as tarde em que a comida permanecia em seu estômago. Guardou com carinho todas as formas que moldava com seus dedinhos tão gelados quanto aos que antes acarinhavam-no.

Guardou porque, ainda que pequeno, tão pequeno ainda, Todoroki Shoto já entendia que quando migalhas são tudo o que recebe, é preciso que as guarde com carinho. Entendia que se não as guardasse, acabaria, algum dia, se perdendo de vez. Se perdendo daquele jeito que não tem volta.

E talvez porque no fundo, bem no fundo, ele ainda tivesse um pouco de fé boba na promessa sussurrada debaixo das cobertas de que, um dia, encontraria um lar e que, assim, com suas migalhas todas juntadinhas, nunca mais se perderia dele.

Continuou a guardar, então. Mesmo dissesse a si mesmo que guardava só por guardar.

Guardou como não precisava queimar nada. Guardou as palavras que quando em quando trocava com a irmã. Guardou a entrada na escola brilhante da TV. Guardou os sonhos com possibilidades de sorrisos desconhecidos. Guardou a pequena esperança de que pudesse encontrar uma casa atrás dos portões gigantescos da UA.

Guardou. Guardou. Guardou. Escondidinho. Bem escondidinho.

Mas era pequeno, ainda. Não tanto quanto antes era, e já quase tão grande tão viria a ser, mas, ainda assim, pequeno. E, assim pequeno, perdido ainda nas voltas que dava desde sempre, se ressentiu, confuso, frustrado, inquieto, quando finalmente encontrou o que procurava.

E continuou a guardar, ainda, mesmo depois de ter encontrado, todas as migalhas que recebia, ignorando, com ingenuidade e teimosia, o quão grandes e numerosas elas tornavam-se. O quão grande ele mesmo se tornava.

Guardou todos os sorrisos de manhã. Guardou a companhia diária pro almoço. Guardou a enfática torcida na arquibancada. Guardou a defesa protetora ferina que recebia. Guardou o apoio descompromissado. Guardou o número do telefone. Guardou a sensação de ter alguém com quem podia contar. Guardou a felicidade de ter alguém que contava consigo. Guardou os pedidos de ajuda. Guardou a confiança quase cega nos poderes que nem ele mesmo confiava. Guardou os incentivos carinhos e a preocupação descomedida.

Guardou tudo. Tudo. Muito. Tanto, mas tanto, que, se olhasse direito, certamente perceberia que já nem mais migalhas eram.

Mas não olhava direito. Olhava só escondidinho. Só de rabo de olho quando ninguém mais olhava. Intrigado, mas, ao mesmo tempo, muito, muito confuso. Porque, no fundo, era inquietante que tivesse por tanto tempo juntado migalhas para, no final, seu lar já vir com um caminho naturalmente traçado.

Um ponto aqui. Outro ali. Aquele sobre a pálpebra direita. Aquele outro na ponta da orelha esquerda. Aquele outro, um pouco maior, em um dos ombros. Aqueles juntinhos perto da cicatriz no braço. Aquele quase perdido na coxa direita. Aquele secreto na dobra do mindinho. Aquele que mal se deixava encontrar debaixo do cós da calça. Aquele na testa. Aqueles espalhadinhos pelos ombros. Aqueles que quase como caminho em mapa começavam na bochecha e terminavam na curvinha do lábio.

Tantos e tantos mais pontos quanto mais olhava. Tantos quanto mais coragem tinha de olhar direito. Tantos quanto mais largo abrisse os olhos em admiração.

Todos lá, independentemente do quanto olhasse ou do quanto se afastasse. Todos lá, olhasse se perto, olhasse por fotos ou olhasse em sonhos. Todos marcando, tais quais as migalhas no chão, exatamente qual caminho devia tomar caso se perdesse. Qual caminho tomar caso quisesse se encontrar.  

Estavam lá, independentemente de suas migalhas. Estavam lá, mesmo que ainda as guardasse tão bem escondidinhas.

Precisou se perder, contudo, mais algumas vezes antes de perceber isso. Precisou guardar mais algumas migalhas, se livrar de tantas outras e entender-se com algumas outras. Precisou ainda de mais um pouco para finalmente perceber que, perdendo-as ganhando-as reconciliando-se ou brigando com suas próprias migalhas, o caminho de pontinhos continuaria apontando diretamente para seu lar.

Imutavelmente.

Precisou crescer mais um tanto e preencher-se com migalhas tão grandes que quase o faziam explodir para finalmente entender que Midoriya Izuku era do tipo de lar que não precisava de nada disso, nem de suas migalhas guardadinhas, nem de mapa, nem de promessas de contos de fadas. Do tipo que não vai ser perdido e que não o deixaria se perder. Do tipo que não rui, do tipo que se sustenta, forte. Do tipo que, de alguma forma que Todoroki Shoto nunca foi capaz de entender, é feito só de encontros e de inteiros. Do tipo que faz perceber que viver só recolhendo migalhas não é nada heroico. Do tipo que dá vontade, em todo mundo que encontra e a cada novo encontro, de se tornar também lar.

E foi isso o que Todoroki Shoto fez.

Foi difícil, no começo. E bastante dolorido. Porque pra alguém que só sabia guardar migalhas, era mesmo difícil começar a distribuir, por si só e de bom grado, inteiros. Difícil para alguém que sonhava em encontrar lar transformar-se a si próprio em um. E, ao mesmo tempo, seu a-duras-penas-encontrado lar não se mantinha impassível, esperando. Midoriya Izuku era impaciente, intenso, intrometido, espaçoso. Entrava abrindo todas as janelas, colocando os pés no sofá, pedindo chá, deixando a escova de dentes, ocupando espaço no guarda-roupas e afirmando que, mesmo que ainda estivesse um pouco vazio, ia morar lá e ponto final.

No fim, entretanto, quando inflou o peito e percebeu o quão aconchegante podia acolher seu lar – seu pequeno lar todo marcado por pontinhos – em seus braços, tudo pareceu tão suave e simples que ele só conseguia sorrir. Muito mais simples do que juntar migalhas e muito mais leve do que qualquer final feliz de contos-de-fadas era sentir Midoryia Izuki guardado em seu abraço.

Não era fácil ser herói, sem dúvida. Não era fácil afastar-se de casa. Não era fácil perceber como as ruas estavam sempre uma bagunça. Nem fácil era manter-se firme como lar do rapaz que queria ser o porto-seguro de todo mundo do mundo. Mas tinha alguma coisa, no fim, de muito quentinho em ser o herói do garoto de sardas que pareciam caminhos. Algo de uma doçura em ouvi-lo sussurrar, rodeado por seus braços, de volta de uma missão longa demais, bem baixinho, como era bom estar em casa. E algo de milagre em concordar, silencioso, inspirando fundo e sorrindo suave, que era, de fato, bom finalmente estar em casa.

Do lado de fora parecia ser sempre chuva, mas ele, Todoroki Shoto, não estava mais perdido nela.





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Notas finais do capítulo

Olá de novo, tudo certo?

Agradeço muito por ter lido! Espero do fundo do meu coração que tenha gostado!
Foi minha primeira fanfic no fandom e a primeira depois de um bom tempo sem escrever/postar nada (daquelas crises fodidas e panz), então espero que tenha gostado de ler tanto quanto eu me senti feliz escrevendo.
Minha intenção era fazer uma história um pouco mais leve, com pegada mais conto-de-fadas e meio infantil, mas não sei como ficou, então já peço desculpas se alguma coisa não está clara e pelo excesso de metáforas estranhas... rs! E, bom... sei que está açucarada, mas, definitivamente, nem chega perto da doçura que é TodoDeku por si só. XD
Obrigada, mais uma vez,

beijo, beijo, =*
Yuki

ps. se por acaso alguém que lê minha long Durarara veio parar aqui eu digo primeiro obrigada, depois que tô viva e ativa, trabalhando na volta e que em instante nenhum eu parei de pensar na história! Desculpa e obrigada por tudo! ♥
ps2. a arte da capa não é minha, achei no google e queria muito saber de quem é, porque é linda demais!



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