Casa da Colina escrita por purplespook


Capítulo 1
Por que as pessoas têm medo da morte? Não é pela dor.


Notas iniciais do capítulo

Esta é a minha primeira fic, então sejam legais.



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Ninguém disse que seria fácil, jamais disseram o quanto iria doer.

Sabe qual é a ironia da vida? Pensamos sempre ao contrário, temos pressa de crescer e depois lamentamos pela infância perdida. Pensamos tão ansiosamente no futuro que esquecemos o presente, assim nem vivemos o presente nem o futuro.

Perdemos pessoas também, aquelas que você nunca pensa que um dia lhe fará tanta falta. Que sempre está ao seu lado e você sempre viveu isso de forma insignificante. Mas um dia todas as pessoas em volta se vão sem dizer adeus antes de sua partida. Penso em todos aqueles que já viveram e morreram, e que nunca mais verão as árvores, a grama, o sol. Tudo parece tão breve e... inútil, não é? Viver um pouquinho e depois morrer? Tudo parece resultar em nada.

Vivemos como se nunca fôssemos morrer e morremos como se nunca tivéssemos vivido. Ainda assim, de certa forma, é fácil invejar os mortos, têm sorte de não precisarem mais viver, estão debaixo da terra, alheios...alheios ao sofrimento, não precisam sentir dor, nem conquistar nada, ou saber qual é o próximo passo, estão alheios ao medo de morrer. Eles estão além da vida, além da morte. A morte é a única coisa que se pode manter viva, pois esta nunca sai da sua memória. A dor permanecerá escondida daqueles que não entregam o seu espírito a morte, mas a memória é traiçoeira, e assim que a dor é dissipada, a memória a busca novamente como em um ciclo continuo batalhando sem exaustão.

Nunca quis estar na posição em que me encontro. Se pensar um pouco jamais imaginava isso, grande progresso! Lamento não ter tido uma vida diferente, ter feito disso tudo algo diferente, lamento ter me perdido em meio a tudo. Não queria que as coisas fossem assim e que nada tivesse acontecido.

Quando pensava no futuro, não me imaginava desta forma, mas eu mesma me meti aqui, eu sei, é consequência minha!

No momento não sendo nada nem ninguém (aparentemente para uma mente perturbada), perambulando pela “BART”, estação de metrô em São Francisco, Califórnia. Olho meu reflexo num vidro a minha frente, é tarde da noite, talvez madrugada não tenho certeza. Estou sozinha imaginando como vim parar aqui. Eu estava errada sobre o reflexo feliz que via a alguns anos. As esperanças e os sonhos, foram mera fantasia da minha mente.

Encaro a minha camiseta do Ride the Lightning, eu adoro este álbum, todas as músicas de alguma forma me fazem bem, por algum motivo é o meu favorito. Se você é um fã de Metallica sabe que este álbum é um dos melhores, mas a maioria não listaria este álbum como seu favorito do Metallica, e eu só conheci uma pessoa que o tinha como o seu favorito em disparada, assim como eu.

—Como eu cheguei aqui?- eu repeti a mim mesma de forma irônica em voz audível o bastante, ainda olhando para meu reflexo no vidro.

É isso que eu me tornei. Na maior parte do tempo, me sinto presa em uma prisão que eu mesma construí. Sim, eu cometi erros, a vida não vem com instruções. Eu não preciso ser lembrada dos meus erros, acredite eles me perseguem o tempo todo. Eu tive planos, sonhos, expectativas, escolhas e colhi decepções. Tem coisas que não podemos mudar, apenas aceitar.

Aperto em minha cintura minha jaqueta branca com o logo do Guns n’ Roses nas costas. Caminho enrolando uma mecha de cabelo curto e branca nos meus dedos, o salto do meu sapato faz eco a cada passo torto.

A música “Prostitute” do Guns n’ Roses (acredito que a minha música favorita da banda) passa pela minha cabeça, como se eu a estivesse ouvindo em fones de ouvido, e começo a cantar em voz baixa para acompanhar a minha mente.

       Canto:

“Seems like forever an a day

If my intentions are misunderstood

Please be kind

I've done all I should

I won't ask of you

What I would not do…"

(Parece para sempre e um dia

Se minhas intenções foram mal entendidas

Por favor seja gentil

Eu fiz tudo que eu pude

Eu não pedirei para você

Algo que eu não faria)

A estação está vazia, minha voz ecoa pelos túneis.

“Oh, I saw the damage in you

My fortunate one

The envy of youth…”

(Oh, eu vi os danos em você

Minha afortunada

A inveja da juventude)

De longe vejo dois pequenos pontos de luzes no final do túnel, ele aumenta, é o trem se aproximando. Ouço o barulho e ele aumenta, até que o trem para na minha frente e entro no vagão quase vazio .

            Me sento com dificuldade, a bebida e os remédios que havia tomado anteriormente não são uma boa combinação.

        As poucas pessoas presentes no vagão percorrem seus olhos sobre mim, alguns fixam por um tempo e outros encaram, avaliando atentamente. Um senhor aparentando seus 60 anos (que porra um velho está fazendo essas horas no metrô?) com um chapéu e terno ridiculamente velho, lendo jornal, um cara negro com uma mochila conversando com dois caras brancos, um alto e magro de boné e um baixinho um tanto cheio de si com os músculos aparentes na regata branca, e mais ao fundo no canto um trio de garotas com aparentemente 19 ou 20 anos, vestidas como… sabe aquelas vestimentas que são tão colados ao corpo que não há possibilidade de se sentar direito? Aquelas vestimentas que, bem, eu usava a alguns anos? Ou se estou certa com minha visão um tanto embaçada, menos que isso ! As garotas me encaram, mexem no seu celular de merda e vêem o seu reflexo produzido pelo vidro do vagão então escuro. Pra que olhar a aparência se estão ridículas ? Eu acho que um dia eu já fui assim, só que mais...                                          

Elas produzem sons de cochichos e risos, ainda olhando para mim.

         Tentei não dar ouvidos e cai em meus pensamentos inevitáveis novamente .

Tudo parecia tão escuro e melancólico, o ambiente está assim ou são as coisas dentro de mim?                                                                                                                                                                                 

Saímos do túnel, minha São Francisco brilha, tudo parecia ser tão atrativo daquela janela. Haviam pouquíssimos carros na rua com faróis incandescentes e duas luzes oscilando, uma verde e outra vermelha. Me distrai olhando aquela cidade, lugar que eu conhecia muito bem mas que nunca pude ver deste ângulo.                                                                                                                                                                                         

Uma mão toca o meu ombro.

   -Oi! – um sorriso realmente “quero ser amigável” de uma loira de peitos grandes nada cobertos por um pedaço pequeno de pano que podemos aqui chamar de vestido, na laranja e calçando botas de cowboy – você não é a Doris Birnfield ?

A voz dela é muito fina e desagradável, como alguém consegue suportar uma voz assim, eu me mataria se minha voz fosse tão chata. Ela prossegue ao perceber minha falta de interesse nela:

   – Aquela que ...- ela pensa antes de continuar, é o que parece, tento não olhar pra ela ,mas está bem na minha frente, com as amigas morenas tão pouco vestidas e com peitos tão grandes quanto. - Que estava com aquele cara loiro gato da banda Orion ... Vocês não estava vivendo juntos na casa da colina? Quero dizer, lá é o seu lugar, com aquele gato!

—Ai se eu tivesse um cara daquele também me manteria presa com ele naquela casa enorme! - a amiga morena de voz tão chata quanto comenta

    –  E nossa sou muito fã daquela sua música... House on a Hill, sobre a sua casa não é? Ai tão lindo! - a loira continua

Não sou de curtir esse tipo de musica mas adoro a sua banda!

    Que tipo de musica ela se refere, eu me pergunto. Mas eu realmente não estava afim de trocar uma ideia com… fãs?

    Elas prosseguiram num ritmo incansável de bajulações e perguntas enquanto minha mente girava e suas vozes faziam eco na minha cabeça. Será que elas não percebem que não quero responder, que não quero ninguém me bajulando! Só quero não ser a Doris Birnfield da Eleonore apenas pra sempre!

  - E aquela música Lost in Paradise!É incrível! Tão cheia de sentimento. Quando escuto tenho vontade de chorar. Ah mais é você mesma ! Doris Birnfield ! Vamos tirar uma foto ?!

         Não respondi e voltei o meu rosto para a janela ignorando completamente. Pego uma mecha do meu cabelo e começo a enrolar nos meus dedos. Eu não queria ser vista nem encontrada, queria a minha vida antiga, ser normal novamente e seguir novos sonhos.

  - Tira uma foto com a gente! Vou mostrar pra todo mundo em todas as minhas redes sociais! - uma delas exclama, não identifiquei qual era, percebo que no vagão os poucos seres têm a atenção voltada para a pequeno interrogatório acontecendo ao meu redor e me reconhecendo. Me deixem em paz! Apenas me deixem em paz esta noite!

  - Você não estava na reabilitação? O que as drogas e o álcool fizeram com você? - ela finaliza a sua performance de reconhecimento sobre mim, e as amigas dão pequenos grunhidos de riso. Deve ser excitante rir de uma “drogadinha” como eu.

   

Percebo o interesse dos três caras a minha frente e o baixinho dos músculos até sorri, como se eu fosse alguém querido e conhecido por ele. Não tenho reação é claro, eu entendo os fãs, mas às vezes eles passam dos limites. Bem, às vezes você deseja ser invisível.

“What would you say

If I told you that I'm to blame

And what would you do

If I had to deny your name

Where would you go if I told you

I love you

And then walked away

N' who should I turn to

If not for the ones

You would not save”

(O que você diria

Se eu dissesse que estou mentindo?

E o quê você faria

Se eu tivesse que renegar seu nome?

Onde você iria se eu dissesse para você

Que eu te amo

E então fosse embora?

Para quem eu deveria contar

Se não para aqueles

Que você não pode salvar?)

A música retorna a minha mente

“I told you when I found you

Should be careful and unafraid

Now

They surround you

And all that amounts to

Is love that you fed by

Perversion and pain”

(Eu lhe disse quando eu lhe encontrei

Se houvessem dúvidas você

Deveria tomar cuidado e destemida

Agora

Eles cercam-lhe

Todas as quantidades

É para o amor que você alimenta com

Perversão e sofrimento)

Repito a letra em silêncio agora encarando as garotas. Algo que não sei explicar toma conta de mim. Não sei como e totalmente inconsciente e consciente ao mesmo tempo, ignorando os meus velhos hábitos de boa moça de sempre.

Quando a loira se aproxima de mim para "tirar a foto", apenas me vejo agarrando seus cabelos batendo com força sua cabeça no vidro. Uma reação inconsciente, descontrolada e impulsiva. Dois caras pulam para me conter, minha fúria me tornou mais forte, estou descontrolada e esmurro loucamente a quem me segura. Quando percebo que fui rendida, não tive tempo de me recompor, sou jogada para fora do vagão assim que as portas se abrem na estação seguinte.

Doris, o que está fazendo?!

        Me equilibro e observo o trem partindo."O que está acontecendo comigo?". Tudo bem pra quem já está na merda. Dou passos para trás e um ódio consome meu coração, tudo sempre tão sombrio. Meus sapatos fazem eco enquanto caminho , subo as escadas, e chego a rua vazia e fria.

  Caminho pelas ruas com poucos carros e sem pessoas andando, apenas eu e um vento frio insuportável. Visto minha jaqueta branca . O vento bagunçar mais ainda os meus cabelos brancos e curtos. Viro a esquina e há um ponte a frente que está sobre as águas do Pacífico.

    Se digitar Golden Gate Bridge no google, saberá que é um local de muitos suicídios. Que belo cartão postal para morrer, a ponte enorme e vermelha feita de ferro, e sabe lá quantos metros de altura tem aquilo, uma obra perfeita da modernidade.

        Tiro meus sapatos e subo no ferro da ponte, está escuro, não consigo ver lá em baixo. Vou tateando com os meus pés descalços para procurar uma maneira de eu me virar e encarar o vazio antes de me soltar. Estou a um passo da queda livre.

Meu passado passa pela minha cabeça, tudo que sou e tudo que perdi, as pessoas que perdi, o que houve com a vida feliz que eu imaginei por muitas vezes ? Será que é algo sobre mim que faz com que eu perca quem amo? Todos que se aproximam demais de mim acabam morrendo, ou por um infeliz acidente, ou por um câncer ou por alguma droga que o faça se perder, se perder de mim, por algum motivo. Por algum motivo eu sempre terei que sentir dor. Por que eu não posso sentir o amor? Por que eu tenho de ser tão confusa em meus sentimentos? Por que a vida parece ao mesmo tempo tão feia, bonita, triste e importante quando estamos vivos, e tão banal quando chegamos ao fim? Será assim então que sabemos que é o fim?

Por que eu não entrego o meu coração e não me deixo levar pelo meu desejo que é amar você? Amar, acho que eu nunca o amei o suficiente. Eu sou um caos! Perdoe-me.

     Jogo minha jaqueta branca para o vazio, pude ver que a distância da ponte às águas era grande, eu iria afundar, e estaria já sem vida pois o choque com a água me mataria. A chama da vida arde por um tempo e então se apaga. As sepulturas aguardam pacientemente a hora de serem ocupadas. Enquanto sopra a brisa alegre de uma nova vida sobre mim, ela não sabe nem se se importa com a antiga vida, e quando chega a hora, morre também.

Viver é se mover constantemente em um túmulo. As coisas vivem e morrem. Às vezes vivem bem e às vezes vivem mal, mas sempre morrem, e a morte é aquilo que reduz todas as coisas ao menor denominador comum.

— Como cheguei a isso?- eu repeti a mim mesma entre lágrimas, será que nunca vou parar de ver lágrimas saindo do meu rosto?

          Quantas vezes você já se perguntou: E se eu tivesse feito diferente?

          E agora tento me entender, entender o que fui para responder o que sou.

Minha vida passa agora entre mim e o suicídio.

Por que será que as pessoas tem medo de morrer? Não é pela dor.

Não sempre pelo menos. A morte pode ser instantânea e quase indolor.

    Se amanhã eu não acordar, tenha certeza que eu passei meu último dia pensando em você.


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Notas finais do capítulo

E ai, o que acharam?

Indicações:
Pra quem não conhece a música PROSTITUTE do GUNS N'ROSES https://www.youtube.com/watch?v=E0ujDEUfOtE

álbum completo do RIDE THE LIGHTNING do METALLICA , escutem é maravilhoso! )
https://www.youtube.com/watch?v=OhT0g9jULpw

O livro " A noite dos mortos vivos", teve palavras inspiradoras para mim neste capítulo. Recomendo ;)

Beijoos



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