Ismália escrita por Acciari


Capítulo 1
Capítulo 1




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A noite estava escura, com a lua encoberta pelas nuvens acinzentadas. O vento uivava nas brechas da janela, fazendo-me abraçar os joelhos enquanto encarava o vazio. Ouvia o som de meu coração batendo preguiçosamente e tremia de leve por conta do frio. Vez ou outra, escutava carros passando na rua. O cenário melancólico da noite ia me deixando cada vez mais triste

Eu estava sozinha.

Suspirei, colocando os pés descalços no chão e caminhando até o banheiro. Encarei a minha imagem no espelho por alguns segundos, sem pensar muito no que estava vendo. “Magra demais” pensava enquanto escovava os dentes olhando para os meus pés machucados.

Qual era mesmo a minha motivação?

Peguei minhas sapatilhas e desci até a sala de música. O piano do vovô ainda estava coberto por aquele pano branco, a lâmpada perto da porta ainda estava queimada. Os discos ainda estavam bagunçados. Acendi poucas luzes amareladas e encarei os grãos minúsculos de poeira pairando no ar enquanto amarrava minhas sapatilhas com cuidado.

Estiquei os dedos dos pés enquanto colocava Tchaikovsky para tocar. Assim que os violinos começaram, subi nas pontas, elevando os braços em quinta.

“Estique o Pescoço”

“Peito para fora”

“Barriga pra dentro”

“Encaixe o quadril”

E gire...

Melancolia, melancolia, melancolia... enquanto a lua se escondia.

Um passo de cada vez, contando em oitavas, olhava poucas vezes para o espelho. As lembranças de espetáculos antigos voltavam como socos. As luzes, a plateia, o frio na barriga... Todas essas coisas se desfaziam como fumaça todas as vezes que os ossos de meu dedão começavam a doer. Mas logo voltavam e eu sorria de olhos fechados.

O violino grunhia em sol preguiçoso durante quase toda a música.

“Por que tanta pressa, bailarina?” a voz de meu pai vinha em minha cabeça quando eu rodava sem marcar a cabeça. “Voar, papai” respondia sorrindo, enquanto dava piruetas tortas com os pés descalços na grama molhada.

O suor escorria pela minha testa enquanto eu tentava manter as posições mesmo com as pernas trêmulas. Uma oitava de cada vez. Meu coração estava quente, mas ainda estava frio lá fora. Suave e Agressivo.

Juntei os pés em terceira posição e agradeci virada para o espelho.

Voar era minha motivação.

Na manhã seguinte, a vida ainda estava vazia.

Café, taxi, trabalho, blábláblá, café, taxi, espetáculo.

Dancei como nunca havia dançado antes. Tentei conter a respiração enquanto agradecia para a plateia - que aplaudia de pé. Sorri e caminhei para a coxia.

Voltei andando para casa.

Vi uma lua no céu e uma lua no mar. Pedi, então, asas a Deus para subir ao céu.

Abracei o mar, porém.

E voei.


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