Forgotten escrita por Laís Bohrer


Capítulo 5
Cidade dos Mortos




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Os outros lugares que visitei daquela rua comercial apenas contribuíram para assegurar de que as pessoas daqui são muito estranhas. Digo, a maioria delas parece um pouco distante da realidade. Eu também ouço algumas conversas com o mesmo tom daquele assunto que o casal de adolescentes – Jessica e Ronald, não? – debateram na Fleur de Lune. Como algo muito delicado para que pudesse especificar ou falar alto.

Ah, eu também descobri o nome do lugar onde eu estava – não que fosse muito útil. A cidade se chamava Little Valley e era bem pequena. Esta característica justifica sobre o fato de todo mundo parecer saber tudo sobre todo mundo.

Em algum momento, eu já me encontro fora da rua comercial e estou caminhando enquanto tento não dar muita atenção aos detalhes. Sinto-me mentalmente cansada de absorver tantas informações. Meu corpo pesa a pedido de uma pausa. E assim eu faço quando me sento no chão, encostando-me na parede e esticando as pernas.

Observo os movimentos ao redor. O vento frio acaricia minha face gentilmente. De alguma forma, fico um pouco depressiva. Como que essa tarefa, a de ouvir a conversa alheia, ajudaria com a minha memória? Suspiro e coloco um cacho loiro atrás de minha orelha.

Por quanto tempo terei que fazer isso?

Respiro fundo e me levanto. De nada adianta ficar parada.

No momento em que equilibro o peso de meu corpo sobre minhas pernas, ouço duas risadas altas e exageradas por perto. De início, penso que ouvi a voz do Professor, mas este é impecavelmente elegante para ser comparado com aqueles dois homens que saiam de um bar há alguns metros de onde eu estava.

Um dos homens, um esguio e de aparência desleixada, gritou na porta do local com deboche.

— Não se preocupe Molly, eu te perdoo! – o homem dá um sorriso e se afasta junto com seu companheiro.

Eu me aproximo um pouco e observo os dois personagens quando uma resposta se propaga em um grito feminino e bravo que faz com que eu dê um pequeno salto.

E NÃO VOLTE MAIS AQUI!

Os dois homens caem na gargalhada outra vez e começam a cambalear na minha direção. Eu tomo cuidado para que nenhum deles esbarre em mim. Acompanho seus passos vacilantes e atento-me a conversa.

— Molly realmente ficou brava desta vez, Laz. – o outro cara com uma jaqueta jeans escura e camisa manchada, disse.

Olhei para Laz que parecia o mais alterado dos dois homens. Ele usava uma camisa social bege com estampa de folhas marrons. Laz mancava com uma garrafa de vidro verde em sua mão. Levou a garrafa até a boca e suspirou fazendo uma careta antes de responder com desdém:

— Molly sempre diz a mesma coisa – eu demoro até compreender as palavras ditas pela sua fala enrolada. O homem boceja. – Mas sabe o que eu achu? Aaaacho que ela gosta MUITO de mim. Porque eu fui um prostituto que nem aquela filha dela.

Contorço o nariz com o cheiro emanado por eles. Afasto-me um pouco.

O outro homem riu. Ele tinha mais controle sobre o próprio andar. Seu rosto era cansado como se ele tivesse mais idade do que aparentava.

— Olhe para você. Exagerou hoje de novo – suspirou olhando para o além. – Imagino o que Becky irá dizer quando chegar a casa assim. Aliás, por que Becky ainda não te deixou?

Laz olhou para ele e ergueu a sobrancelha.

Poooorquee... Eu fui um prostituto que nem aquela filha dela – ele começou a rir sem perceber a falta de sentido de sua própria fala. – Ah, Wade...Você precisa é relaxar. Toma.

O homem chamado Wade encarou a garrafa que Laz estendia para ele. Wade negou com a cabeça.

— Sem chance, eu tenho um filho para cuidar.

Laz riu com escárnio e abraçou a garrafa.

— Eu nãum ia te dar mesmo, seu imebecil. – enrolou-se.

Wade não se irritou com a ofensa. Apenas continuou caminhando ao lado do outro. Seu olhar perdeu-se novamente. Eu continuava a acompanha-los quando Wade voltou a falar:

— Esta cidade está mais estranha desde que aquilo aconteceu. – observou.

O de camisa social tossiu e, balançando a garrafa na frente do próprio corpo, ele continuou o diálogo.

— Você tá falando daquela fedelha?! – ele praticamente gritou, chamando ainda mais a atenção das pessoas que passavam por ali. Laz os encarou de volta. – QUE FOI, COVARDES?

Wade puxou o companheiro para acelerar os passos e com uma voz mais séria o reprendeu.

— O que está fazendo, seu estúpido?! – indagou. – Sabe como os civis daqui estão sensibilizados quanto a...

— Ah, é? Estão? – Laz riu debochadamente – Wade, você é bonzinho demais porque você é um policial. Veja, parceiro... São todos uns idiotas. Eu não tenho medo de falar e ficar mais ferrado do que já estou. Este lugar é como uma cidade fantasma. Todos parecem mortos por aqui desde que aquela pirralha... Como era o nome dela?

Então eu parei. Uma dor insuportável pulsando em minha cabeça fez com que eu me curvasse para frente. Apoio-me em um carro estacionado e tenho um vislumbre de uma garota chorando. As figuras dos dois homens se afastam desfocadas para os meus olhos.

Forço minha vista e tudo desaparece.

Dor

Lágrimas

Sangue

Gritos

Borboletas

                                                                      Foi um acidente...

                                                                                                      Ouviu? 

                                                                     Só um acidente.

Pisco meus olhos tentando recuperar a nitidez dos elementos do cenário. A confusão domina minha mente fazendo com que eu comece a duvidar do que é e do que não é real. Respiro rapidamente enquanto tudo volta ao normal. Um arrepio percorre todo o meu corpo. Procuro focalizar nos fragmentos de memória que me atacaram. Lembro-me da voz.

A voz de um garoto? Ou de uma garota? Era jovem ou velho?

Praguejo em frustração. Eu não consigo me lembrar.

Estou sentada com as costas apoiadas no pneu de um carro prateado. Um Corolla 2005 talvez. Balanço a cabeça. O que raios eu estou dizendo?

Levanto-me do chão e bato a poeira de minha calça. Um barulhento ônibus amarelo para perto de mim. Penso em ignorar o veículo por alguns instantes até que três meninas desembarcam com risadas.

Meus olhos focam no rosto de uma delas – cabelos lisos e perfeitos, olhos grandes, escuros e redondos, pele branca e bochechas rosadas, traços finos que lhe dão aspecto de boneca. Esta garota é a menor do trio e é a única que segura um semblante sério. Por um instante, pensei que ela tivesse me olhado de volta. Talvez seja minha imaginação guiada pelo desespero.

Qual é, Nina. – uma das garotas fala para a menina-boneca. – Estamos só brincando. Sabemos em qual time você joga.

Paro de prestar atenção e me volto para o ônibus. Mesmo na distância, avisto uma solitária borboleta de asas escuras pousar em uma das portas abertas do transporte amarelo. Fico parada por tempo o suficiente para um rapaz baixinho com uma câmera sair do ônibus.

Siga-a. É como se uma voz sussurrasse na minha cabeça.

Automaticamente, meus pés se movem na direção do grande corpo amarelo. A borboleta voa para dentro. Passo pelas meninas e um frio repentino bate em mim. Estremeço da cabeça aos pés, meus olhos olham para o lado e encontram o rosto da garota chamada Nina virado para frente, uma leve e sutil exclamação sai pela sua boca. Foi tão rápido que quando cheguei ao ônibus, poucos segundos após as portas se fecharem, eu me perguntei se foi real.

Por meio dos vidros do ônibus, eu observei o mesmo trio afastando-se. Uma das garotas envolveu a tal Nina com um dos braços e, conforme o ônibus avançava, eu as perdia de vista.

O que aconteceu? Eu me perguntei.

Solto um longo suspiro e olho ao redor. Há poucos adolescentes aqui. Os mais barulhentos são os garotos que se sentam aos fundos. Eu me afasto deles e sento ao lado de uma garota com constatáveis fones de ouvido vermelhos.

Fecho meus olhos e relaxo os ombros. Não me pergunto por que estou aqui agora. Esforço-me para concentrar minha mente no vazio. Sem perguntas e sem dúvidas. E isso me ajuda a relaxar por alguns minutos.

Você está ai?

Vamos, eu sei que está

Por favor, deixe-me relaxar por alguns minutos.

Não há tempo.

Siga as borboletas

Escute

Siga as...

Abro meus olhos quando o ônibus para com uma freada violenta. Minha face vai de encontro com o assento adiante. Exclamo com a dor e o susto. Não sei quanto tempo se passou, mas só tem mais um rapaz no ônibus além de mim. Suspiro e esfrego meus olhos.

Podia jurar que tinha ouvido uma voz masculina falando comigo. Delírios ou flashes de memórias mais delicados? Bem, de qualquer forma, acho melhor eu descer aqui.

Fico atrás do garoto, o qual reclama com a mãe no telefone e interrompe a ligação para se despedir do motorista. Estico meu corpo quando desço e olho para os lados. Estou em uma calma rua de lindas casas coloridas.

Está ficando um pouco mais escuro e frio agora. Respiro fundo o ar frio e dou alguns passos. É um lugar calmo e pouco movimentado. Não é totalmente silencioso. O barulho nas casas, sons de animais nas ruas e alguns carros entregam a vida no local.

Uma de minhas mãos segura o outro cotovelo.

É Holly— se é que esse é o meu nome mesmo –, você conseguiu ficar ainda mais perdida.

Instintivamente começo a caminhar. Não tenho destino, mas ficar parada no mesmo lugar é muito menos eficiente do que andar por aí sem rumo. Não se passa muito tempo e um conversível passa por mim com um som alto de fazer estremecer todos os elementos do cenário. Meu coração dispara e meus olhos se voltam para o automóvel que avança pela rua.

Não faça isso.

Eu não hesito em apressar os passos, percebendo a voz que sussurra em minha mente somente quando estou perto o suficiente para ver o casal na dianteira do conversível azul e brilhante.

Uma garota e um garoto estão se beijando enquanto a música alta incomoda meus sentidos auditivos. Os adolescentes se mexem em uma dança lenta e eu fico um pouco envergonhada quando as mãos do garoto descem pelo corpo da moça. Sinto meu rosto esquentar e desvio os olhos me perguntando o que estou fazendo aqui.

Quando ouço suas vozes volto meu olhar para eles. A garota suspira o nome dele:

— Spencer... – ela fala. – Não aqui.

Mas ele não para, praticamente jogando o corpo para cima dela. A garota o empurra bruscamente.

Spencer. Seria o mesmo que aqueles dois adolescentes falavam na Fleur de Lune?

O tal Spencer se afasta e olha para ela com um sentimento que não consigo reconhecer. De alguma maneira, sinto vontade de correr, mas não consigo sair do lugar.

Escute...

Ele suspira com irritação enquanto a garota ajeita as roupas e o cabelo. Eu a observo melhor quando ela sai do carro, dando mais um longo beijo de despedida no rapaz. Ela tem cabelos negros lisos que alcançam sua cintura. As maçãs do rosto são bem demarcadas, sobrancelhas impecáveis, lábios cheios e queixo pontudo. Os olhos são extremamente claros em contraste com o cabelo negro como o breu.

Quando a moça estava na calçada, Spencer gritou:

— Margot! – a garota se vira para ele. - Acho que já está sabendo da festa que Joey vai dar.

Ela olha para os lados. Meus olhos estão cravados no rosto do tal Spencer. Ele é bonito, devo admitir. Tem uma sutil cicatriz no canto dos lábios finos e rosados. Sua pele é bastante clara e seu cabelo tem cor de palha, subindo em um topete. Incomoda-me que seus olhos verdes-musgo vaguem pelas curvas da garota – Margot, não é? – e depois voltem para o rosto.

— É no mês que vem, não? – a morena indaga.

— É – confirma. – Você vai? – ele ergue as sobrancelhas.

A desconfiança passa pelo rosto de Margot.

— Eu não gosto muito do Joey, Spencer, sabe disso. – Margot diz.

Spencer se debruça na janela do carro.

— E por mim? Estarei do seu lado o tempo inteiro. – ele faz bico.

Margot ri, mas eu tenho vontade de vomitar.

— Tudo bem. – afirma segurando na alça da própria mochila. – Combinamos isso mais tarde.

Spencer se ajeita no banco do motorista. Há algo estranho na forma com a qual Margot olha parece - admirada e nervosa.

— Ok, Margie – ele não olha para ela. – Vou indo então. Mande mensagem.

Margot apenas acena com a cabeça e observa enquanto o carro dispara pela rua. Ela suspira, como se um peso caisse de seus ombros. Suspira, balança a cabeça e sorri de forma suave. Eu tento controlar a estranha sensação no estômago.

O que raios está acontecendo comigo? Eu nem mesmo conheço aquele garoto.

Uma rápida hipótese passa pela minha cabeça. Talvez eu o conheça, mas não me lembre. Resolvo confiar nos instintos que erguem a desconfiança a respeito daquele nome: Spencer.

Volto-me para Margot que está entrando na casa cor de cappuccino atrás de mim. Respiro fundo e a sigo sabendo que é importante investigar. Até agora não invadi a privacidade de alguém a ponto de ocupar o lar de outra pessoa, mas neste caso é necessário. Ao menos, eu sinto isso.

Não

Faça

Isso

Aquela voz ressurge, dessa vez um pouco mais distante. Ainda assim, ela me faz recuar quando estou prestes a passar pela porta. Olho para trás a procura de alguém, mas a pessoa mais perto de mim é a moça chamada Margot.

Um pequeno vulto negro cai roçando em mim. Assusto-me e espanto o vulto que cai ao chão com os meus dedos. Quando analiso melhor, vejo uma borboleta de asas completamente negras. Porém, uma de suas asas está rasgada e ela está morta aos meus pés.

Aquilo me perturba um pouco. Prendo a respiração, sigo Margot e entro na casa. 


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Notas finais do capítulo

Costumo estimular teorias porque amo saber o que se passa na cabecinha de vocês.
Nesse caso, se tem alguém lendo por ai, deixe sua teoria logo abaixo sobre tudo o que viu até então.
Espero que tenha gostado do capítulo de hoje!
Logo em breve teremos mais por ai

Beijos Azuis



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