"O céu irá cair entre nós"

 Cada nota que aquele piano tocava com estranha facilidade arrepiava-o de uma forma que não poderia explicar. E lá estava Otabek, o encarando como se ele fosse o nada. Se ele não soubesse o significado de cada olhar que aquele homem possuía estaria assustado com tamanha frieza.

 This is the end

 Hold your breath and count to ten

 “Talvez devesse falar com ele..” pensava, mas logo desistia, e acompanhado de mais um trecho daquela música, “Como paramos nisto?”, forçava-se para lembrar, todavia de que bastava lembrar? Uma briga tinha causado tudo aquilo, e Otabek o encarava como se fosse matá-lo.

 Feel the Earth move and then

 Hear my heart burst again

— Esse silêncio não vai ajudar em nada. – Yuri encarou o namorado, que agora não o encarava, olhava para o teto, e pelo tom parecia entediado. — Se há algo a discutirmos, vamos lá.

— Não precisa me dar ordens de como resolvermos problemas. – Reclamou.

— Achei que gostaria de saber que não estou planejando matá-lo com um tiro bem no meio da testa. – Encarava as próprias mãos. — É o que seu olhar parece transmitir, e suas reações.

— Eu não estava pensando nisso! – Aumentou o tom de voz. — Por acaso está agindo como um idiota?

 For this is the end

 I've drowned and dreamt this moment

— Longe disso.

 Todas as suas memórias ao lado daquele homem, aquele homem que sempre pareceu incrivelmente “legal” e que o conhecia como ninguém, lhe atacaram. Estavam em um péssimo clima, o relacionamento deles estava um caos e agiam como se fossem cometer um homicídio um contra o outro. Como tinham chegado nisto? Se amavam, e agora, cultivam um relacionamento caótico.

— Deveríamos desligar essa música. – Disse. — É irritante.

— Se você acha.

 So overdue, I owe them

 Swept away, I'm stolen

 Qual dos dois iria dizer a verdade primeiro? Quem diria “deveríamos por um ponto final nessa relação”? E afinal, por qual motivo tinham colocado aquela música tocar? Não “fazia” os gostos dos dois, sentia-se estranho por não lembrar de certas coisas, culpou seu nervosismo e apreensão com aquele momento. Logo seria atacado novamente por uma enxurrada de memórias, desejáveis ou não.

  Let the sky fall

 When it crumbles

 We will stand tall

 And face it all

 Together

 As notas acabaram. Os dois se encaravam, sem vontade, uma troca de perguntas e respostas, reclamações e motivos para um término. Quem teria coragem para falar agora?

— Precisamos de um tempo para isso? – Yuri indagou-se, atraindo a atenção do namorado.

— Não sei. – Respondeu. — Paramos aqui, agindo como dois desconhecidos, em um clima de guerra. Até parece que não existe nada que nos segure mais.

— Existe um final para nós dois? – Cruzou os braços. — Sem a opção “assassinato”?

— É só uma piadinha, Yuri.. – Levantou do sofá. — Acho que vou embora. Quando quiser terminar este assunto, voltarei.

— E vai para onde?

 Os dois moravam juntos há quase um ano. Começara com a desculpa de dividirem o apartamento, mesmo que o relacionamento não fosse nenhum mistério à ninguém, ambos eram maiores de idade, donos de si mesmos e apaixonados, qual o problema de morarem juntos?

— Posso ficar na casa de algum amigo, ou passar um tempo em algum hotel. – Respondeu. — Eu dou um jeito depois.

— Não seja imprudente! Fique aqui, resolvemos tudo agora. – Exclamou. — Não é tão difícil assim agirmos como dois adultos racionais.

— Yuri.. somos praticamente crianças, burros e apaixonados. – Andou alguns centímetros, até tocar nos ombros do loiro. O contato era agradável, familiar. — Não acho que tudo que passamos irá acabar por uma briguinha destas, só precisamos de um tempo.

— Essa briga pode ser o nosso ponto final. – Encarava-o. — Otabek... é isso que você quer?

— Não.

 Yuri aproveitou para puxá-lo, de encontro a si. Abraçou-o, tremia um pouco, finalmente o ar entrou como se não pesasse uma tonelada, sentiu frio e calor, seus olhos ardiam, mas não iria chorar. Percebeu seu estado, e não se importou.

— Não quero que isso seja o nosso ponto final.

— Yuri..

 Apertaram o abraço. Não, nada mais precisava ser dito. Uma trégua, um “recomeço”. O céu escuro que pairava entre eles se dissolveu por completo, ambos estavam em frangalhos, mas estavam juntos. Não parecia ter algo mais importante no momento.

 Estava tudo bem.