Asas Negras escrita por Alluka


Capítulo 1
Pesadelos


Notas iniciais do capítulo

É o primeiro, espero que gostem :)



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"Se eu convivo com meus pesadelos, você não os aceita. Você faz parte deles mas não é o dono de minhas emoções. Acho que deveria ter pensado em outras coisas para te falar, antes que eu quisesse que você sempre me salvasse deles."  

Era a terceira vez naquela noite que eu acordei, sentindo o suor escorrendo pelo meu corpo. Aquela era uma das noites mais frias do ano mas eu acordava como se estivesse dormindo dentro de um forno. Ontem foi meu aniversário de dezesseis anos, e como todos os outros, eu comemorei sozinha. Na verdade não sei se comemorar é a palavra certa... Eu apenas andava por ai sem ninguém pra me incomodar.  

Não, eu não tenho família...  

Cresci aqui no orfanato para crianças problemáticas e só fui adotada uma vez... Uma péssima lembrança que felizmente não durou mais de uma semana. Pra não dizer que não possuo ninguém, o diretor é um homem muito bom comigo. Ele sempre procura saber tudo o que me acontece, até quando eu não desejo compartilhar. Ele fez questão de me dar um bolo de morango. 

Fiquei olhando para o teto naquela madrugada, vendo a escuridão tomar forma e a pequena luz do abajur ainda acessa. Eu não conseguia ficar no escuro, nunca consegui... Deve ter sido um trauma de nascimento. 

 Sentei na cama e senti meus pês quentes tocarem no chão frio. Me levantei e abri a porta, olhando para o corredor vazio. Era proibido circular pelo orfanato a noite, mas eu não conseguiria dormir se não pegasse uma das pílulas calmantes que a enfermeira Magali me dava quando estava de plantão.  

Hoje era um desses dias.  

Não sei se o diretor alguma vez descobriu, mas se descobriu nunca interferiu.  

Fechei a porta atrás de mim e caminhei pelos corredores, descendo as escadas que pareciam intermináveis. Passei pelo segurança que estava no quinto sono e forcei a porta da enfermaria. Trancada.  

— Magali! 

 Comecei a sussurrar e dar leves batidas na porta. Tentei olhar pela fechadura e estava tudo escuro... Será que havia dito uma emergência? Bufei em descontentamento e me virei para voltar, vendo que as luzes fracas haviam se apagado, e uma interminável escuridão estava entre mim e a escada. Me espremi na porta e perdi o ar por alguns segundos, sentindo a sensação de pânico me bater como um soco no estômago. O ar fugiu de meus pulmões, e logo minha garganta se fechou como se eu estivesse sufocando. Me sentei no chão e tremi com o gelo, enquanto meu corpo suava em um calor infernal. O ar frio saia de minha boca a cada respiração e percebendo minhas tentativas falhas de me manter na sanidade sem me machucar, eu corri em direção as escadas. Corri com toda a força de minhas pernas, que aos poucos iam perdendo a força, lentamente parando como se estivessem adormecidas. A escada começou a ficar cada vez mais longe, e era como se eu gritasse e a voz não saísse... Como se meu corpo não obedecesse minha vontade.  

— Emily...  

Aquela voz conhecida sussurrou como se estivesse ao meu lado, mas o vulto se remexendo na escuridão descia as escadas. Ele ficava cada vez mais perto, quase me alcançando. Minha cabeça gritava por ajuda, e foi nessa interminável súplica que as luzes se acenderam. Eu gritei sentindo meu corpo arder, como se estivesse levado um banho de água fervendo. Ele parecia estar em mim... Aquela coisa parecia ainda estar perto.  

Até que senti braços fortes me puxarem, me transmitindo uma paz magnifica, algo que eu não poderia comparar com absolutamente nada. Aqueles braços me apertaram firme e me colocaram em seu colo, me fazendo sair de meu desespero interno e voltar a respirar normalmente.  

Eu conhecia aquele cheiro, aquele toque...  

Miguel...  

— Emily... Pode me ouvir?  

Eu olhei para o diretor, que mantinha as mesmas expressões todas as vezes que me resgatava da escuridão: Preocupada e aliviada. Talvez por eu não precisar de medicamentos.  

— Você está bem? - Eu concordei com a cabeça, fazendo ele mostrar um sorriso. - Que bom... O que fazia aqui a essa hora?  

E ele o que fazia aqui? Não era comum o diretor estar a essa hora. Mas se bem que ele sempre estava... Sempre estava quando eu mais precisei.  

— Não conseguia dormir.  

Fiz menção de levantar e Miguel de me segurar ainda mais forte, me levando para meu quarto. Eu não questionei aquele gesto. Estar perto dele era como ser... Normal.  

Miguel me deitou sobre a cama e me cobriu, acariciando meus cabelos.  

— Ainda tem pesadelos?  

Me remexi, olhando em seus olhos.  

— Acreditaria se eu dissesse que não são apenas pesadelos?  

Ele respirou fundo  

— Emily já conversamos sobre isso. Você está apenas confusa...  

Desviei o olhar, realmente não esperaria que alguém acreditasse em alguma de minhas loucuras, era pedir demais.  

— Mas tudo aquilo era tão...  

— Você apenas estava sonâmbula, isso tem acontecido muito ultimamente.  

Ele nunca queria entrar naquele assunto, mas de certa forma nem importava tanto assim. Contanto que ele estivesse ali para me resgatar.  

— Você acha que algum dia eles vão desaparecer?  

Miguel ficou me olhando por alguns segundos, me fazendo sentir meus olhos pesarem.  

— Shiu... Você precisa dormir agora.  

— Eu não consigo dormir...  

Ele sorriu, enquanto eu sentia minhas pálpebras se fechando.  

— Boa noite Emily.  

Eu dormi antes de desejar o mesmo... Sem saber se a luz estava ligada ou se eu poderia estar no escuro. Eu dormi e viajei em meus sonhos, o único lugar que me sentia realmente segura.  

... 

Não aguentava estar mais naquele lugar... Não tinha amigos, ninguém que quisesse se aproximar... Apenas alguns garotos mais velhos que de vez em quando me importunavam. Felizmente nunca durava muito tempo.  

Eu gosto do inverno, apesar de não senti-lo muito bem. As arvores secam mas brilham internamente, já que aqui o frio sempre vem acompanhado de uma chuva, ora ou outra ela sempre aparece. Eu gostava de me sentar em baixo da laranjeira, acho que adoro laranjas mais do que qualquer outra pessoa. Meu livro "O alquimista" estava sempre ao meu lado, e não importa quantas vezes eu o leia sempre descubro algo novo, um detalhe ou outro que passava despercebido. Só faltava uma xícara de café, mas infelizmente aqui só nos deixam tomar leite.  

Mas eu poderia fingir que era café.  

Me espreguicei e sentei, sentindo o vendo frio e aquecendo minhas mãos no casaco.  

Apoiei minha cabeça no tronco da árvore e abri o livro, deixando-me guiar pelas páginas finitas. Logo avistei um homem de alto, de músculos fortes e cabelos bagunçados, carregando aquela planilha que tanto me agoniava. Acho que passei a gostar mais de nossas conversas.  

— Como se sente hoje?  

O diretor parou em minha frente, parecia animado.  

— Muito melhor, obrigada.  

— Gostei de ter trocado nosso ponto de encontro. - Ele falou sorrindo.  

— Achei que não se importaria.  

— E não me importei. A simplicidade não combina com você.  

Ele sentou-se ao meu lado, ignorando o chão suco pelas folhas mortas e a umidade.  

— Me acha diferente?  

— Seria um tolo se não achasse. - Seus olhos aprisionaram os meus. - Diferente de uma forma especial.  

— Ainda bem.  

Ele riu pelo nariz, me fazendo soltar uma risada meia estranha também.  

— Então o que preciso responder hoje?  

— Sobre seus sonhos... Sente-se à vontade?  

Não, eu não me sentia... Mas isso não me impediu de balançar a cabeça e concordar. Eu não pedia negar e magoar a única pessoa que se importava comigo.  

— Conte-me sobre seu último pesadelo...  

Respirei fundo...  

— Eu estava aqui, no orfanato. Tinha ido até Magali e... As luzes se apagaram. Tentei voltar e não consegui. Algo segurou minhas pernas.  

Miguel podia achar que eu era louca, mas estava concentrado demais anotando tudo o que eu dizia, prestando atenção em cada palavra.  

— A escada ficou mais longe... E então eu...  

— O viu?  

Concordei com a cabeça.  

Miguel conhecia o monstro que habitava meus sonhos, eu já tive muitos outros assim, e era ele que sempre me resgatava dele.  

— E o que ele fez?  

— Ele disse meu nome, e, se aproximou... Me fez queimar...  

Senti meu rosto arder, fazendo Miguel segurar minhas mãos.  

— Até que chegou uma pessoa... E me protegeu.  

— Quem, Emily?  

Desviei o olhar por breves segundos, voltando a fita-lo.  

— Você... Você me salvou.  

Senti sua mão segurar a minha com força, e seu rosto se comprimir em uma expressão acolhedora. Ele me puxou, me fazendo apoiar a cabeça em seu ombro. Sorri internamente. "Obrigada por cuidar de mim todos esses anos." - Pensei, e ele sorrio, como se estivesse lendo meus pensamentos.  

— Eu sempre cuidarei de você, Emily... Sempre...  

"Quando ele me beija, congela meu mundo. Acho que gostaria que ele me beijasse mais."  


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