Blind Date escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Fic nova, em Universo Alternativo!

OBS (1): Essa fanfic foi originalmente criada como uma oneshot que faz parte da coletânea "Encontros, acasos e amores", publicada no aqui Nyah!, da qual participam diversas autoras.
Recomendo dar uma conferida!

Como escrevi nas notas finais da OS que postei, a versão publicada na coletânea foi a "enxuta", pois o texto ficou enorme, mesmo eu retirando vários trechos.

Nessa short-fic, tenho a chance de trazer pra vocês a versão estendida!!!

Então, se você já leu a OS aqui no Nyah!, saiba que a base dos três primeiros capítulos é a mesma, com o acréscimo dos trechos que tive que excluir, mas... A partir do quarto capítulo, teremos a continuação, de onde a OS original parou.

OBS (2): Essa é a primeira fic em Universo Alternativo que escrevo, mas eu mantive uma das minhas características, que é fazer muitas (muitas!!!) referências às passagens marcantes dos livros da Suzanne Collins e dos filmes (algumas sutis e outras nem tanto).

Quando comecei a escrever, estava lendo um livro da autora escocesa Mhairi McFarlane e absorvi muito do estilo descontraído da escrita dela. Espero que gostem!

Outra fonte de inspiração foi uma história real adaptada, que li há muito tempo, sobre um encontro às cegas durante o pós-guerra, chamada "The blind date", mas eu não sei o nome da autora (tsc, tsc).

OBS (3): A capa linda foi feita pela Belrapunzel.



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Por Katniss

O relógio alcança a marca das onze horas da manhã e um sinal sonoro invade a sala de aula.

— Bom fim de semana, crianças! - Eu me despeço dos alunos.

Ainda me emociono por trabalhar no colégio onde estudei. Eu tinha vinte e um anos quando comecei, dando aulas para os veteranos.

Alguns colegas me disseram que eu era muito nova para ser professora da escola secundária. No entanto, descobri que não é uma questão de idade, mas principalmente de como se age. Eu e os alunos temos um ótimo relacionamento, apenas me certifico de estabelecer limites, e isso vale para professores de qualquer faixa etária.

Aprendi que o modo como você se veste também é um fator importante. É interessante usar roupas mais formais, mesmo que o código de vestimenta na escola seja casual.

Antes do primeiro dia de aula, a sempre surpreendente diretora Johanna Mason sugeriu soltar uma barata na sala para eu esmagá-la sem piedade. Não sei como ela colocaria isso em prática, mas dispensei a oferta de ilustrar com tanta veemência o que eu, a professora nova, seria capaz de fazer se os alunos me tirassem do sério. Ela também lançou a ideia de que é fundamental andar com saltos que clicam no chão de modo irritante. Pode parecer loucura, mas essa dica acrescenta um último e necessário toque de autoridade.

Johanna sabe das coisas, tanto é que consegue ser adorada e, ao mesmo tempo, respeitada pelos estudantes, mas logo abandonei os saltos e os cliques, pois eles me irritam também.

Todo esse cuidado, porém, não me livrou de ser convidada para o baile de formatura algumas vezes por alguns alunos veteranos. Então, para dispensar meus admiradores nada secretos, tive que usar como desculpa a minha relação com Gale.

Gale Hawthorne. O vizinho da frente, com quem cresci e tive uma infância humilde, mas feliz. Ele é apenas dois anos mais velho que eu e sempre fomos muito próximos.

Foi também ao lado dele que amadureci a duras penas. Nossa amizade se transformou numa verdadeira aliança, quando meu pai e o pai dele morreram num acidente de trabalho.

Talvez por isso eu tenha algumas vezes imaginado que Gale era meu e eu, dele. Eu pensava que, dentre todos os rapazes disponíveis, eu e Gale é que fazíamos sentido juntos. Nós compartilhamos o mesmo passado e entendemos o que é sobreviver na Costura, sendo órfãos de pai.

No entanto, nossa relação nunca caminhou nesse sentido e ele, inclusive, namorou outras garotas na adolescência.

Até que, aos dezoito anos, Gale se alistou no exército americano. Lembro-me do dia em que partiu para sua primeira missão no exterior, luzindo inacreditavelmente bonito de farda.

Na despedida, aquele que eu considerava um bom amigo me surpreendeu ao dizer adeus com um beijo apaixonado.

Não sabia o que deveria sentir, mas não foi como imaginei meu primeiro beijo, apesar de ter sido bom. Também não sabia o que deveria dizer, então confirmei o pedido que Gale me fez de esperar por ele.

Mesmo sem estar certa de que estava apaixonada, eu me mantive fiel à promessa. Essa incerteza, no entanto, era muito conveniente pra mim, pois minha mãe me fez conhecer os efeitos de amar alguém e perdê-lo tragicamente, quando entrou num estado letárgico de sofrimento após a morte do meu pai.

Gale e eu costumávamos nos falar toda semana por chamada de vídeo ou por telefone.

Eu sempre dependia que ele se comunicasse comigo e entendia quando não era possível.

Sem o contato físico, nosso relacionamento não mudou muito e, estranhamente, sentia-me aliviada por ele estar longe, mas apenas por esse motivo, pois tinha saudade da nossa convivência diária.

E, assim, levamos adiante nosso namoro à distância, embora para mim a condição de namorada não tivesse alterado muita coisa quanto aos meus sentimentos. Gale sabia disso, pois não consegui responder à altura sua declaração de amor. Quando ele tomou coragem para me dizer que me amava, respondi um ridículo: "Eu sei".

Após um tempo, ele me confessou que não pretendia mais morar na Califórnia e queria que eu também me engajasse nas Forças Armadas. Numa outra oportunidade, afirmou que, quando voltasse ao país, pretendia casar e ter filhos o mais depressa possível.

Em todas as vezes, tentei explicar meu ponto de vista, que diverge completamente do dele, porém não resolvemos nossas diferenças em nenhuma das ocasiões.

Depois disso, as chamadas de vídeo foram rareando. As ligações também ficaram mais curtas. Eu atribuía isso às dificuldades que ele vivenciava, numa zona de guerra.

Em seu último contato, Gale deixou claro que não foi justo se declarar para mim no dia de sua partida e ainda me prender por anos num namoro à distância. Ele chegou até a me liberar do nosso compromisso.

Eu minimizei os problemas. Não queria causar uma desilusão em alguém que já vive em condições adversas, sem dúvidas precisando de algum alento para seguir adiante.

Por fim, nossa situação ficou indefinida, ao menos de minha parte, e me vi obrigada a atualizar meu status de relacionamento para: no limbo.

Há alguns meses, Posy, sua irmã mais nova, deixou escapar inadvertidamente que teria um sobrinho. Nunca ouvi uma confirmação diretamente de Gale ou de outra pessoa.

Não me senti traída. Chorei somente por pensar que, se eu ainda fosse apenas sua amiga, seria uma das primeiras a saber. No fim das contas, fiquei feliz por ele.

No entanto, para todos os efeitos, continuo no limbo. Nada mal. Aliás, esse status é muito oportuno pra mim, quando preciso de uma boa desculpa para afastar paqueras indesejadas, especialmente por parte dos estudantes.

Mesmo que, mais recentemente, eu tenha sido escalada para dar aulas aos calouros, os alunos mais velhos insistem em enxergar em mim uma acompanhante em potencial para o baile de formatura. Por isso, já lancei mão da estratégia do namorado-distante nesse ano letivo. Até agora, deu certo.

Espero meus alunos saírem, sorridentes e apressados, e escorrego o apagador pelo quadro branco, desmanchando as anotações que fiz.

Quando as carteiras já estão vazias, a mais linda jovem que eu conheço adentra pela porta, com seus olhos azuis brilhantes e cabelos loiros saltando pelas costas.

Primrose, minha irmã mais nova, já cresceu tanto... Esse é seu último ano na Panem High School.

Sou suspeita para falar, mas ela é muito dedicada a tudo o que faz e se destaca bastante por aqui. Por essa razão, não tenho receio de alimentar seus sonhos, mesmo sendo bem diferentes dos meus. Além de querer se casar e ter filhos, Prim pretende se formar em medicina, o que tem um custo elevado, mas eu não meço sacrifícios para tornar isso realidade.

Como em todo fim de turno, ela atravessa o campus e vem se encontrar comigo para irmos para nossa casa no meu bom e velho carro.

Prim caminha pela sala, sorrindo lindamente. Pego minha bolsa e já estou pronta para enganchar meu braço no dela e sairmos juntas, quando reparo que sua blusa escapou da parte de trás da saia. Começo a ajeitar a peça e Prim dá uma risadinha.

— Como foi sua manhã, patinho?

— Foi ótima! A Srta. Trinket me convidou para ajudá-la em alguns projetos sociais e isso conta pontos para a universidade.

— Que legal, Prim! Vamos à sala dela. Tenho que agradecer a oportunidade que Effie está dando a você.

Effie Trinket é a orientadora escolar. Ela trabalha aqui desde a época em que eu era aluna também e me conhece mesmo antes disso. Foi Effie quem mais me ajudou a permanecer na escola, quando meu pai morreu e minha mãe entrou em depressão.

Foi ela também quem indicou seu advogado competente e ranzinza, que tenho certeza de que é também seu pretendente, Haymitch Abernathy, para ajuizar a ação indenizatória em face da empresa onde meu pai trabalhava. Foi uma luta árdua, mas ele conseguiu provas de que não foram tomadas as precauções obrigatórias para evitar o desastre fatal.

Poderíamos ter conseguido uma boa quantia, mas decidimos fazer um acordo com a empresa. Afinal, se fosse condenada a pagar um valor exorbitante, a firma poderia ir à falência e muitos trabalhadores da Costura ficariam desempregados.

Além disso, nem todo o dinheiro do mundo traria meu pai de volta, nem me livraria dos pesadelos que passei a ter desde a sua morte.

Então, como contrapartida, recebemos um montante menor e a empresa foi obrigada a ajustar sua conduta para operar de modo a prevenir incidentes iguais ao que matou meu pai.

A indenização foi de grande ajuda. No entanto, o que obtive de mais precioso em toda essa batalha judicial foi conhecer Haymitch. Ele abraçou a causa com afinco e entendeu os motivos pelos quais desisti de levar a ação até o fim. Então, hoje eu o considero como um amigo e mentor.

Com o dinheiro que recebemos, foi possível pagar contas pendentes, especialmente a hipoteca, além da minha formação superior. No entanto, a maior parte eu guardei para as despesas com a faculdade de Prim.

Reservei também um pouco para algumas obras em casa. Embora muitos achassem um desperdício reformar um imóvel na Costura, ali foi o lugar onde fomos felizes com o meu pai.

Isso não foi nenhuma extravagância, pois, desde que comecei a trabalhar na escola, posso proporcionar uma vida decente para a nossa família, ainda que sem luxos. Atualmente, conto também com a ajuda da minha mãe, que felizmente já se recuperou, a ponto de retomar seu emprego como enfermeira no hospital local.

Enfim, tudo vale a pena, quando a recompensa é o sorriso da minha irmã, sorriso este que recebo ao terminar de ajustar sua blusa fora do lugar.

— Vamos, Prim?

— Vamos! Tenho mesmo que ir à sala da Srta. Trinket para saber dos meus horários nos projetos. Ela quer que eu comece logo, pois não sabe se os programas sociais continuarão depois que Alma Coin assumir a direção no lugar da Johanna.

— Que ninguém me ouça, mas não confio nada na Coin... - Deixo escapar minha impressão negativa sobre a possível substituta da Johanna nos meses em que ela se afastará da direção da escola para fazer uma especialização em Chicago.

Minha irmã faz uma expressão consternada e cruza o umbral da porta, puxando meu braço.

No entanto, antes de dar o primeiro passo no corredor, olho cautelosamente para um lado e para o outro para me certificar de que não há ninguém transitando.

— O que foi? - Prim pergunta.

— Estou fugindo da Annie.

— Quem ela quer apresentar a você dessa vez?

— Nem ela sabe. É um encontro às cegas com um amigo do Finnick, que ele conheceu em Londres - explico, saindo pé ante pé.

O esforço é inútil, pois, enquanto caminho com Prim pelo corredor vazio, vejo minha melhor amiga emergir na extremidade oposta. Annie corre até nós e prende meu braço livre no seu.

— É hoje... A sexta-feira mais esperada do ano! Aonde você vai mesmo, Katniss? - Annie pergunta com voz doce.

— Para a sala da Effie. - Prossigo com passos rápidos, sem pestanejar.

— Estou falando de mais tarde! - Ela retruca.

Prim estica a cabeça para frente e examina minha reação. Annie pisca pra ela, escondendo o verde-esmeralda de seus olhos e, sem dúvida, conquistando uma aliada na missão de me convencer a sair.

Eu vejo os sorrisos travessos de ambas e sei exatamente onde isso vai parar.

— Vou ficar em casa, ler um livro...

— Tá. Você pode ler tudo o que quiser por toda a tarde - Annie empaca subitamente, fazendo com que o comboio formado comigo e com Prim pare de se movimentar após um solavanco. - E depois? O que vai fazer?

— Vou dizer o que eu não vou fazerNão vou a um encontro às escuras! Essa é a pior proposta que já me fez de me apresentar a alguém, Ann, já que nem você o conhece!

— Adoro essa aura de mistério! - Prim se empolga, elevando os ombros com ar sonhador.

Annie alonga o braço para bater na mão que Prim lhe estende e minha visão fica ofuscada pela cortina de cachos vermelhos e dourados diante do meu rosto.

— Em primeiro lugar, o convite é do Finnick e ele conhece bem o seu par desta noite. Em segundo lugar... Até quando você vai me punir pelo que aconteceu quando apresentei você ao Cato?

A desculpa que eu uso com todos os outros não funciona mais com Annie, pois ela sabe dos pormenores do meu relacionamento com Gale. Por isso, a ruiva sempre tenta me apresentar a alguém. E, apesar de seus esforços e de sua torcida, nunca funcionou.

Ainda não perdi completamente a fé na humanidade, mas aceitar ir a um encontro às cegas proposto pela Annie... É exigir demais da minha pessoa. Tenho motivos pra isso.

Desde o dia em que ela me pegou com o rosto banhado em lágrimas, fazendo uma maratona de séries românticas à frente da TV, meu lema "Katniss solteira é Katniss inteira" não funcionou mais. Assim, sucumbi à sua insistência para conhecer Cato Ludwig.

Ele foi um amorzinho quando saímos em duplas, apesar de me sufocar um pouco. É normal gostar de se sentir querida, mas o lado bom não supera a aversão que tenho de me sentir presa. A princípio, porém, eu relevei a possessividade dele.

No entanto, já no primeiro encontro sozinhos, Cato começou a implicar com minhas roupas e deixou meu braço marcado, quando me segurou com força exagerada e me acusou de paquerar outro rapaz. Bastou ele me soltar para eu dar as costas e nunca mais olhar em sua cara.

— Oh, Katniss, esqueça o Cato - Prim choraminga.

— Eu já esqueci! Vocês é que estão me lembrando dele - Balanço a cabeça para afastar a memória do que tinha tudo para ser um relacionamento abusivo - Mas a lição ficou. Não estou interessada em repeti-la.

— Finn disse que esse amigo é um cara legal - Annie não desiste.

— O que mais você sabe sobre meu futuro cunhado, Srta. Cresta? - Prim indaga.

— Srta. Primrose Everdeen, sei que ainda estamos nas dependências da escola e que você deve respeito à sua professora preferida... No caso, eu - Annie ergue um dedo solenemente, para depois sussurrar. - Mas, pra você, sou sempre Ann, a amiga favorita da sua irmã teimosa desde que ela tem dezesseis anos! - Annie encosta sua cabeça na minha. - Eu sou, né?

Não consigo manter a cara fechada que estava sustentando desde a menção ao nome indesejado do Cato.

Annie costuma fazer essa pergunta desde que a conheci, seis anos atrás, quando se mudou com seus pais para a nossa cidade. Ela insiste e insiste até eu admitir que é a minha amiga favorita no mundo.

Nunca tive amigos próximos na turma da escola, dominada por elitistas, que não se misturavam com os moradores da Costura. Ironicamente, a única que almoçava e conversava comigo era Madge, a filha do prefeito. Annie também se deu bem com ela e passamos a formar um trio diferente, num mar de adolescentes manipuladores e falsos, até que Madge se mudou com a família para Washington, para seu pai seguir carreira política.

Então, eu e Annie viramos uma dupla inseparável. Apesar de sua boa condição financeira, ela não tinha os preconceitos dos alunos antigos.

Finnick se mudou para a cidade um ano depois da chegada de Annie. Nascido na Inglaterra, pois sua mãe é britânica, ele veio morar com o pai americano. Os dois forasteiros da escola apaixonaram-se um pelo outro de cara e estão juntos desde então.

Em todo esse tempo, Annie sempre acompanhou o quanto eu me desdobrava para estudar, trabalhar em meio período na lanchonete de Greasy Sae e tomar conta de Prim.

Não foram poucas as vezes em que cheguei em casa esbaforida e Annie já estava cuidando dela, fazendo-a suspirar com histórias açucaradas de passeios com Finnick pela praia e com relatos de como ele ficava bonito no uniforme do time de futebol americano.

Por isso e por muitas outras virtudes, Annie é mesmo minha amiga favorita.

— É claro que você é minha amiga favorita no mundo inteiro... Agora, vamos andando antes que Effie vá embora.

Recomeço a andar, carregando as duas até a sala da orientadora.

Atrás da mesa, organizada impecavelmente, Effie pestaneja com os olhos vidrados em Haymitch, que deve ter vindo buscá-la.

— Olá, meninas! - Haymitch nos cumprimenta.

— A que devo a honra da visita? - Effie contorna a mesa para nos abraçar.

— Vim agradecer pela oferta que fez à Primrose.

— Gostou da novidade, Katniss? - Ela pergunta e eu assinto. - Que conselhos você daria à sua irmã?

— Nunca, jamais, em hipótese alguma, ouse colocar um copo com água sobre a mesa de mogno, Prim.

— Nem mesmo uma xícara de café! - Annie completa.

— Primrose pode fazer isso... Se usar um porta-copos! - Effie alerta e Prim faz sinal de que compreendeu.

Haymitch pega uma garrafa d'agua na pequena geladeira no canto da sala e ameaça colocá-la sobre a mesa, fazendo uma cara engraçada e debochada.

Sem esconder seu divertimento, Prim ergue a mão e impede que ele concretize a ação, apenas para colocar um porta-copos sobre a superfície de madeira, onde Haymitch apoia a garrafa, piscando para ela.

— Passou no teste, com louvor! - Effie festeja.

— Parabéns, Everdeen caçula! Tão diferente da irmã mais velha! - Haymitch me alfineta. - Se fosse a Katniss, só faltaria me dar uma flechada certeira depois de uma brincadeira dessas.

Eu não tenho como negar, pois é a verdade.

— Haymitch, sabia que estamos tentando convencer a Katniss a ir a um encontro às escuras hoje? - Prim apela para a lábia do advogado.

— Então, vocês tem que fazer uma lavagem cerebral nela. Katniss tem tanto charme quanto uma lesma morta e é tão romântica quanto um monte de sujeira.

— Ai. Isso doeu - reclamo.

Ele percebe que exagerou, tanto é que suaviza o tom ao continuar.

— Essa pode ser sua chance, docinho - Haymitch cutuca meu ombro. - Não deve ser tão ruim assim... Para o pobre garoto, é claro.

Reviro os olhos e todas riem com sua observação. Em seguida, Prim checa seus horários com Effie, que entrega a ela a relação dos documentos necessários para que participe dos projetos e, em seguida, nós nos despedimos do casal.

— Feliz encontro às cegas! E que a sorte esteja sempre a seu favor! - Effie exclama com sua voz melodiosa ao nos levar ao corredor.

— Posso pegar carona com você, Katniss? - Annie pede. - Eu ajudo Prim a separar tudo o que você vai usar hoje à noite! Combinei com o Finn de me buscar na sua casa.

— Você já tinha tudo planejado! - Aperto os olhos na direção dela. - Você pensa que é inútil eu me esquivar dos seus pedidos, não é? Mas vou resistir bravamente.

— Katniss, aventure-se! - Prim me instiga. - Você nunca fez algo assim!

— Será que foi porque isso não é nada sensato? - respondo de modo sarcástico, mas elas fingem não escutar.

Primrose se acomoda no banco traseiro do carro, enquanto Annie fica ao meu lado.

— Conta tudo o que você sabe sobre ele, Ann - Prim implora, com a cabeça entre nossos assentos.

— Prim, sente-se direito e coloque o cinto de segurança. Você também, Annie.

As duas me ignoram mais uma vez e Annie se vira para trás.

— Ele é americano e foi morar na Inglaterra. Finnick o conheceu durante um curso que fez por lá. Ele está voltando para Los Angeles para reativar os negócios da família. Ele está buscando amizades e...

— Bom para ele - digo apressadamente - Estou realmente feliz por esse rapaz retornar pra casa. Quanto ao resto, ele parece já ter encontrado dois bons amigos...

— É mesmo? Quem? - Annie inquire distraída.

— Finn e você. Estou dispensada?

— Ah, vai, Katniss! - Annie balança meu ombro.

— Onde?

— No Bar Mockingjay.

Logo lá? O Mockingjay é um bar localizado em frente ao Píer de Santa Mônica, no início do calçadão que vai até Venice Beach. Meu pai fazia uns bicos como músico nesse local. Ele dizia que o lugar é espetacular e que me levaria lá para cantar quando eu alcançasse a maioridade. Por isso, eu sempre quis conhecer o Mockingjay, porém não ia dar o braço a torcer tão facilmente.

— Que horas?

— Às seis.

— Não é muito cedo?

— Ele quer ver o pôr do sol do Píer - Annie explica.

— Que romântico! - Prim joga o corpo para trás contra o banco, suspirando.

— E... Hoje é noite de karaokê! - Annie praticamente grita, enquanto me sacode.

— Você está brincando? Não vou cantar...

— Eu também não! Vou dançar! - Annie faz uma dancinha empolgada com o tronco e os braços. - Os frequentadores de lá levam a cantoria a sério. Finnick é um deles.

— Vocês dois também vão?

— Claro que vou com Finnick! Preciso recolher material para o meu discurso como madrinha do seu casamento. Eu dei a você anos de vantagem...

— Por que não disse antes? - Eu a interrompo.

— E então? Você vai? E vai cantar, né? - Prim está impaciente.

— Ei, vocês duas. Meu carro, minhas regras. Cinto de segurança já! - ordeno e elas ajustam as fivelas rapidamente.

— Não fuja do assunto, amiga.

— Você canta tão bem, Katniss. Por que não arrisca? - Prim tenta novamente me dissuadir.

— Estou arriscando a minha sanidade ao dar ouvidos a vocês - Dou partida no carro.

— Isso é um sim? - Annie fica esperançosa.

— É um talvez. Não tenho nada para vestir em lugares como o Mockingjay - argumento.

— Você pode usar um vestido da mamãe! - Prim sugere.

Em geral, salvo o que sobra do meu salário para custear meu vício por livros e muito raramente compro vestidos, sapatos e maquiagem, porém Prim está tão entusiasmada que estou inclinada a ir. Quanto a cantar... É algo que não faço desde que meu pai faleceu.

Meus dedos tamborilam o volante e olho de esguelha para Annie.

— Você promete que não preciso cantar?

— Prometo! Por favor... Pelo Finnick? Por mim? - Annie entrelaça os próprios dedos e leva as mãos abaixo do queixo, em súplica.

— Tudo bem - concordo ainda contrariada.

Prim solta um gritinho e Annie bate palmas. Eu suspiro dramaticamente.

— Agora podemos planejar o casamento duplo! - Annie sorri.

— Duplo, não! Triplo! Quero participar da festa! - Primrose se diverte.

— O quê? - Eu a encaro pelo retrovisor com os olhos arregalados.

— OK! Nada de casamento duplo ou triplo... Ainda! Vamos focar em hoje à noite - Annie propõe. - Prim, o que você vai fazer no cabelo dela?

Aff. Estou em apuros. Definitivamente. Acabo de bater o martelo para sentenciar o restante do meu dia como desastroso, porque sei que vou acabar cedendo em cada detalhe que as duas inventarem.

Atravessamos a fronteira da Costura e logo chegamos à minha casa. A pintura desgastada sob as janelas está disfarçada pelos arbustos floridos das prímulas que minha irmã plantou.

Assim que descemos do carro, Rory Hawthorne, irmão mais novo de Gale, atravessa a rua, apreensivo.

— Prim, posso falar com você? - Ele pergunta.

Mesmo sem precisar pedir, ela olha pra mim, esperando permissão. Assinto e os dois se dirigem a um dos velhos bancos da Campina, o descampado mal cuidado que fica a alguns metros da nossa casa.

— Katniss, você trata Prim como sua filha - Annie observa.

— Que exagero, Ann! - Abro a porta.

Quando eu e Annie invadimos a cozinha, minha mãe já está enchendo tigelas fumegantes com sopa. Annie a cumprimenta com um abraço de lado.

— Prim está lá fora com Rory, mãe - aviso secamente.

— Katniss esqueceu de contar que vai comigo hoje num encontro e precisa de um vestido emprestado da senhora - Annie fala.

Minha mãe pousa a concha na panela e seus olhos marejam.

— Vou providenciar tudo, filha - Ela sai da cozinha em direção ao quarto.

— Você deveria ser menos dura com ela - Annie me censura quando vai comigo ao banheiro lavar as mãos, apesar da sua voz calma.

Fico calada, pois sei que ela está certa. Sentamos à mesa e eu evito dizer qualquer coisa, porém Annie quebra o silêncio que se instalou.

— Você tem muita sorte de ter uma amiga como eu! Meu namorado quer apresentá-la ao amigo tudo-de-bom dele.

— Sorte... eu? Olha quem fala! A pessoa para quem o destino sorriu!

— Lá vem você com esse papo, Katniss.

— Ann, o destino sorriu tanto pra você, que deu tempo de colocar aparelho ortodôntico nele e ainda completar o tratamento com um clareamento dental. Aí o destino ficou muito feliz e sorriu mais ainda!

— O destino vai sorrir pra você essa noite.

— No máximo, ele vai acenar de longe, enquanto sai de fininho.

— Katniss, você é muito despretensiosa para alguém com tantos motivos para não ser nada modesta. Você é linda, inteligente, lutadora... Um pouco rabugenta, mas de um jeito bom.

Estou pronta para responder, mas Prim entra em casa, sorrindo para si mesma.

— E então? - pergunto curiosa.

— Rory me convidou para o baile de formatura! - Prim sorri ainda mais e circunda a mesa para jogar os braços ao redor do meu pescoço. - E ele me pediu um conselho em relação a você e ao Gale.

Olho para Prim atordoada.

— Rory disse que alguns amigos estão pensando em convidar você para o baile e perguntaram a ele sobre seu namoro com Gale. Rory não sabia o que dizer.

— Diga apenas para ele desencorajar os amigos. Com ou sem Gale, não vou aceitar mesmo nenhum convite - respondo evasivamente. - E coma sua sopa, Prim.

— Está vendo? Você a trata como sua filha o tempo todo - Annie aponta. - Não que isso seja ruim. Só deixe o seu lado irmã fluir um pouquinho mais...

— Como faço isso? - questiono.

— Você pode me dar uma sugestão em vez de uma ordem - Prim me aconselha.

— OK - emito uma voz cheia de candura, piscando os olhos e ladeando a cabeça. - Querida irmãzinha, sugiro que você experimente a sopa que a mamãe preparou, enquanto ainda está quentinha.

— Bem melhor! - Prim estala um beijo em minha bochecha. - Agora, vamos falar sobre sua maquiagem e sobre as sandálias de salto!

Saltos também? Isso saiu do controle.

— Prim, coma sua sopa! - resmungo.

As duas riem da regressão em meu comportamento e Annie toca o braço de Prim.

— Como foi o papo com Rory? Você respondeu logo ou fez suspense?

— Fiquei com cara de boba apaixonada... - Prim apoia o rosto em seu punho fechado. - E disse sim! Mais apaixonada ainda!

— Acho que nunca me apaixonei antes. Nem pelo Gale - confesso.

Prim faz de conta que sua colher é um microfone e começa a me entrevistar, imitando uma repórter sensacionalista:

— Você nunca foi balançada por um sentimento arrebatador, que toma conta dos pensamentos e faz o corpo inteiro reagir, pela certeza de que quer aquela pessoa ao seu lado por toda a sua vida?

— O que significa isso, Primrose Everdeen? - pergunto intrigada, pois, apesar de saber que ela gosta de Rory, não fazia ideia de que era tanto.

Mas, pra variar, ela não me responde. Annie entra na brincadeira, também fingindo ser uma entrevistadora:

— Você não sonha ter uma pessoa que decifre o que está sentindo só de olhar nos seus olhos, que saiba do que precisa antes mesmo de você falar, que seja seu maior fã, seu melhor conselheiro, mas com aquele algo mais que torna impossível resistirem um ao outro?

— Argh! Vocês são muito melosas - esbravejo, para disfarçar o frio na barriga só de imaginar encontrar alguém assim.

— Você já gostou de um garoto que eu sei... - Prim acusa.

— De onde tirou isso, mocinha?

— O filho do padeiro! - ela afirma com convicção.

— Esse eu não conheci - Annie fica curiosa.

— A padaria ficava aqui perto da Costura. Fechou antes de você se mudar pra cá, Ann - Prim explica. - Katniss ia lá comigo para ver os bolos decorados na vitrine.

— Você disse bem. Eu ia levar você. Não ia pra ver o garoto com o p... Quero dizer, o filho do padeiro - Quase deixo escapar o modo como me refiro a ele em meus pensamentos. Garoto com o pão. - Eu não gostava dele dessa maneira. Só era grata por ter me ajudado uma vez. E ele nunca me notou de verdade.

— Notou sim! Ele observava você de um jeito tão fofo! Pena que ele foi morar longe...

— Pena mesmo. É alguém que eu gostaria de conhecer, por conseguir a façanha de conquistar o coração da Katniss! - Annie se levanta da mesa e me puxa para o meio da sala. - Mas agora vamos pensar positivo, pra você encontrar uma nova paixão essa noite!

— Você e suas ideias mirabolantes! - Eu me jogo no sofá quando Annie me solta.

— Estou torcendo para que ele seja uma graça e que o encontro seja maravilhoso! - Prim termina de comer e senta-se ao meu lado.

— Vai ser - Annie confirma.

— Tem que ser. Para o seu bem, Annie - Eu ameaço, mas pisco pra ela logo depois. - Por via das dúvidas, é bom que você e Finn estejam por perto, caso o encontro seja um fiasco e eu precise ser resgatada.

— Temos que combinar um pedido de socorro - Annie fala.

— Já sei. Vou fazer aquela sua coreografia de líder de torcida, Ann - Agarro duas almofadas para imitar pompons e, depois, atiro nela.

— O sinal pode ser enrolar o cabelo assim! - Prim enrosca uma de suas mechas no dedo indicador.

— Se eu ficar enrolando o cabelo, ele pode pensar que estou me insinuando... Que tal mexer na orelha? - Reproduzo o gesto para Annie memorizar, segurando meu lóbulo esquerdo.

— Se você mexer na orelha, irei resgatá-la, Everdeen! - Annie promete, devolvendo-me as almofadas que joguei nela.

Uma delas atinge Primrose, o que é o estopim para uma guerra de almofadas.

Nossas risadas ainda ecoam pela casa, quando minha mãe ressurge na sala.

— Katniss, separei um vestido que ficará perfeito. Há um tempo, pedi para Hazelle fazer uns ajustes e deixá-lo mais moderno, justamente pra você usar numa ocasião assim.

As palavras da minha mãe me tocam profundamente. Os vestidos são algo especial pra ela, pois remetem ao tempo em que meu pai estava vivo.

Annie e Prim me lançam olhares encorajadores e vou até ela para abraçá-la.

Não sei se esse encontro às escuras será divertido ou não, mas já serviu para me ajudar nessa reaproximação. Minha mãe segura meu rosto cautelosamente e abre um pequeno sorriso.

— Qual é o nome do rapaz, Annie? - Ela pergunta, ainda olhando para mim.

— Peter... Peter Montark. Ou seria Monnark? É alguma coisa assim.

— Não conheço a família. Ele é daqui? - Minha mãe quer saber.

— Não sei. Finn está cheio de segredos. Ouvi o nome do rapaz por acaso.

— Então, serei uma surpresa pra ele também? - pergunto.

— Uma grata surpresa! - Annie confirma, fazendo um floreio com as mãos e usando uma voz impostada, como se fosse uma fada madrinha que está se preparando para lançar um encanto em minha direção.

Prim e Annie certamente continuariam com a brincadeira, mas uma buzina insistente passa a soar do lado de fora. Annie solta uma exclamação e corremos para a calçada. Finnick está em seu carro, fazendo a barulheira.

Rue, a melhor amiga de Prim, sai de casa para ver o motivo do estardalhaço e se junta a nós.

Finnick atravessa a rua, atrapalhando um bando de meninos que brincavam de bola.

Annie salta nos braços do namorado, que imediatamente a pega no colo, girando-a no ar com os lábios colados nos dela. Eles pouco se importam com a cena que estão protagonizando.

As crianças agitam os braços, reclamando pela interrupção do jogo. Finnick deixa Annie deslizar até o chão suavemente. Então, aproxima-se dos meninos e arremessa perfeitamente a bola para o que está mais distante.

— Um dia vocês vão saber o que é estar apaixonado! - Ele grita e sorri para Annie, enquanto Prim e Rue suspiram atrás de mim. Quando me viro para olhá-las, ambas estão segurando as mãos sobre o peito. - Boa tarde, meninas! Vim buscar o amor da minha vida...

Antes de ir, Annie apoia as mãos em meus ombros.

— Vamos apostar que você vai se divertir muito essa noite? Vou apostar alto e colocar em jogo o meu tesouro mais cobiçado... - Annie propõe, piscando pra mim.

— Estou me sentindo ultrajado - Finnick finge estar exaltado, mas seu bom humor é nítido. - Eu sou o objeto dessa aposta? Ou não sou seu tesouro mais cobiçado?

— Não. Ela está falando do pôster autografado do Josh Hutcherson! - explico e ele balança a cabeça em desaprovação, mas logo seu rosto se ilumina.

— Ah! Pensando bem, só assim pra você se livrar daquela coisa, Ann! - Finnick avalia melhor e depois aponta para mim. - Trate de se divertir, hein, Everdeen!

— Ela vai, sim! - Primrose não se contém.

— É um grande incentivo mesmo. - implico, ainda com ar propositalmente pessimista, torcendo o nariz.

— Tchau, meninas! Até mais, Katniss! - Finn se despede.

O belo casal acena para nós, de braços dados, e os dois entram no veículo.

Deixo Prim segredando com Rue na entrada de nossa casa e vou até meu quarto organizar as aulas da próxima semana no notebook, o que me toma bastante tempo.

Horas depois, minha mãe leva um lanche pra mim numa bandeja, antes de ir para seu plantão.

— Estou torcendo para que você se dê bem com o Peter, filha.

Retribuo seu sorriso quando ela sai e, de repente, na tela iluminada, surge uma chamada de vídeo.

É Gale. Clico para iniciar a conversa.

— Hey, Catnip!

— Oi, Gale.

— Falei com Rory agora e ele me disse que Prim e Annie estavam tendo trabalho pra convencer você a ir a um encontro.

— É um encontro às cegas - esclareço com um sorriso, erguendo os ombros e as mãos com as palmas voltadas para cima - Não me julgue.

— Ah, certo. Claro que não - Ele sorri também, demonstrando que compreendeu o motivo da minha relutância. Nós sempre entendemos as razões um do outro, sem necessidade de muitas explicações. - De qualquer modo, fico tranquilo que esteja seguindo em frente. Você sabe que eu e você... Bem, que nós...

— Não há mais nós, não é? Soube há um tempinho.

— Sinto muito mesmo.

— Não sinta. De verdade. Só fiquei triste por não ter me contado antes algo tão importante como a vinda de um filho... Mas, se você está feliz, estou feliz também.

— Estou mesmo. Aliás, eu e Cressida estamos.

— Ela se chama Cressida?

— Sim. E o bebê vai receber o nome do meu pai.

— Algo que você sempre quis, não é? -Eu recordo e ele confirma em silêncio, com um meneio de cabeça. - Desejo tudo de bom pra você e sua nova família...

— Desejo tudo de bom em seu encontro.

— Você faz falta, Gale. Não suma - digo sinceramente.

— Eu também sinto saudades - Ele se despede e faço um gesto de adeus para a câmera, que é repetido por ele.

Gale finaliza a ligação. Meu monitor se apaga depois de um tempo e... É isso. Acabo de escapar do limbo oficialmente.

Será que esse é um bom sinal? Com certeza, uma grande carga sai dos meus ombros. Fico pensativa, olhando a tela vazia, e, logo depois, Prim surge na porta entreaberta e se recosta no batente, segurando o cofre onde ela guarda suas economias.

— Katniss, você deve estar preocupada com o que vai gastar hoje e...

— Nem pense nisso, Prim.

— Eu garanti à Annie que providenciaria tudo.

— Ela não estava se referindo a dinheiro.

— De qualquer modo, não posso contrariá-la. Ela ainda não me entregou a carta de recomendação para a universidade.

— Isso é golpe baixo, Prim! - reclamo realmente aborrecida por minha irmã mencionar meu ponto fraco.

Prim abaixa os olhos e se aproxima.

— Você me perdoa? - Ela segura minha mão. - O principal motivo de ajudar à Annie com esse encontro é porque quero ver você feliz.

— Tudo bem - Afago seu braço. - Eu exagerei. É que não posso nem imaginar nada dando errado com sua ida à faculdade. Isso é meu dever como irmã mais velha e...

— Não é seu dever. Você já faz de tudo por mim e, por mais que eu seja grata, não posso permitir que se sacrifique tanto, sem viver a sua vida - Ela me estende algumas notas e eu pego. - Fique com o que ganhei essa semana como babá. Não é muito, mas ao menos um drinque será por minha conta!

— Vou aceitar, mas só dessa vez - Fito com carinho o sorriso que se desenha em seus lábios.

Um rápido olhar para o relógio me mostra que já são três e meia da tarde. Eu imediatamente saio do meu quarto e constato que, sobre a cama da minha mãe, ela estendeu cuidadosamente um belo vestido, cujo tecido fino contrasta com a colcha surrada. Na cômoda, ela deixou à vista os brincos delicados que ganhou da Dra. Paylor, sua supervisora no hospital. Acho que minha mãe nem mesmo chegou a usá-los.

A roupa me lembra de momentos alegres, em que meu pai conduzia minha mãe, rodopiando-a pela sala e cantarolando seu amor por ela.

Penso em como meus pais se comportavam quando estavam juntos. Em como o rosto da minha mãe se iluminava ao ouvir o som das chaves dele ao abrir a fechadura. Ela tentava se ajeitar, tirando o avental e arrumando o cabelo. No entanto, qualquer que fosse sua aparência, quando meu pai pousava os olhos nela, era como se minha mãe fosse a criatura mais linda e encantadora do mundo.

Eu me pergunto se algum dia vou receber esse olhar de alguém.

Enxugo uma lágrima furtiva antes que Prim veja e me enfio no chuveiro. Imediatamente após o banho, descubro que não tenho como escapar da sessão de beleza organizada por minha irmã.

E, nesse exato instante, já estou à sua frente, com os cabelos escovados e o rosto levemente pintado.

— Olhe só pra você! - diz ela satisfeita, guardando o último pincel. - Você está absolutamente linda, Katniss... O que o papai diria se, no mesmo dia, soubesse que recebi um convite para o baile e que você terá um encontro?

Tento formar um sorriso no rosto, mas é muito doloroso ouvi-la falar sobre nosso pai. Por sorte, a campainha soa.

— Deve ser Rue! - Prim vai atender.

Ponho o vestido e calço meu par de sandálias, atando as tiras finas nos tornozelos. Adorno as orelhas com os brincos e disfarço o decote do vestido com a única joia que possuo: o broche de ouro que Madge me deu, composto de um aro e a figura de um pássaro no centro dele.

Respiro fundo e me olho no espelho, gostando verdadeiramente da minha aparência. Eu honestamente não reconheço a imagem refletida, mas me sinto bem ao encarar isso como uma boa mudança.

Prim e Rue abrem a porta.

— Não falei que ela está incrível? - Prim pede a opinião da amiga.

— Sim! E eu adoro seu broche, Katniss - Rue elogia. - Trouxe essa pulseira, que combina com ele.

Ela envolve em meu pulso uma corrente dourada, com minúsculos pingentes de passarinhos.

— Obrigada, Rue - Fico comovida com o mimo.

Eu abraço as duas e elas me levam até a porta. Prim me entrega meu casaco e minha bolsa.

— Eu coloquei na bolsa o batom que você está usando, seu telefone e sua carteira. Também chamei um táxi.

— Minha irmãzinha está crescida e agora cuida de mim... - Acaricio o cabelo dela, colocando algumas mechas atrás da sua orelha. - Você vai ficar bem até eu chegar?

— Rue vai ficar comigo. Não precisa voltar cedo por minha causa - As duas trocam olhares cúmplices, enlaçam minha cintura, uma de cada lado, e andam comigo até a calçada.

— Espero que ele seja educado, respeitador e... lindo! - Rue acrescenta animada, antes de eu me afastar delas para entrar no táxi.

Olho pra trás para vê-las acenando sorridentes. Não demora muito, elas enviam mensagens para o meu telefone com conselhos para eu seguir. Rio sozinha com o empenho das duas para que dê tudo certo.

Na metade do percurso, Annie também manda uma mensagem pelo celular.

ANNIE"Eu e Finnick vamos nos atrasar. O carro dele quebrou. Vou pegar logo um táxi, enquanto Finn espera o reboque e vai depois. O amigo dele já está a caminho."

— Ah! Que ótimo! - resmungo, enquanto espero a mensagem que o aplicativo me informa que Annie está digitando.

ANNIE: "Eu conheci o dito cujo. É loiro e lindooo!!!!! Além de simpático e comunicativo."

EU: "Você confirmou o nome dele?"

O marcador ao lado do texto me indica que a mensagem foi recebida, mas Annie ainda não leu. Seguro o telefone por alguns minutos, mas o devolvo para a bolsa, sem a resposta dela. Tenho que me conformar com o fato de que terei que procurar sozinha por um loiro chamado Peter.

 


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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

Quem está ansiando por esse encontro com o Peter?

Será Peter mesmo?

Espero que não!

Não deixem de comentar e opinar! É muito importante pra quem escreve...

Beijos!

Isabela





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