A vida é uma coisa estranha. Estranha e dolorosa. É como andar sobre brasas e ela queimar o suficiente apenas para machucar a pele. Não mata. Mas deixa marcas profundas na alma. Às vezes, no nosso corpo também.

Apesar de eu acreditar que as marcas são boas — elas nos lembram da nossa essência e, também, de nossa vulnerabilidade — eu preferiria não ter algumas delas. Principalmente esta que você está criando em mim. Neste exato momento.

É por causa dessa queimadura que estou escrevendo: para aliviar a dor que ela está me causando. E por sua causa. Alguém em quem eu apostava todas as minhas fichas. Toda a minha confiança. Toda a minha alma. E que, exatamente por isso, eu escolhi como amigo.

Você está cuspindo nas minhas escolhas, garoto. Está esmagando meu coração, que eu te dei de tão bom grado. E sem você nem ao menos pedir! Algo inédito, devo dizer.

Talvez esse tenha sido meu erro, não é mesmo? Eu te dei uma responsabilidade que você não queria. Então, garoto, eu pergunto: por que diabos você não recusou? Doeria menos. Machucaria menos. Deixaria menos cicatrizes.

Ai, a tola que sou! Tentando te dar uma chance de se desculpar, mesmo sabendo que isso não irá acontecer. Te conhecendo do jeito que te conheço, você nem ao menos se deu conta dos males que me causa. O estrago que essa sua mania de fugir me causa. Não sei se isso me dá mais raiva de você ou mais pena de mim. Raiva por você não perceber o que faz. Pena por eu sofrer por alguém que nem percebe esse sofrimento.

Acho que um misto dos dois. Por isso choro tanto. Por um menino. Eu jurei que nunca choraria por meninos. Eu quebrei meu juramento. Por você. Tem noção do que é isso, garoto? O que é engolir meu próprio orgulho, criado através do seu — porque tudo em mim tem um pouco de ti — e me permitir sentir essa falta que tu me faz?

Eu não aguento mais.

Todas as vezes que eu chego perto e você se afasta, é como uma faca atravessando meu coração. Todas as vezes que você me abraça e beija minha face, quando se esbarra comigo, e todas as vezes que acena quando eu passo de longe: isso machuca ainda mais. Porque eu fico sem entender. Você se aproxima e foge. Me evita, quando possível. E, frente ao impossível, me trata com abraços apertados e beijo no rosto. De um jeito que nunca tratou. O que aconteceu? O que mudou em você? O que mudou em mim? Eu só quero meu melhor amigo de volta. Aquele que eu conhecia completamente. Intrinsecamente. Que os olhos já bastavam para eu ler toda a alma. Por que você está estragando tudo? Me obrigando a escrever textos sobre você?

Garoto, foste a única pessoa sobre a qual eu sabia que nunca escreveria. Porque meus textos são cinza, e você sempre foi meu arco-irís. Meu prisma. Todas as cores do universo fundidas em um único ser vivente. Você me obriga a manchar-te, a macular-te na minha vida. Assim, quando o ponto final desse texto passar a existir, você não será mais o mesmo para mim. Meu coração, tampouco. Porque as cores da minha vida terão ficado negras.

Você está me obrigando a tomar tais atitudes. Eu te odeio por isso.

Sabe qual a pior parte? Por mais que eu prolongue esse maldito fim, ele é inevitável. O gelo se aproxima desse músculo tão forte, desse meu coração. Você está morrendo em meu amor. Não posso deter nada disso, porque você simplesmente não muda as coisas.

Então, garoto bonito, mude tudo agora. Mude enquanto ainda há tempo. Faça a gente voltar a ser o que era antes. Pare de fugir desse jeito tão covarde, tão seu. Comece a fugir do meu jeito. Aquele jeito louco que foge do seguro para o perigoso. A fuga corajosa. A fuga arriscada que você odeia e recrimina. Faça isso por mim. Porque eu valho a pena. Nós dois sabemos que valemos a pena. Não tenha medo do futuro que podemos ter juntos, por mais perigoso que seja se entregar a esses impulsos que nos consomem. A essa atração que é inevitável. Se arrisque. Por mim. Por nós.