Incógnita escrita por Lua Chan


Capítulo 6
O Caso de Demência




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Pego com minhas trêmulas mãos o objeto que estava em minha frente. A câmera era de uma marca nem tão conhecida, mas, de qualquer forma, Black Hat a amava. Ele teria ganhado de Pivot Horston, quando o cientista ainda trabalhava aqui; de acordo com Tiberius, ela teria sido um presente pela bondade de Black Hat deixar Horston viver em sua mansão. Isso só me fez perceber o quão realmente eles eram amigos num tempo distante.

Eu sabia que estava correndo um grande risco, mas eu tinha cuidado, assim como eu tive durante 2 meses. Aquela era a sétima vez que eu visitara o escritório de Black Hat sem seu consentimento, mas era por uma boa causa. Eu precisava fazer meus próprios registros. Precisava nos salvar. Clico no botão de ligar da câmera e me escondo debaixo da mesa do chefe - ela era completamente vedada no lado da frente, assim ninguém que entrasse conseguiria me ver. Começo, finalmente, a gravar.

— Relatório do dia 98, pelo doutor Flug. - limpo a garganta antes de prosseguir, minha voz estava embargada por causa do medo - Faz exatos 97 dias que eu estou vivendo na mansão de Black Hat e tem sido muito pesado.

Um arrepio se propaga pela minha espinha, mas me recuso a parar de gravar. Eu simplesmente não podia arriscar.

— Eu nem sei o que dizer mais. - digo para a câmera, exaustivamente - Estive registrando alguns dos dias que eu estive na mansão com Clary e Tiberius e eu realmente não aguento mais. Já tentei fugir, causar uma bomba de fumaça ou algo que me permitisse sair dessa droga, mas... tudo volta para o mesmo lugar. Eu volto para o mesmo lugar.

Meus olhos começam a marejar e aos poucos deixei que algumas lágrimas saíssem. Eram de ansiedade e medo, eu sabia disso. Se Black Hat me pegasse aqui, eu nem faço ideia do que ele seria capaz.

— Estão vendo isso aqui? - aponto para a máscara que eu estava usando, que inclusive pertencia a Horston. Era muito velha, por isso, às vezes eu tinha uma crise de tosse devido a poeira - Ele disse que eu tinha que usar para me esconder do mundo. Disse que eu não podia mais tirá-la de mim e eu quase não acreditei, até ter ouvido sermão do chefe ao tirá-la para tomar café. É uma droga, não é? Pareço um palhaço.

O lugar ganha uns momentos de silêncio, mentalmente eu penso em editar essa parte, como normalmente fazia. De repente, ouço o barulho de passos e em poucos segundos, desligo a máquina. Se fosse ele, não poderia ficar aqui.

— Flug? - a voz de Tiberius me acalma. Ele nunca me delatou para Black Hat, por isso, sabia que não teria problemas - Cara, eu sei que você tá aí. Apareça.

Resolvo me render, do que adiantaria continuar escondido? Me afastei da mesa de Black Hat e coloquei sua câmera no mesmo lugar onde estava antes. Tiberius me observa enquanto eu, desjeitosamente, ando até sua direção. Ele usava uma blusa folgada e velha da Red Hot Chili Peppers e estava de braços cruzados, carregando uma aparência sisuda no rosto, igual a das vezes em que Clary pregava uma peça no garoto.

— Hector... desista dessa droga. - ele insiste, pela 13° vez, provavelmente. Sempre que eu gravava meus registros escondido, lá estava ele para me dar sermão. Às vezes ele era pior que o próprio chefe - Sabemos que isso não vai funcionar contra Black Hat.

— O que você quer? - bufo, esperando que ele acompanhe meu raciocínio e mude de assunto. Felizmente, Tiberius não era tão cabeça dura como Clary.

— O chefe quer que você continue a trabalhar no seu último projeto. Aquele que você começou há 3 dias.

Indolentis. Era disso que ele estava falando, a minha nova criação. Uma poção que deixava a vítima num breve estado de inconsciência e fraqueza. Era uma mistura rica em substâncias entorpecentes. Seria muito efetivo para acabar com enxames de insetos, doenças e inimigos (no caso de Black Hat). Eu já estava na fase final do protótipo, mas parei para fazer os registros.

Tiberius sai da sala e eu o sigo cautelosamente, com medo de ser pego saindo do escritório do chefe. Seria, definitivamente, terrível. Fomos para o meu laboratório, onde eu adicionaria mais um produto para finalmente tomar o experimento como concluído. Para o meu horror, Black Hat estava lá, do lado de fora do laboratório, atrás do vidro protetor. Ele olhava para mim como se algo pudesse acontecer. Engulo em seco e olho para Tiberius, que estava ao lado de Clary (ela tinha acabado de chegar).

— Por que ele está aqui?

— Ele queria ver como está seu progresso. - disse Tiberius, como se fosse algo óbvio. Clary se aproxima de mim com um olhar calmante, o que me deixou menos tenso, apesar de não ter acabado com as minhas preocupações.

— Eu vou ter que explicar passo a passo? - questiono uma última vez e Tiberius confirma com a cabeça.

— Não precisa ter medo, Hector. Ficaremos aqui pra te ajudar. - diz a garota, sem abandonar o sorriso. Ainda me pergunto por que Black Hat e Tiberius foram tão cruéis ao ponto de chamá-la de "Demência". Ela era uma ótima amiga, apesar das brincadeiras sem graça - Posso ser sua ajudante se quiser.

— Obrigado, Clary.

— Os alto-falantes estão ligados. - acrescenta o garoto dos cabelos azuis, apontando para um dos objetos - Black Hat vai poder te ouvir assim que estiver pronto.

Agradeci novamente aos dois e esperei por um sinal. Tiberius se afastou de mim e Clary ficou perto para me auxiliar. Agora a atenção era toda minha. O chefe me olhava do outro lado do laboratório e balançou a cabeça como se dissesse "pode começar". Limpo a garganta mais uma vez e com um sorriso confiante - que ninguém foi capaz de ver, devido a máscara -, inicio o processo.

— Uhm... bem, como pode ver, esse frasco armazena todo o Indolentis, que está quase pronto. - seguro o béquer com uma mão e mostro para Black Hat, que permaneceu estático - Só preciso acrescentar uma aroma específico. Escolhi o limão como fragrância, mas poderia colocar outros produtos se eu quisesse.

— Qualquer produto? - Tiberius pergunta, com o ar de quem tinha uma ideia. Eu sabia o quão ele gostava de girassóis, já que até tinha uma tatuagem em sua nuca. Provavelmente, ele queria que o aroma fosse de flores, mas eu já havia feito a minha escolha.

— Não exatamente. - respondo - Essências como a de baunilha, cravo ou canela podem tornar o Indolentis mais forte e perigoso. Não faço ideia do que isso poderia causar a alguém.

— Ande logo com isso, Dr. Flug! - Black Hat fala, impaciente - Estou esperando!

— Tudo bem, chefinho. - digo, dirigindo-me à Clary. 

Peço que ela pegue, cuidadosamente, um dos frascos da mesa - haviam 5, onde 2 deles eram letais. Sugo um dos líquidos que ela me trouxe com uma pipeta, essa era a etapa que me dava mais medo: adicionar a essência de limão no béquer. Mais de uma gota poderia causar uma bomba de fumaça perfeita. Minha mão começa a tremer, resultado do meu nervosismo. Quando menos me dou conta, Clary se aproxima de mim, rouba a pipeta da minha mão e me derruba.

— Você está demorando demais! - comenta.

— Clary, não! - Tiberius grita do lugar onde estava. 

Tarde demais.

Clary aperta a pipeta, que despeja mais do que o necessário no béquer. Segundos se passaram e nada aconteceu. Notei que até Black Hat estava assustado com a ação da garota, mas aparentemente tudo deu certo.

— Viu? É assim que se faz. - fala ela, fazendo uma mesura para Black Hat. 

Assim, que ela se levanta, uma cortina de fumaça se forma do béquer e provoca uma mini explosão de gás. Black Hat abre a porta do laboratório, como se quisesse (por mais estranho que pareça) nos salvar.

— Todos para fora! Agora! - grita o chefe e nós o obedecemos. Clary é a última a sair de lá, após trancarmos o laboratório e continuarmos a tossir freneticamente - Todos estão bem?

O chefe questiona, deixando-me surpreso. Quem diria que ele tem um ponto fraco?

— Acho que sim. - responde Tiberius e eu também digo o mesmo. Clary foi a única que continuou em silêncio, o que nos deixou preocupados.

— Demência? - diz Black Hat, olhando para ela - Eu fiz uma pergunta.

Ela demorou para responder, mas quando o fez, nos assustou mais ainda.

— Quantos arco-íris têm dentro de um unicórnio? - ela começou a rir, com o olhar perdido e confuso. Nos encaramos por um instante.

— Do que você está falando?

— Ela deve ter ingerido muito do gás. Seus neurônios devem estar trabalhando mais... lentamente. - disse eu, tentando raciocinar melhor mesmo após o susto.

— Clary, olhe para mim. - diz Tiberius, com as mãos nos ombros da menina-lagarto - Diga alguma coisa que faça sentido!

— Clary? Quem é Clary? Meu nome é Demência. Hihihi.

Então todos ficaram em silêncio, contemplando a situação mais irônica que já acontecera. Agora, o apelido "Demência" não parecia tão distante da realidade.

 

 


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