Memórias de Tuggi escrita por Blue Blur


Capítulo 1
Roberto & Eu


Notas iniciais do capítulo

Não tenho muito o que falar aqui, apenas leiam, garanto que vocês vão adorar o que eu fiz aqui.



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Há muito tempo, joias mágicas que concediam poderes foram criadas, elas eram os Miraculous. Ao longo da história, heróis usaram essas joias para o bem da raça humana. Dois desses miraculous são mais poderosos que os outros: os brincos da Ladybug, que fornecem o poder da criação, e o anel do Chat Noir, que garante o poder da destruição. De acordo com a lenda, quem controlar estas duas joias ao mesmo tempo alcançará o poder absoluto.

Mas aposto que você já deve ter ouvido esta história em algum lugar, não é mesmo? Um filme, um gibi, quem sabe um desenho animado. Hihihi, a verdade é que nossos mestres sempre transformam nossa existência em algo lendário para despistar as pessoas. Antes que você pergunte porque fazemos isso, vou lhe responder: é para proteger a raça humana. Houve uma época em que a existência dos miraculous era conhecida por muita gente. Não só pessoas boas, como também pessoas ruins. Os miraculous forjaram a história da raça humana em diversos aspectos: cada vez que tiranos e conquistadores usavam seu poder para oprimir os mais fracos, homens e mulheres comuns se erguiam para lutar e usavam o poder dos miraculous para enfrentar os maus.

Mas houve uma época que foi particularmente brutal, em que os miraculous de Ladybug e Chat Noir caíram nas mãos de pessoas más. Ninguém sabe como isso aconteceu, nem mesmo Tikki e Plagg. A questão é que houve uma época em que surgiu a primeira Ladybug e o primeiro Chat Noir do mal. O resultado foi catastrófico: criados para serem os mais poderosos entre os miraculous, Ladybug e Chat Noir, mesmo quando não lutavam lado a lado, venciam todos os guerreiros, até mesmo outros miraculers. Tikki me contou sobre o período em que sua mestra foi Judite, uma rainha etíope que governou o reino de D’mt por volta de 960. Às vezes ela chora quando se lembra que foi obrigada a fornecer os poderes de Ladybug para que Judite caçasse e massacrasse os membros da dinastia da rainha de Sabá, bem como destruir igrejas e monumentos sagrados. Plagg, mesmo rindo e fazendo piada de quase qualquer coisa, fica extremamente depressivo quando se lembra de nomes como Genghis Khan e Átila, o Huno.

Tikki e Plagg também me contaram que, sob o comando dessa gente perversa, foram obrigados a matar até mesmo outros miraculers. Lobo, tartaruga, raposa, leão, urso... todos morreram tentando salvá-los de seus mestres cruéis.

Foi aí que uma sociedade secreta percebeu que isso não poderia continuar: miraculous tão poderosos como os de Ladybug e Chat Noir não poderiam continuar existindo soberanos, foi aí que se decidiu criar um plano de contenção, um miraculous com o poder de derrota-los.

Um seleto grupo de alquimistas reuniu-se e começou a forjar meu miraculous. O animal-símbolo escolhido foi o gafanhoto, um animal pequeno e inofensivo. O meu poder era o mais apropriado possível: a não-letalidade. Flechas, espadas, lanças, mosquetes, fuzis, nada disso poderia matar aquele que usasse o miraculous do gafanhoto vermelho.

Eu também deveria ser um símbolo de esperança, então foi definida uma frase-símbolo. Cada vez que um inocente em aflição clamasse por ajuda, eu deveria usar meus poderes para transportar o herói até o lugar de onde veio o chamado e assim defender os fracos e oprimidos.

Mas havia também o risco de que EU caísse nas mãos erradas, então eu tive que adaptar minha personalidade: fui treinada para ter um caráter cômico, quase nunca levar as coisas a sério, por isso que o estilo de luta daqueles que usam meu miraculous é tão ridiculamente hilário. Essa era a imagem que o herói deveria passar: alguém fraco, estúpido e covarde. Assim, aqueles que tivessem propósitos malignos jamais teriam paciência para tentar liberar todo o meu potencial.

Mas força não é tudo, por isso eu fui dotada de uma astúcia imensurável. O que muitos venciam pela força, eu deveria vencer pela inteligência. Foi assim que, em meados da idade média, meu miraculous foi forjado, o miraculous do gafanhoto vermelho. Meu nome é Tuggi, eu sou uma kwami e é aqui que minha história começa.

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Acapulco – 1937

Já fazia muito tempo que não tinha um mestre. Décadas? Séculos? Nem eu sabia, nós kwamis não temos muita noção de tempo, culpe nossa longevidade por conta disso. Mal sabia eu que em meados do século XX eu teria uma surpresa, uma surpresa maravilhosa.

Não sei direito como aconteceu, quem fez isso ou por que fez isso, mas num belo dia eu fui despertada de minha hibernação. O cenário que eu acordei era uma vila mexicana, com várias casas, um belo pátio e aquele singelo barril de madeira no meio. Eu estava flutuando, a fim de procurar meu mestre e fazer uma surpresa para ele. Era um garoto com cerca de 8 anos que curiosamente, estava dentro do barril, ele parecia estar triste com alguma coisa. Fui animar ele, dei umas batidinhas no barril, tipo um “toc-toc” numa porta.

Nada.

Tentei de novo.

Ele continuou me ignorando.

Fiz a terceira vez.

(Garoto, saindo do barril): Já falei que não quero conversar!

Acredita que o moleque me deu um murro? Sério, foi tão forte que eu quiquei no chão. Óbvio que não doeu... muito, mas foi muita cretinice ele agredir sua própria kwami. Só de “vingança” eu resolvi fingir que aquilo me machucou e comecei a fingir choro.

(Eu, balançando os braços freneticamente): Uééééé, uéééééé, ué, ué, ué!!! Você vai ver, humano malvado! Vou contar para o guardião que você me deu um murro, e uma tijolada, e uma garrafada, e uma pedrada e uma patada! Uéééé, uéééé, uéééé!

O garoto ficou surpreso, com certeza nunca havia visto uma kwami antes. Ele me pegou nas mãos, olhou para os lados e aproveitou que não tinha ninguém por perto para falar comigo.

(Garoto): Nossa, eu nunca vi um bichinho como você! Você fala? O que é você?

(Eu): Oi humano, meu nome é Tuggi, eu sou uma kwami.

(Garoto): Uma o quê?

(Eu): Kwami.

(Garoto): Nossa! O que é isso?

(Eu): Vamos dizer assim: eu sou um animalzinho mágico e concedo superpoderes para você. Com a minha ajuda, você será um super-herói.

O garoto pulou para fora do barril, super animado. Só agora notei como ele estava vestido: suas roupas eram bem surradas, dando a impressão de que ele devia ser bem pobre.

(Garoto, animado): E zás, e eu viro um super-herói, e zás, e salvo muitas pessoas, e zás, zás... mas como eu vou fazer isso, Tuggi?

(Eu, contagiada pela animação dele): Está vendo esse cinto aí que você colocou? Pois bem, ele é o seu miraculous, sua joia que te transforma em herói. Grite assim: “Tuggi, vamos defende-los! ” e eu vou te transformar em um super-herói! Mas espere, faça isso num lugar escondido, ninguém pode saber que você é um super-herói, está bem?

(Garoto): Eu tenho algum superpoder?

(Eu): Sim, basta você erguer sua mão para cima quando estiver transformado e gritar: “Astúcia! ”

Algumas pessoas começaram a passar pelo pátio daquela vila, então ele me levou até um terreno baldio do lado da vila e fez a transformação lá. Ele era só uma criança, então naquele dia não enfrentamos nenhum bandido, apenas ficamos lá, brincando naquele terreno baldio enfrentando inimigos imaginários.

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Eventualmente eu fiquei sem energia, a transformação acabou e nós voltamos para a vila. O garoto não parava de exalar seu entusiasmo sobre sua primeira transformação.

(Garoto): Caramba, eu estava tão incrível! Você me viu, Tuggi?

(Eu): Vamos dizer que eu estava com você o tempo todo, hihihi.

(Garoto): Aquele martelo era tão maneiro! Dava para esmagar tudo com aquela coisa! Caixa, tijolo, até mesmo aqueles latões enormes de metal! Me diz, como é que você chama aquela arma.

(Eu): O martelo? Bem... ele não tem nome. É um martelo, como qualquer outro.

(Garoto): “Qualquer outro”? Pirou, gafanhota? Aquele martelo é fenomenal! Como é que ninguém deu um nome para ele?

(Eu): Bom, se você quiser, pode dar um nome agora.

(Garoto, empolgado): No duro? Beleza, beleza, então deixe eu pensar... que tal... “Martelo do Destino”?

(Eu): Meio bizarro. De que destino você está falando?

(Garoto): Verdade. Então que tal... “Porrete da Justiça”?

(Eu): Porrete? Você vai ter que me desculpar, mas parece até um palavrão.

(Garoto): Verdade, se algum engraçadinho trocar as letras, então... Uh, Uh, já sei! “Marreta Biônica”!

(Eu): Marreta Biônica... é, gostei! “Marreta Biônica”, fica perfeito esse nome!

De canto de olho eu percebi que alguém se aproximava, era um homem... corpulento. Corpulento uma ova, o cara era uma baleia de terno, maleta e óculos. Ele carregava um pequeno saquinho plástico nas mãos. Tratei de me esconder no barril quando vi ele se aproximando do meu mestre. Meu mestre pareceu bem feliz em ver aquele homem.

(Garoto, feliz): Sr. Edgar!

(Edgar): Ah, Roberto! Justamente quem eu estava procurando! Olhe, eu trouxe isso para você.

Meu mestre, que pelo visto se chamava Roberto, deu uma olhada no pacote, agradeceu fervorosamente e voltou para dentro do barril.

(Eu): Mestre, o que você tem aí nesse pacote?

(Roberto): Minha comida favorita: sanduíche de presunto!

Ele pegou o sanduíche e começou a devorar. Eu tentei fazer uma piadinha com a gula dele, mas logo em seguida me arrependeria.

(Eu, rindo): Mestre, o sanduíche não vai sair correndo! Se comer rápido desse jeito pode acabar adoecendo!

(Roberto, sorrindo): Seria maravilhoso ficar doente e ficar num hospital!

(Eu, intrigada): Por que você iria querer ficar num hospital? Lá é cheio de gente doente, e agulhas, e remédios horríveis, e agulhas, e cirurgias dolorosas! Eu já falei em agulhas?

Ele não riu da minha piada. Parou de comer e olhou para mim com uma certa aflição no olhar.

(Roberto): É que uma vez eu fui num hospital, e num só dia, me deram comida três vezes.

Eu me senti a kwami mais idiota do mundo naquele momento. Como é que eu não me toquei daquilo? As roupas surradas deviam ter deixado óbvio a condição financeira dele. Novamente ele se virou para falar comigo.

(Roberto): Tuggi, você disse que precisa recarregar cada vez que me transforma, não é mesmo? Será que isso lhe ajudaria a recarregar?

Ele pegou um pedação daquele sanduíche e ofereceu para mim. Fiquei constrangida na hora de aceitar. Eu não precisava tanto assim, pelo menos não mais que ele, mas o sorriso que ele tinha... aquela bondade... mesmo com tão pouco, ele ainda dividia comigo.

(Roberto): A propósito Tuggi, você me disse seu nome, mas eu não disse o meu. Eu me chamo Roberto.

(Eu): Roberto de quê?

(Roberto): É só Roberto. Não tenho sobrenome, eu sou órfão.

À medida que o tempo foi passando eu fui conhecendo as outras pessoas com quem Roberto vivia naquela vila. Edgar, o dono da vila e seu filho Antonio. O rabugento seu Rámon, eu achava ele muito engraçado, menos quando ele perdia a paciência e dava um cascudo no Roberto, era uma das poucas coisas que me deixavam brava, mas mesmo ele sabia ser legal às vezes. Frederico, o garoto esnobe que vivia pegando no pé do Roberto. Francisca, a melhor amiga do Roberto, que vivia paquerando ele (e volta e meia eu tentava fazer o Roberto paquerar ela). Patrícia, a garota de quem o Roberto gostava de fato (pena que ele vivia na friendzone). Ah, tinha a mãe do Frederico, a senhorita Florencia Mesa, que namorava o Ruben, o professor do Frederico, cá entre nós, às vezes eu atraía a dona Florencia para onde estava o seu Rámon para ela bater nele, como revanche por ele ter batido no Roberto. Eu me contorcia vendo ele dando pití e descontando tudo no coitado do chapéu. Ah, e como esquecer também da Dona Clodomira? As crianças da vizinhança viviam chamando ela de bruxa, era tão engraçado! Cada uma das pessoas daquela vizinhança tinha uma história para contar.

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Acapulco – 1947

O tempo passou voando, e quando eu falo em tempo, estou falando de anos a fio. Roberto já era um adulto jovem, com 18 anos preocupado com o vestibular. Nessa época Roberto usava o sobrenome Rodríguez, em homenagem ao senhor Edgar, que foi meio que o pai adotivo dele. Roberto estava falando comigo sobre suas inseguranças enquanto passeávamos pelas ruas de Acapulco durante a noite. Eu estava escondida dentro do bolso da camisa dele.

(Roberto): Sabe Tuggi, eu estou apreensivo sobre essa prova, ela pode mudar minha vida. Por ser órfão, a vida sempre foi um tanto difícil para mim, mesmo sob os cuidados do senhor Edgar. Eu tenho medo de falhar e decepcioná-lo.

(Eu): Roberto, você é um garoto esforçado, estuda bastante, tenho certeza que você vai se sair muito bem. Não precisa ficar nervoso, você não vai decepcionar o senhor Edgar. Ele tem orgulho de você!

(Roberto, sorrindo): Obrigado pelo voto de confiança, Tuggi, mas é que tem outra coisa também: mesmo que eu me saia bem na prova e consiga passar, eu não sei direito o que eu quero cursar.

(Eu, sem entender nada): Mas como assim você não sabe? Você vai ser engenheiro elétrico, não vai? Quer dizer, é isso o que você quer, não é?

(Roberto): Não Tuggi, quem quer isso é o senhor Edgar. Eu só estou pensando em cursar isso para não chatear o senhor Edgar. Ele já fez tanto por mim, acho que eu devo isso a ele.

(Eu): Mas Roberto, o que você quer fazer, de fato?

(Roberto, sorrindo): Eu quero ser do mundo artístico. Escrever roteiros para seriados, atuar, participar de filmes, criar personagens que nem nós dois fazíamos quando eu era criança. Lembra disso Tuggi? Não seria incrível?

(Eu, bastante animada): Seria maravilhoso! Heróis, piratas, heróis, mafiosos, heróis, policiais. Eu já disse heróis?

(Roberto): Poderíamos trabalhar juntos nisso. Você sempre foi minha maior inspiração.

(Eu, me sentindo lisonjeada): Ah, para com isso Roberto, vai me deixar toda vermelhinha desse jeito.

(Roberto, sorrindo): Tuggi, você sempre foi vermelha.

Nesse momento nossa conversa foi interrompida quando Roberto ouviu um anúncio no rádio:

— O perigoso bandido Tomáz Hernandéz fugiu da cadeia esta noite. As autoridades policiais informam que o criminoso foi visto pela última vez na Avenida Costera Miguel Aleman. Todos os moradores dessa área devem se recolher em suas casas e informar à polícia qualquer atividade suspeita.

Roberto estava assustado, ele correu para um canto escondido para falar comigo mais à vontade.

(Roberto, assustado): Tuggi, tem um criminoso à solta por aí, o que é que a gente faz?

(Eu): Como assim o que a gente faz? Diz a frase que eu te ensinei, nós damos conta da situação.

(Roberto): Tá maluca, Tuggi? Eu era só uma criança! Agora eu sou um adulto, eu tenho responsabilidades, eu tenho o vestibular para semana que vem! E se eu acabar levando um tiro?

(Eu, séria): Roberto, você vai ter que confiar em mim. Eu sei que você nunca enfrentou um criminoso de verdade e que você está com medo, mas confie em mim. Você vai conseguir.

(Roberto, se acalmando): Muito bem, Tuggi. Eu confio em você, não vai deixar nada acontecer comigo, ouviu bem?

(Eu, sorrindo): Sem problemas. Faça as honras.

(Roberto): Tuggi, vamos defende-los!

Foi a primeira vez que Roberto se transformou no Chapolin Colorado para valer. A primeira vez que ele lutou de verdade contra um criminoso de verdade. Claro, ele cometeu várias gafes: Ele acertou um policial confundindo ele com o criminoso, acertou o pai da criança que estava sendo feita de refém confundindo com o bandido, levou cinco tiros de revólver. Mas tudo bem, eu tenho o poder da não-letalidade, então as balas do revólver 38 não machucaram mais do que bolinhas atiradas por uma zarabatana... bom, talvez tenha doído um pouco mais, mas o que importa é que vencemos e prendemos o bandido. Aquela foi a nossa primeira vitória das muitas que viriam.

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Ciudad del México – 1970

Lembra do dilema de Roberto, ser um engenheiro elétrico ou um artista? Pois é, por sorte naquela noite o senhor Edgar se mostrou bastante compreensivo e inclusive apoiou meu mestre em sua empreitada para trabalhar no mundo artístico. Agora, damos mais um pequeno salto no tempo. Meu bom mestre tem agora 41 anos. Ele se casou com - quem diria - Francisca, sua amiga de infância. Eu jurava de pés juntos que ele se casaria com a Patrícia, ele sempre foi a fim dela. Eles tinham um filho chamado Miguel, de apenas um aninho. Era a coisa mais fofa do mundo! Adorava brincar com aquele bebezinho, bom, menos quando ele me apertava, me usava para bater nas grades do berço, botava minha cabeça dentro daquela boca horrorosa. Eu ficava cheia de baba, era nojento! Teve algumas vezes que eu comecei a berrar para o Roberto e a Francisca me socorrerem (sim, eventualmente Francisca descobriu a verdade sobre o Chapolin Colorado) ou eu mordia aquele pestinha e voava para longe enquanto ele ficava chorando. Mas logo batia o arrependimento quando ele chorava, dava dó demais.

Desculpe, eu me empolguei, vamos voltar para a história. Durante esse meio tempo nós já havíamos enfrentado vários bandidos sob o manto do Chapolin Colorado. Nossas aparições eram quase que um boato entre os mexicanos, mas logo passaríamos de boatos a ícones nacionais. Naquele dia, estávamos nos estúdios da Televisa, para a grande estreia do seriado do Chapolin Colorado. Roberto e eu estávamos empolgados: nossas maiores aventuras e batalhas se tornariam uma série de TV. Óbvio que ele alterou alguns nomes no roteiro para proteger identidades. Lá estávamos eu e Roberto no escritório, conversando animadamente.

(Eu): Aí você avança, com a marreta em punho, pronto para salvar o bebê.

(Roberto): Mas eis que o Tripa Seca saca o revólver e atira.

(Eu): O Chapolin Colorado volta todo destrambelhado e a mulher pergunta: “Se machucou, Chapolin? ”

(Roberto): E então o herói responde sem perder a pose:

(Nós dois, falando junto feito dois abestados): “Nada mais que uma perna. ”

A estreia foi um sucesso. Televisões de todo o México exibiram o episódio piloto de nossas aventuras como super-heróis. Nunca a Televisa havia tido uma audiência tão grande. Nós saímos do estúdio naquele fim de tarde muito felizes.

(Eu, animada): Você conseguiu Roberto, CONSEGUIU!!!

(Roberto): NÓS conseguimos, Tuggi, foi graças a você e aos seus poderes que foi possível o Chapolin Colorado existir.

(Eu, feliz da vida): Você é o melhor mestre que eu já tive em todos esses séculos.

(Roberto): Ah, você está falando isso da boca para fora.

De repente, um caminhão de bombeiros passa em disparada, acompanhado de uma ambulância. Estava havendo um incêndio num prédio comercial. Rapidamente Roberto se transformou em Chapolin Colorado e foi salvar o dia.

Enquanto Roberto saía do prédio com a última das vítimas, eu fiquei pensando em como era sortuda de ter um mestre como ele. Claro que Roberto não foi o primeiro a usar o Miraculous do Chapolin Colorado, existiu um Chapolin na Idade Média, no Japão Feudal, na era dos piratas (de onde você acha que ele teve inspiração para criar personagens como a Bruxa Baratuxa, o carateca Simpato Yamasaki e o pirata Alma Negra? Eu que contava essas histórias para ele).

Mas Roberto era diferente: ele fazia eu me sentir especial. Foi ele que batizou nossa forma heroica de “Chapolin Colorado”, sem falar que ele deu nome para o meu martelo e para todos os outros objetos que eu criava com o poder da Astúcia: as pastilhas de polegarina, a buzina paralisadora... Todos os outros simplesmente se transformavam e só pensavam na luta. Roberto também foi um dos meus poucos mestres, talvez o único, que aguentava meu estilo de luta todo aloprado. Mesmo meus mestres anteriores sendo pessoas íntegras, eles não tinham paciência comigo. Alguns até mesmo chegavam a gritar comigo, e aquilo magoava. Roberto sempre levou tudo na esportiva.

Ele também havia me contado que pretendia criar futuramente outro seriado, dessa vez baseado na infância dele. Roberto até havia criado um nome para seu futuro personagem: Xavier. Meio esquisito para mim, mas vai que pega, né?

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Tijuana – 2006

Nossa família havia crescido mais ainda: lembra do bebezinho Miguel, filho do meu querido mestre Roberto? Pois é, agora ele é um homem feito de 37 anos, casado com uma médica francesa que ele conheceu em Acapulco, o nome dela era Camille Broussard. Em 2002 eles tiveram um bebezinho lindo chamado Diego. Ao contrário do Miguel, o “Dieguito” não gostava muito de mim. Eu voava perto dele e ele começava a chorar, achando que eu era um inseto gigante que vinha picá-lo. Nunca dava para eu brincar direito com ele, deve ser por isso que ao, contrário de Francisca, Miguel e Camille nunca descobriram sobre minha existência. Tenho que confessar, era muito engraçado ele abrindo aquele berreiro, algumas vezes eu ia só para assustar ele.

Nossa família estava de férias em Tijuana, a “esquina do México”, “onde empieza la patria”. Nessa época o Dieguito já tinha 4 anos, então eu não podia mais aparecer para ele ou poderia ser descoberta. Eu não interagia mais com o Roberto com tanta liberdade quanto antigamente, afinal ele já era avô, era visitado pela família do filho com uma certa frequência. Agora ele tinha 77 anos, já estava bem velhinho, mas sempre com aquele alto astral de seus dias de jovens, o sorriso (mesmo com uns dentes faltando) a alegria no coração. Ele era um retrato vivo daquela música que ele compôs para o seriado do Xavier: “Se você é jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda. Amanhã velho será, velho será, velho será. A menos que o coração, que o coração sustente. A juventude que nunca morrerá. ”

Volta e meia eu via ele escrevendo à mão num livro que ele tinha. Era um livro de capa vermelha e com o símbolo do Chapolin Colorado estampado. Uma vez ele estava no quarto dele escrevendo e eu resolvi matar minha curiosidade.

(Eu): Roberto, o que é que você tanto escreve nesse livro?

(Roberto): Ah, isso? Tuggi, lembra das histórias que você me contava sobre seus mestres anteriores, sobre Tikki e Plagg, sobre os inimigos que você derrotou? Pois é, eu estou registrando tudo nesse livro. Acredito que será importante para o futuro.

(Eu): Por quê?

(Roberto): Vai servir para contar umas histórias muito legais para o meu netinho Diego dormir.

(Eu, rindo): Fala sério, Roberto!

(Roberto): É sério, todo dia eu leio uma história dessas sobre o Chapolin Colorado para o Diego dormir, ele adora. A favorita dele é aquela em que você enfrenta o Chapolin Colorado enfrenta o pistoleiro do Velho Oeste Racha-Cuca.

(Eu, rindo): Roberto, você não me engana. Eu sei que tem outro motivo para você fazer isso, então desembucha aí.

(Roberto): Tuggi, você é uma kwami criada com um propósito: ajudar pessoas boas a fazerem o bem. Mas mesmo o mais puro dos corações, a mais bem-intencionada das almas precisa de ajuda, precisa de um guia. Este livro será um guia àqueles que serão seus futuros mestres, Tuggi. Será um guia aos futuros “Chapolins Colorados”.

Ele parou de escrever e se virou para mim, conversando comigo olho no olho.

(Roberto, sério): Eu estou velho, Tuggi. Foi por isso que paramos de sair por aí salvando pessoas. Por isso que o Chapolin Colorado não é mais manchete nos jornais mexicanos. Eu tive meus dias de glória, e desfrutei deles ao máximo, mas nós dois sabíamos que eles não durariam para sempre. Você já viveu muitos anos Tuggi, séculos a fio, você sabe que eu não vou estar com você para sempre, não sabe?

Eu não estava gostando do ritmo daquela conversa. Eu sempre detestei conversar sobre esses temas fúnebres, com todos os meus mestres, e ver o Roberto, que sempre fora tão alto astral, falando nesse tom comigo foi algo que eu não sei se conseguiria aguentar.

(Eu, nervosa): Credo Roberto, para de falar assim. Olha, escute o que eu digo: você ainda vai viver muitos anos de vida e ainda vamos ter muitas histórias para viver juntos. Então tira essa cara de “meu ‘luchador’ favorito perdeu a luta” e bota um sorriso nessa sua cara toda enrugada.

Não, ele não viveria mais muito tempo. Ele sabia disso, e eu também, mas só um de nós era capaz de aceitar isso.

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Acapulco – 2016

87 anos, essa era a idade de Roberto agora. Apesar de ele ter feito aniversário apenas alguns dias atrás, eu não estava feliz, na verdade eu não me sentia mais feliz em estar na companhia de Roberto: cada vez que eu via ele limpando a dentadura, se entupindo de remédios, andando trêmulo e vacilante como se fosse cair a qualquer momento, eu me lembrava da verdade que eu tanto tentava negar: Roberto não era eterno, assim como cada um de meus mestres ele teria seu último dia nesta terra. Meu maior desejo era simplesmente ir embora para não ter que ver o terrível momento em que ele daria seu último suspiro, mas por outro lado eu estava ligada a ele pelo meu miraculous, eu só entraria de novo em hibernação se ele removesse seu Miraculous por livre e espontânea vontade. Além disso, eu não tinha coragem de abandoná-lo naquele estado. Eu tinha que ser forte, por nós dois.

Ele agora passava a maior parte de seus dias num hospital. Certo dia, ele me chamou quando estava a sós para conversar comigo. Quando entrei no quarto, vi que ele estava escrevendo

(Roberto, bastante debilitado): Tuggi, ao longo desses anos, você foi para mim quase uma irmã. Você esteve do meu lado nos meus melhores e piores momentos. Você sempre foi uma grande conselheira, fez tantas coisas por mim que acho que daria para escrever um livro... espere aí, eu escrevi um livro!

Ele soltou um som estranho, eu não sei se ele estava rindo ou tossindo.

(Roberto): Eu sempre quis muito retribuir tudo o que você me fez, mas você fez tantas coisas maravilhosas por mim que simplesmente não teria como retribuir todas.

(Eu, sorrindo): É para isso que serve as kwamis, Roberto.

(Roberto): Tuggi, lembra do livro-guia que eu estava escrevendo sobre o Chapolin Colorado? Pois bem, eu já acabei ele faz algum tempo. Minha esposa Francisca guardou ele na gaveta do meu quarto, protegido contra mofo e umidade.

(Eu): Que notícia maravilhosa Roberto!

(Roberto): Essa é só a primeira parte da novidade. Você lembra quando você me falou dos guardiões dos miraculous? Homens de bom coração que guardam as joias e as entregam apenas para pessoas de boa índole, para que elas sejam usadas para o bem.

(Eu): Como esquecer? Eles são importantíssimos para a história de nós, kwamis.

(Roberto): Você me falou de um em especial. Como era mesmo o nome dele? “Nianto”, “Kianto”, “Diano”...

(Eu): Niakamo. Niakamo-Fu, o Mestre Fu.

(Roberto): Sim, esse mesmo, o tal Mestre Fu. Certa vez você me disse que ele é que estava agora sob posse dos miraculous de Ladybug e Chat Noir, não é mesmo?

(Eu): Sim, isso mesmo. Um de meus antigos mestres derrotou os antigos mestres malignos de Tikki e Plagg, recuperou seus miraculous e o entregou à família do Mestre Fu. Mas isso já faz um tempão, eu nem sei se o senhor Niakamo-Fu está com os Miraculous da Ladybug e do Chat Noir.

(Roberto): Bem, eu andei pesquisando esse nome na internet, e descobri que o senhor Niakamo-Fu, está morando em Paris, na França. Por coincidência, eu também encontrei esse vídeo rolando na internet.

Roberto abriu um vídeo que me deixou espantada: era um vídeo da Ladybug, da LADYBUG, em Paris. Na reportagem, dizia que ela havia enfrentado um supervilão, um tal de Satírico. A Tikki estava de volta! Eu não podia acreditar nisso!

(Eu, feliz da vida): Roberto, é a Ladybug! Ela voltou, e o Chat Noir também! A Tikki está de volta, a minha irmãzona está de volta!

(Roberto, sorrindo): Eu sabia que você ia adorar essa notícia, o que nos leva à última parte de nossa conversa.

Meu sorriso foi se dissolvendo quando Roberto me mostrou alguns objetos: uma foto dele, mais jovem, uma carta, escrita para o Mestre Fu e uma caixinha.

(Eu): Roberto... o que você...?

(Roberto): Adeus Tuggi, vou sentir sua falta.

Não, não podia acabar assim! Não depois de tudo que havíamos passar junto. Um nó se formou na minha garganta, meus olhos começaram a marejar.

(Eu, chorando): Roberto, eu não posso, eu não quero te deixar! Você é o meu mestre favorito! Você me compreende! Você me trata tão bem, eu não quero ir embora!

(Roberto, sorrindo): Tuggi, Tuggi, acalme-se. Seja franca, o que mais eu poderia lhe oferecer? Nem de mim eu consigo mais cuidar direito. Se eu morrer, você ficará sem mestre de novo. Quanto tempo vai se passar até que você volte à ativa de novo? Agora, em Paris, você poderá levar nosso nome adiante, poderá dar continuidade ao legado que construímos com o Chapolin Colorado, poderá rever sua irmã Tikki outra vez. Não era esse o seu maior sonho?

Não havia mais escapatória, havia chegado a hora, e eu tinha que aceitar. Mas antes eu queria ouvi-lo dizer aquelas palavras mais uma vez.

(Eu, rindo tristemente): “E agora, quem poderá me defender?

(Roberto, sorrindo): “Eu!

(Eu): “O Chapolin Colorado!”

(Roberto): “Não contavam com minha astúcia! Sigam-me os bons!

Mais lágrimas começaram a cair de meu rosto enquanto ele lentamente removia o miraculous, o cinto do gafanhoto vermelho. Naquele momento, o mestre que eu mais amei havia morrido, mas eu o guardarei para sempre em meu coração.

Aquele parecia ser o fim para mim. Nunca estive tão enganada, era apenas um novo começo.

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Paris – 2016

Depois que a minha luz se dissipou do quarto de Diego, eu tratei de me esconder, mas não sem antes dar uma mexidinha nas coisas dele.

(Diego): Alguém andou mexendo no meu notebook. Quem será?

Eu abri um site que vi sobre a Ladybug, o Ladyblog, e coloquei a tag “Diego”. Ali mostravam atos de “heroísmo” do Diego, ajudando Ladybug e Chat Noir com o Eletrochoque, o Satírico e a Vocalista.

(Diego): Cara, eu pedi para a Alya não me colocar na rede! Fala sério, eu estou vestindo uma camisa vermelha com um coração amarelo! Que roupinha queima-filme!

Nesse momento, eu liguei a Netflix do Diego e coloquei em um programa mexicano, que tinha um significado especial para mim

(Netflix): Televisa presenta: Más rápido que una tortuga. Más fuerte que un ratón. Más nobre que una lechuga. Su escudo és um corazón. Él es... El Chapolín Colorado!

(Diego, assistindo a abertura): Cara... eu me lembro desse programa... nem acredito que fizeram desenho animado. Era muito legal.

(Eu): Também acho! Sempre lembro dos bons tempos.

(Diego): Que estranho, eu jurava que tinha ouvido alguém dizer algo.

(Eu): Você ouviu. Eu estou aqui em cima, ó.

Ele olhou para mim, completamente surpreso. Certamente nunca havia visto uma kwami em sua vida.

(Eu): Oi, eu sou a Tuggi. Qual seu nome, mestre?


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Notas finais do capítulo

Ok, as minhas definições de "crossovers estranhos que ninguém nunca imaginou foram atualizadas". Eu misturei, em um único universo, Chaves, Chapolin Colorado e Miraculous Ladybug. Além de mim, só o Hideki4500 tentou algo parecido em sua fanfic "Amor sem Identidade".

Esta é a última one-shot antes da estreia de "Defensores de Paris 2", e modéstia à parte, foi a minha melhor one-shot. Em um capítulo enorme, com mais de 5000 palavras eu expliquei, numa só tacada, como surgiu o "Miraculous Chapolin", como Tuggi conheceu Roberto e de quebra ainda tracei paralelos com o mundo real, explicando como surgiram dois dos seriados mais adorados por pessoas do mundo inteiro: Chaves e Chapolin Colorado. Não contente com tudo isso, eu ainda terminei narrando um trecho do capítulo 8 de "Defensores de Paris" sob a ótica da Tuggi. Quem acompanhou essa primeira fanfic vai adorar cada referência nessa one-shot.

Recebi poucos comentários nessas duas one-shots que fiz, "Por Vocês" e "Debaixo da Farda", menos do que recebi em minha one-shot de Miraculous com temática natalina, mas fico feliz por ter recebido aplausos das duas leitoras que mais me inspiraram a escrever "Defensores de Paris". MusaAnônima12345 e beccadesings11, espero que gostem dessa one-shot.

Curiosidade: O nome Roberto é uma homenagem a Roberto Gómez Bolaños, mais conhecido como "Chespirito", o criador do Chaves e Chapolin Colorado. Outros nomes de personagens secundários, como Ruben, Rámon e Edgar também são homenagens aos atores que interpretaram o Professor Girafales, o Seu Madruga e o Senhor Barriga, respectivamente. Nessa fanfic, Roberto, Chaves e Chapolin são a mesma pessoa. Para evitar problemas com a moderação do Nyah (por colocar pessoas de verdade numa fanfic), bem como criar um conceito mais convincente, eu decidi que os nomes das pessoas "reais" seriam diferentes dos nomes dos personagens que elas inspiraram (exemplo: O Edgar inspiraria o Senhor Barriga, o seu Rámon inspiraria o Seu Madruga, etc.).

Bem, espero que tenham gostado. Defensores de Paris 2 estreia no período entre essa semana e o início da próxima. Não se esqueçam de deixar um comentário, fiquem ligados e até a próxima.



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