Capítulo I

Aoi saiu de casa naquela tarde quente de verão com o objetivo de comprar alguns legumes e frutas para a semana. Sua mãe estava em uma viagem de trabalho há meses e seu pai trabalhava todos os dias até tarde da noite no escritório, geralmente porque estava fazendo hora extra. Por esse motivo, ela foi naturalmente encarregada de cozinhar para si e para o irmão mais novo durante a semana, e de vez em quando para seu pai, quando ele tinha tempo de se juntar a eles nas refeições familiares.

Enquanto encostava a cabeça na janela do ônibus, Aoi pensou no quanto gostaria de ter idade suficiente pra tirar carteira e não ter que pegar transporte público num dia tão quente como esse. Sua mãe sempre lhe disse que poderia muito bem chamar um táxi, porém, a garota achava um desperdício de dinheiro gastar tanto somente para ir ao supermercado. 

"E se eu chamar um uber? Esse sistema já ficou bem popular por aqui." Aoi perguntou, lembrando-se sobre o que tinha visto sobre o sistema de ubers na internet.

"Nada disso!" ela trovejou, "É super perigoso ficar andando por aí com estranhos! Sabe-se lá quem são e o que podem fazer com você!"

"Mas são pessoas cadastradas que recebem comentários dos usuários e pagam para usar o serviço" argumentou.

"E nem por isso quer dizer que são confiáveis!" sua mãe reprovou, colocando as mãos na cintura. "Você acha mesmo que sempre estaria segura no carro de alguém que nem conhece?! Eu espero que não! E se eu ver na sua conta que você andou usando uber, você irá ficar sem cartão, mocinha!" decretou ela, encerrando a conversa.

Aoi deu um suspiro ao lembrar daquele episódio. Voltou-se para seu relógio. Já eram quase cinco horas da tarde, mas o calor intenso dava a impressão de ser meio dia.

A garota apertou o botão para descer e saiu do ônibus, que convenientemente parava a apenas 50 metros do supermercado.

Ela entrou e rapidamente pegou as coisas que precisava. Ainda precisava terminar de arrumar seus materiais de escola para o dia seguinte e ela não queria se demorar muito. Dirigiu-se ao caixa e, no caminho, passou pelos frigoríficos. Uma bebida de um tom de rosa beterraba chamou sua a atenção. Lia-se "NAKED" na embalagem, em letras verdes maiúsculas, e o produto prometia ser "100% orgânico" e não ter nenhum açúcar adicionado. Aoi pegou a garrafa sem hesitar muito, apesar de custar um pequeno absurdo para apenas 300ml de suco. O dia estava quente de qualquer forma, e uma bebida gelada cairia bem naquele momento, pensou.

A garota pagou as compras e saiu apressadamente do supermercado para então perceber o quanto suas sacolas pesavam. Ela as distribuiu o melhor que pode entre suas mãos e saiu cambaleando até o ponto de ônibus.
Para sua felicidade, o ônibus não demorou muito para chegar, e, ainda por cima, estava menos cheio do que o normal.

"Hoje parece ser meu dia de sorte" pensou, ao procurar por um assento perto da porta.

Aoi soltou um suspiro de alívio ao sentar-se. Estava realmente contente por ter achado um assento livre. Ajeitou-se melhor no banco e colocou as sacolas no chão. Pegou a bebida que tinha comprado, abriu ela e deu dois grandes goles sedentos. Até que o suco tinha um gosto decende, refletiu, ou talvez ela apenas estivesse com muita sede. Era um pouco azedo, tinha que confessar, mas não muito ruim.

A garota encostou a cabeça confortavelmente no banco. Ao olhar para o lado, ela viu uma senhora miúda de cabelos grisalhos e com uma bengala entrar no ônibus. Sem pensar duas vezes, Aoi ofereceu seu assento à ela, ao perceber que ninguém mais ali parecia disposto a fazer isso, mas a senhora incialmente recusou.

"Não se preocupe, você tem muitas sacolas" ela disse, com um sorriso.

Aoi insistiu, pegando suas compras do chão, e a mulher idosa finalmente aceitou. Ela agradeceu, e a garota respondeu cordialmente com um sorriso. Nesse momento, ela notou que um rapaz em pé a observava. Ele a encarava de maneira reservada, porém austera. Seus olhos, enevoados, pareciam estar em alguma uma espécie de profundo transe. Aoi sentia-se como se estivesse sendo analisada, investigada por ele. Um pouco desconfortável, a garota fingiu que não havia notado, mas ainda assim conseguia sentir seus olhos sobre si. 

Discretamente, Aoi deu uma espiada novamente, dessa vez por cima do ombro. O rapaz era alto, muito alto, para dizer a verdade, talvez uns quatro palmos mais alto do que ela, o que o tornava ainda mais assustador.

Aoi mordeu o lábio inferior. O que fazer? Será que tinha alguma coisa no seu rosto? Ela ajeitou o cabelo e passou as costas da mão esquerda na boca, pensando que o suco poderia tê-la deixado com um bigode de cor de beterraba. Esperou um pouco. Ele ainda a observava. Será que ele queria algo? Ou estava de olho na sua bolsa? E se ele fosse um stalker? Ou um pervertido? E se ele a seguisse quando saísse do ônibus, o que é que ela iria fazer?

Perdida em seus pensamentos, Aoi acabou não percebendo que o ponto onde deveria descer já havia passado. 

"Droga!" sussurrou com raiva, apertando o botão o mais rápido que pode para descer no próximo ponto. Ela pegou as sacolas que havia deixado no chão e dirigiu-se à porta. 

"Agora vou ter que andar dois pontos à pé!" pensou, reprovando-se por ter comprado o suco caro e não ter deixado nenhum troco para uma emergência.

"Precisa de ajuda?" perguntou uma voz atrás dela. 

"Não, obrigada" Aoi respondeu bruscamente, percebendo que a voz pertencia aquele rapaz esquisito e temendo que ele pudesse assediá-la. Afastou-se rapidamente dele, porém, nesse mesmo momento, o ônibus deu uma freada brusca e o suco que estava segurando escapou de suas mãos, sujando toda sua calça e aterrissando nos seus tênis brancos. 

Aoi pode sentir seu sangue quente subir às suas bochechas. Ela mordeu sua língua pra não soltar umas palavras inapropriadas. 

"Que droga, que droga!" 

O rapaz ao seu lado se agachou e disse, em um tom quase que pedindo desculpas:

"Por favor, deixe eu ajudar"

Ele tirou dois pacotes de lenços de nariz da mochila e ofereceu um deles à ela. Com o outro, ele limpou o chão.

"Obrigada" disse Aoi, muito constrangida. "Eu não sei como agradecer."

"Não precisa" ele respondeu, sorrindo. Seus olhos amendoados pareceram brilhar por instante. "Aliás, acho que seu ponto chegou" disse, apontando para a porta.

"Obrigada mais uma vez" agradeceu, pegando suas sacolas.

Aoi saiu do ônibus e voltei-se para trás mais uma vez. Ela pode ver que o rapaz ainda olhava para ela. Ele desviou o olhar, fingindo não tê-la visto, e Aoi riu timidamente.

"Talvez ele não fosse mesmo um stalker, afinal" pensou sorrindo e caminhou em direção à sua casa.