Rosa escrita por Swimmer


Capítulo 1
Capítulo Único




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"Hm... oi. Sei que você sempre odiou cartas que começassem assim, mas não sei o que dizer. São exatamente quarto e vinte e seis da madrugada e eu ainda não consegui dormir. Isso porque fico pensando em algo que aconteceu esta tarde. Eu não consigo parar de pensar no que você diria se soubesse, então decidi fazer o que você costumava fazer, peguei um papel e uma caneta e estou aqui escrevendo.

Bom, vou dizer de uma vez. Quando saí do trabalho, fui buscar a Rosa na escolinha, como faço todo dia. Ela perguntou se podíamos tomar sorvete, eu disse que sim, já que não deu para ir no parquinho no fim de semana. Sim, coisas do trabalho, não fique brava. Enfim, compramos o sorvete naquele lugar com o papel de parede de elefantes e fomos caminhando para casa.

Lembra daquela senhora que tinha um pequeno canteiro de flores na frente da casa dela? Passamos por lá . É claro que já fizemos o mesmo caminho umas mil vezes, mas hoje Rosa pareceu ver o canteiro pela primeira vez. Ela parou de andar e se abaixou. "Olha papai, é uma rosa! Como o meu nome." Ela gritou.

Não demorou nem dez segundos para que a senhora aparecesse na porta e nos olhasse com cara feia. Rosa não viu e perguntou "Posso pegar uma rosa, papai?". Eu olhei para a senhora, que parecia prestes a nos expulsar da calçada e tentei explicar que as rosas tinham dona, que ela não ficaria feliz se colhêssemos suas flores, mas você sabe que sou péssimo nisso. Você sempre foi quem convencia as pessoas pelos dois. "Mas é para a minha mamãe" Rosa disse, com os olhos cheios d'água. Eu tinha certeza que ela ia começar a chorar a qualquer momento.

Você não acreditaria nem se eu tivesse gravado, mas a senhora me chamou e pediu para esperar. Ela saiu da casa com uma tesoura e cortou uma rosa. Uma rosa para Rosa.

Nossa pequena agradeceu (sei que deve estar orgulhosa agora) e continuamos a andar para casa.

Depois que chegamos, Rosa tomou banho e comeu, em seguida pegamos o carro e eu dirigi ao som da última moda em canções infantis que uma garotinha de seis anos pode ouvir repetidamente sem enjoar. No meio de "Princesa do ABC" ou algo do tipo, Rosa fez uma pergunta. Uma que ela nunca tinha feito antes, nem quando passou pela fase dos "porquês", o que é meio estranho. Ela perguntou como eu conheci a mamãe.

Juro, assim que ouvi aquilo, um milhão de imagens passaram pela minha cabeça. E então contei a ela nossa história.

Contei sobre como nos conhecemos na festa de aniversário da sua amiga Carly, que eu nem conhecia, e que só fui porque o Carl insistiu. Fique tranquila, não mencionei o álcool. Falei sobre como nos demos bem logo de cara, o que nunca acontece comigo. E sobre você decidir que eu era um idiota depois que me viu beijando aquela garota (não lembro o nome dela, desculpe). Nessa parte Rosa soltou um "eca". Continuei e falei que não nos vimos mais depois disso. Bem, até que nos encontramos naquela confeitaria que você adorava. Eu estava lá para pegar o bolo de aniversário da minha sobrinha e você porque adorava os donuts.

Falei para ela sobre nosso namoro, os meses que passamos em Paris, sua loucura pela chuva, e a mania de dançar quando ela caia. A maneira como sempre mordia alguma coisa quando estava nervosa, fosse uma caneta ou uma maçã. Sua indecisão quanto a qualquer coisa, desde qual casa comprar até o sabor de sorvete preferido. Também contei a ela sobre como você sempre tinha uma música para tudo. Para quando estava triste, para quando estava animada e para quando queria se animar. E é claro que não me esqueci da performances que acompanhavam .

Contei dos shows para os quais você me arrastou e sobre a vez que insistiu em usar botas de saltos em um deles, e então fomos assaltados e tivéssemos que voltar andando para o hotel. Naquele dia você precisou vencer seu orgulho e tirar as botas no meio do caminho, fiz meu melhor para não rir, mas não consegui. E você me bateu com as botas! Você não queria me machucar de verdade, mas ainda tenho a cicatriz na mão esquerda. Maldito salto.

Ela gargalhou quando eu disse que, como pedido de desculpas, você aceitou ir comigo passar um mês no Brasil estudando a floresta amazônica. E como odiava os mosquitos picando suas pernas à noite. E que pedi você em casamento um semana depois de voltarmos para a Escócia, e descobrimos que você estava grávida dois dias antes do casamento.

Contei que nossos pais nos tiraram de casa por um fim de semana todo para decorar o quarto dela. E isso foi quando você estava com seis meses.

Seus olhos brilhavam quando segurou nossa filha nos braços pela primeira vez, nem parecia a mulher que me acordara no meio da noite na semana anterior porque achava que não estavam preparada para ser mãe (essa parte estou guardando para quando ela crescer).

Rosa adorou ouvir tudo aquilo e perguntou se podíamos dançar na chuva enquanto eu a tirava da cadeirinha do carro. Eu disse a ela que iria pensar, segurei sua mãozinha e fomos andando pela grama. Decidi que já estava na hora de dizer a ela que você odiava flores e principalmente o cheiro delas, e que foi o fato de que eu te levava uma rosa todo dia quando estávamos no Brasil que fez com que você escolhesse esse nome para ela. Ela sorriu quando eu disse que você achava a maior ironia do mundo que justamente a mulher que achava que flores deveriam continuar onde foram plantadas, tinha uma Rosa como seu maior tesouro.

Chegamos ao nosso destino de toda quinta-feira e Rosa deixou a rosa vermelha que a senhora lhe deu ao lado do seu túmulo. "Te amo mamãe" ela disse "espero que goste da rosa".

E começou a chover. Do nada. O céu nem estava escuro. Não vou mentir, deixei as lágrimas escorrerem, talvez porque já estava chovendo e eu estava mexido por pensar em tudo que vivemos. Não pude deixar de pensar que você me daria um tapa de brincadeira se estivesse lá, e diria parabéns por não ligar para o que os outros pensam, o que eu faço mais do que deveria.

Rosa olhou para mim, com os olhos arregalados, e abriu um sorriso enorme. Ela pegou minhas mãos e começamos a dançar, bem ali, perto do seu túmulo mesmo.

Pouco depois, peguei ela no colo e corri para o carro. Ela tomou um banho quente apagou. E está dormindo até agora, provavelmente vai continuar até de manhã, o que não vai demorar muito.

Deus, eu queria nunca ter saído do trabalho mais tarde naquele dia. Se não tivesse, você nem perceberia que não tínhamos mais macarrão para o jantar e não teria ido ao mercado. E aquele maldito carro, com o maldito motorista bêbado nunca teria te tirado a vida. Te tirado de mim.

Eu sinto tanto a sua falta. Todos os dias, ainda parece que falta um pedaço do mim, lá no fundo. Mas eu tenho a Rosa. Ela é maravilhosa e vou dar o meu melhor por ela.

Bom, são seis horas e preciso ir acordá-la, o que não vai ser fácil. Ela é dorminhoca, assim como a mãe, sabe?"


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Comentários são bem-vindos.
beijoss



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