Ally

Vou cambaleando até a cozinha. Acordar cedo é simplesmente a pior tortura, e deveria ser um pecado. Nunca me acostumei a acordar às sete da manhã, mesmo fazendo isso a anos.

— Então hoje é o grande dia, hein? – Disse meu pai, abrindo um enorme sorriso. – Daqui a pouco minha menininha vai para a faculdade e vai esquecer do seu velho aqui.

Coloco meu cereal na vasilha e jogo o leite por cima. Existe algo melhor?

— Mãe, já marcou o dermatologista? Apareceu mais uma mancha vermelha. – Ignorei totalmente o meu pai. Ele adora fazer drama.

— Nossa consulta é na terça. Falando em grande dia... Você já passou a sua beca filha?

— Do que vocês estão falando? Minha formatura é só dia... – Estreito os olhos, tentando enxergar o calendário na geladeira. Droga. – Hoje! Ai meu Deus.

Como meu cereal o mais rápido que posso e subo as escadas correndo. Sou obrigada a fazer uma pausa para poder respirar, como se subir a escada fosse um enorme esforço para mim, e de fato foi.

Sinto meu celular vibrar. Era Trish. Merda. Atendo assim que entro em meu quarto.

— Oi Trish. – Tento disfarçar minha voz de sono, algo quase impossível.

— Você acabou de acordar? Ally, pelo amor de Deus, me diz que você não esqueceu a formatura.

— Puf, claro que não. – Tiro a roupa. – Quem é capaz de esquecer isso? Já estou saindo de casa. – Ligo o chuveiro.

— Isso é o chuveiro? Eu vou te matar Allicia! Você tem quarenta minutos para chegar na escola. — Confiro o horário, desejando que ela estivesse errada. Eu demoro duas horas para me arrumar, e hoje eu teria, com sorte, trinta e cinco minutos. — Não esquece o discurso.

— Droga, quase esqueci. – Pego meu diário, onde estava todo o discurso, e coloco em cima da cama, para não esquece-lo.

— O que? Eu não estou acreditando que você...

— Tenho que ir Trish. – Desligo o celular, antes dela começar o sermão sobre minha total falta de responsabilidade.

***

— E então? – Sentei ao lado de Trish e Dez. Eu estava orgulhosa por conseguir me arrumar tão rápido.

— Esta atrasada. – Dez olha para seu pulso vazio, onde deveria ter um relógio. Reviro os olhos, eu já sabia disso.

— Você emagreceu. – Trish me olhou de cima a baixo. – Quando vai ao médico?

— Medico? Pra que? Para ele falar de novo que talvez isso seja somente uma anemia ou algo do tipo? Não obrigada. – Dou de ombros.

Eu realmente estava preocupada com a minha perda de peso. Minhas roupas estavam cada vez mais largas, e eu me sentia cada vez mais fraca. Minha alimentação continua normal, e mesmo assim os números na balança diminuem. 

— O que eu perdi? – Sussurrei para o ruivo.

— Nada de importante. Apenas a apresentação do Austin.

Levo a mão a testa. Austin vem ensaiando essa apresentação a meses, ficava o dia inteiro na escola fazendo todos os passos e me fez prometer assistir sua dança. Era algo importante para ele, e eu não cheguei a tempo de assistir.

— Eu sou a pior pessoa do universo.

— Ainda bem que sabe. – Dez brinca e eu o empurro com o ombro.

A diretora chama o meu nome e eu abraço meu diário. Fui a escolhida para ser a oradora da turma, e por mais que eu soubesse o discurso inteiro de traz para frente, ainda estava nervosa. Fui até o palco e senti uma tontura enorme, respirei fundo, desejando que passasse logo.

Enquanto eu agradecia a turma, finalizando meu discurso, passo os olhos pelo auditório, procurando por Kira Vaca Star. Quando a encontro, dou uma piscadinha. A morena ficou tão nervosa que pude ver fumaça sobre sua cabeça. A melhor parte de se formar, era nunca mais vê-la.

 ***

— Você está quente. – Austin sussurra em meu ouvido.

— Isso é um elogio? – Pergunto rindo, mesmo sabendo a resposta.

— Não, você está queimando de febre. Tem certeza que está bem? – Ele coloca a mão em minha testa, depois em meu pescoço, me causando arrepios. Suas mãos estavam geladas.

— Estou ótima. – Menti. Febre para mim não era mais novidade, então decidi ignorar.

Eu sabia que tinha algo de errado comigo, só não sabia o que era. Tonturas, cansaço, febre, perda de peso, manchas, tudo. Tudo isso fazia parte do meu cotidiano a meses, e isso me assustava. Eu tentava não ligar para nada, mas tudo ficava cada vez maior e mais forte.

— Turma formandos 2017! – Todos gritam e o ar é tomado de chapéus azuis.

— Adeus inferno! – Grito e jogo meu chapéu para o alto, assim como os demais. Finalmente estou saindo daqui!

Me apoio em Austin, tentando me manter em pé. Os risos de felicidade, os gritos de animação do auditório e as palmas são abafadas, como se tivesse algo em meu ouvido. A única coisa que escuto com clareza é um zumbido irritante na cabeça, piorando ainda mais a tontura. Sentia que estava prestes a desmoronar.

— Ally, o seu nariz... – Trish me olha assustada. – Está sangrando de novo.

Pego um pano, que carrego comigo, para quando isso acontece, e coloco sob o nariz. Vejo sangue, muito sangue e sei que eu já estava desmoronando.

Tudo fica preto e confuso.

— Ally fica comigo! – Pude ouvir Austin dizer, seguido do grito de Trish e Dez.

Foi a última coisa que lembro ter ouvido.