Prelúdios Etéreos I: A Ascensão escrita por Raffs


Capítulo 7
Capítulo 6




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Victor estava impaciente.

Darkas não se cansava de falar.

— E, deixando aqui minhas considerações finais, agradeço a atenção de cada um de vocês durante nossa pequena excursão pelo espaço da Grande Academia de Elyrach, ligada diretamente à Sacra-Fundação de Elyrach. Quero que saibam que cada um de vocês, independente de quem são ou quem pensam que são, não passam de iguais perante a Justiça do Ensino. Todos possuem o potencial para se tornarem o que bem entenderem… basta que compreendam que isso empreende muito esforço. Basta que entrem em harmonia com isso— ele colou a palma da mão, enrugada, no lado esquerdo do peito.

Quando Victor pensou que estava livre da poluição sonora, mais uma série de aplausos. Se sentiu obrigado a fazer o mesmo.

Darkas tossiu, arqueando as costas calejadas. Por alguns segundos, Victor teve medo que o velho estivesse com algum problema sério. A aparência dele era raquítica. Mas logo o Grão-Mestre ficou em pé, normalmente.

Victor se questionou como, e principalmente por que ainda faziam o pobre idoso passar por todo aquele processo cerimonial. Anualmente.

Talvez Darkas gostasse daquilo. Quem sabe o que se passava na cabeça de um dos homens mais poderosos e geniais do Reino?

— Agora, todos vocês serão guiados até seus respectivos alojamentos. Lembrem-se sempre da compreensão e da já citada harmonia, pois os quartos serão divididos entre dois alunos.

Diversos guias com um sorriso simpático surgiram atrás de Darkas, avançando um passo. O mais à frente exclamou:

— Gostaria que prestassem atenção e nos seguissem, organizados em fileiras. Meu nome é Jakub, e se tiverem dúvidas, sintam-se à vontade para questionar. – sua expressão severa não parecia concordar com o que ele dizia. Victor, definitivamente, não estava à vontade para fazer qualquer pergunta. Não para aquele homem rústico e com aparência de ex-militar, cujo sorriso parecia ser extremamente forçado. – Fileiras de número um a dez, sigam-me.

Os alunos na frente do aglomerado de novatos seguiram, quase marchando, os passos de Jakub.

Jakub. Victor não gostava daquele nome. Trazia más lembranças. Péssimas lembranças.

Fileira por fileira, os guias foram levando os alunos a dois prédios, provavelmente os de alojamento, entrando nas grandes edificações do complexo da Academia. Eram menos do que Victor imaginava. Havia um grande altar no limite sudeste do muro, dois espaços similares a arenas postos lado a lado em frente à grande estátua dourada e mais uma dúzia de construções de pequeno porte. mas apenas quatro estruturas que poderiam ser chamadas de prédio. Apesar de um deles, para onde a maior parte dos alunos estavam sendo levados, ser enorme. Quatro andares, e uma torre no topo.

Quando apenas um guia restou, Victor sabia que era a vez dele, e de mais setenta alunos.

Caminhando junto ao guia Ereven, o grupo foi diminuindo a cada porta pela qual passava, até que, quando restavam cerca de trinta pessoas, chegou a vez de Victor, e um garoto chamado Britan. Entrou no quarto após o outro novato, e antes de fechar a porta procurou por Elae, mas não a via em lugar nenhum. Provavelmente já fora deixada em seu quarto sem que Victor sequer notasse.

Victor se virou, trancando a porta, e por alguns segundos tudo que conseguia ouvir era o passo ritmado do grupo de novatos que ainda não tinham sido deixados em seus quartos.

— Você é aquele que tentou escalar o muro, não é?

— Esse é um ótimo de jeito de iniciar nossa convivência. – Victor teve a impressão de que, nos próximos dias, ficaria farto de referências ao estúpido episódio que ocorreu na cerimônia.

— Não… – Britan arregalou os olhos e balançou as mãos em negativo, como que se temesse ofender Victor – Eu quero dizer, se você fez aquilo, fez por um bom motivo. Na sua visão, digo. Não gosto de julgar as pessoas. Podemos ser amigos. Se você quiser, é claro.

O jovem parecia um pouco mais velho do que Harland, mas também um pouco mais imbecil. Possuía feições que deixavam Victor confuso; não sabia se era ingenuidade ou estupidez naquele rosto pardo, coberto por cabelos pretos e lisos. Britan possuía uma franja encobrindo parcialmente o olho direito.

Alguns sinais de acne aqui e ali, mas nada muito marcante para que Victor conseguisse, ou quisesse, se lembrar da fisionomia do garoto.

— Certo. – respondeu depois de um bom tempo raciocinando – Começamos com perguntas simples, então. De onde você vem?

— Venho de Terriser, mas descendo dos povos de Aethia.

— Interessante. É mais um daqueles separatistas fanáticos? – disse Victor enquanto se sentava numa das camas e descalçava suas botas.

Huh, eu acho que não. Bem, não. Na verdade, nunca estive em Aethia, e nunca conheci ninguém de lá, então que diferença me faria, certo? – Britan não parecia entender muito sobre divergências políticas. Ao menos sei qual assunto não abordar, pensou Victor. – E você, de onde vem?

— Galakur – retrucou, quase sem pensar.

Ops.

Victor mentira, e nem sequer fora proposital. Ele tinha que aprender a fechar a boca, ou teria problemas por ali. Mas resolveu prosseguir com aquela pequena mentira, afinal Britan não parecia nem um pouco incrédulo. Embora tal reação não fosse mesmo comum para Victor.

— Galakur, huh. Cidade legal. Gostaria de visitá-la um dia. Possui os melhores ferreiros do Reino, não é? Ouvi dizer que eles produzem armas e armaduras por encomenda para a Academia.

— Galakur está em crise desde que o Templo foi fechado. Hoje ela lucra apenas com suas forjas. Já esteve melhor. Já teve o maior mercado livre do Reino. – Victor resolveu fingir ter conhecimento sobre a cidade, apenas para parecer convincente sobre sua falsa cidadania.

Ele até mesmo forçou uma expressão de tristeza, como que lembrando de sua querida e outrora próspera cidade.

Oh. Sinto muito.

Agora Harland tinha uma certeza: nunca revelaria a ninguém naquela escola que era oriundo de Mirasia. Teria problemas se o Grão-Mestre descobrisse que, desde o primeiro momento, Victor estava mentindo para seus companheiros de Santuário.

Ele aprendera esse termo com Ereven, quando um dos alunos perguntou qual era a palavra certa para se referir aos colegas na Academia.

Mas era óbvio que ninguém levava Ereven a sério. Todos riram baixinho quando ele respondeu.

Nas próximas horas, Victou conheceu mais sobre Britan do que conhecia sobre si mesmo. Sempre que tentava cortar o assunto, o jovem de Terriser tornava a falar, não importava o quão desconexo fosse o assunto.

Após uma longa conversa (que mais pareceu um monólogo) sobre o mistério da idade de Darkas, os dois organizaram os seus pertences e criaram uma linha divisória no quarto, que não podia ser atravessada(a ideia foi em, boa parte, de Victor, o que custou certo tempo e capacidade para convencer Britan a ficar com o lado menor do quarto).

Victor trocou de roupa enquanto Britan vigiava do lado de fora, ainda sem parar de falar.

Abriu a porta, e em seguida falou a Britan que faria um passeio pelos corredores da Academia.

Para variar, o garoto ingênuo acreditou. Victor nem sequer fez esforço para soar convincente.

Talvez fosse mais fácil do que ele pensava cumprir seu objetivo ali dentro. Talvez nem precisasse usar seu dom.

Mas ele sabia que nem todos eram como Britan, e que ali dentro estavam muitos dos maiores intelectuais do Reino, e provavelmente, de todo o Império.

Seguiu em direção à área central daquele prédio, onde, pelo que soubera, se localizava a Central de Locais e Dados. Nome um tanto redundante.

Victor queria tirar alguma dúvidas com os guias que ali se encontravam, mas ao chegar em frente à Central, uma sala redonda que de fato ocupava o centro dos corredores, criando uma encruzilhada, deu de cara com dois (dos poucos) rostos conhecidos.

— Victor? – disse Elae ao notá-lo, interrompendo a conversa com Ereven. Os dois estavam de pé, em frente à uma porta de metal. Quatro janelas, com cortinas estendidas do lado de dentro, eram espaçadas em intervalos iguais ao redor da Central.

— Fico feliz que tenha lembrado do meu nome. – Victor parou, passando a mão pelo cabelo, até o pescoço. Ele estava um pouco nervoso em falar com Elae, e não sabia o porquê.

— Pois, de fato, deveria. Foi o único nome que consegui memorizar nesse lugar até agora. – sorriu de maneira contida, sem revelar os dentes.

— O que faz aqui? – perguntou Ereven. Ele não parecia estar muito paciente. Dias de introdução de novatos na Academia deviam ser péssimos para os guias. Intermináveis e infinitos afazeres.

— Eu, hã...quero saber onde fica a Biblioteca.

— O acesso à Biblioteca é restrito hoje. – respondeu o guia, sem denotar emoção alguma em suas palavras. Como se houvesse memorizado a frase, para dizê-la muitas vezes em dias como aquele.

— Por que especificamente hoje? – Victor estava decepcionado; sem acesso à Biblioteca, não conseguiria ler a mensagem enviada pelos dois desgraçados que ali o haviam colocado.

— Porque temos um fluxo enorme de pessoas aqui dentro em dias de cerimônia; imagine se eu acatasse ao pedido de cada pessoa que passa aqui querendo ler nossos livros. Mesmo uma Biblioteca colossal como a de Elyrach ficaria lotada e o tráfego de livros seria confuso. Poderíamos até ser roubados. E acredite, a última coisa de que precisamos é de nossos livros por aí, sendo vendidos no mercado negro.

Os argumentos de Ereven eram convincentes. E não, ainda não era hora de Victor usar seu dom.

Por isso, o garoto se resumiu a assentir, dando de ombros.

— E você, Elae? O que faz aqui?

— Eu desejo ser uma médica. Então estou me informando sobre a localização da enfermaria, para saber se posso ajudar a tratar a garota que desmaiou. Quer vir comigo?

— Não, obrigado. Eu, huh, não tenho estômago forte. Ela pode estar sangrando ou algo assim.

Ela sorriu, melancolicamente.

— Suas mostras de pessimismo não são raras, pelo que vejo.

— Você vai se acostumar depois de um tempo.

Mais alguma coisa? – questionou Ereven. Ele, aparentemente, se divertia ao interromper os diálogos entre Victor e Elae.

— Não mesmo. Obrigado, eu acho. Amanhã, eu volto aqui. E vou saber onde fica a Biblioteca. Espero que saiba me informar até lá. – o fim da frase soou como uma ameaça irracional. Mas Victor optou por terminar ali mesmo.

Se despediu da garota loira com um aceno de mão, e voltou para o quarto. Aproveitou o fato de Britan não estar lá para cochilar. Mas o sono se tornou mais profundo, e Victor adormeceu por completo.

Sonhou com a mãe e a irmã.

Sonhou que não conseguia cumprir o prometido, e que não conseguia salvá-las.

Victor acordou com Britan perguntando se ele estava ou não dormindo. Sentiu vontade de esmurrar o garoto.


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