Prelúdios Etéreos I: A Ascensão escrita por Raffs
Notas iniciais do capítulo
Feliz carnaval pra todo mundo!
Fazia um bom tempo que Arthuel não tinha algumas horas sozinho. Sempre acompanhado por outros estudantes, devido a seus resultados espetaculares, nunca conseguia encontrar um momento de calmaria. Ao menos, descobrira nos últimos dias que a Biblioteca era capaz de trazer tal sentimento à tona. Estudar por conta própria, sozinho na imensidão daquele espaço trazia de volta as lembranças de antes de tornar-se um acadêmico.
Teria o resto da manhã para se afundar nos livros. Mesmo os alunos espetaculares tinham suas dificuldades, e Códigos vinha sendo uma pedra no sapato para Arthuel.
Além dele, outros cinco ou seis estudante povoavam o ambiente, todos reclusos sob o silêncio matutino. Ficou feliz com o fato de serem todos veteranos, pois qualquer calouro que o visse faria questão de vir incomodá-lo.
Posso estudar com você?
A frase já começava a se tornar clichê; a ouvia mais do que jamais chegou a ouvir bom dia.
Mesmo tentando manter o foco, a sequência de eventos recentes estava afetando os pensamentos do jovem. A chegada do novo membro do Conselho, o que implicava na morte de algum membro antigo; os comentários de Danyel a respeito de Aclus (o clima entre os dois ainda estava estranho); todo aquele turbilhão de informações que ouviu nos encontros com a Excelsis e a cada vez que andava perto de Arulus. Sentia-se incomodado com o fato de que, ao mesmo tempo em que lhe confidenciavam diversos assuntos, ninguém parecia disposto a explicar plenamente os segredos.
E dentro da Academia, residiam muitos segredos.
Balbuciava consigo mesmo alguns dos códigos que provavelmente cairiam no próximo teste. Por mais complicada que fosse a disciplina, a metodologia de Axel era um tanto previsível.
Entre pontos, vírgulas e linhas, Arthuel havia empacado num dos exercícios. Simplesmente não conseguia decidir se a frase codificada era “os verões costumam parecer longos por aqui” ou “tenho um machado de ouro comprido e irei usá-lo”. Tudo por culpa de uma sequência de duas retas e um pequeno círculo em branco.
Lembrou-se dos meses que passou preparando-se para o exame da Academia. Foram tempos bem solitários. Dias inteiros no quarto, só saindo dali para comer e se banhar. Nem chegava a ver os pais; Beatrice ficava muito preocupada, mas Sammuel dizia que valeria a pena no fim das contas. Não tinha certeza ainda se valera a pena todo o esforço. Sentia falta dos pais, do clima de Edhel e dela.
Alguém tocou seu ombro, e a memória de Victor o segurando veio de súbito. Quase quebrou a caneta, tal foi a quebra de raciocínio. A atração que aqueles muros exerceram sobre sua mente ainda o assustava.
— Posso estudar com você? – perguntou uma voz conhecida, e de forma surpreendente não parecia estar zombando de Arthuel com aquela pergunta. Ele se virou e viu que era Eelia, o veterano que quase lhe deu uma surra na aula de Combate.
— O que um veterano conseguiria estudando comigo, um aluno do primeiro ano?
Sem esperar uma resposta real a sua pergunta, Eelia puxou a cadeira ao lado de Arthuel e sentou-se.
— Não é como se o veterano aqui estivesse aprovado em Códigos.
— E por que o veterano iria se dispor a estudar com um calouro?
Ele pareceu pensativo.
— Shhhh— um dos estudantes numa mesa próxima pediu silêncio. Fazia cara feia para Arthuel. Arthuel fez cara feia para Eelia, que deu de ombros.
— Eu soube do seu desempenho. – diminuiu o tom da voz – E estudar sozinho foi o erro que me fez reprovar a disciplina duas vezes. Eu funciono melhor fazendo parte de algo. Sabe, contato com as pessoas, etcétera.
— O que dizem de você expressa o contrário. – embora soubesse que a frase soaria mal-intencionada, Arthuel apenas dizia a verdade. Eelia não era dotado de boa fama entre alunos e mestres.
— Como se eu estivesse preocupado com o que dizem de mim. Se assim fosse… acho que não estaria mais aqui.
O rapaz era falante.
— Vai estudar ou apenas conversar?
— Acho que será divertido dividir um período de estudos com você. – ponderou ele, sorridente.
Estudaram quase em silêncio por uma hora ou mais. Às vezes, Eelia fazia algum questionamento relacionado ao assunto, mas logo tratava de desviar-se para os problemas da instituição ou o que quer que fosse relativo ao seu espírito debatedor. Na quarta ocasião, Arthuel estava com a paciência esgotada. Fechou o livro e os cadernos.
— Bem que Arulus avisou sobre você. – suspirou.
— Ora, e desde quando você confia em Valet?
— Não se trata de… confiar. Ele só tem mais crédito comigo do que você.
— Entendo. É justo. Não era ele naquele duelo na aula de Alifas. Mas se eu fosse você, diminuiria minhas expectativas com o syrel.
— O que quer dizer?
— Ele é diretamente ligado ao Império. Não é um sujeito que tenha muitas preocupações além do seu dever para com o próprio Império. Você sabe, Arthuel, um homem faz o que julga necessário para seus objetivos. Como foi com Aclus.
— Está insinuando que Arulus é mais um idiota cegado por seus ideais?
— Não. De onde tirou isso?
— Você o comparou com Aclus Thoryn, se eu bem entendi.
— Sua opinião sobre a figura de Aclus é curiosa. Eu estou apenas usando ele como exemplo. Quero dizer, todo mundo tem seus motivos. Um indivíduo sempre irá considerar suas próprias razões válidas. No caso de Aclus, bastou procurar a coisa certa no lugar errado para ter um destino bastante… desagradável.
— A que se refere?
— Eu não estou certo de quanto disso é verdade, afinal ele já se tornou quase folclore dentro da Academia, mas… dizem que ele procurava por registros de uma possível cura para a mãe, que agonizava em algum lugar perto de Mirasia.
Arthuel pousou a caneta sobre o caderno.
— Acho que isso é um pouco…
— Ele que pagava os eternos tratamentos dela, ou ao menos é o que seus antigos colegas espalharam por aí. – Eelia continuou contando a história – Ele trabalhava com os arquivos da Academia. O Templo de Galath anualmente trazia para cá uma pilha de papeladas informando suas descobertas medicinais.
— Achei que esse Templo estivesse fechado. Minha mãe sempre quis estudar medicina por lá.
— E ele está… mais ou menos. Não é tão fácil assim fazer um Templo parar de funcionar. De toda forma…
— Prossiga. – Cyriac resolveu deixar acontecer. O estudante mais velho parecia disposto a ir até o fim.
— Parece que o coitado colocou a mão na papelada errada, e por um miserável acaso descobriu alguma coisa suspeita— ele deixou claro o eufemismo na última palavra – ligando os alquimistas da Ordem à doença da sua mãe.
— E o que ele fez? – Arthuel sentia um quê de lorota no relato, mas apreciava a dramatização.
— Contestou. Jogou os arquivos na mesa de Darkas. O velho não fez questão de ouvi-lo. Ele foi expulso da Ordem. Sua mãe morreu em alguns meses, porque ele não tinha como pagar nada. Ele voltou escondido para a Academia, sem nada a perder. E o resto da história acho que você já sabe.
Arthuel trocou olhares com Eelia. O jovem na mesa à direita, próxima à janela, pediu silêncio uma terceira vez, quase bufando.
— E como sabe disso? É mais uma das marionetes trabalhando para ele?
Eelia só não caiu nas gargalhadas porque a placa dizendo “Silêncio na Biblioteca” encontrava-se bem acima da cabeça de Arthuel.
— Trabalhar para ele? Não, não. Longe disso.
— Eram bons amigos antes dele ser expulso?
— Eu nem estudava aqui nessa época.
— Então como sabe tanto sobre ele?
— Quando você passa tempo suficiente por aqui, você fica sabendo das coisas. É melhor se acostumar.
— Se acostumar for diferente de apreciar, é verdade. – e uma verdade amarga, pensou. – Há quanto tempo está aqui?
Eelia ficou fora de órbita por alguns segundos, talvez calculando.
— Quatro anos, se bem me lembro.
— Parece que você aproveitou. Se essa história é senso comum por aqui, por que ninguém fez nada a respeito?
— Então vá você tentar contrariar o Grão-Mestre e os Darchinia, garoto.
Mais enigmas. Cansado, Arthuel terminou de guardar seu material. Levantou-se, com o livro em mãos para devolvê-lo à prateleira.
— Para onde vai? Eu estava gostando! – comentou Eelia, cinicamente.
— Acho que só me resta estudar no quarto. Preciso de um tempo sem incômodos. Danyel me ensinou uma palavra para isso.
— Kyalat.
— Kyalat. Como sabe?
— Acho que você não tem Línguas em sua grade, não é?
Arthuel só franziu o cenho, demonstrando cansaço.
— Até mais, Cyriac! Não acredite em tudo que o syrel diz!
Todos os presentes imediatamente olharam para a dupla, incluindo o vizinho de mesa das três vezes anteriores cuja fúria já era palpável. Arthuel apertou o passo, fingindo que não era com ele e foi embora dali. O veterano falava muito.
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