Prelúdios Etéreos I: A Ascensão escrita por Raffs


Capítulo 33
Capítulo 32


Notas iniciais do capítulo

Feliz carnaval pra todo mundo!



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Fazia um bom tempo que Arthuel não tinha algumas horas sozinho. Sempre acompanhado por outros estudantes, devido a seus resultados espetaculares, nunca conseguia encontrar um momento de calmaria. Ao menos, descobrira nos últimos dias que a Biblioteca era capaz de trazer tal sentimento à tona. Estudar por conta própria, sozinho na imensidão daquele espaço trazia de volta as lembranças de antes de tornar-se um acadêmico.

Teria o resto da manhã para se afundar nos livros. Mesmo os alunos espetaculares tinham suas dificuldades, e Códigos vinha sendo uma pedra no sapato para Arthuel.

Além dele, outros cinco ou seis estudante povoavam o ambiente, todos reclusos sob o silêncio matutino. Ficou feliz com o fato de serem todos veteranos, pois qualquer calouro que o visse faria questão de vir incomodá-lo.

Posso estudar com você?

A frase já começava a se tornar clichê; a ouvia mais do que jamais chegou a ouvir bom dia.

Mesmo tentando manter o foco, a sequência de eventos recentes estava afetando os pensamentos do jovem. A chegada do novo membro do Conselho, o que implicava na morte de algum membro antigo; os comentários de Danyel a respeito de Aclus (o clima entre os dois ainda estava estranho); todo aquele turbilhão de informações que ouviu nos encontros com a Excelsis e a cada vez que andava perto de Arulus. Sentia-se incomodado com o fato de que, ao mesmo tempo em que lhe confidenciavam diversos assuntos, ninguém parecia disposto a explicar plenamente os segredos.

E dentro da Academia, residiam muitos segredos.

Balbuciava consigo mesmo alguns dos códigos que provavelmente cairiam no próximo teste. Por mais complicada que fosse a disciplina, a metodologia de Axel era um tanto previsível.

Entre pontos, vírgulas e linhas, Arthuel havia empacado num dos exercícios. Simplesmente não conseguia decidir se a frase codificada era “os verões costumam parecer longos por aqui” ou “tenho um machado de ouro comprido e irei usá-lo”. Tudo por culpa de uma sequência de duas retas e um pequeno círculo em branco.

Lembrou-se dos meses que passou preparando-se para o exame da Academia. Foram tempos bem solitários. Dias inteiros no quarto, só saindo dali para comer e se banhar. Nem chegava a ver os pais; Beatrice ficava muito preocupada, mas Sammuel dizia que valeria a pena no fim das contas. Não tinha certeza ainda se valera a pena todo o esforço. Sentia falta dos pais, do clima de Edhel e dela.

Alguém tocou seu ombro, e a memória de Victor o segurando veio de súbito. Quase quebrou a caneta, tal foi a quebra de raciocínio. A atração que aqueles muros exerceram sobre sua mente ainda o assustava.

— Posso estudar com você? – perguntou uma voz conhecida, e de forma surpreendente não parecia estar zombando de Arthuel com aquela pergunta. Ele se virou e viu que era Eelia, o veterano que quase lhe deu uma surra na aula de Combate.

— O que um veterano conseguiria estudando comigo, um aluno do primeiro ano?

Sem esperar uma resposta real a sua pergunta, Eelia puxou a cadeira ao lado de Arthuel e sentou-se.

— Não é como se o veterano aqui estivesse aprovado em Códigos.

— E por que o veterano iria se dispor a estudar com um calouro?

Ele pareceu pensativo.

Shhhh— um dos estudantes numa mesa próxima pediu silêncio. Fazia cara feia para Arthuel. Arthuel fez cara feia para Eelia, que deu de ombros.

— Eu soube do seu desempenho. – diminuiu o tom da voz – E estudar sozinho foi o erro que me fez reprovar a disciplina duas vezes. Eu funciono melhor fazendo parte de algo. Sabe, contato com as pessoas, etcétera.

— O que dizem de você expressa o contrário. – embora soubesse que a frase soaria mal-intencionada, Arthuel apenas dizia a verdade. Eelia não era dotado de boa fama entre alunos e mestres.

— Como se eu estivesse preocupado com o que dizem de mim. Se assim fosse… acho que não estaria mais aqui.

O rapaz era falante.

— Vai estudar ou apenas conversar?

— Acho que será divertido dividir um período de estudos com você. – ponderou ele, sorridente.

Estudaram quase em silêncio por uma hora ou mais. Às vezes, Eelia fazia algum questionamento relacionado ao assunto, mas logo tratava de desviar-se para os problemas da instituição ou o que quer que fosse relativo ao seu espírito debatedor. Na quarta ocasião, Arthuel estava com a paciência esgotada. Fechou o livro e os cadernos.

— Bem que Arulus avisou sobre você. – suspirou.

— Ora, e desde quando você confia em Valet?

— Não se trata de… confiar. Ele só tem mais crédito comigo do que você.

— Entendo. É justo. Não era ele naquele duelo na aula de Alifas. Mas se eu fosse você, diminuiria minhas expectativas com o syrel.

— O que quer dizer?

— Ele é diretamente ligado ao Império. Não é um sujeito que tenha muitas preocupações além do seu dever para com o próprio Império. Você sabe, Arthuel, um homem faz o que julga necessário para seus objetivos. Como foi com Aclus.

— Está insinuando que Arulus é mais um idiota cegado por seus ideais?

— Não. De onde tirou isso?

— Você o comparou com Aclus Thoryn, se eu bem entendi.

— Sua opinião sobre a figura de Aclus é curiosa. Eu estou apenas usando ele como exemplo. Quero dizer, todo mundo tem seus motivos. Um indivíduo sempre irá considerar suas próprias razões válidas. No caso de Aclus, bastou procurar a coisa certa no lugar errado para ter um destino bastante… desagradável.

— A que se refere?

— Eu não estou certo de quanto disso é verdade, afinal ele já se tornou quase folclore dentro da Academia, mas… dizem que ele procurava por registros de uma possível cura para a mãe, que agonizava em algum lugar perto de Mirasia.

Arthuel pousou a caneta sobre o caderno.

— Acho que isso é um pouco…

— Ele que pagava os eternos tratamentos dela, ou ao menos é o que seus antigos colegas espalharam por aí. – Eelia continuou contando a história – Ele trabalhava com os arquivos da Academia. O Templo de Galath anualmente trazia para cá uma pilha de papeladas informando suas descobertas medicinais.

— Achei que esse Templo estivesse fechado. Minha mãe sempre quis estudar medicina por lá.

— E ele está… mais ou menos. Não é tão fácil assim fazer um Templo parar de funcionar. De toda forma…

— Prossiga.  – Cyriac resolveu deixar acontecer. O estudante mais velho parecia disposto a ir até o fim.

— Parece que o coitado colocou a mão na papelada errada, e por um miserável acaso descobriu alguma coisa suspeita— ele deixou claro o eufemismo na última palavra – ligando os alquimistas da Ordem à doença da sua mãe.

— E o que ele fez? – Arthuel sentia um quê de lorota no relato, mas apreciava a dramatização.

— Contestou. Jogou os arquivos na mesa de Darkas. O velho não fez questão de ouvi-lo. Ele foi expulso da Ordem. Sua mãe morreu em alguns meses, porque ele não tinha como pagar nada. Ele voltou escondido para a Academia, sem nada a perder. E o resto da história acho que você já sabe.

Arthuel trocou olhares com Eelia. O jovem na mesa à direita, próxima à janela, pediu silêncio uma terceira vez, quase bufando.

— E como sabe disso? É mais uma das marionetes trabalhando para ele?

Eelia só não caiu nas gargalhadas porque a placa dizendo “Silêncio na Biblioteca” encontrava-se bem acima da cabeça de Arthuel.

— Trabalhar para ele? Não, não. Longe disso.

— Eram bons amigos antes dele ser expulso?

— Eu nem estudava aqui nessa época.

— Então como sabe tanto sobre ele?

— Quando você passa tempo suficiente por aqui, você fica sabendo das coisas. É melhor se acostumar.

— Se acostumar for diferente de apreciar, é verdade. – e uma verdade amarga, pensou. – Há quanto tempo está aqui?

Eelia ficou fora de órbita por alguns segundos, talvez calculando.

— Quatro anos, se bem me lembro.

— Parece que você aproveitou. Se essa história é senso comum por aqui, por que ninguém fez nada a respeito?

— Então vá você tentar contrariar o Grão-Mestre e os Darchinia, garoto.

Mais enigmas. Cansado, Arthuel terminou de guardar seu material. Levantou-se, com o livro em mãos para devolvê-lo à prateleira.

— Para onde vai? Eu estava gostando! – comentou Eelia, cinicamente.

— Acho que só me resta estudar no quarto. Preciso de um tempo sem incômodos. Danyel me ensinou uma palavra para isso.

Kyalat.

Kyalat. Como sabe?

— Acho que você não tem Línguas em sua grade, não é?

Arthuel só franziu o cenho, demonstrando cansaço.

— Até mais, Cyriac! Não acredite em tudo que o syrel diz!

Todos os presentes imediatamente olharam para a dupla, incluindo o vizinho de mesa das três vezes anteriores cuja fúria já era palpável.  Arthuel apertou o passo, fingindo que não era com ele e foi embora dali. O veterano falava muito.


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