The Long Road escrita por Bella P


Capítulo 5
Capítulo 4




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Ela era o erro. Sabia disso, via esta acusação cada vez que mirava os olhos escuros de sua madrasta. Era o erro que existia para humilhar diariamente a mulher de maneira vergonhosa. Durante os jantares sociais, as festas familiares, os encontros de negócio, os chás de senhoras. Era só aparecer no mesmo ambiente que logo os olhares caíam sobre a sua figura e os cochichos começavam. E eram sempre os mesmos.

- Lily Graham... - alguém dizia.

- Não se parece em nada com o pai. - outra pessoa completava maldosamente. - Eles têm certeza que é uma Graham?

- Fizeram testes de DNA, foram positivos. - um terceiro entrava na conversa. - Além do mais, com todas as indiscrições do Lorde Graham, não me surpreendo disto ter acontecido. Mais cedo ou mais tarde uma criança iria aparecer. - e risadas de deboche vinham logo após este comentário.

- Meredith deve estar possessa. Todos esses anos tentando dar um herdeiro para os Graham e uma qualquer de fora conseguiu o que ela não foi capaz. - mais risadas.

E essa era a sua história. Sua existência consistia do resultado de um dos vários casos extraconjugais de seu pai que acabou com um bebê recém nascido nos degraus da porta da frente da Mansão Graham, bem protegido em um cesto feito de parreiras e vime e envolto em lençol de seda. Testes foram feitos para confirmar a paternidade da menina, investigações foram feitas a procura da mãe da criança e no fim veio a aceitação de que aquele escândalo e responsabilidade seria a ferida da família Graham pelo resto da vida.

Com isto Lily cresceu sendo o espinho que incomodava diariamente Meredith e Noah, casal que fazia questão de fingir que ela não existia naquela casa. Não existia na mesa do café manhã, do almoço, do jantar. Se teve uma boa educação, vestimentas e algum carinho na vida, estes vieram da sua avó Laura que considerava a arrogância do filho e da nora algo de revirar o estômago. Fora a velha mulher que a ensinou a ser tolerante, paciente e a perdoar. Era na casa dela que Lily encontrava o seu refúgio e a sua paz e foi dela que sentiu mais falta quando foi embora com as Caçadoras.

Uma vez cogitou a hipótese de retornar apenas para verificar se ela estava bem, mas desistiu no meio do caminho. Tinha que aprender a desprender-se de sua vida passada, até porque ela não mais lhe pertencia. Quando encontrou o pequeno Noah no parque e o mesmo lhe dissera que a conhecia, vira a sua foto na casa da avó e que a mesma chorava ao ver o seu retrato, seu coração apertou e a respiração falhou.

- Nem pense nisto. - Zöe havia surgido ao seu lado entre as árvores, olhando na mesma direção que a menina olhava: para o casal que abraçava e beijava o garotinho com tamanha devoção.

- Só queria saber se ela está bem. - falou em um fio de voz. Sua querida avó, o seu bote salva vidas em mar revolto.

- E como achas que ela vai reagir ao ver-te depois de sete anos e você não ter envelhecido um dia? Vai achar que enlouqueceste. - a repreendeu e Laurel suspirou. A tenente tinha razão, sem contar que seria apenas doloroso para ela. Não iria poder se aproximar da avó, dizer que estava bem, acalmá-la, sem assustá-la.

- Vamos embora. - disse e deu meia volta, embrenhando-se floresta adentro e não olhando para trás para ver se Zöe a seguia ou não.

Abriu os olhos em um estalo apenas para ser cumprimentada com a escuridão que preenchia a cabana. O fogo da lareira já havia se extinguido fazia algumas horas e o ambiente a sua volta estava ficando gradualmente mais frio a medida que a madrugada adentrava. Girou sobre o colchão, respirando pesadamente. Já era a segunda vez que tinha um sonho relacionado ao seu passado e instintivamente fechou a mão sobre o cordão que carregava no pescoço.

Sentiu que lágrimas quentes marcavam as suas bochechas e inspirou profundamente para acalmar as batidas de seu coração. Percorreu os orbes ao longo da cabana a procura da figura de Apolo e estranhamente o encontrou recostado em um sofá de couro, com os olhos fechados e expressão relaxada, aparentemente dormindo. Franziu o cenho. Deuses dormiam? Silenciosamente desfez-se das cobertas e ergueu-se da cama, ficando imóvel quando o piso de madeira rangeu sob o seu peso. Apolo resmungou alguma coisa sob a respiração, mas não acordou. Suspirou.

Pé ante pé caminhou na direção do deus, parando a poucos centímetros dele e inclinou-se sobre o olimpiano. Era estranho, daquela maneira, dormindo, ele parecia quase humano, exceto pela beleza anormal e o fato de que ela sabia quem ele era. Notou que tudo o que ele vestia era uma camisa sem manga de malha, com calças jeans e sapatos mocassim e arrepiou-se. Se com as suas roupas de Caçadora já estava sentindo frio, como é que ele não? Mirou a lareira apagada e viu que não havia nenhuma lenha sobressalente perto dela. Franziu os lábios pensativa e depois voltou o olhar para a porta de entrada.

Novamente pé ante pé foi em direção a saída, tomando todo o cuidado possível para evitar que a madeira velha da cabana não rangesse sob os seus pés e levou a mão a maçaneta de bronze desbotada, a girando e abrindo a porta cuidadosamente, sendo prontamente cumprimentada pelo vento frio que veio da floresta e invadiu a cabana.

- Aonde pensa que vai? - pulou de susto ao ouvir a voz masculina atrás de si e olhou por cima do ombro para ver Apolo na mesma posição, mas desta vez os olhos estavam abertos e duas íris azuis como o céu límpido de verão a encaravam intensamente, como se estivessem desvendando a sua alma. Prontamente enrubesceu.

- Eu ia buscar lenha. - justificou-se e os orbes claros do deus voltaram-se para a lareira apagada e depois retornaram para ela, a petrificando no lugar somente com aquela mirada. - O senhor não está sentindo frio? - engoliu em seco quando ele ergueu-se da poltrona em um gesto fluído, digno de um príncipe, coisa que tecnicamente ele era. Afinal, não era filho de Zeus, rei dos deuses?

- Não sinto frio. - declarou seriamente e Laurel sentiu-se a criatura mais estúpida do mundo. Óbvio que ele não sentia frio. Era uma divindade, por que, por Hades, iria se deixar abater por coisas tão banais e dignas apenas de pobres mortais? - Sou o deus-sol, sou quente por natureza. - continuou no mesmo tom, aproximando-se dela e a jovem sentiu o coração dar um pulo quando o olimpiano pegou em sua mão.

Apolo era quente. Não no sentido de flerte ou figurado, mas sim no literal. A pele dele era mais quente do que o normal, como se estivesse com febre mas sem demonstrar fisicamente este fato.

- Volte para cama. - ele espalmou a mão na porta, a fechando com um empurrão e depois estalou os dedos. O fogo voltou a crepitar na lareira antes apagada, iluminando a cabana e aos poucos a reaquecendo. Laurel engoliu em seco, o obedecendo e retornando para a cama, sentando-se na mesma sob o olhar observador do deus.

- O que foi? - perguntou sem graça.

- Você... Me lembra alguém. - respondeu e a jovem piscou intensamente. Apolo sacudiu a cabeça, dando um meio sorriso para ela e fazendo um gesto com a mão dizendo que era para esquecer. - Melhor dormir, amanhã partirmos com o nascer do sol. - e riu da própria piada. Laurel rolou os olhos, voltando a deitar-se na cama e encolhendo-se sob as cobertas, mas não dormindo de pronto, pois a imagem de um par de límpidos olhos azuis não queria lhe sair da cabeça.

 

oOo

 

- E então? - Apolo abriu os braços largamente, com um enorme sorriso no rosto enquanto Laurel apenas colocava as mãos dentro dos bolsos de sua parca de esqui prateada e arqueava uma sobrancelha escura diante dos gestos dramáticos do deus. Parado atrás do olimpiano estava seu adorado Maserati Spyder conversível, com a capota arriada e a lataria vermelho vivo reluzindo brilhantemente como se estivesse sob o sol intenso. Exceto pelo fato de que aquele era o próprio sol.

- Senhor... Já conheço o seu carro. - o mirou com uma expressão de enfado. Carros caros e conversíveis não a impressionavam muito. A garagem do seu pai vivia cheio deles, e com certeza era por causa deles que o homem conseguia metade das amantes que possuía. O sorriso de Apolo murchou na hora diante do tom monocórdio da Caçadora.

- Vocês Caçadoras da minha irmã são difíceis de agradar. - reclamou, puxando do bolso do jeans as chaves e apertando o botão do alarme, fazendo o carro apitar e as portas do mesmo se abrirem com um leve silvo de ar pressurizado.

- Tentou agradar muitas nos últimos anos? - Laurel deu a volta no carro, alcançando o lado do passageiro e vendo com surpresa que sobre o banco estava a sua mochila e no bolso externo da mesma, presas com uma amarra de couro, estavam as suas sai. Sorriu. Apolo ou a própria Ártemis havia recuperado as suas armas, depois perguntaria a sua senhora para saber a quem agradecer propriamente.

- E correr o risco de levar uma flecha na bunda da minha irmã? - o deus posicionou-se atrás do volante enquanto Lily sentava-se no banco do carona, colocava a mochila no colo e fechava a porta do carro. - Não sou tão estúpido. O cinto por favor. - lhe chamou a atenção e a jovem fez uma expressão desacreditada. Apolo seguindo regras de trânsito para dirigir nos céus era o cúmulo do absurdo. Entretanto, só para não contrariá-lo, afinal ele ainda era um deus, o obedeceu.

Girou a chave na ignição e o motor roncou macio, como o ronronar de um gato, e Apolo soltou um suspiro apreciativo. Laurel rolou os olhos. Homens, deuses ou mortais, todos eram iguais quando se tratava de lataria sobre quatro rodas.

- Talvez devêssemos começar suave, não acha? Pra não causar um choque térmico depois de tanto tempo com chuva. - sorriu para a jovem ao seu lado que apenas bufou.

- O senhor pode fazer como quiser, desde que eu chegue ao meu destino ainda hoje. - retrucou contrariada e o deus-sol gargalhou. Ela realmente o lembrava alguém, mas não conseguia atinar quem.

- Então tá. - pisou no acelerador e Laurel soltou uma exclamação surpresa quando o Maserati disparou em direção as copas das árvores como um jato de fogo e praticamente explodiu acima das nuvens, abrindo caminho entre as mesmas e começando a iluminar com fulgor a terra a quilômetros de distância abaixo deles.

- O senhor precisa ir tão rápido? - grunhiu, sentindo-se levemente enjoada com o balançar do carro. Achava que a famosa carruagem do sol fosse mais suave, como um avião, em seu voo, mas parecia que também sofria dos males da turbulência, ainda mais que estava tentando vencer algumas tempestades que encontrava pelo caminho para assim proporcionar um amanhecer digno para algumas cidades.

- Tecnicamente não. Estamos no outono, o que significa o começo de dias mais curtos como prelúdio do solstício de inverno. - ele virou o rosto para olhá-la. - Tudo bem aí? Você me parece meio verde.

- Cuidado! - gritou quando entraram em uma grossa nuvem de chuva e um raio desceu na direção deles. Apolo girou o volante para a esquerda, desviando da descarga, e gargalhou diante desta pequena aventura.

- Se eu não soubesse, diria que papai está fulo comigo. Mas ultimamente eu ando me comportando muito bem. - Laurel empalideceu. Não queria nem pensar como deveria ser um dia com Apolo conduzindo o carro do sol pelos céus e Zeus tentando acertá-lo com os seus raios. Com certeza deveria ser o inferno.

- Por favor senhor não brinque com isso. Não até estarmos em terra firme. - segurou-se nas beiradas do assento, fechando os olhos firmemente quando viu os raios descerem em grandes clarões ao redor do veículo. - Tem certeza que não andou contrariando o senhor Zeus recentemente? - perguntou quando um raio quase acertou a traseira do carro.

- Tenho. - Apolo respondeu confiante, girando o volante para a direita e saindo da nuvem em disparada, chegando a uma parte do céu onde ele estava mais límpido e aos poucos ia clareando com a aproximação do Maserati. Laurel soltou uma longa exalada de ar de alívio ao ver que tinham escapado do pior e voltou o seu olhar para o chão ao longe, vendo uma cidade passar abaixo deles e depois a estrada que cortava o município sair dos limites do mesmo e fundir-se a uma floresta de árvores centenárias.

- Lá! - apontou quando identificou em uma clareira o teto de várias barracas de tecido prateado que formavam um círculo perfeito em torno de uma fogueira. - O acampamento das Caçadoras.

- Estou vendo. Segure-se querida!

- Querida? - ofegou e arregalou os olhos quando o Maserati deu uma guinada, fez uma curva extremamente fechada em pleno ar e desceu a toda velocidade em direção ao solo. Lily sentiu como se todos os órgãos do seu peito tivessem escorregado para a barriga diante da manobra e cerrou as pálpebras firmemente, rezando para todos os deuses do Olimpo, menos Apolo, para que sobrevivesse a esta viagem.

Sentiu quando as rodas do carro tocaram o solo e este tremeu sobre as molas do amortecedor até parar de vez e o motor ser desligado com um suave sibilo.

- Está entregue! - Apolo falou jovial e Laurel abriu um olho, apenas para testar os seus arredores e ver que o deus tinha aterrissado justamente no meio do acampamento, em cima da fogueira apagada.

- Apolo! - o tom contrariado de Ártemis chegou ao ouvido de ambos e o deus virou-se com um enorme sorriso para cumprimentar a gêmea, saindo do conversível em um pulo, sem se dar ao trabalho de abrir a porta.

- Fiz o que me pediu irmãzinha. Trouxe a sua Caçadora sã e salva para o acampamento.

- Você chama isso de sã e salva? - a deusa da caça apontou um dedo em riste para Lily que saía do carro com o rosto pálido e as pernas trêmulas, sendo prontamente amparada por Thalia.

- Ah, a gente se divertiu, não foi? - o deus voltou-se com um sorriso para a Caçadora que o fuzilou com o olhar. - Mas olha só quem eu vejo! Irmãzinha número dois! E aí? Quando é que você vai me ceder um pouco do seu tempo para outra aula de direção? - Thalia engoliu em seco e deu um sorriso sem graça para Apolo. Não subiria naquele carro nem que Zeus apontasse o raio mestre para a sua testa e a obrigasse.

- Um dia... Quem sabe. - saiu pela tangente, guiando Laurel até a sua barraca.

- Pena. - Apolo retornou para o carro em outro pulo. - Se precisar de mim de novo estou as ordens. - e com um sorriso, um girar de chave, um ronco de motor e uma acelerada, desapareceu da clareira em um estouro de luz.


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