Seven Years escrita por juliana


Capítulo 1
Um




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   A caneca de café esfriando ao seu lado. A luz do computador tocando seu rosto. O quarto de qualquer outro hotel. Sozinho com o silêncio.

   Sua rotina era a mais remota que poderia imaginar. Com certeza qualquer um que ouvisse “NASA” e soubesse que isso era parte do seu trabalho, explodiria em exaltação. Ele também o fizera, sete anos atrás. Um meio sorriso, cansado e não tão verdadeiro, aparecia apenas para levemente curvar seu lábio para cima, carregado de ironia. Não era mais tão excitante, se pensasse bem sobre isso. Era apenas seu emprego. Apenas sua vida.

   Os olhos pesados de cansaço tentando ler as letrinhas miúdas dos muitos e-mails que ainda tinha para ler, o frio do ar-condicionado que soprava bem acima de sua cabeça e os sons da cidade lá fora. Ele tirou seus óculos e esfregou os olhos que ardiam pelo esforço. Não estava com sono, dormira a viagem toda, era apenas desgaste de viver com o rosto enfiado na tela do computador. Voltou a olhar todos os e-mails não lidos que esperavam por ele enquanto ouvia o passar de carros, pessoas conversando longe, e música em algum lugar. A cidade o chamava, e ele fazia seu melhor para ignorar. Além de não gostar de passear quando estava em algum lugar a trabalho, aquele não era somente um lugar.

   O ar era familiar demais.

   Os dedos lentos e silenciosos tamborilando, teclando palavras preguiçosas no computador. Era o único som dali, fora a música da cidade lá fora, abafada pelo quarto fechado. O único som, até o vibrar escandaloso do celular em seu bolso. A mão alcançou-o, acordando o rapaz num todo. A tela brilhava muito mais do que a do computador, piscando a mensagem do velho amigo:

   Como vão as coisas por aí, Keith?

   Keith sorriu e respondeu:

    Tudo bem.

   Não sabia se era boa idea te mandar para Houston, mas é nosso melhor representante. Queria saber de você.

   A garganta apertara enquanto lia a mensagem, mas Keith já esperava por isso.

   Faz muito tempo, Shiro. Obrigado pela preocupação, mas estou bem. De verdade.

   Tudo bem, então, a resposta viera quase que de imediato. Te vejo em três dias.

   Dois, se der sorte. Não tenho tanto trabalho assim, termino esta noite com os e-mails e me encontro com o Dr. Simmons amanhã cedo.

   Keith ainda escutava o tentandor barulho de vida em todo lugar lá fora. E o computador brilhando a sua frente. Esfregou os olhos novamente.

   Keith, não, Shiro surgira no celular. Você tem mais tempo, aceite uma folga. Te conhecendo bem, aposto que ainda não comeu nada. Vá. Saia desse quarto e encontre um bom restaurante. Vá ver gente.

   Ele sorriu, já digitando de volta.

   Shiro, eu tenho 27 anos, o tempo de ter que te obedecer já passou. Eu sei o que faço.

   Ainda é o mais novo aqui, e se está trancado nesse quarto no escuro e com fome – como eu sei que está - , ainda não sabe o que faz. Vá, Keith. Você pode não acreditar, mas o trabalho pode esperar.

   Com isso, Shiro se despediu. Foi algo como: “Boa noite, até a volta. Saia desse quarto”. Keith largou o celular, já procurando seus sapatos e ajeitando a gravata que afrouxara mais cedo. A verdade é que ele já pensava em sair para ver a cidade. Fazia muito tempo desde que deixava Houston, a curiosidade tomava conta dele. Não voltara ali desde o tempo de seu pai e sua vida antes da Garrison.

   Antes de Voltron.

   Ele sacudiu a cabeça, como se assim pudesse afastar os pensamentos. Decidiu que não se entristeceria esta noite.

   O estômago roncou alto, deixando a fome falar mais alto que tais pensamentos. Sorte a dele.

                                                                      xXx

   A carne e salada de seu prato sumiram tão rápido que o garçom voltara em sua mesa mais de três vezes perguntando se ele queria mais alguma coisa. Pediu por uma xícara de café, pensando naquela que já estava fria em seu quarto de hotel.

   O restaurante era muito agradável, assim como o ar e o clima. Seu quarto era congelante, mas ali o vento soprava uma brisa fresca que combinava com a noite quente de verão que pairava sobre ele. As pessoas passavam pelas mesas, conversando e sorrindo. Bebendo brincalhonas. Keith então percebeu que o ar de felicidade se dava ao fato de que era uma sexta-feira, o dia de sair com os amigos e comemorar. Sinceramente, não era o dia favorito de Keith exatamente por isso. Ele gostava de sossego, e se tivesse se lembrado que dia era, pensaria duas vezes antes de sair do quarto. Aliás, quase nunca sabia que dia da semana era, pois vivia viajando por todo mundo. Era sempre um horário diferente, língua diferente, clima, cultura, comida, e dia. Não achava que valia a pena se esforçar para lembrar tudo. Sabia que não conseguiria.

   O garçom se aproximou outra vez, com seu café em mãos. Keith agradeceu e tomou a xícara, queimando as pontas de seus dedos, tão quente estava. Seus óculos embaçaram pela fumaça, obrigando-o a tirá-los.

   Keith limpava suas lentes com um guardanapo, quando uma voz cresceu atrás dele, o fazendo paralisar.

   - Keith?

   Ele ouviu seu nome chicotear em suas costas, como um dedo de gelo correndo por toda sua espinha. Encarava o nada a sua frente, querendo tanto virar-se para ver, mas ao mesmo tempo, não conseguia sequer mover os olhos.

   — Dios mío, Keith... É você mesmo?— a voz se aproximando, e quando percebeu, estava ao seu lado.

   Finalmente conseguiu. Keith moveu os olhos, seguindo o som tão familiar. E se podia ficar ainda mais paralisado e surpreso, ficou. Era ele. Mais velho, mais alto, menos sorridente, mas ele.

   Keith não podia acreditar. Seu estômago revirou e ele temeu que seu jantar voltasse todo em cima da mesa.

    Ele sentia os lábios tremendo, e mesmo assim, a voz veio com urgência:

   - Lance?

   Lance sorriu grandemente, e aqueceu Keith por dentro. Sua voz saíra mais como um suspiro, como se ele estivesse segurando a respiração durante todos esses anos.

   - Keith... – Lance entoou, ainda de pé, encarando-o. – Você não mudou nada.

   A voz era a mesma, apenas mais grave. O jeito que ele parara, apoiando a mão em uma das cadeiras, caramba até seu cheiro. Keith engolia em seco, tentando organizar os pensamentos.

   - Você... você também não mudou nada – ele finalmente conseguiu dizer.

   - Não diga isso. Espero ter mudado.

   Keith despertou por completo de seu transe ao ouvir a tristeza que pesara na resposta de Lance. Ele vestia uma blusa azul com as mangas arregaçadas e um relógio no pulso.

   - Será que eu poderia...? – ele perguntou, tocando na cadeira da frente.

   E Keith assentiu. Ou achava ter assentido. Era tão estranho. Sentia-se com 18 anos novamente, ele e Lance. Ao mesmo tempo, nada o lembrava da sensação de antes. Era muito esquisito. Nada da facilidade que era olhá-lo nos olhos, ali ele mal conseguia enxergar o azul neles.

    Lance se sentou, sem nunca desviar o olhar. Ele estudou o rosto de Keith por um tempo, e o rapaz sentiu as bochechas esquentarem em vermelho. Droga, exatamente como quando tinha seus 18 anos.

   - Você – Lance começou, em um suspiro baixo. – Usa óculos, agora. E tem uma barba.

   - Você também. Tem barba. Q-quer dizer, não sei se usa óculos, você não está usando agora. Eu precisei. Minha visão... Muito tempo com computadores. Meus olhos pifaram. Os seus não. Eles- Keith percebeu que atropelava suas próprias palavras, então se parou. – Desculpe.

   Em outros tempos, Lance estaria rindo do constrangimento de Keith, dizendo coisas sarcásticas que o deixavam com raiva. Mas quando olhou para frente, não foi isso que encontrou. Lance tinha os olhos pesados e ombros caídos. Um ar cansado sentava em seu peito.

   - Keith... Calma – seu tom era tão tranquilo que Keith não sabia dizer se era calmaria ou pura tristeza. – Sou só eu.

   Tristeza. Keith decidiu-se. Conhecia aquele tom bem demais.

   - Só você... – ponderou.

   Lance ofereceu um sorriso de lado, fraco mas sincero. Tinha uma nova cicatriz no queixo, Keith percebeu ao analisá-lo.

   - Mais velho e acabado. Mas sim, só eu.

   Keith franziu o cenho, em protesto. Lance tinha um ar abatido, sim, mas estava longe de parecer acabado. Keith até diria que os anos fizeram muito bem a Lance.

   - Você está... ótimo.

   Os olhos levantaram, estranhamente surpreso. Os dedos agitados batendo repetitivamente pela mesa, como se ele estivesse muito nervoso.

   - Você está ótimo – o tom da voz baixara. - Uau, eu nem acredito que já faz 7 anos que não te vejo.

   - É. Muito tempo – Keith sentiu um aperto na garganta.

   Lance deve ter percebido a mudança na postura de Keith, pois seus olhos voltaram
à mesa. Os dedos ainda tamborilando, e os lábios apertados, combinando com as sobrancelhas franzidas.

   - Keith... Eu senti tanto a sua falta.

   Na última palavra sua voz embargara. Isso fechou ainda mais a garganta de Keith, como se uma mão espremesse suas cordas vocais. Ele não conseguiu dizer nada, e Lance não olhava pra ele.

   - Todos os dias... – ele continuou, depois de um tempo. – Eu acordo, trabalho, volto pra casa... e o mesmo pensamento não sai da minha cabeça. Keith...

   Sua voz tremia. Keith sentia seu corpo tremer junto. Os dedos de Lance caminharam para frente, como se quisessem tocar nos de Keith. Ele não afastou a mão, também não a aproximou. Ele estava paralisado, apenas ouvindo e absorvendo.

   - Keith – Lance levantou o rosto, revelando olhos vermelhos. Ele chamava por Keith, aproximando os dedos. – Me perdoe.

   Sua voz vacilou, e Keith quis chorar. Ele se segurou, sentido a mão de Lance tão perto que exalava calor para os seus dedos.

   - Lance...

   - Keith, por favor. Eu esperei 7 anos pra te falar isso. Achei que nunca mais fosse te ver, eu... você sumiu— Keith abriu a boca para protestar, quando Lance rapidamente continuou: - e por minha culpa. Eu sei. Foi minha culpa. Keith... amor...

   Os olhos de Keith arderam com a lembrança. Amor. Ele estava tão confuso. Não sabia se a mágoa falaria mais alto do que a saudade que sentira daquele rosto. Ainda não processara bem o fato de que Lance estava ali na sua frente. Ele estava ali. Depois de 7 longos anos... e depois de tudo que aconteceu.

   Lance McClain voltara, e estava, finalmente, bem ali.


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Notas finais do capítulo

pam se gostar me fala que eu continuo postando pra voce ♥