Crônicas Contemporâneas dos Bruxos de Desterro escrita por Victor1428


Capítulo 1
O Mundo Mágico e os Bruxos




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Há muito tempo atrás, durante a Era Pagã da espécie humana, os animais hoje tidos como mitológicos, existiam em uma convivência até certo ponto harmônica com o homem. Muitos destes seres mágicos de índole mais pacífica se encantavam com os humanos e humanas; gerando seres metade humanos metade seres mágicos. Conhecidos à época como Mestiços, eram detentores de grandes poderes mágicos, sendo motivo de orgulho para qualquer família - nobre ou plebeia - ter um Mestiço na família.

Com o avanço da crença do Cristianismo e posteriormente com a caça às crenças pagãs, os seres mágicos sentindo-se acuados foram se afastando cada vez mais dos humanos até se tornarem as lendas hoje contadas em seus respectivos territórios. Os únicos a irem contra a maré foram os Mestiços, que simplesmente foram aumentando cada vez mais seus números, até que o inevitável ocorresse: a sua caça durante a Idade Média.

Conhecida popularmente como Caça às Bruxas da Santa Inquisição, esta operação paranoica perpetrada pela Igreja forçou a comunidade de Mestiços a partirem para o exílio. Conhecidos a partir de então como Bruxos e Bruxas, estes seres viveram escondidos da sociedade, em comunidades pequenas e abertas a indivíduos de qualquer linhagem.

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Nossa história começa nos dias atuais, em Florianópolis, a Ilha de Santa Catarina. A antiga Desterro. Assim como em qualquer comunidade mágica que reside num país, a comunidade de bruxos responde ao Conselho Bruxo da Ilha de Desterro (apesar de não possuir mais o nome de Desterro, Florianópolis possui uma população de Mestiços muito grande devido ao tamanho da ilha e estes sempre foram mais conservadores em certos pontos, como usar o nome antigo de sua terra natal).

No entanto, o foco da história cai sobre um grupo de jovens, que tropeçaram no Mundo Mágico por engano e acabaram por despertar sua Chama Mágica ou muito cedo ou forçadamente. O Destino descreveria aqueles sete como os Sete Que São Um.

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As garotas estavam se aprontando para a noite, se maquiando todas no closet de Débora - que parecia mais um quarto pequeno do que um closet - ao som da rádio, que estava passando uma lista das músicas mais pedidas pelos ouvintes, enquanto os garotos todos estavam no quarto de Carlos - irmão gêmeo de Débora - conversando de tudo um pouco, além de mexerem no computador, jogarem videogames variados e esperarem.

— Anda lodo Debby! - gritou Carlos para a irmã. - Vamos perder a sessão de cinema assim!

A reclamação foi feita para Débora, mas subentendida para as três garotas que estavam a se maquiar. 

— Nossa Debby, o Carlinhos não relaxa nunca? - perguntou Joana.

— Não... Ele acha que "passar um batonzinho e um lápis de olho já está de bom tamanho"... - respondeu a ruiva, bufando logo em seguida. - Mal sabe ele que se embelezar é uma arte. Estamos nos mostrando como ficamos ainda mais bonitas maquiadas do que sem uma base sequer.

— Homens... - comentou Yumi. - Eu posso ter todos os problemas por ter nascido garota, mas prefiro mil vezes isso tudo - gesticulou para a mesa de maquiagem da amiga - do que ter nascido um garoto e querer usar e acabar sendo repreendido por isso.

Débora e Joana riram da "filosofia" da amiga, já que esta não passava um dia sem lançar uma frase que mostrasse mais de si e seus pensamentos. Quando o irmão estava para reclamar pela quarta vez, Débora gritou ainda mais alto que o rádio:

— JÁ ESTAMOS ACABANDO CARLINHOS! RELAXA! - Débora ficava vermelha com facilidade, mas como um tomate somente em duas situações: quando abusava do sol ou quando discutia com o irmão gêmeo.

No outro quarto, os outros três garotos riam como crianças quando Carlos foi repreendido pela irmã aos berros, ficando tão vermelho quanto ela (embora não soubesse sobre isso). Os dois gêmeos tinham a mesma cabeleira ruiva avermelhada, intensa; além de também ficarem vermelhos muito facilmente e se tingirem como tomates nas mesmas ocasiões.

Finalmente prontas, as meninas foram ao quarto de Carlos, vestidas em roupas deslumbrantes: Yumi vestia uma roupa simples, mas que realçava seus traços delicados. Nada além de uma calça jeans vermelha e uma camisa amarelo clara com a estampa de galhos de árvores florescendo (seu tema favorito) calçando um par de sapatos carmesim de salto médio. O rosto, de pele clara parecida com porcelana, foi maquiado com sutileza para salientar os lábios, as maçãs do rosto e os olhos. Os longos cabelos negros foram presos num coque duplo.

Joana mostrava-se mais ousada: mesmo sendo um encontro com todos os quatro casais, ela destoava com os tons escuros das roupas. Os cabelos sempre deixados soltos e a maquiagem apenas para mostrar esse lado mais "dark de sua alma”. Nunca se separava dos seus coturnos de couro. O único colorido era a mecha platinada no lado direito da franja. Felipe, o namorado, a chamava de Vampira, como nos X-men.

Débora era a "modelo" do grupo: com um vestido cor de pérola, colava em seu corpo para realçar as curvas, além de ter a habilidade quase inata de saber qual a maquiagem certa para usar com cada roupa, além dos sapatos num tom levemente mais escuro que o vestido. Parecia uma princesa recém-saída das telas da Disney.

Os garotos, em contraparte, vestiam quase que da mesma maneira: calças jeans recém passadas, o cabelo bem arrumado e a barba bem  aparada. Todos vestiam camisas sociais, de cores diferentes e tamanhos distintos, uma vez que Carlos era o mais "sarado" dos quatro e Guilherme o mais "magrelo". Vendo-os assim, Yumi corou, realçando o blush ainda mais: o namorado sempre passava essa aura de herói de filmes de ação que podia pular na sua frente no momento exato para tomar um tiro por ela. Às vezes se detestava quando queria poder passar a imagem de mais corajosa ou forte.

— Alô? Tá me ouvindo Yumi? - perguntou Carlos com receio. – Foi algo que disse? Eu só falei que você fica linda mesmo se estivesse de mendiga... Não quis te ofender amor...

E ela caiu na própria armadilha: se tinha algo em Carlos que Yumi amava eram seus olhos de esmeralda. Quando se encararam ela só conseguiu resmungar um "Não me ofendi com nada... Você tá bonito..."

Todos no quarto viram o casal corar mais um pouco e então, Habib quebrou o gelo:

— Então Guilherme, - embora nascido no Iraque e se refugiado no Brasil com os pais aos onze anos, Habib falava um português fluente mesmo com um leve sotaque - a Cláudia não vem?

— Eu conversei com ela hoje cedo e ela disse que tinha uns assuntos da família para resolver, mas que nos encontrava lá no cinema. Só confirmando, vamos todos ver o Deadpool, certo? Não quero fazer ela comprar oito ingressos errados.

— Sim, combinamos essa ida já tem tempo e pode avisar que já vamos sair daqui a o que? Cinco minutos? - levantou a questão Felipe.

— Sim. Cinco minutos. - confirmaram Carlos e Débora ao mesmo tempo.

— Você sabe que eu odeio quando fazemos isso, certo? - perguntou Débora envergonhada.

— Que pena para você, pois eu a-do-ro isso. - respondeu Carlos salientando o "adoro".

— Pronto. Mensagem mandada para a Cláudia.

— Certo, vamos eu, a Yumi e a Debby no meu carro-

— Nosso carro, Carlos. - cortou Débora - A mãe e o pai foram claros que pelos menos alguma coisa nós dois íamos ter que aprender a dividir por um tempo.

— Mas enquanto eu dirijo porque você já reprovou três vezes e ainda não tem carteira, o carro "é meu", entendeu?

— Isso é golpe baixo... - comentou Joana com um sorriso de canto de boca.

— Duvido... - retrucou o namorado, Felipe. - Golpe baixo está mais para um belo chute naquele lugar.

— Também, mas ele está praticamente esfregando a CNH na cara da irmã... - contrapôs Joana 

— Você ganhou desta vez Vampira... - comentou Felipe, aceitando os argumentos da namorada.

Enquanto os gêmeos discutiam em voz baixa, os outros comentavam como iam:

— Então vão vocês dois – Guilherme apontou para a Joana e Felipe.  – Eu posso ir com a Debby e o Habib, já que o cabeçudo do Carlos tocou numa certa ferida de alguém e eu vim de carona com o Habib.

— Tá bem ficar de vela? - perguntou Habib. Dentre todos os sete, era o que mais se preocupava com os amigos, uma vez que as marcas da Guerra do Iraque o deixaram com saudades de casa e dos amigos.

— Relaxa... - respondeu Guilherme. - A Cláudia foi de carro e pode me dar a carona na volta.

— Falando nisso, por que você veio com o Habib, Gui? - perguntou Joana curiosa.

— Revisão dos dez mil quilômetros. - Guilherme viu que os gêmeos se acalmaram. Yumi parecia ser a única que acalmava quando aqueles dois resolviam soltar os cachorros um para cima do outro. - Deus do céu... a cada dia que passa eu estou cada vez mais convencido de que a Yumi é uma ninja infiltrada do governo japonês.

Entendendo a deixa, Habib repete a divisão feita por Guilherme para os gêmeos - que aceitaram de muito bom grado - e foram cada um para seus respectivos carros. A viagem até o shopping foi curta, já que pegaram a sessão noturna do filme e aos fins de semana a cidade praticamente para. Encontraram Cláudia esperando-os na frente do cinema.

Dentre todos os que formavam os casais, ela era a mais velha - tinha vinte e seis anos, enquanto que os outros sete iam do dezenove aos vinte e um anos - mas não deixava nada para as namoradas dos amigos de Guilherme: de estatura alta, atlética e pele bronzeada, parecia uma modelo, com os cabelos louros caindo em cachos suaves até o meio das costas e; mesmo vestida casualmente, parecia intimidante para as três recém-conhecidas e uma gata para os três amigos do namorado. Cumprimentaram-se, deu um beijo em Guilherme e distribuiu os ingressos.

— Nossa, os melhores lugares possíveis: no meio da sala! - exclamou Felipe em felicidade - Muito boa Cláudia!

— De nada Felipe. O difícil foi convencer o mala que queria comprar os ingressos de mim quase à força. Por sorte o segurança o mandou embora.

— Quem era o babaca? - era raro ver Guilherme se irritar com algo, mas aquilo pareceu irritá-lo mais que os comentários de que Cláudia era pedófila ou que Guilherme só dava “uns pegas nas velhacas".

— Ninguém com quem se preocupar... - disse Cláudia enquanto segurava o rosto do namorado pela ponta do queixo, bem próxima, quase se beijando. Os sete ficaram levemente envergonhados, mas agora, depois de alguns meses, tinham finalmente se acostumado com este meio assustadoramente sexy de agir da namorada de Guilherme.

Compraram o que cada um queria comer e beber durante a sessão e foram então assistir ao filme. Passado o tempo, saíram de lá sorrindo com as cenas de comédia carregadas de humor que ia do pastelão ao humor negro. Quando chegaram ao guichê para pagar o estacionamento, notaram que um cara, vestido num casaca com capuz os observava de um canto da pilastra meio escura. Achando apenas que era mais um tipo esquisitão, deram pouca atenção para ele e foram para as vagas onde estavam os carros.

No meio do caminho, Cláudia comenta:

— Sinto muito mesmo por não poder ir com vocês à festa de aniversário, mas eu tenho uma pilha de coisas do trabalho para fazer, além de revisar a minha tese. Desculpem-me, ok? - ela disse aquelas palavras num tom tão doce que era quase palpável de se sentir a doçura no ar. Todos acabaram por entender o ocorrido e deram boa sorte, exceto por Guilherme, que já conversara com ela sobre o ocorrido.

— Ei, encontro vocês lá na festa, ok? - entendendo que queria um tempo a sós com a namorada, o grupo se despede do casal e dão um "até logo" para o rapaz.

— Eles são muito simpáticos. - comentou Cláudia, enquanto iam para o último andar da garagem, onde estava o seu carro. - A maioria dos garotos da idade deles fica me olhando como se eu fosse o premio máximo para ganhar a disputa de melhor namorada...

— Mas você é, Sif... - Guilherme era um leitor de mitologia voraz e quando começaram a namorar, deu o apelido de Sif à namorada, uma vez que a deusa nórdica era conhecida pelos cabelos longos e dourados. Além disso, só a chamava assim quando estavam sozinhos. - Nunca tive que me preocupar com nada em relação a você comparando às minhas ex-namoradas... Sua confiança de que ninguém pode derrubá-la do pedestal de Rainha da Beleza é como uma advertência para não brincarem com fogo a não ser que queiram ser queimados.

E naquele elevador, enquanto sozinhos, Cláudia o abraça e ambos trocam beijos apaixonados até ouvirem o som do elevador chegar no andar do seu carro. Saíram de mãos dadas e com um sorriso estampado em ambos os rostos. Somente quando estavam a uma vaga de distância do carro de Cláudia que notaram a mesma figura encasacada de antes. Mais por instinto que por qualquer coisa, Guilherme se põe à frente da namorada, numa pose protetora.

— Saia garoto. - a voz do homem era de um adulto, mas nem grave nem muito suave. - Está me atrapalhando. E você, saia detrás do moleque.

— O que você quer com a Cláudia?! - irrompeu Guilherme - Se quiser tocar nela, terá de passar por mim antes!

— Belas palavras... - o homem deu um passo, colocando a mão direita dentro do casaco. O casal viu um brilho esverdeado e uma espada de lâmina verde foi sacada, fazendo-os recuar um passo. - Pena, queria muito que um garoto com uma Chama como a sua não fosse pego... Mas nem sempre temos o que queremos.

O homem misterioso desapareceu e na mesma velocidade em que desapareceu ele reaparece nas costas de Cláudia. Sem tempo perdido, ele empala a belíssima mulher na altura da caixa torácica. A lâmina estava para alcançar o crânio de Guilherme quando uma segunda figura aparece e detém a espada com a uma mão nua enquanto mantém o garoto seguro atrás de si.

O segundo homem que apareceu tinha quase as mesmas roupas que o primeiro, exceto que seu manto era branco com detalhes em verde na barra, no cinto e na barra das mangas. Por seu porte, parecia tão, senão mais forte que Carlos, pensou Guilherme. Tinha o cabelo negro, curto, os olhos castanhos escuros e a pela clara.

— Victor, seu maldito! O que você faz aqui?! - praguejou e perguntou o primeiro homem.

— Caçador, você, melhor que ninguém deve saber que eu sou o Protetor desta região, em específico em Desterro. - respondeu o tal Victor com um sorriso de canto de boca, que logo sumiu para uma expressão mais séria e assustadora. - Quem deveria perguntar era eu e o porquê de matar esta sucubus tão repentinamente. Quem te mandou?

— Vejo que mesmo carregando uma lâmina esmeralda você não se machuca nem um pouco...

— E vejo que sua Facção Negra se esquece com regularidade que eu tenho a natureza da terra como natureza primária. - o tal Victor dá um sorriso com a resposta na expressão do Caçador.

Victor dá um empurrão na espada enquanto puxa o corpo da sucubus para si. Ambos os homens encaram um ao outro com desejo de sangue e o tal Caçador limpa a espada e comenta:

— Conte isso como um golpe de sorte garoto... - falou enquanto apontava para Guilherme. Este achou que era com o Victor, mas o tal Victor estava agachado ao lado do corpo de Cláudia. A camiseta verde ia cada vez mais escurecendo com o sangue que extravasava. - Na próxima, você e seus amigos podem não ter um Protetor nas redondezas para livrar os seus pescocinhos.

E o Caçador sumiu num pequeno vendaval negro, como pó. Guilherme se lembrou do ferimento sério da namorada e foi vê-la. O segundo homem, o Victor, estava com as mãos, em cima da ferida, brilhando: uma num brilho branco e a outra num brilho vermelho. O ferimento fechou, o sangue parecia fluir de volta para o corpo de Cláudia e a vida voltava aos seus olhos.

Ela piscou e sentou-se. Nunca pensou que seria salva por ele, mas este pensamento foi arrancado da sua cabeça quando o jovem namorado a beijou e a abraçou com força enquanto chorava. Pega de surpresa, apenas retribui o abraço e pede que a ajude a se levantar.

— Tem certeza, Leranna? - perguntou Victor.

— Do que chamou a Cláudia? - perguntou Guilherme. Ele tinha notado a expressão de raiva dela quando a chamou por aquele nome

— Leranna. - repetiu Victor, conciso. - Ela é uma sucubus e esse é o seu nome verdadeiro. Cláudia... Bem diferente do seu último. Qual foi mesmo? Gabriela?

— Não, este foi o da minha irmã. Eu não me apresento entre os mortais com o nome falso tem muito tempo... O último que usei foi Galatea.

— Claro... - respondeu quase como um robô. - Desculpe fazê-la lembrar dela.

— Tudo bem. Você me salvou da morte. Posso dar este abono.

— Algum dos dois pode me dizer o que raios está acontecendo aqui?

— Antes de dar satisfações a você garoto, onde que seus amigos estão? - Victor perguntou direto, sem meias palavras.

— Numa festa de aniversário, de um amigo em comum de nós, da faculdade. - respondeu Guilherme sem conseguir mentir.

O casal olha o homem fechar os olhos por uns míseros segundos e logo que abriu, faz aparecerem dois cartões. Um, que era um cartão de visitas, foi dado a Guilherme. O outro, que parecia mais um cartão de acesso, dado a Cláudia.

— Vocês dois... Hoje não é um dia seguro para ambos. Vá para a Fundação e apresente o Cartão na entrada, Leranna. Eles, por conta do Código, serão obrigados a recebê-los por 48 horas como refugiados. - explicou Victor. - Você, rapaz, não saia do lado dela, aconteça o que acontecer. Sua Chama foi desperta pelo Caçador, mas seus poderes ainda não foram sequer descobertos. Você é um perigo mais para si mesmo do que para os outros.

— Certo... Mas e quanto aos meus amigos? - perguntou Guilherme - O cara esquisito comentou sobre eles. Há essa hora já devem ter chegado à festa.

Victor bufou de raiva com a situação e começa a tecer um plano para a situação:

— Diga-me onde é esta festa de aniversário, quantos anos completará, o nome do seu amigo e mais ou menos quantas pessoas irão.

— O nosso amigo é o Bernardo. Ele vai comemorar o vigésimo primeiro aniversário no norte da ilha, na casa de praia no Jurerê Internacional. Quanto ao número de pessoas, na rede social ele criou um evento e umas oitenta pessoas confirmaram... Mas geralmente mal vai metade...

— Façam o que eu falei e até às... - ele consultou o relógio - Três da manhã eu trago eles à Fundação. O número dos meus aposentos é 1428. Agora vão. O tempo é curto.

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A viagem dos três carros até a casa branca colorida pelos canhões de luzes no jardim foi rápida. Eram por volta das dez horas da noite. A festa do amigo deles, Bernardo, começara fazia apenas uma hora. Então, tinham ainda uma boa noitada a seguir festejando. Bernardo era filho de empresários muito bem sucedidos na área de tecnologia de computadores. Seus pais ficaram orgulhosos quando passou no vestibular para engenharia. Conversaram e muito com o filho mais novo e deram a festa dos sonhos para ele quando comemoraria o 21º aniversário, quando seria considerado um adulto pelo sistema judicial.

Tinham contratado uma empresa de serviços para a preparação da festa no quesito da comida de boa qualidade servida, das bebidas servidas e, é claro, da diversão à parte levada pelo DJ contratado. Parecia uma balada miniaturizada misturada com baile de formatura.

Carlos, Débora, Felipe, Habib, Joana e Yumi chegaram exatamente às dez e dez, conseguindo três vagas bem próximas da casa do amigo. Desceram todos dos carros e não notando sequer a sombra do carro de Cláudia, Habib levanta a questão:

— Algum de vocês viu a Cláudia nos ultrapassar?

— Agora que você comentou, não... E ela tinha estacionado no último andar da garagem. - respondeu Débora. - Então, em teoria, ela não deveria chegar antes de nós.

— Será que teve algum acidente? - perguntou Felipe.

— Ai, morde essa língua Felipe. - repreendeu Yumi. - Que coisa horrorosa de se pensar.

— O que você está fazendo Carlinhos? - perguntou a irmã, vendo o irmão com o celular na mão.

— Simples: se não sabe onde ele está, ligue.

— Grosso... Podia ter respondido com mais educação.

— Alô, Gui? - perguntou Carlos quando o outro lado da linha foi atendido. - Onde você está? Já era para estar chegando e não vemos nem a sombra do carro da Cláudia.

— Foi mal... não consegui avisar, mas teve um acidente aqui na SC, na altura do João Paulo e a coisa tá tão feia que eu acho que vai demorar demais... Não vou poder chegar a tempo... foi mal e manda minhas desculpas para todos aí. A gente se vê. Tchau.

— Tchau. - respondeu Carlos, guardando o telefone.

— O que foi? - perguntou Yumi preocupada.

— Teve um acidente sim, mas eles foram pegos no engarrafamento no João Paulo. Vai demorar então ele achou melhor ir para casa.

— Sei... - disse Felipe, com um tom meio brincalhão na voz.

— O que foi? - perguntou Joana. - Acha que ele foi fazer outra coisa.

— Bem, tendo aquela gostosa como namorada, eu bem que iria para a casa dela ter certo contato mais íntimo com ela. - ele olhou para todos com um olhar subentendido. - Se é que vocês me entendem.

— De fato, ela é linda. - comentou Débora. - Eu ia me admirar se eles nunca tivessem transado uma vez sequer.

— Debby! - comentou Yumi, corada.

— O que foi? Você e o meu irmão nunca "fizeram amor"?

Yumi ficou ainda mais vermelha, até que uma luz forte a salvou de ter que responder à amiga.

Era um carro preto, moderno, com filtro nos vidros. Saíram de dentro dele quatro homens. Um deles - provavelmente o chefe - vestia um casaco, sobretudo branco com detalhes em verde. Era alto, forte, com o cabelo negro, olhos castanhos escuros e a pele clara. Os outros três pareciam quase que cópias uns dos outros: pele morena, cabelo negro, olhos cor de mel e um sobretudo marrom, além de serem bem fortes.

— Vocês são Joana, Felipe, Habib, Débora, Yumi e Carlos? - perguntou o homem de branco.

— E se formos. - perguntou Carlos, se colocando à frente do grupo. - Vai fazer alguma coisa?

— Venham conosco. Vocês correm grande perigo e ficar aqui, em terreno aberto é praticamente pedir para serem atacados. - respondeu o homem, curto e grosso.

— Escuta aqui seu babaca metido, - Carlos dá um passo à frente e cutuca o peitoral do homem. - acha que vamos fazer isso porque você deu uma de agente federal dos EUA? Por favor... - e tentou empurrar o homem com uma mão.

— Pode tentar à noite toda, mas não vai conseguir me tirar daqui. - comentou o homem - E ainda por cima, nenhum de vocês me respondeu.

— Si-sim, esses são os nossos nomes. - afirmou Yumi.

— Amor! - repreendeu Carlos. - Vai simplesmente ajudar um maluco que vai nos sequestrar para fazer qualquer merda e desovar os corpos mais tarde?!

— Vejo que você possui muita descrença na bondade da própria espécie. É desconfiado e teme ser apunhalado pelas costas como foi no passado, por alguém muito querido por você, certo? - perguntou o homem de branco, sorrindo de canto de boca, provocando o rapaz.

— Segure as minhas coisas - disse Carlos ao passar o celular, a carteira e as chaves do carro para a irmã. - Esse babaca vai aprender a respeitar os outros.

Carlos, versado em artes marciais, em específico no kung fu shaolin firmou uma base segura e esperou que o cara esquisito atacasse. O homem de branco ficou apenas olhando, perecia analisar o garoto.

— Capitão, o senhor tem de levá-los à Fundação o mais cedo possível. - comenta um dos três de marrom. - Recebemos uma mensagem do Q.G. de que o casal chegou em segurança.

— Certo. Não vai demorar nem cinco minutos.

Carlos tinha o pavio meio curto quando o atiçavam demais e aquele cara estanho, com poucas palavras o tirou do sério.

— Kung fu shaolin, estilo da pantera negra. - comentou o homem de branco. - Você deve ter sorte. Achar um Mestre deste estilo é raro por aqui. Vou recompensar com um estilo à altura.

O homem toma a sua base e fala:

— Estilo do Dragão, Elemento Terra. - seu rosto era um quadro impossível de se ler a expressão. - Pode vir quando quiser.

Carlos avançou com ferocidade e acabou preso numa chave de braço invertida. O homem vai até ao seu pé de ouvido e comenta:

— Nunca te ensinaram a não atacar seus inimigos com raiva. Ela deixa os seus sentidos embotados e não consegue ver o que está acontecendo.

O homem de branco liberou Carlos e perguntou:

— Deu? Podemos ir todos agora ou eu vou ter que te apagar e levá-los na marra?

Carlos deu um grito - que não foi ouvido por ninguém na festa por causa da música - e investiu como um touro desembestado.

— Tolo ignorante... - o homem simplesmente deu um passo para o lado e deu um pontapé na perna de Carlos, fazendo-o cair na rua. Aproveitando que estava no chão, juntou os pulsos dele com a mão esquerda e com a direita puxou um punhal de aspecto letal, deixando-o a uns dois centímetros da jugular de Carlos. - Deu? Ou você quer morrer? Vamos indo? Podem deixar os carros com meus homens. Eles levarão seguindo o meu.

— Mas assim seremos sete, contando com você. - comentou Yumi.

— E?

— Não tem como caber sete pessoas num carro, mesmo que seja um carro espaçoso como o seu. - explicou Habib.

— Eu tenho um truque ou dois. Vamos. - ele ergue Carlos, enquanto prende seus pulsos como se fosse um procurado e amordaça-o. - Não quero um escandaloso aos berros no meu carro. Vamos. Vocês três, iremos para a base em Santo Antônio de Lisboa. Quanto aos jovens, o último a entrar é o nervosinho aqui.

A viagem foi rápida e até certo ponto calma. Pararam no estacionamento de um prédio velho, entregue às baratas. Débora estava para reclamar quando sentiram o chão tremer e descerem como num elevador. Viram o interior do mecanismo que os descia e sustentava. Após descerem o equivalente a três andares, o grupo viu o quão espaçoso e grande eram aquelas instalações. Era uma mistura de misticismo e modernidade: aquilo que a tecnologia não podia fazer era auxiliado pela magia. E aparentemente, vice-versa. Chegando ao andar o homem falou ao grupo:

— Desçam. - o tom da sua voz não era de raiva por conhecê-los, mas sim por algo mais profundo.

Quando o grupo desceu (com Carlos já desamarrado), Yumi chamou atenção para uma placa de metal com os mesmo temas do sobretudo do homem. Lia-se "Capitão da Divisão da Terra, Victor". Todos acharam aquilo estranho, mas não comentaram nada sobre, já que o homem de branco não deu uma brecha para conversarem. Andando por mais alguns metros, o grupo entra num elevador que acaba indo até uma sala com o mesmo símbolo que - acabando de notarem - era o mesmo que nas costas do homem. Ele abre a porta, para uma sala com uma mesa longa. Senta-se na cabeceira e oferece os acentos restantes para os jovens.

— Acho que pelo que notaram no estacionamento, ao saírem do carro, é o meu nome. - falou o homem, confirmando o que eles esperavam: ele era o tal Victor. - O amigo de vocês, Guilherme, se encontra em segurança, junto da namorada. Vamos apenas esperar pela autorização de deslocamento daqui até o Q.G.

Todos estavam em silêncio mórbido, até que Habib comentou:

— Por que esperar? Perigo no meio da estrada?

O homem, Victor, encara-o profundamente, deixando-o constrangido, mas com algo mais do que a sensação de constrangimento.

— Não. - responde da mesma maneira concisa com a qual falou com o grupo quando se conheceram há nem uma hora atrás. - Apenas preparando o portal até o Q.G., senhor Hayek.

Todos olharam com surpresa, mas ele apenas comenta:

— Você devia tomar cuidado com os seus documentos... - Victor balançava a carteira de motorista como um leque - Se caísse nas mãos erradas poderíamos ter um ou dois problemas.

E passa a carteira para o garoto. Nem mesmo um minuto depois, um dos três homens que acompanhavam Victor apareceu e sussurrou algo em seu ouvido, deixando a sala tão subitamente quanto chegou. Sua reação foi cruzar os dedos das mãos, apoiar o queixo nas mãos e pensar profundamente com os olhos fechados. Parecia preocupado com algo. Quando Habib ia lhe fazer outra pergunta, Victor abre os olhos e se dirige a todos:

— Vamos, o portal para o nosso Q.G. está pronto e temos que partir o mais cedo possível. - havia tensão em sua voz. - Afinal, seu amigo, Guilherme está fazendo certa bagunça lá.

Os seis levaram um susto com a informação sobre o amigo: era ao mesmo tempo vaga e inesperada.

— O que você quer dizer com isso? - perguntou Carlos. Pela voz; podia-se ver que ainda se ressentia pela humilhação mais cedo. - Ei, me responde!

Imobilizando-o na parede e encostando o mesmo punhal na garganta do jovem, Victor responde num tom de voz mais assustador que já tinham visto:

— Mais uma vez que se dirigir a mim deste jeito e eu vou fazer você desaparecer da face da Terra. A bagunça que o seu amigo está fazendo é mais interessante  de se mostrar do que falar. - ele solta Carlos e dá um único comando. - Venham.

Encurralados, seguiram-no até uma sala, cheia de pedras coloridas num painel (semelhante a um teclado) e todas as quatro paredes, o chão e o teto marcados com símbolos estranhos, formando círculos concêntricos. Quando Felipe, o último da fila a entrar, todos os seis foram tomados por uma pressão sobre os corpos que começaram a arfar para conseguirem um mínimo de ar, similar a um ataque de asma em grupo.

— Desculpem, esqueci que as suas Chamas estão adormecidas ainda. - Victor se vira para um homem corpulento sentado do lado do painel e fala. - Protheus, filtre minha Força Mágica até um nível que possam respirar decentemente. Estamos para ir para a primeira experiência deles com magia e mesmo assim não devemos ser descuidados.

O tal Protheus apertou e girou uma sequência de pedras até que os seis conseguissem respirar normalmente. Parecia que tinham removido blocos e mais blocos de granito de cima de seus pulmões. Esperava mais uma ordem de Victor, parecendo quase um robô.

— Bem, agora que estão todos mais confortáveis, vamos ao que interessa: Protheus prepare o teleporte para o Q.G.

O homem anuiu e girou um complexo padrão e ritmo de pedras até que os círculos mais externos fossem acesos. Victor vai até o centro e chama pelos garotos. Os seis vão e ele simplesmente fala para Protheus:

— Quando quiser Protheus. E por favor, mande o meu carro e os carros deles mais tarde, quando receber a notícia de que o Q.G. está seguro. - e novamente o homem apenas anuiu sem dar um chiado sequer.

Incapaz de se conter, Joana pergunta:

— Por que ele não te responde nada?

— Ele é um teleporter. Um Mestiço que escolheu viver numa dimensão separada do Plano Material e poder, assim, ser um bruxo capaz de dominar com perfeição as magias de Teleporte. - a explicação, embora cheia de informações e bem explicativa, ainda deixou um vazio no interesse da garota. - Para que você saiba: se almeja tal poder, você teria que abrir mão da sua visão e da sua fala, além de cortar a língua e viver confinada em salas-dimensões como esta em que estamos.

— Então, do que ele se alimenta?

— Energia mágica. Ele serve de receptáculo entre as runas marcadas no chão e o painel. E a energia que ele consome vem desta dimensão, embora ele tenha um estoque de cristais de magia solidificada para emergências ou grandes magias de teleporte. - ele deu um sorriso de diversão com a expressão de Joana, algo que pegou a todos de surpresa e pergunta. - Matei toda a sua curiosidade sobre um teleporter?

— Sim. - via-se um brilho de desejo por novos conhecimentos na mente da garota: dentre todos os sete amigos, era, desde o ensino fundamental, a mais estudiosa e ávida por novos conhecimentos.

— Preparem-se... - alertou Victor ao ver o teleporter dar a contagem regressiva. - A primeira vez pode ser muito estranha e intensa para todos.

E o chão brilhou em sete cores distintas, levando os sete por um turbilhão de cores, sensações, imagens e linhas temporais. Quando chegaram à sala de teletransporte do Q.G., os setes jovens simplesmente não conseguiram segurar a overdose de estímulos e sensações e vomitaram todos ali mesmo.

— Hum, vejo que tem novatos com você Victor. - disse uma voz feminina num tom leve de reprovação. - Você sabe que eu odeio quando você traz novatos para cá, ainda mais na minha sala.

— Você é uma teleporter que fala? - indagou Joana.

— Sim, menina tola. - respondeu secamente a, agora notada, idosa. - Cortar a língua é apenas um dos meios de se tornar um. Eu escolhi perder o olfato e a visão. Assim, posso ter uma acuidade com as coordenadas místicas maior que o normal.

Todos notaram a expressão de Victor, surpreso com algo que acontecia fora da sala.

— O que está acontecendo lá fora Fariah?

— Ah, essa bagunça? Parece que uma sucubus e um Mestiço refugiados arranjaram confusão com o grupo do Capitão Herrero.

— Merda! - praguejou Victor. Foi de supetão à porta para ser barrado.

— Você conhece as regras Victor: qualquer um que seja pego com objetos de um membro da Fundação está fadado à morte, além de que esta foi à primeira vez deles. Se eu abrir esta porta, eles podem morrer. Espere só mais cinco minut-

A idosa se calou, notando o olhar assassino de Victor. Ele disse num tom lento e carregado de ameaça:

— Levante a barreira de proteção ao redor deles e abra esta porta se você sabe o que é bom para a sua saúde. Ou quer perder mais um sentido?

— Está louco?! Eu me recuso!

— Escute aqui sua deformada de merda e imunda, sou um dos Sete Capitães de Desterro e isto foi uma ordem. Ou será que você ficaria mais acurada se perdesse a língua e a fala? - perguntou ele enquanto sacava o mesmo punhal.

Fariah, temendo perder mais do que o homem ameaçava, fez o ordenado e, antes de sair, Victor se dirigiu para o grupo:

— Nem pensem em sair daqui. - e depois se virou para Fariah. - E quanto a você, velhota, faça algo e esta será a sua última noite viva.

E ele saiu apressado pela porta, como um raio.

+ + + + +

Antes disso.

Quando deixados no estacionamento do shopping, Leranna/ Cláudia e Guilherme ficaram surpresos com a situação como um todo. A bela mulher mais do que o jovem: ser empalada e salva por um bruxo, um Mestiço, não estava no topo de sua lista de coisas a se esperar num fim de semana com o namorado.

— Hum, então, vamos fazer o que o cara esquisito disse ou não, Sif? - perguntou Guilherme, usando o apelido, já que não sabia como chamar a namorada.

— As coisas parecem sérias. - ela o respondeu calmamente, ainda que mantivesse a mão sobre a ferida, com receio de que fosse atacada novamente. - Acho melhor fazer.

Entraram no carro e ele pôde ver a namorada dolorida demais para dirigir. Querendo ser prestativo, foi carinhosamente se aproximando dela e perguntou:

— Sif, não quer que eu dirija? Você parece muito machucada.

— Deixe de besteira Guilherme... - ele notou que não o chamou por "Gui" - O tal Q.G. que ele falou é aqui perto. Falando nisso, caso os outros liguem, dê a desculpa de que fomos pegos num engarrafamento por causa de uma batida no João Paulo. Aquele bairro tem acidentes direto.

— Certo, mas não se esforce demais... Tenho medo de te perder... - havia angústia e medo profundos na sua voz. Nunca mostrara aos amigos que chorava com medo de verem esse seu lado mais meigo. Isto era reflexo do modo machista que a família do pai cobrava dele, já que era o único nascido homem entre as diversas primas.

Agradecida com o carinho que o namorado dava, resolveu retribuir com um beijo apaixonado antes de partirem para o Q.G. da Fundação. Numa viagem curta, de nem cinco minutos, já chegavam aos portões da Fundação, em seu Q.G. Um dos guardas de plantão foi até a janela do carro e fez as perguntas que deveriam ser de protocolo:

— Boa noite senhora, senhor. Posso ver as suas identidades?

— Claro. - respondeu Leranna/ Cláudia, com muita doçura na voz. - Aqui, um cartão de acesso para uma criatura mágica e um Mestiço que pedem refúgio da Facção Negra. - disse ela entregando o cartão que o tal Victor lhe deu.

— Pela touca do saçi! - exclamou o primeiro guarda. - Petkov!

— O que é Oliveira? - perguntou o segundo guarda.

— Isto: um cartão de acesso para refúgio entregue pelo Capitão Victor!

O guarda Petkov xingou em russo algo provavelmente algo que seria repreendido por qualquer um. Guilherme estava achando que seriam barrados nos portões e entregues à sorte... Mas a resposta dos guardas se deu em um gesto: abrir os protões e permitir o acesso do carro. Quando estavam para cruzá-los, o guarda Oliveira só comenta:

— Sugiro que vocês dois vão direto para os aposentos do Capitão Victor. Hoje é o dia do Capitão Herrero de guardar o Q.G. Acho que você já sabe o caminho, certo?

— Sim, obrigada.

Guilherme notou a careta de descontentamento de Leranna/ Cláudia ao ouvir o nome Herrero. Curioso, acabou perguntando:

— Quem é esse tal Herrero?

Ela demorou um pouco a responder, fingindo que tinha de se concentrar para manobrar o carro.

— Herrero é outro Capitão, assim como o Victor. - ela notou que não respondera a pergunta. - Herrero e Victor se misturam tão bem quanto água e óleo. Ambos têm a mesma patente, mas Herrero não suporta os métodos do Victor, além de seu modo de ver o mundo e sobre certa questão entre os dois que, pelo olhar do Herrero, foi muito mal resolvida.

— Imagino que o tal Herrero seja mais intolerante.

— Por aí. - ela parou o carro e antes de descer, puxou Guilherme para uma conversa. - Agora, preste atenção, certo? Enquanto estamos em Refúgio, NÃO pise fora da linha, NÃO me defenda e NÃO mencione o Victor de qualquer maneira. Por possuir uma patente relativamente alta, Herrero acha que enquanto ele está no comando da Guarda da Fundação, todos devem seguir seu modo fascista de ver o mundo.

"Você verá que não sou muito bem vinda aqui, mesmo sendo pacífica como sou e pedindo Refúgio e com o Código fazendo-os nos aceitarem. Sei que você acha injusto, mas a humanidade sempre foi intolerante, antes, durante e depois da Era Pagã. Agora vamos logo para os aposentos dele."

E o casal seguiu de cabeças baixas para os aposentos de Victor. Chegando lá, Leranna/ Cláudia chaveou a porta.

— Não vai dar problema? - perguntou Guilherme.

— Não. Vai é nos salvar de incômodos. Descanse um pouco e tome um banho, pode demorar um pouco para que as nossas credenciais de Refugiados saiam...

— Certo... - quando ele se vira foi quando notou que todo o espaço dentro do quarto do Capitão era impossível de existir. - Você tá de brincadeira comigo. Isso tem o tamanho da casa dos gêmeos.

Não conseguindo se conter com a situação, a namorada ri e se dirige para a "cozinha" da casa.

— Vejo que ele é o que mais recebe Refugiados... Tem de tudo um pouco aqui nessa geladeira...

— Deus! Si- Guilherme se lembra do que ela lhe avisou no carro e pergunta. - Como que eu te chamo? Leranna ou Cláudia?

— Vamos passar a imagem de que você foi pego no fogo cruzado e descobriu que eu sou Leranna. Não me chame de Cláudia e não mencione seus amigos ou nosso namoro. Pode valer mais que nossos pescoços com aquela besta maníaca no comando de hoje.

— Certo... Então, Leranna, o que diabos é isso?

— Geladeira com alimentos para criaturas mágicas. Essa branca aqui do lado é com comida humana.

— Ótimo, porque eu tô com uma larica desgraçada...

Rindo do modo simples de ver a vida que o namorado tinha, Leranna não consegue e acaba rindo enquanto assiste ao namorado devorar quantidades prodigiosas de comida. Passados trinta minutos, batem à porta do aposento e a sucubus abre a porta: era o tal guarda Petkov, com as credenciais de Refugiados para cada um dos dois. Não vendo Guilherme pergunta sobre ele e Leranna responde com um simples "Está tomando banho".

Quando o guarda saiu, Leranna fechou a porta novamente, indo ao banheiro. Não suportando aquela sensação de angústia claustrofóbica, vai para o local que mais lhe agrada: ao lado do namorado. Seu jeito meigo e doce de ser, mesmo tendo que passar uma imagem de "machão", sempre foi o que agradou a ela. Despiu-se e foi tomar o banho junto do namorado.

Ele foi pego de guarda baixa enquanto tomava o banho, mas a adrenalina descarregada em seu sangue fez com que quisesse ir além daquele hábito comum demais para os dois de tomarem banho juntos... queria ter um momento mais carnal para com ela... Agora, sabendo que era uma sucubus, não sabia se esse desejo era pela natureza dela ou pela paixão que sentiam mutuamente. O fogo foi aceso em seus corações e o bom senso foi deixado de lado: saíram aos beijos apaixonados até a cama mais próxima para poderem consumar o amor físico ali mesmo.

Segurando-a pelo quadril, Guilherme deitou sua Sif sobre os lençóis enquanto se abraçavam, e começaram ali com todas as carícias que já sabiam agradar ao amante. Por um mísero momento, preocupado com a situação da namorada, Guilherme a deixou e quase que brigou para deitar-se sobre ela, mas a natureza herdada de Lillyth fora mais dominante e esta fez ambos rolarem para ficar em cima, para dar mais do que o amado mais gostava: apreciar o seu rosto e corpo emoldurados pelas luzes no teto. Consumaram ali seu amor flamejante um pelo outro.

Foi um momento longo que, ali, naqueles aposentos, pareceram décadas. Estavam abraçados com ela apoiando a cabeça no peito dele, quando um celular toca. Assustados, vão procurar pelos seus respectivos aparelhos e veem que era o de Guilherme que tocava. Não faltando surpresas, o identificador de chamadas viu que era um dos seus contatos no celular: Carlos. Guilherme atendeu:

— Alô.

— Alô, Gui? - perguntou Carlos do outro lado da linha. Ouvia-se a música no fundo, parecendo que chagaram à festa. - Onde você está? Já era para estar chegando e não vemos nem a sombra do carro da Cláudia.

— Foi mal... - Guilherme olhou para Leranna e justificou o atraso com o que tinha combinado com ela. - não consegui avisar, mas teve um acidente aqui na SC, na altura do João Paulo e a coisa tá tão feia que eu acho que vai demorar demais... Não vou poder chegar a tempo... foi mal e manda minhas desculpas para todos aí. A gente se vê. Tchau.

— Tchau. - despediu-se Carlos.

— Me sinto mal mentindo para eles... ainda mais para os caras... - comentou ele para Leranna. - Aqueles três são como os irmãos que eu nunca tive...

Leranna, sentindo a aflição na voz de Guilherme, o abraça e tenta convencê-lo:

— Você sabe que era o melhor para ser dito... - sua voz saía doce e suave, como se ele estivesse sendo consolado pela perda de um ente querido. - O que você acha que o Carlos faria se você fosse sincero e contasse tudo o que aconteceu? Ele sequer passaria dos portões da Fundação.

"Sabe, às vezes, temos de mentir para quem amamos com o intuito de protegê-los do pior, mesmo que venham a descobrir a farsa mais tarde."

— Sabe Sif, não sei o que seria do meu mundo sem você...

— Um mundo muito mais feio, mesmo com um harém de mulheres nuas na sua frente...

— Tem razão... Eu- mas foi interrompido pela namorada.

— Rápido! - havia mudado da ternura para a tensão na sua voz. - Se vista e use seu crachá de Refugiado.

Vestiram-se e logo em seguida, Leranna destrancou a porta lentamente, para não fazer barulho, voltando rápida para o lado de Guilherme. Pegou-o pelo braço e o guiou para a mesa, onde ainda havia comida e bebidas, além de chamar sua atenção:

— Lembre-se, você me conheceu hoje, só me conhece pelo nome de Leranna, você foi pego no fogo cruzado como testemunha quando o Victor me salvou da Facção Negra e o Victor disse que sua Chama acendeu. - havia uma tensão excessiva em sua voz, mostrando que situação poderia desandar. - Fique de cabeça baixa e só fale quando lhe dirigem a palavra. Não faça nada que possa querer fazer para me defender de insultos físicos ou verbais. Entendeu tudo?

Guilherme simplesmente assentiu e respirou fundo para se acalmar. Mal teve dois minutos para fazê-lo quando a porta abriu com violência e um homem, vestido com o mesmo manto que Victor (mas com os detalhes azuis ao invés de verde), com um olhar mais frio e xenofóbico que o primeiro.

— Ora, ora, ora... - a voz do homem era rouca e não trazia sinais que era de fazer amizades, mas sim alianças forjadas pelo medo. - Se não é que o interrogatório do guardinha resultou ser verdadeiro: aquele monte de estrume do Victor deu acesso para que certa sucubus bem rodada e um recém-desperto pedissem por Refúgio da Facção Negra. 

O homem tinha feições mais angulosas que o Victor, com um cabelo castanho longo e a pele morena. Seus olhos azuis, gélidos, se destacavam no rosto, que pareceu para Guilherme, estar congelado na expressão de um sorriso maldoso.

— O que foi garoto? Nunca viu um Capitão de Divisão?

— Sim...

— Mas... Deve ter algo que você queira falar?

— Não... apenas levei um susto com a porta se abrindo rápido.

— Ah, se foi isso, tudo bem... - havia algo ruim ainda por vir... Guilherme sentia isso, não sabia como. - Sabe, gosto de entradas dramáticas e de impor minha presença. Você consegue sentir as presenças mágicas, certo rapaz?

— Não, senhor... Pelo que entendi a minha Chama acabou de acender, então, não tenho noção de muita coisa... Só que o senhor parece forte...

E ao ouvir Guilherme, Herrero gargalhou alto, como uma hiena lunática. De súbito, ele volta ao seu "estado normal" e comenta:

— De fato... Eu sou forte. Sou um dos Sete Capitães de Divisão de Desterro. - e dirigiu seu olhar para Leranna. - De fato, poderia matá-la, simplesmente arrancando todo e qualquer líquido do seu corpo. Gostaria de ver, jovem?

Desesperado, mesmo contrariando o que Leranna instruiu, Guilherme responde:

— Não! - e ele notou que praticamente gritou com o Capitão instável. - Por favor... um tal de Caçador foi atrás dela e de mim... Não fosse por ela, eu poderia estar morto...

— Jovem, - a voz do Capitão mudara, para algo próximo de um iceberg. - saiba que vou atender o seu pedido pela sua educação, mas é a última vez. E trate-me pela alcunha de Capitão Herrero, entendeu?

— Sim, Capitão Herrero.

Surpreso com a agilidade mental do rapaz, o Capitão levanta uma das sobrancelhas, deixando-o com um aspecto ainda mais e bizarro.

— Muito bem, você verá o quão bondoso posso ser com que me trata com educação e respeito militares.

E o algo de ruim que Guilherme esperava aconteceu: de súbito, Herrero paralisa o casal e deixa um de frente para o outro. Gesticulando mais uma vez, começa uma sessão de tortura com Leranna que a deixa com os vasos sanguíneos marcados na pele, em alto relevo. Não suportando a dor, Leranna começa a urrar enquanto que Guilherme tenta, com todas as forças a se mexer. Consegue, após muito esforço e dores, mexer o punho esquerdo.

Herrero nota e parece prender ainda mais forte, com uma corrente de seja lá o que for quase impedindo Guilherme de respirar. Notava-se porque a feição de sorriso maníaco marcada na face: parecia que o homem fazia isto regularmente e por prazer. Os urros da sucubus chegaram a subir algumas oitavas, ficando agudas como o grito de uma alma penada. Herrero parecia sentir um prazer quase sexual com aquilo: cada gota de suor e cada nota de gritos temperados com as dores imensas eram como um alimento para o animal sádico e insano que habitava a sua mente.

Muitos eram os que ficaram na porta, assistindo ao espetáculo dantesco, mas não ousando intervir, dada a patente do homem. Quando a primeira veia estourou, pela força exercida no cabo de guerra entre os dois, o sangue no ferimento curado por Victor mais cedo foi aberto, fazendo jorrar de dentro do corpo da linda mulher. O Capitão, não perdendo tempo, realiza movimentos rápidos para que o líquido rubro acumule-se numa esfera sobre a torturada.

+ + + + +

Continuaram nessa sessão de tortura e execução lenta e dolorosa. Guilherme tentava com todas as forças se livrar das amarras. Não conseguia olhar para a amada sem ser ferido profundamente na alma. Não conseguindo segurar, acaba por cerrar os olhos e, aparentemente, aquela situação fez algum gatilho disparar. Uma voz suave e doce, como as brisas que carregam os perfumes das flores na primavera, chegou aos ouvidos de Guilherme.

Sentiu-se isolado daquela tortura. Somente ele e a voz que sussurrava. Concentrando-se ainda mais, pôde notar que a voz falava em finlandês, no mesmo idioma que seu avô paterno o ensinou. Pelo que entendeu, ele tinha de ficar calmo e respirar de maneira compassada. Resolveu fazê-lo e então se sentiu mais leve do que o ar.

Abriu os olhos e estava num espaço vazio, em branco, com a exceção de uma pessoa. A mesma pessoa que lhe ensinara finlandês: seu avô paterno Aimo Häkkinen. Tamanha era a saudade de seu avô que Guilherme corre para poder abraçá-lo enquanto deixa as lágrimas caírem despreocupadamente.

— Vovô! O que o senhor faz aqui? Onde estamos?

— Calma Guilherme... - respondeu Aimo em finlandês. - Uma coisa de cada vez.

— Sim... Me desculpe... - deixou um soluço escapar enquanto secava as lágrimas com as costas das mãos. - É que eu ainda me lembro daquele dia, quando era pequeno e o senhor partiu.

— Sim... - havia muita bondade na voz daquele senhor idoso. Isso o fez lembrar-se do que a namorada tanto falava da sua ternura e imaginou que herdou do avô. - Imagino que tenha sido horrível para você, mas posso garantir que para mim, foi como tirar um longo cochilo. Foi indolor.

— Quer dizer que estou morto?

— Não. Apenas que este desespero mútuo, que você e a sua namorada sentem, fez os seus poderes despertarem de maneira mais intensa do que era esperado. - ele estende a mão para o neto se levantar e diz: - Venha, vamos dar uma pequena volta enquanto eu comento sobre nosso sangue.

E o cenário mudou, indo para uma campina verdejante e ensolarada. Sentou-se e gesticulou para o neto o fazer. Guilherme sentou e esperou pelas palavras do avô.

— Nossa família possui um nome relativamente famoso hoje em dia, graças ao piloto de Fórmula 1, mas nos tempos antigos, quando as terras escandinavas eram pagãs, nosso clã era um dos mais poderosos no que relaciona a um dos elementos que permeiam as quatro estações do ano: o fogo representando o verão, a água representando o inverno, a terra representando o outono e o vento representado a primavera.

"Quase nunca desviávamos de um destes quatro Domínios das raízes da magia. Mas, assim como qualquer povo escandinavo, os que viviam na região que seria a Finlândia eram guerreiros natos e fortes o suficiente para se lançarem para o campo de batalha ora apoiando as tropas, ora lutando nas linhas de frente."

— Isso é importante de se saber vô?

— Claro, meu filho. - parecia um professor ensinando a uma criança o alfabeto. Guilherme estava adorando aqueles instantes com o querido avô. - Saber sobre o seu passado servirá de base para que possa controlar seus poderes e proteger aqueles próximos a você.

"Continuando: mas havia uma pequena 'maldição' em relação a cada um dos Mestiços que despertavam uma das quatro naturezas físicas. Era necessário passarem por uma prova de que poderiam ser dignos de usarem as forças da natureza a seu favor. E dentre todos; a natureza do ar, que é a sua, era a mais desgastante mentalmente. Você terá de enfrentar uma provação física e mental frente a alguém que ama mutuamente, para que, com a perda dessa pessoa, você largue o que te ancora no mundo e permita espalhar-se."

"Agora, sei que é cedo para você enfrentar isso, mas o gatilho já foi acionado. Sua namorada está fadada a morrer, posso ver que a essência mística dela está fragilizando. O que eu posso é guiá-lo para impedir que aquele sádico faça algo a você. Pelo que entendi você encontrou tal de Victor, certo?"

— Sim.

— Então ela será vingada e você será salvo. Afinal, o Victor sempre foi um bom amigo e jurou que protegeria o meu amado netinho.

— O...  o  senhor o conheceu, vô? - perguntou Guilherme, incrédulo.

— Ora, mas é claro! - respondeu Aimo com um sorriso. - E aquele safado ainda deve estar com a mesma cara, sem uma ruga sequer, enquanto que eu morri parecendo um maracujá de gaveta...

— Vô, o senhor é quem me guiará contra ele? O tal de Herrero?

— Sim, afinal, devo este ferimento permanente na perna graças a este... - e Aimo xingou Herrero em finlandês de algo que fez Guilherme ficar surpreso.

— Bom, vamos. Estou sentindo que ele chegará daqui a pouco.

+ + + + +

Herrero estava se divertindo tanto com a tortura e execução da sucubus que não notou a sua segunda vítima libertar-se das amarras impostas por ele. Somente quando os aposentos do Capitão Victor foram invadidos por um furacão que ele percebera, tarde demais, que o jovem despertara finalmente a sua natureza mágica. Uma esfera de um vento muito furioso o protegia de Herrero enquanto era erguido pela mesma. Seus olhos brilhavam num tom amarelo e suas feições presas numa expressão de fúria.

Num leve movimento dos braços, uma coluna de vento atinge Herrero no peito, como uma pedra, lançando-o no corredor e espatifando-se na parede. Guilherme vê que sua querida amada jaz deitada no chão, agora morta. Infelizmente não morrera em paz: sua linda face estava desfigurada pela expressão de extrema dor causada pelo sadismo do Capitão.

— SEU PIVETE! - urra Herrero logo depois de se levantar do ataque que o lançou como um boneco de pano. - VOU MATÁ-LO AQUI MESMO E DAR AS CARCAÇAS IMUNDAS DA VADIA QUE TE ACOMPANHAVA E A SUA PARA OS NOSSOS CÃES!

Movendo-se rápido, Herrero estoura alguns canos e faz uso da sua natureza: um verdadeiro emaranhado de braços d’água aparece ao seu redor. Hesitando por um átimo, Guilherme dá brecha para Herrero atacar, fazendo uso de dardos de gelo. Rapidamente, Guilherme levanta os braços, cruza os pulsos e desce os braços de súbito, gerando uma barreira de vácuo, poderosa o suficiente para repelir o ataque de Herrero. Este, vendo seu ataque sendo usado contra si, foi defender-se e sentiu ser lacerado na altura dos bíceps e na face esquerda. Quando notou que seu sangue pingara no chão do corredor, fora a vez de Herrero enlouquecer de ver: seus olhos brilharam azuis e toda a água no corredor foi circundá-lo como num átomo.

Saltando e aplicando diversos golpes, Herrero pôde atirar dezenas de dardos de gelo, bloqueado em grande parte. Um deles, porém, fincou-se no ombro esquerdo de Guilherme. Fora neste exato momento que o jovem achou estar delirando antes de morrer: viu o seu avô e a namorada morta, cada um do seu lado. Não racionando direito, simplesmente pergunta:

— O que vocês dois fazem aqui?

— Dando o devido troco a ele! - respondeu o avô indignado. - Eu pelo que me fez antes e esta sua namorada pelo que fez a vocês dois.

— Escute Guilherme, - falou sua Sif. Não a Leranna que ela disse que teria de chamá-la, mas sim a sua deusa de cabelos de trigo dourado. - Seu poder se esgotará logo. Mesmo Desperto, sua Chama ainda é muito nova. Nós dois podemos emprestar nossos poderes para você e terá uma força equivalente à força dele por alguns instantes. Pelo que posso sentir Victor já chegou e está correndo até aqui.

— Certo. Usem meu corpo e guiem meus golpes. - disse o garoto em finlandês.

— QUE MERDA VOCÊ ESTÁ RESMUNGANDO PIVETE?! - não conseguindo resposta, Herrero tenta chamar sua atenção com uma provocação fajuta. - SABE, ACHO QUE VOU USAR O CORPO DA VADIA COMO MARIONETE PARA LUTAR CONTRA VOCÊ. O QUE ACHA?

E este tolo embuste foi o estopim para conseguir carregar os punhos de Guilherme com energia mágica ao ponto de parecer que calçava manoplas feitas de tempestade, para combate próximo. O barulho da ventania, antes alto como numa turbina de avião, agora abaixou para algo próximo a um zumbido muito alto.

— Sempre soube que você não era adepto de combate de curta distância, Herrero. - disse Guilherme, numa voz composta pela dele, do avô e da amada. E tão veloz quanto o vento, partiu para cima do Capitão com o braço posicionado para desferir um poderoso soco. Escapando por pouco, Herrero vê que não fosse a experiência em campo, seria morto: o golpe de Guilherme abrira um buraco de três metros na parede.

O sangue pingava junto com a ponta do dardo cravado no seu ombro esquerdo. Guilherme tentou tirar, mas se lembrou de que em casos como este, faria mais mal do que bem arrancar o dardo. Fez apenas o que aprendera: agir com os instintos. Mais uma investida na velocidade do vento, desta vez com ambos os punhos - com os dedos entrelaçados - servindo de aríete. Dano máximo e poder de penetração incomparável.

Herrero só teve tempo para levantar uma barreira insuficientemente espessa para aparar o golpe e ser atingido pela expansão das manoplas de ar conjuntas. Guilherme, exausto, ferido e com falta de sangue, cai ante o esforço extremo. Os espíritos do avô e da namorada apenas podiam assistir do Plano Espiritual enquanto o garoto ia ter a vida ceifada pela lâmina de gelo do Capitão Herrero. Aimo, rezando a todos os deuses que conhecia; em finlandês e português, aparentemente teve suas preces atendidas.

+ + + + +

Guilherme via somente duas coisas: as almas de seu avô e de sua namorada, observando-o enquanto o chão tingia-se de vermelho e Herrero preparava uma foice de gelo para poder dar cabo da sua vida. "Não foi uma vida tão ruim, no final..." pensou Guilherme "Conheci aqueles seis grandes amigos que mais parecem minha família, pude rever o meu avô antes de morrer, fazer amor com a Sif antes de nós dois morrermos e mais legal ainda foi descobrir que tenho poderes parecidos com o desenho do Avatar... acho que posso morrer feliz..."

Nestes pensamentos, imerso, Guilherme não pôde ver quando o homem chamado Victor apareceu de súbito, com um simples punhal e deter o golpe de misericórdia de Herrero.

— Victor... - disse Herrero, com muito desprezo na voz.

— Herrero... - disse Victor, num tom muito sério de voz. - O que você está fazendo com esse rapaz?

— Nada demais... Apenas aplicando um castigo por pegar um cartão de acesso de um Capitão e assim tentar conseguir Refúgio. Trazendo ainda uma meretriz de quinta como aquela sucubus. - ele respira, cospe uma nódoa de sangue e continua. - Teve o fim que merecia. E este daí também.

— Você a matou?

— Ops, você descobriu...

— Herrero, desta vez você foi longe demais. - Victor parecia irado além da conta. - Eu dei o meu cartão de acesso. Somente desta maneira que eles conseguiriam Refúgio. Ou será que você "se esqueceu" disso convenientemente no dia em que está no comando da Guarda do Q.G. da Fundação.

— Ou talvez isso... Sabe, a vida de um Capitão é muito desgastante... Muitas coisas para se fazer...

— Se organizasse a cadeia de comando da sua Divisão e não largando-a à própria sorte, talvez você não se aborrecesse com isso... - comentou Victor. Aparentemente estavam jogando algo, que levaria a algo mais. - Sabe, sempre comparam a Terra com a Água, dizendo que é uma divisão organizada, modelo para as outras, enquanto que o modo de ver do líder no comando da Água está levando-os ralo abaixo.

— Olha essa língua, Sander...

— Ou senão o quê? Vai regar as minhas roupas?

Enquanto Herrero esquentava os ânimos ao ponto da água literalmente ferver, Victor se abaixou ao lado de Guilherme. Com a mão esquerda brilhando branca, encosta na ferida do ombro ao mesmo tempo em que puxa o dardo de gelo com a outra mão. A ferida fora fechada e quando Victor finalmente se levantou, Herrero grita:

— Chega! - sua voz transbordava ódio. - Primeiro, me impede de matar esse daqui, para logo em seguida me insultar e para coroar a desfeita, ainda cura-o na minha frente.

— Pelo que vejo aqui, temos duas vítimas das suas manias sádicas, com credenciais de Refugiados. Uma delas morta e a outra gravemente ferida pelos seus tratos e pela ativação antecipada do gatilho dos seus poderes... Você achou que era mais um Mestiço fraco, mas a sua ignorância foi a sua maior fraqueza nesta luta: ele possui o sangue do clã escandinavo Häkkinen. Häkkinen, em finlandês, região de origem, significa "decadência", "ruína". Dependendo do nome do escandinavo que carregar, seus poderes podem ser muito superiores ao que se espera.

— E? Grandes merda este pivete carregar este nome e linhagem sanguínea...

— Mas você conheceu o avô dele. Pense, num finlandês com um ferimento permanente na perna causado por você, quando achou que ele era um demônio...

— Ele é neto de Aimo Häkkinen?

— Sim. - respondeu Victor com simplicidade. - E seu nome significa "ruína suave"... Para os Häkkinen descentes dele que nasceram com a natureza do ar, significa que ele vai, suavemente, levando os inimigos à ruína... Mesmo aplicando um golpe de misericórdia, haveria uma explosão causada pelo despertar abrupto do jovem e que invariavelmente consumiria as vidas no Q.G.

Herrero sentia-se furioso e envergonhado ao mesmo tempo. Mas, se tinha algo de que todos sabiam que ele possuía era um orgulho muitíssimo maior que seu bom senso. E além deste orgulho desmedido, havia a velha rivalidade entre os dois capitães que não conseguiam ficar sob o mesmo teto. Perdendo a cabeça, Herrero simplesmente faz o impensável:

— Sander, Capitão da Divisão da Terra, eu, Herrero, Capitão da Divisão da Água, aqui, perante todos estes que nos veem e escutam como testemunhas, o desafio para um Duelo de Capitães.

A tensão no ar fora sentida como um barril de pólvora que finalmente explodira.

— Herrero, eu formalmente aceito o seu pedido de Desafio. Nos encontraremos na Arena Principal daqui a trinta minutos para decidir os termos do Duelo e então, em uma hora, dar início a este.

— Razoável. Vocês dois, - Herrero dirige-se para dois subalternos. - me ajudem aqui. Preciso ir com calma até a sala de tratamento intensivo. - e sai meio andando meio mancando pelo corredor.

Victor, diferente do rival, simplesmente estala os dedos e um subalterno seu aparece. Bateu um tipo de continência e perguntou ao Capitão:

— O que desejas Senhor?

— Leve este jovem para o CCI e diga para que, em trinta minutos, ele esteja na Arena Principal. Se discordarem de você ou insistirem em ir contra, diga-lhes que foi uma ordem capitania minha de que o quero lá. A esta altura acredito que pelo menos metade do complexo saiba o que vai acontecer daqui a uma hora e meia.

Quando galgava os primeiros passos para a Sala de Teleporte, Victor viu os seis jovens e notou a porta dos aposentos aberta. Poupando-lhes do pior, gesticula para fechá-la e lacrar até que ache apropriado. Os seis chegam afobados e o bombardeiam com diversas perguntas sobre o que aconteceu com Guilherme e o que é o Duelo de Capitães. Vendo que nenhuma das situações ia ser fácil de contornar, escolhe explicar sobre o duelo.

— Veja bem, a Fundação é a muralha que protege tanto os mortais quanto os seres mágicos. Mais até uma espécie da outra. Porém, para conseguir manter sua força, uma vez que existem seres mágicos absurdamente fortes, é parte do Código da Fundação que os Capitães, Tenentes, Sargentos, Oficiais e membros de diversas outras patentes treinem e duelem entre aqueles de patente igual ou superior.

O Capitão se vira e anda na direção oposta ao rival, pelo corredor.

— Mas por quê? E aonde você vai? - perguntou Joana.

— Eu vou para a Arena Principal. Vocês estão sob "minha guarda" aqui, então verão tudo da primeira fileira. Quanto por que, imagine: você possui uma grande força de combate, mas a mantém somente nas rondas, treinos e estudos. O que aconteceria se, de repente, uma das criaturas mágicas, que em sua grande maioria são mais bestas, saíssem de controle e mesmo com esta grande força de combate, que nunca treinou passar por situações difíceis e de quase morte ficasse estagnada? Seriam todos massacrados. Simples assim.

"Agora, para se duelar, deve-se desafiar formalmente alguém de, no mínimo, a mesma patente ou nível de poder. Posso ser desafiado por um soldado raso? Posso, mas neste caso, caberá a mim e não ao soldado decidir sobre o duelo. No caso de postos ou níveis de poder com pouca diferença, praticamente ninguém recusa. O caso muda apenas com os de mesma patente ou nível de poder: se a patente for alta, se um deles recusar deverá prestar satisfações para com o Arquimago Mestre quanto à recusa."

— Então, vocês estão treinando continuamente para se precaver contra uma força mais poderosa que a sua? Certo? - perguntou Felipe.

— Exato. Um resumo sucinto e direto. - confirmou Victor.

— E quanto ao nome que o Capitão Herrero te chamava... Sander... o que é? - perguntou Habib.

— É o meu sobrenome. Minha linhagem sanguínea é uma bagunça, uma verdadeira mistura de diversas culturas. Indo mais a fundo, pesquisando o nome da sua família, você pode descobrir algumas coisas sobre os seus poderes. - explicava Victor didaticamente. - Por exemplo: Sander é o lado germânico da minha família. Significa, literalmente, o protetor. Mas este não é o único significado... Também podemos traduzi-lo como aquele que morou nas areias. Isto dá para mim, uma ligação muito forte para a magia germânica de natureza da terra.

— Certo... E quanto ao meu nome? Meu nome é Hibib Hayek, que em árabe significa querido e  tecelão.

— Posso estar enganado, mas tenho apenas monitorado vocês sete apenas nos dois últimos anos e nenhum dos sete demonstrou alguma manifestação forte da sua natureza... Exceto uma jovem donzela que aqui se encontra... - ele sorri e olha de soslaio para trás. Todos notam que ele encarava a Yumi... - Sim, isso mesmo que vocês estão pensando: a senhorita Tanaka é a única dentre vocês sete que já despertou parcialmente seus poderes.

— Como assim? Ela pode fazer algo de especial? - perguntou Débora.

— Mas é claro! - respondeu o Capitão com um tom alegre. - Como que você acha que ela é a única que consegue apartar as brigas entre você e seu irmão? Bondade na alma? Também, mas o principal fator é a natureza da sua Chama: ela é uma Mestiça de Natureza Espiritual.

— E? - perguntou Carlos.

— Você chega a ser obtuso em demasia moleque... Isso significa que ela pode refletir suas emoções em um ambiente ou, dependendo do quanto ela se aplique, até manipule-as. Pelo que pude ver até o momento, a srta. Tanaka pode controlar a raiva projetando a profunda calma de seu espírito. Entenderam?

— Ah, isso explica o porquê dela conseguir ser a única a aplacar uma briga feia entre você e eu, Carlos. - comenta a irmã gêmea. - E o Felipe achando que ela era uma ninja infiltrada pelo governo do Japão.

— Uma teoria interessante, mas errada em sua essência. - comenta o Capitão. - Ninjas são usuários de magia de linhagem sanguínea japonesa que o faz em técnicas furtivas.

— Aonde que o Guilherme está? - perguntou Yumi.

— No CCI: Centro de Cura Intensiva. - e o capitão deixou por isso mesmo. Vendo que incomodariam com mais perguntas, explica melhor: - O rapaz está no CCI porque o que eu fiz foi uma cura paliativa. Como bem descobriram, minha natureza primária é a Terra. Este elemento não está ligado à cura, somente a Luz e a Água podem fazê-lo.

— Mas quando vimos você com a mão branca no machucado, ele estava sendo curado? - perguntou Habib.

— Sim, mas apenas para deter a perda excessiva de sangue. Mais alguma dúvida pertinente?

— Qual é a da sua faca? - perguntou Felipe.

Victor a saca e mostra em detalhes para os jovens: a lâmina de fio único, com uma lâmina verde ornada com runas mágicas. O punho, de couro negro, possuía uma única esmeralda como botão da arma e uma guarda feita de jade polida, entalhada no formato do mesmo símbolo em suas costas.

— É a arma que a Fundação dá aos seus membros quando conquistam o cargo de Capitão. Carregá-la é um símbolo de honra e bravura, além de mostrar o mérito que você deu suor e sangue para conquistar um cargo como este.

Mais alguns metros e chegaram a um corredor que dava em uma porta sem maçaneta. Achando estranha a porta, todos pararam mais intuitivamente que por obrigação.

— O que foi? - perguntou Victor, notando que eles se detiveram por alguns metros da porta.

— Não acho que seja seguro entrar aí. - respondeu Yumi pelo grupo. - Sinto uma sensação de dor e algo como sangue derramado com angústia emanando desta porta.

— Yumi, você está bem? - perguntou Victor.

— Sim, por quê?

— Olhe para os seus amigos?

E ela se virou para olhar para os cinco amigos. Todos a encaravam com uma expressão de surpresa estampada nos rostos.

— O que foi? Tem algo no meu rosto?

— Desde quando você fala japonês fluente? - perguntou Carlos.

— Desde nunca, apenas sei ler, escrever e falar por causa da minha família, mas não fluentemente.

— Pois eu acho que a sua exposição a toda esta energia mágica confinada num ambiente como o da Fundação despertou por completo a sua Chama, fazendo-a atingir as raízes mais profundas da sua linhagem sanguínea japonesa. - explicou Victor.

— E como você pode ter certeza, Victor.

— Simples: até você perguntar se tinha algo no seu rosto, você estava falando em japonês fluente. Eu consegui conversar com você, pois tenho runas gravadas no meu corpo que me permitem compreender todos os idiomas do planeta.

— Mas... O que é essa sensação que eu descrevi antes?

— É simplesmente a sensação de todos os que vieram duelar e perderam suas vidas duelando.

— É possível morrer num duelo? - perguntou Débora, assustada. - Pensei que eram feitos apenas para poderem manter a força da Fundação sempre em forma.

— No início, quando a Fundação não possuía uma cadeia de comando bem estruturada, era comum que duelos fossem até a morte. - podiam estar estranhando, mas os seis notaram um tom de tristeza na voz do capitão. - Até que houve uma guerra entre a comunidade de criaturas mágicas e os Mestiços, forçando à Fundação a deter ambos os lados.

— Como assim deter ambos os lados? - perguntou Joana.

— Lembram quando eu disse que a Fundação protegia os humanos da comunidade mágica e vice-versa? - todos anuíram. - Bem, temos também de proteger, dentro da comunidade mágica, as criaturas mágicas dos Mestiços e vice-versa. Vivemos eternamente como protetores de uma muralha que divide três campos cheios de barris de pólvora prontos para explodir.

"E foi nesta época que os barris dos seres mágicos e dos Mestiços explodiram. Tínhamos de deter o banho de sangue e a caça indiscriminada perpetrada pelos Mestiços e as retaliações dos seres mágicos. Esta ferida nunca sarou propriamente dita, mas quase reabriu por completo. Quando isto estava prestes a ocorrer, o Arquimago Mestre da Fundação trouxe, aqui, os seres mágicos e os Mestiços que ainda pretendiam matar uns aos outros. Foi à primeira vez na vida em que vi um massacre como aquele."

— Como assim um massacre? - perguntou Yumi, com medo na voz.

— Os dois grupos distintos se enfrentaram e lançaram mão do único artifício que detinham no momento: lutar uns contra os outros para aplacar a sede de sangue. Lutariam até que o último membro do grupo oponente estivesse morto. Foram necessários meses até limpar por completo o lugar e anos até poder ser utilizada novamente. Mas pessoas que sejam muito sensitivas podem sentir os resquícios destas manchas no passado.

— E quando isso foi?

— Duzentos e cinquenta anos atrás. Marcas emotivas fortemente negativas são muito mais difíceis de remover de um local. Infelizmente, o inverso não é verdade: marcas emotivas positivas profundamente marcadas num local podem ser levadas a ser corrompidas lentamente até se tornarem um local protetor santificado num local conspurcado.

— Como?! - perguntou Carlos.

— O que? Não entendeu o que eu expliquei para vocês?

— Não é isso! Duzentos e cinquenta anos atrás? Quando foi isso? Durante a monarquia no Brasil?

— Primeiro: não fique gritando como uma cacatua ensandecida. E segundo: a Era Pagã e a Era Cristã possuem um calendário muitíssimo similar, embora divergentes em um ponto: o seu começo. O ocorrido a 250 anos da Era Pagã foi concomitante a um marco na história do nosso país: a Revolução Farroupilha. O ponto em específico foi quando os revolucionários recuaram da Ilha de Santa Catarina e então, por força do governo, houve a troca do nome da capital de Desterro para Florianópolis.

"Bem, esta mudança, aos olhos das criaturas mágicas não os afetava em nada, visto que era um mundo à parte o que elas viviam. Porém, Mestiços podem viver mais facilmente entre os humanos do que muitas criaturas mágicas. Alguns deles até mesmo participaram da revolução. O que não contavam era que o contingente de Mestiços que lutou ao lado dos humanos fizesse a mente dos humanos a reclamarem da situação e, a partir deste ponto, levarem a toda a situação em que perdemos vidas para os três lados da luta: das criaturas mágicas, dos Mestiços e dos nossos."

Logo depois de simplesmente terem uma pequena aula de história, foi que notaram um fato comum, mas que passou despercebido pelo grupo todo: o Capitão Sander, que se vestia normalmente, descalçou um dos pares de suas luvas. Algo simples, mas que chamou a atenção deles: a mão do capitão estava calejada de ferimentos e runas escritas e reescritas. Ele encosta com a mão espalmada na porta da arena e ela simplesmente desliza suavemente, carregando uma rajada de vento junto do som de lamentos das vidas que ali pereceram.

— Venham. - ele chamou os jovens.

Os seis foram com ele e deram conta que aquele mundo em que estavam pisando era muito estranho. A porta dava acesso a um local do tamanho de um shopping. Como era possível que existisse tal estrutura nos subterrâneos da cidade sem comprometer com a estrutura da mesma? Ainda com diversos pensamentos em mente, os jovens foram puxados de volta à realidade pelo amigo, Guilherme.

— Oi gente! - grita ele da primeira fileira, com os braços enfaixados e o esquerdo numa tipoia. - Sentem-se aqui. Temos estes lugares reservados para nós sete.

O rapaz mais velho que acompanhava Guilherme se levanta e bate a mesma continência de mais cedo.

— Capitão!

— Tenente. - responde Victor, liberando-o da continência.

— Senhor, acabamos de chegar.

— Só agora? - algo estava estranho. - Estranho, tomei o caminho mais longo para dar tempo de fazerem o que pedi e ao Herrero curar-se. Ainda faltam dez minutos.

— Bom... O senhor meio que já respondeu a sua própria pergunta, capitão.

— O que o Herrero tem a ver com isso?

— Bem, como ele é o Capitão da Divisão da Água, parte do Centro de Cura responde a ele...

— Óbvio, mas eu esperava mais de você, Tenente, ao ver que a irmã dele tem a outra parte.

— Senhor, a Capitã Herrero não está presente por uma necessidade urgente: quando cheguei com o jovem aqui lá no CCI, a Capitã estava de partida, avisando que voltaria quando possível. Um dragonado estava causando mais problemas do que o normal, além de ferir gravemente os Capitães das Sombras, Fogo e Ar. O Arquimago Mestre ordenou a presença dela e dos-

— Dos integrantes de patente mais alta para ajudá-la no campo de batalha na cura e auxílio da equipe de captura e contenção. - disse uma terceira voz.

— Senhor. - disse Victor, ajoelhando-se ao ver uma figura que completou a frase de seu subordinado: um homem idoso, porém com um corpo forte. Tinha os cabelos e barba consideravelmente grisalhos. Os olhos eram totalmente brancos, como se fossem um par de pérolas, com uma aura azulada emanando de ambos. O rosto estava coberto de rugas e algumas cicatrizes eram visíveis em algumas partes do corpo.

Todos notaram que um dos Capitães mais renomados se ajoelhara e foram ver o que o forçara. Quando todos viram, fizeram o mesmo que o Capitão e ajoelharam em continência. Com o mover de dois dedos, o líder da Fundação ergueu todos e sentou-se ao lado de Guilherme. Parecia com um avô muito querido, mas que sabia a hora de ser rígido para com os netos e filhos.

— Então, como está o tratamento que a Capitã Kaname aplicou? - a pergunta era comum, como se perguntasse que horas são.

— Indo bem... - respondeu Guilherme, contendo um "ai", ao respirar mais fundo. - Embora eu ainda sinta minhas mãos como se fossem usadas de sola de sapato para dança.

O velho bruxo riu, deixando evidentes as marcas de a longuíssima idade refletir nos cantos dos seus olhos. Sentindo algo no ar, dirige-se ao Capitão Sander:

— E então, garoto. O que lhe aflige?

— Senhor, o que o Arquimago Mestre faz aqui, na Arena Principal, num Duelo?

— Ora, não se faça de desentendido, Victor. - respondeu o Arquimago em uma leve reprimenda. - Você e o Miguel se misturam tão bem quanto água e óleo. Não há surpresa que um dia este acontecimento ocorreria por menor que fosse a fagulha que acendesse o barril de pólvora que é a relação entre vocês dois.

— Mas senhor, por quê?

— Pelos deuses pagãos, rapaz! Já não fui claro? - e ali, os sete jovens viram o poder daquele "vovô" que simplesmente comandava a Fundação. - O desfecho deste Duelo não será um mero aprendizado aos espectadores: poderá ser mais do que você espera.

— O que o senhor quer dizer com isso?

— Quando você conseguir ampliar o seu nível de poder como arquimago, entenderá e poderá perguntar a mim se está correto pensando desta maneira.

— Certo Senhor. - o capitão se vira para o seu tenente e os sete jovens. - Agora, vocês sete ficarão sob a guarda do Tenente Rocha. Qualquer pergunta ou questionamento, podem fazer que ele vai responder de bom grado, certo? Vejo vocês mais tarde. Tenho de descer para me aprontar para o Duelo. Até mais tarde.

Dando as costas para o grupo, o Capitão vai de encontro para a tão esperada luta entre ele e seu maior rival. As arquibancadas estavam cheias e torcendo, em sua maioria, pelo Capitão da Divisão da Terra. Aparentemente, somente aqueles mais conservadores ou que tinham a mesma visão distorcida de mundo que Herrero sempre mostrou abertamente estavam a lhe dar forças.

— Vocês sete. - chamou a atenção o Arquimago Mestre para os jovens. - Assistam e gravem tudo o que vocês verão aqui, pois este será o seu Mestre em Magia. Seu Mentor.


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