Catherine escrita por honeymooon


Capítulo 2
Capítulo 1: Observar


Notas iniciais do capítulo

Desire é do inglês e significa desejo.



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Encantava-me o ato de observar. Meus olhos pareciam possuídos por alguma destreza mágica no qual fazia cada ato humano, cada detalhe se realçar perante a mim. Era como se eu visse coisas que os outros não conseguiam, dada a atenção – geralmente mínima – que as pessoas destinavam as outras. Pois sim, eu tinha um dom, mas não era nada abnormal, eu apenas fazia o que os outros não pensavam em fazer. 

Então, grande parte do meu expediente na loja de café eu gastava observando pessoas. E olha, havia muita gente para ser admirada! Porque como você já deve ter percebido, aquele exemplo que eu havia dado antes sobre a moça do café era nada mais, nada menos, do que algo retirado da minha própria vida. Não que houvesse o homem em si – alguns fatos foram alterados para melhor entendimento – mas a ocasião em si era similar. 

Certamente, as pessoas que adentravam àquele pequeno café dentro do saguão do aeroporto internacional eram no minimo exóticas. Havia muito do mesmo, mas também gente que eu não via todos os dias pela rua, por exemplo. Havia gente em todas as categorias: as boas, as más, as bem educadas, as mal vestidas, as elegantes, as barulhentas, entre outras. Eram pessoas cheias de trejeitos e vícios e eu adorava mira-las entre um café e outro. Era o que me fazia seguir de bom humor pelo dia. Era o que me ajudava a passar o tempo. E de certa forma, um hobby particularmente estranho.

 E eu, apesar de tentar treinar o meu cérebro para decorar o nome dessas pessoas, eu nunca conseguia. Salvo alguns casos, como quando eles me marcavam em algum extremo ou presença era repetitiva demais para não guardar o nome. Ou em um misto de ambos, quando eles me marcavam de alguma forma, quase que diariamente. Foi assim, entre sorrisos, cantadas e comentários dispensáveis acerca do tipo de produção do café gelado que eu decorei não só o nome, mas o rosto de Ethan. 

Não haveria outra forma de melhor descrevê-lo do que usando a palavra "descomedido". Ethan, sem uma forma primordial, passava a imagem de um homem extrovertido, integro e côrtes. Todas as tardes, logo após a troca de expediente, Ethan me cumprimentava com seus mil sorrisos e trejeitos, fazendo piadas sobre alguém ou alguma coisa, em uma tentativa de puxar assunto. Contudo, sempre que possível, ele ultrapassava a faixa do "respeitável" e fazia perguntas de cunho pessoal ou o pior, cantadas acompanhadas de risos nervosos. Eram cantadas ruim, só para deixar claro. 

Sabia, pelo que eu já tinha observado, que ele era frio com seus funcionários, até mesmo autoritário. Sua hora do café era "especial" e não queria ver ninguém a bater pernas pelo terminal, não naquele horário, ele dizia, eles têm hora certa pra isso. Daria pra deduzir que ele tinha um cargo importante onde trabalhava e era verdade: ele era um supervisor. E quando me disse que iria me ajudar a sair daquela cafeteria, eu sabia o que ele realmente queria dizer com isso. Vamos ler as linhas borradas? É claro que eu queria um emprego melhor, mas não dele. Não com ele. Apesar dele ser uma boa pessoa comigo, eu o enxergava mais como um amigo do que um amante. E pensava que não iria resultar em nada aquela sua tentativa. Seria tudo em vão.

 Até o momento em que pasmem, eu fui convocada para uma entrevista. E dias depois, recebi uma ligação confirmando o que meu peito já sabia: eu fui aprovada! Era incrível, não é mesmo?! Eu achava que sim. Mas, eu havia contraído uma divida com o Ethan e eu não gostaria de pagar-lhe, apesar dele ser charmoso e bem-humorado. Não era o que eu queria, pois eu vivia com demônios do passado a todo o momento me lembrando o quão perigoso os homens eram para mim o quão arriscado era ter nas mãos de um homem desconhecido, o meu ganha pão. Mas, olhe, Ethan era engraçado. Ele me fazia rir e eu ficava de certa forma, esperando sua vinda diária ao café. Talvez eu devesse lhe dar uma chance. Apesar de no meu intimo aquilo soar negativo a ponto de me fazer arrepiar, eu iria tentar ser cordial. 

Quando soube da grande noticia, contei logo a minha mãe, cujo dividia a casa comigo. Ela adorou, obviamente, sem muito estremecer, pois ainda achava que era pouco para mim. Margareth sonhava comigo alcançando cargos que ela nunca conseguiu, por conta do seu antigo marido, meu padrasto Ross, um bêbado largado que na época estava preso e que estagnou a vida dela de forma que ela nunca conseguiu nada além do trabalho de secretaria, o que ela no começo amava, mas havia enjoado. Então, eu acabava pensando da mesma forma, ansiando coisas fora do meu campo de conforto, querendo muito mais pelos outros e não por mim, pois se fosse por mim mesma eu continuava a vender café, observando pessoas aleatórias.

Depois de contratada e ainda esperando a data certa para pegar o uniforme e entregar os documentos, eu me vi admirando as mulheres que trabalhavam na mesma companhia aérea do Ethan, para tentar entrar no mesmo padrão que elas. Queria ser uma cópia delas, pois elas eram mulheres formadas, com experiência e um currículo extenso e contando com várias línguas fluentes, não uma simples e desabastada moça do café. Queria imita-las para assim ganhar dignidade e respeito entre meus colegas. Afinal, na época eu não sabia que bastava ser eu mesma para conseguir tal coisa.

Percebi, no entanto, que a maioria delas eu já havia observado anteriormente, mas nunca havia me apegado ao detalhe que trabalhavam na mesma companhia que eu iria, em breve. Digo, eu sabia onde trabalhavam, mas nunca me passou na mente que essa informação era vital. Eu nunca achei que iria trabalhar com elas. 

 Dentre todas as pessoas observadas, três moças foram intensas de alguma forma a ponto de me marcarem. A primeira era Desirre, uma educada, mas pouco sorridente tipo de mulher. Aparecia para tomar café tarde e se esquivava de contato social com gente da mesma empresa. A maioria das vezes estava com pessoas de outras empresas, se não solitária em sua mesa de canto. Era apaixonada por muffins de gotas de chocolate e às vezes, não pedia nada além do bolinho. Comia rápido, era quieta e seus olhos pintados desviavam de focos momentâneos de atenção, como mulheres a brigar pelo telefone ou crianças a chorar. Ela pisava com força no chão, de forma como se estivesse com raiva, usava o celular constantemente e seus olhos pareciam me julgar a cada vez que eu lhe atendia. Ela deixava gorjetas para a caridade sempre que sobrava aquela moedinha de troco. Nunca sorria para ninguém, mas em certas ocasiões, eu jurei tê-la visto sorrir para mim, enquanto esperava pelo seu pedido. 

As outras meninas, Noemi e Catherine eram totalmente diferentes da Desirre (cujo apelidei carinhosamente de Desire). Elas geralmente vinham juntas, no inicio do meu expediente - próximas ao horário de Ethan - cochichando entre si, sempre nos extremos na emoção. Na maioria das vezes estavam sorridentes, falando alto de algum caso ocorrido no setor de bagagens, de alguns beijos escondidos dados em um elevador de funcionários, de alguns segredos picantes bem aleatórios que não cabem a minha pessoa divulgá-los. Noemi tinha uma risada aguda e eu podia ouvi-la de longe. Sempre estava pronta para uma piada sarcástica. Era divertida, sorridente e emotiva. Noemi as vezes chorava com o celular em mãos, mostrando algo para a amiga. Catherine passava a mão nas costas dela, acariciando-a cuidadosamente, com um carinho confundido por muitos com amor. Amor de amigas, talvez? Quando o choro se intensificava, Catherine pedia-me sempre com um sorriso delicado, guardanapo e um copo com água gelada. Geralmente, os motivos do choro de Noemi eram homens. Mas aquela mão em suas costas, aquele jeito de encostar o queixo na cabeça dela enquanto chorava, aquele olhar... Apesar de Noemi ter os trejeitos de alguém muito apaixonada pelo sexo oposto, Catherine tinha algo de diferente. E por essa ambiguidade escondida através dos véus do mistério, Catherine era a minha favorita a ser observada. Demorou pouco para que eu assimilasse seu nome com sua face, pois além dela ser frequente, ela era enigmática. Marcou-me sem duvidas. Não havia tantas ruivas trabalhando naquela companhia, com aquele olhar penetrante e o sorriso dócil de sempre. Sua voz afeminada era nada menos do que encantadora. E as palavras que sua boca expelia, sempre eram delicadas. Seu perfume, importado e forte, era inebriante. Catherine certamente dava-me pano para tecer: todos os dias ela fazia algo novo para ser observado. Na maioria ela estava a conversar com as amigas, cujo permanecia em um papel de “psicóloga”, sempre a escutar e quase nunca a falar. Porém, alguns raros dias ela se sentava sozinha na janela, onde observava os aviões com esmero e ficava pensativa, intercalando os olhares ora comigo, ora com os aviões. Pegou-me a observa-la algumas tantas vezes, mas todas eu fingi que não a olhava, pelo puro medo de assusta-la.

Mas, não assustei.

No final do meu expediente, ela apareceu. Segurando uma blusa de frio roxa em suas mãos, ela sorria, levemente nervosa. Pediu-me um bolinho, mas eu disse que o caixa estava fechado. Catherine então colocou uma mexa detrás da orelha e cogitou dizer-me algo. Contudo, palavras não saíram da sua boca e eu permaneci a observa-la, com um leve sorriso em meu rosto, mesmo com todo o cansaço adquirido pelo dia maçante de trabalho.

— Qual é o seu nome? – ela perguntou-me, um pouco mais tímida do que antes.

Eu levantei o meu crachá, mostrando-lhe.

— Laura – ela sibilou – É um nome lindo.

— Obrigada – eu sorri – Catherine é o seu, não é mesmo?

— Wow – seus olhos pareciam brilhar. Ela se encostou-se ao balcão, tirando um dos pés do salto alto preto e o levantando para cima, a balançar – Sabe meu nome. Isso é raro. As pessoas não decoram o nome das outras.

— É... - eu ri - Eu decorei depois que a sua amiga teve aquela crise de choro e você precisou repetir seu nome duas vezes porque eu não te escutava - Era mentira. Eu já havia decorado seu nome antes mesmo disso. 

Ela sorriu ternamente. Nossos olhos se cruzaram e uma pontada de vergonha invadiu minha mente. Ruborizei, evitando contato. Então, como em um estalo eu virei para o lado, pegando um bolinho de chocolate e coloquei delicadamente em sua frente. Ela me olhou confusa, mas logo entendeu.

— Só não conte a ninguém.

— Desde que você não conte a ninguém que minha amiga anda fazendo show por ai. 

Nós rimos. 

— Pode deixar, é o nosso segredo. 


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Notas finais do capítulo

Pra quem leu, obrigada, já vale bastante pra mim ♥



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