Sapatinho de Cristal escrita por Folhas de Outono


Capítulo 4
Capítulo 4




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—Recebemos os convites? -Digo animada, ignorando a inocência de Anastácia ao pronunciar a última frase. –Onde está o meu?

—Você não foi convidada, Ella. –Diz Drizella sorrindo.

CAPÍTULO 4

Silêncio.

—Como? Porque? Todas foram. –Minha voz soou baixa, meio esganiçada e com certeza, muito incrédula. Porque era assim que eu estava: incrédula.

—O Príncipe nem sabe de sua existência, garota. Esperava mesmo que seria convidada? Ponha-se em seu lugar! - Lady Tremaine diz raivosa. – Enviaram apenas convites para mim e suas irmãs. Portanto, vá buscar os melhores vestidos deste lugar.

—Mas a orquestra irá tocar na festa! Por favor Lady T., me deixe ir! –Soltei as palavras tão nervosa que só percebi depois o quão parecia desesperada.

—O que espera que eu faça, Ella? Tire o convite de uma de suas irmãs e te dê? Pois não posso fazer isso, não seria justo já que o príncipe se lembrou delas. Também não posso te dar o meu para que as três possam ir sozinhas ao baile, seria perigoso. Você bem sabe que o castelo fica uns seis quilômetros depois do fim da cidade. –Disse, fingindo-se terna. No entanto, podia ver o quanto estava em estado de glória ao me dizer tais palavras.  –Agora vá! Me traga seus melhores vestido.

—Sim senhora. –Disse desanimada.

A compra demorou quase duas horas. Por conta disso, tive de demorar um pouco mais para fechar, atrasei o almoço das meninas e tive de fazer a minha lista de tarefas do dia duas vezes para compensar.

Ordens de Lady T.

Relutante, segui floresta a dentro após terminar todos os meus afazeres. Já estava quase na hora do pôr do sol, então não levei meu livro, não teria tempo de lê-lo. No entanto, passei na Fary Land para pegar o violino. Meus dedos doíam, mas me esforçaria para tocar ao menos uma canção hoje.

Demorei um pouco mais que o normal para chegar até lá, ocupando-me em vigiar o caminho, procurando os sons de cavalos trotando ou o menor sinal de flechas sendo lançadas para dar meia volta e me dirigir à cidade novamente. Não ouvi nada, então segui em frente.

Sobre a rocha, apoiei-me e me preparei para tocar. No entanto, antes das primeiras notas soarem, ouço um farfalhar nos arbustos e árvores atrás de mim.

Saí de posição e virei-me repentinamente, assustada.

Lá estava ele. Pude sentir meus olhos se arregalando cada vez mais a cada passo em que o garoto avançava na minha direção, até estar bem próximo a borda da clareira.

—Olá. –Pronunciou-se com a voz melódica, doce, mas sem deixar de ser grossa e firme. Como um cavalheiro que se apresenta a dama que lhe jogou um lenço. Só que eu não era uma dama e não havia nenhum lenço ali.

Silencio.

Estava paralisada de medo. Estava só no meio da floresta com um desconhecido. Não me parecia boa coisa.

Minha mente logo voou pensando em como fugir, mas eu estava cercada. Ás minhas costas, água. A minha frente, ele. Minha bicicleta estava a uns cinco metros atrás do garoto, mesmo que corresse, não chegaria a tempo.

—Você está bem?

Permaneci quieta. Abaixei lentamente, guardando o violino novamente em sua case sem tirar os olhos dele. Estava muito assustada. Mas seria uma tola se não estivesse.

Reparei mais nele.

Devia ter uns vinte e um anos, cabelos muito mais escuros que pensei ter visto da última vez, ondulados. Porte atlético, com ombros largos e pele clara. Olhos castanhos. Estava vestido com botas altas de couro, calças azul marinho escura e levemente desbotada, com uma blusa também azul e sobretudo de couro. Podia ver as pontas das flechas com penas brancas saindo de suas costas. O Arco ainda estava sendo segurado em sua mão esquerda.

Ele andava cuidadoso em minha direção, parecendo um caçador a analisar a sua presa, provavelmente por que de fato era um caçador me analisando. Em contrapartida eu me mexia lentamente, dando passos, também cautelosos, para traz. Quando chegou na base da pedra, eu já não tinha para onde ir.

—Quem é você? -Perguntou.

—Apenas uma moradora da cidade mais próxima. –Finalmente me pronunciei. Ele pareceu se assustar com meu tom de voz firme.- Olha, eu não tenho nada de valor, por favor, me deixe em paz.- Supliquei.

Surpreendentemente, ele riu do que eu disse. Correção, ele gargalhou. Aproveitei-me de sua distração e descompostura devido ás gargalhadas e me pus a correr o mais rápido que pude em direção a bicicleta.

Quando estava a apenas um metro dela, sinto um de meus pés ser puxado, e caio no chão. Olho para trás. Sem aguentar, solto um grito de susto e olho para trás.

Ele havia atirado uma flecha em mim.

Ele havia atirado uma flecha em mim!

Ao notar que ele errou o alvo atingindo a barra da calça, prendendo-a ao chão, o gerou minha queda, suspirei.

Tento me soltar enquanto ele se aproxima tranquilo. Demorou mais que gostaria, mas consegui levantar-me, apenas para ser derrubada novamente, agora, pelos braços do garoto empurrando meus ombros para baixo, fazendo-me cair, dessa vez, sentada.

—Porque foge de mim? Está com medo? -Perguntou curioso.

—Bom, acho que “medo” descreve bem a sensação de encontrar um desconhecido com arco e flecha em uma floresta, sem ninguém por perto. Ainda mais quando tentam te furar com uma delas, como se eu fosse uma peneira! –Soltei, sem pensar duas vezes.

Sentia-me espumar de raiva. Afinal, ele havia tentado me acertar com uma flecha!

—Não precisa ter medo de mim! – Diz, parecendo ofendido – Já disse, não irei te fazer mal algum. Quem é você?

—Quem sou eu? -Perguntei irônica enquanto me colocava novamente de pé. -Foi você quem chegou aqui por último. Portanto, eu é quem pergunto: Quem é você? - Enfatizei a última palavra o máximo apontando meu dedo para ele.

—Não me reconheceu? - Por um segundo, o estranho me pareceu ofendido, mas depois suas feições se abriram em um largo sorriso de pura satisfação.

—Deveria? -Espalmei a minha calça, retirando a possível sujeira que poderia ter ficado ali.

—Me desculpe assustá-la. – Pela primeira vez, sua voz soou de forma carinhosa e levemente culpada. –Sinto muito mesmo por isso.

—Claro. – Fui meio rude, admito, mas não estava com paciência. –Acho melhor ir embora.

Abaixei-me para recolher meus pertences, que se resumiam ao violino e a chave prateada de casa que, quando lançada ao chão, escorregou para fora de meu bolso.

—Espere! –Surpreendeu-me. –Você iria tocar, certo? A ouvi tocar ontem. Por favor, toque novamente. Seria uma honra ouvi-la.

Senti meu coração voltar a acelerar, não sei se em virtude do pedido do estranho a minha frente ou se foi pela real possibilidade de poder tocar essa noite. Pensei em negar, mas ao olhar para a case, agora jogada ao chão poucos passos a minha frente, soube que sentiria falta dos acordes silenciados hoje.  Portanto, apenas acenei com a cabeça aceitando o pedido e antes de me inclinar para pegar o violino, o rapaz já o tinha entregado em minhas mãos, claramente ansioso pelo que viria a seguir.

Pensei em qual poderia tocar, mas só me veio uma á mente.

Respirei fundo tentando controlar meus batimentos cardíacos e a ansiedade. Uma coisa era tocar para si mesma, outra é tocar para uma plateia. Mesmo que seja uma plateia de um homem só.

Quando senti minhas mãos firmes o suficiente, me pus em posição. Logo comecei a ouvir uma das músicas de minha violinista contemporânea preferida, Song of The Caged Bird de Lindsay Stirling. Não a escolhi por ser a canção mai bonita que conhecia ou qualquer outro motivo que não fosse um: Era simplesmente a mais apropriada. A que minha alma pedia para ser tocar após o acontecimento na loja de Alice. Então eu toquei.

O som saiu doce e melódico no início, tomando forma. Pude ver o rapaz se sentar próximo a mim, apoiando o peso de seu corpo levemente reclinado para trás na mão esquerda.

Fecho os olhos e encaro as notas que saem a seguir, lembrando-me de quando estava na loja de Alice esta manhã. Lembrando-me de todas as manhãs, de todos os dias. Afinal de contas, era assim que me sentia, um pássaro enjaulado em sua própria casa. Meu coração se aperta cada vez mais e mais, a cada lembrança que invade minha mente. Sinto minha garganta se apertar, como se fosse me sufocar com tanta tristeza. Lembrei-me de tudo o que passei nas mãos de Lady T., sentindo meus olhos arderem e algo coçar minhas bochechas.

Lágrimas.

Abri meus olhos, mal acreditando que havia chorado na frente de um estranho. Derramado minha alma em forma de música. Sem acreditar, limpei as lágrimas com as costas da mão com a qual segurava o arco, interrompendo a música. Guardei novamente o instrumento, tentando ao máximo controlar o choro, mas sem obter sucesso.

—Uau... –disse estupefato enquanto se levantava. – Você.... Você é incrível! –Diz baixinho, quase como um sussurro. Sinto-me constrangida, e um pequeno sorriso nascer em meus lábios.

Após um sussurro em forma de agradecimento e alguns momentos de silencio, encarei o horizonte. Já estava escuro, tinha de ir embora antes que ficasse tarde demais.

Despedi-me dele com um simples adeus e me embrenhei calmamente na floresta. Ainda pude escuta-lo perguntando quem eu era, onde morava e por último, o meu nome. Lembrei-me que realmente não sabia o nome daquele garoto, assim como não havia lhe dito o meu. Esse pensamento me fez parar ali mesmo, no meio da floresta. Pensei em voltar, sério mesmo, juro que pensei em reencontrá-lo e me apresentar devidamente. Mas não o fiz.

—É melhor assim –disse a mim mesma, voltando a seguir meu caminho para casa. -Provavelmente nosso encontro foi apenas uma coincidência, não acontecerá novamente de qualquer forma.  

Mas aconteceu.

O encontrei por todas as noites ali, na minha clareia, durante a semana seguinte. Eu vinha depois de meus afazeres e o Caçador, como passei a chama-lo, depois de suas caçadas.

 Ele se mostrou ser muito gentil com o passar do tempo e sempre usava o mesmo perfume amadeirado, algo como pinha com algum outro aroma. Às vezes conversávamos, mas quando chegava e eu já havia começado a tocar o Eagle, ele apenas se sentava, ouvia e depois nos despedíamos, sem nunca dizermos nossos nomes. No início achei que ele insistiria em perguntar meu nome, mas o rapaz acabou se conformando com o fato de eu não dize-lo quando ficou claro que o ele mesmo não queria dizer o dele. Era o melhor a se fazer, um relacionamento, mesmo que de amizade, só complicaria minha vida já deveras complicada. No entanto, a cada noite sentia-me cada vez mais próxima dele. Agora a ânsia para ir a clareira não era apenas para tocar violino, mas para vê-lo também.

Assim como com o meu nome, ele me perguntava sobre a minha vida nas primeiras noites que nos víamos, mas como nunca dizia sobre a sua quando questionado, também não me sentia na obrigação de respondê-lo.

Quem se interessaria pela vida de uma empregada da própria família? Melhor que ele não soubesse, e então ainda poderíamos ser o refúgio um do outro. Sim, um do outro, pois seus belos olhos não eram capazes de esconder a tristeza e angústia que o afligia nos últimos dias, bem como os meus não eram capazes de fazê-lo também.

Porém, a cada dia que passava as coisas ficavam ainda mais pesadas, a festa do príncipe já seria no dia seguinte e a lista de tarefas passada a mim para esse dia era gigantesca, como se o baile fosse em minha própria casa e não no palácio do Rei Henry. Mas eu sabia o motivo, sabia que Lady T. fazia isso para me forçar de todas as formas a ficar na casa e não permitir que eu vá ao baile.

Nesta noite, quando encontrei novamente aquele belo jovem, tive de avisá-lo, com o coração apertado, que não o veria nas próximas noites devido aos preparativos para o baile nos dias seguintes, e então as noites do baile em si.

—Então você irá ao baile do Príncipe? -Perguntou sorrindo. –Talvez possamos nos encontrar lá.

—Não, eu não poderei ir. Estarei muito ocupada. Além do mais, não fui convidada. –Disse sorrindo de lado, enquanto admirávamos lado a lado o pôr do sol sentados sobre a pedra.

—Como não foi convidada? - Ele parecia não entender – Todas as jovens foram!

—Bom, parece que não todas. – Digo meio incomodada com o rumo da conversa, sem conseguir olhá-lo nos olhos.


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