Somos, entretanto, interrompidas com o abrir repentino da porta. Lady Tremaine e suas filhas adentram a casa rapidamente, conversando em alto volume, dizendo coisas como “é melhor que esteja tudo um brilho!”. Ao verem a nossa convidada, no entanto, congelaram. A Srta. Devon, no entanto, mantendo feições severas, levantou-se com toda a elegância que tinha.

—Recomendo que se sente Sr.Tremaine. Temos muitas coisas sobre as quais conversar...

Capítulo 19 - O FIM, Parte 3: Ella e o Príncipe? ou o Caçador?

Não esperei o pôr do sol para ir à clareira. Estava lá quase duas horas antes. Por incrível que pareça, não me sentia nervosa, nem ansiosa ou algo do tipo. O sentimento de paz de horas antes, tão brutalmente rasgado pelas revelações que a tarde me trouxe, retornou com muito mais força quando, com a ajuda da Srta.Devon, tudo foi resolvido. Com a paz, vieram também certezas que antes não eram minhas. Veio a sensação de estar completa. Eu não era meio, não era uma parte, eu era Ella por inteiro. E eu amei ser toda Ella. Naquele dia, enquanto esperava o Caçador, toquei Valsa das Flores do queridíssimo Tchaikovsky. Me permiti, então, embalada pela doce melodia, dançar sozinha, próximo ao lago, sem me importar com mais nada.

Muito depois, quando já havia a muito parado de tocar e descansava deitada sobre a pedra, escuto o farfalhar de folhas. Quem apareceu, no entanto, não foi o caçador, mas o príncipe, de terno, máscara e tudo.

—Henry...? O que está fazendo aqui? – questionei, me erguendo para ficar sentada na rocha.

—Bem, meu amigo viria..., mas achei que precisava ser honesto com você antes. Você se importaria de me ouvir por um momento?

Com o cenho contraído em confusão, acenei, demonstrando-me disposta a ouvi-lo. Sinalizei para que se sentasse ao meu lado, o que ele logo fez.

—A vida no palácio... é ótima. Mas mesmo com todo o privilégio que eu tenho... As obrigações são proporcionalmente pesadas, sabe? – perguntou, virando-se para mim, que sustentei seu olhar, com curiosidade. – Por favor, entenda que nunca quis magoá-la. Apenas... você era, provavelmente, a única que não me conhecia aqui como o príncipe, e quando vi a oportunidade de ter um amigo sem isso entre nós, uma amizade em que eu poderia ser pura e exclusivamente eu, fui egoísta e a aceitei. Mas eu nunca esperava que essa amizade se tornasse... mais. Muito mais.

—Henry...? Do que você está falando? Eu te conheci com uma coroa na cabeça dias atrás, é claro que sabia que era um príncipe!

—Não, você me conheceu aqui. – disse ele, tirando a máscara. -Oi Ella... -Disse Henry, o Príncipe e o Caçador.

Por um momento, minha mente pareceu explodir, e tudo que vi, foi a imagem congelada de um jovem garoto observando atenta e ansiosamente cada reação minha. Pude ouvir o zunido surdo em meus ouvidos. E então, minha mente estava limpa de qualquer pensamento. Por apenas meio segundo, era como se o mundo tivesse parado, tamanho choque. Então, inspirei profundamente. Ouço o zunido aumentar e, depois, reduzir, sendo substituído por diversos sons.

Água, vento, o balançar das árvores.

A minha respiração.

A respiração dele.

E então, volto a mim.

—Po-Por quê...? Por que não me contou antes? Na festa...? -gaguejei, forçando-me a falar as palavras.

—Bem, no início, foi porque queria que você tivesse a chance de me conhecer por completo. Ser príncipe é, pelo bom ou pelo mal, parte de mim. Uma parte que pensei que seria justo que você conhecesse sem sentir a obrigação de gostar por me conhecer antes como Caçador.- suspirou, abaixando a cabeça, com o que parecia ser constrangimento.- E depois... Bem... você meio que continuava fugindo de mim, noite após noite... no início senti medo de te falar. Mas depois, na última noite, ia te dizer, eu juro, mas como antes, você fugiu de mim. E eu não sabia nem mesmo o seu nome para procurá-la. – Sua voz soa dolorida. Quase partida. -Por que você foge de mim? – perguntou, levantando a cabeça para olhar novamente, dessa vez, com claro sofrimento.

—Não era de você que eu fugia, Henry. – Sussurrei. – Minha família... Eles não são as melhores pessoas. Lembra quando disse que não tinha convite? – ele acena que sim. – Bem, aparentemente eu recebi um. Mas minha madrasta o jogou fora. Eu não deveria ter ido aquela festa, então, tinha que fugir de lá para conseguir chegar em casa a tempo de não ser descoberta.

—Mas, por que ela faria isso? – questionou.

—Eu não sei. – Suspiro, olhando para a floresta a minha frente. – Ela sempre me odiou. Descobri hoje a tarde por uma executora judicial que ela estava roubando minha herança...

—Sinto muito, Ella. Você precisa de ajuda? Posso contratar um bom advogado e...

—Não, não, tudo bem. – disse, sorrindo pra ele. – Obrigada. Mesmo. Mas já resolvi isso com a Srta.Devon hoje. Ela abrirá uma investigação com relação ao uso de cada centavo da herança do meu pai e tudo que Lady T. usou indevidamente, ela terá que me pagar, inclusive seu tempo de estadia em minha casa sem pagar aluguel. Ela deve estar se mudando em menos de uma semana, não sei ao certo pra onde, mas... depois de tudo, não posso dizer que realmente em importo...

—Fico feliz que tenha resolvido isso... – diz ele, sorrindo.

O silencio se instaura.

—Você me perdoa, Ella?

—Eu Perdoo, Henry. -Digo e, repousando minha cabeça em seus ombros.

—Ella, eu realmente sinto por você algo que nunca senti por outra pessoa. Você gostaria de namorar comigo?

—Você não deveria escolher uma princesa ou algo assim? -questiono, curiosa.

—Esse é o século XXI, Ella, não o século XIVII... Posso escolher quem eu quero namorar.

—Não seria simples, não é?

—Não, nunca seria simples, Ella.

—Bem, se é assim... eu adoraria, meu Caçador. -Respondo com um sorriso fácil nos lábios.

—Fico honrada, minha violinista. – Ele passa os braços sobre meus ombros e me puxa para mais perto de si.

Fecho os olhos, aproveitando o silencio e a brisa leve que balança meus cabelos pelos próximos minutos.

Tudo ficaria bem. E se não ficasse, tudo bem também.

Eu era completude. E isso me bastava.

Com Henry, ou não. Tudo ficaria bem.

Fim.