Chaotic Void escrita por LadyBorderline


Capítulo 4
Alma




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Mesmo tendo sido salva pelo rei, a bruxa não havia feito contato direto com ele. Esta seria a primeira vez que Mestice realmente o veria. Adentrou a sala do trono com passos curtos, como os de quem tem medo do que possa acontecer. Tentava prestar mais atenção aos detalhes do que ao seu nervosismo. Junto a esquerda do trono, onde havia cabeças de leões dourados esculpidas viu o rei. O rei mal dito por todos, o rei desprezível que a tinha salvo de todas aquelas pessoas.

Ao finalmente encontrar coragem para olhar no rosto de seu salvador, Mestice subitamente ficou impressionada. Claro que já havia visto seu rosto, mas eram situações diferentes. Agora ela podia ver como a coroa prateada e enfeitada com pedras azuis, assim como a aura de poder, lhe caiam muito bem.

Era um rei muito mais jovem do que os outros. Cabelos negros como a própria escuridão, lisos e que desciam até um pouco antes dos ombros. Os olhos escuros e vazio eram tão profundos que Mestice sentiu que poderia estar ali dentro sem causar incomodo ao rei. Seu rosto era fino e de uma beleza gélida, como uma lâmina no inverno. Era um rosto realmente de uma realeza. Mesmo se estivesse sujo na sarjeta poderia ver algo nobre, algo único, e seu sorriso? Mestice era uma bruxa, mas não deixava de ser uma mulher. O sorriso do rei era quente de um jeito sarcástico, aquilo mexeu com ela de alguma forma. Os últimos detalhes que pôde notar foram um colar escondido em suas roupas e claro a faca de lâmina escura que o rei ficava brincando.

— Olá, reizinho desprezível. Chamou sua bruxinha para brincar? — Riu tentando parecer estar confortável e no comando da situação.

— Não precisa ter medo. — Disse com a calma de um homem muito mais velho e sábio do que realmente era. — Como se chama, minha convidada?

— Como não sabe meu nome, reizinho? Deveria perguntar ao teu pai. Ah não, acho que ele não esta mais aqui, não é mesmo? — E riu maniacamente. — Não sou tão desconhecida da realeza.

O rei ficou alguns segundos quieto com uma expressão de desinteressado, focou os olhos vazios na bruxa e perguntou com a voz saindo como se cada palavra fosse uma pedaço de metal da garganta.

— Diga seu nome, bruxa.

— Mestice, sua serva, meu rei. Eu tenho uma pergunta, vossa senhoria.

— Vamos, diga, não precisa de cerimônia.

Subitamente Mestice avançou na direção do rei pegou a sua mão que estava segurando a faca e colocou a lâmina contra o próprio pescoço.

— Por que não me matar? Vamos, eu nem deveria estar viva. Sabe, todas as histórias são bem reais. Aqueles camponeses imundos não estavam mentindo. Eu sou uma bruxa, eu sou ruim.

— E eu sou igualmente ruim. As historias são igualmente verdadeiras. Não me ache ingênuo o suficiente para não cortar sua garganta agora mesmo, eu apenas não quero. Salvei sua vida, então significa que não quero seu mal. — O rei, em um movimento rápido, afastou a bruxa de perto da sua lâmina, segurando a parte de trás de seu pescoço. Com o movimento repentino do rei, Mestice afastou-se dois passos.

Mesmo em um dia quente como aquele, as mãos do rei eram gélidas como geleiras e aquilo causou um pequeno mal-estar à bruxa. Outra coisa que Mestice observara eram os cortes nas mãos do rei. Estranho para alguém da realeza, que nunca precisou trabalhar com algo pesado.

Um dos guardas reais entrou na sala do trono e chamou pelo rei, anunciando que havia uma confusão no meio da cidade. Algo como um pequeno ataque. Soaram-se as trombetas, o rei pegou uma capa escura, sua faca e um sabre e, antes de sair da sala, voltou-se à Mestice.

— É uma pena, pequena Mestice. O reino precisa de seu rei agora. Nosso pequeno encontro terá de ser adiado para quando eu voltar.

A bruxa apenas acenou com a cabeça. Estava com um sentimento estranho que ela nem sabia dizer qual era. Ficou mais um tempo ali parada, pensando na conversa com o rei e em como ele pareceu ser forte e uma ameaça. Mesmo sem precisar amedrontar, o rei tinha uma presença sufocante o suficiente para fazer Mestice se sentir presa dentro de um baú.

Ela saiu e foi para o quarto que lhe havia sido designado, era realmente perto de onde o rei dormia e por algum motivo ela se sentia segura por causa disso. Ficou no quarto, olhando para as paredes e mexendo na decoração até West vir atrapalhar seu tédio.

— West! — Mestice o chama quando o rapaz entra em seus aposentos. — Não é por eu ser uma bruxa criminosa, banida e mais todas essas coisas, que o senhor não me deve respeito como a qualquer dama. Saia, bata na porta e entre como alguém educado.

— Não devo respeito a você.

— Que seja.

— Está confortável aqui?

— Tanto faz. Escute, por que és tão obcecado com a imortalidade, West?

— Se eu for imortal, posso conhecer mais coisas. — West aproxima-se de Mestice, animado com o que falava. — Quero conhecer tudo. Mudar tudo.

— Que bonito, você tem desejo pelo conhecimento. — A bruxa fica quieta por alguns segundos. — Podemos fazer um acordo. Os dois saímos com algum lucro.

— Deixe-me adivinhar: minha alma?

— Claro! Já deixou bem claro que não acredita na existência de uma, então que mal faria uma troca?

— Não posso trocar algo que não existe. As trocas são feitas com coisas físicas, não com coisas imateriais que não temos como provar a existência.

— Bem, tem outra coisa que eu quero. É algo físico, desta vez. — Mestice saltou da cadeira onde estava sentada e, vendo o interesse curioso de West, continuou. — Sabe, não tenho o que preciso aqui. Não tenho nada aqui.

— Você tem tudo aqui, está no palácio do rei.

— Ah, eu sou uma bruxa. Estou me sentindo meio presa aqui, não sou uma prisioneira, sou? — Ela suspira, revirando os olhos e aproximando-se da janela. — Eu preciso das minhas coisas. Livros, amuletos e outras coisas que não lhe dizem respeito.

— Então você está completamente indefesa agora?

— Não se engane, criaturinha. Uma bruxa nunca está indefesa, só que meu poder poderia ser muito maior se eu tivesse meus grimórios aqui comigo. Veja isto com o rei e posso explicar algumas coisas a você.

— Dar poder a uma bruxa dentro do castelo e tão próxima ao rei? — West baixa a cabeça e sorri fazendo movimentos de negação. — Não acho que o rei permitirá isso.

— Pois conversem quando ele chegar, não posso ficar tanto tempo em um quarto.

— Veremos.

West lhe deu as costas, cansado da conversa. A presença da bruxa lhe causava um pequeno desconforto, talvez vindo das crenças estúpidas de seu pai. Homem ingênuo, ainda cativava a esperança de que seu filho seguiria seu caminho. West tinha seu próprio caminho, suas próprias ideias. Não seria um padre, preso para sempre sob as leis do evangelho. Era um cientista, buscava a imortalidade através de técnicas abominadas pela igreja.

O rei só voltara ao castelo no fim da tarde, poucas horas antes de o Sol se pôr. Parecia exausto, mas seu dia ainda não havia terminado. Deveria rever algumas leis criadas por seu pai, quando este ainda estava vivo, responder algumas cartas dos reinos vizinhos, decidir o que faria com a insistência do padre para que matasse Mestice em praça pública e queria estudar a adaga que havia recebido após a morte de seu pai. Era uma lâmina escura, com o cabo no mesmo metal escuro e com apenas uma pedra vermelha enfeitando-a.

— Meu rei? — West chama ao bater na porta do quarto de Dharok.

— Já lhe disse, não precisa me chamar assim. O que houve?

— É a bruxa. Ela tem um pedido.

 


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