Flatlands escrita por Eponine


Capítulo 1
Capítulo Único




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Remus fitou os olhos verdes de Lílian, em dúvida se ela tinha entendido o pedido e a ficha ainda não tinha caído. Ambos continuaram em silêncio na biblioteca lotada até a mesma começar a recolher seus materiais, dando um olhar firme ao mesmo. Remus a copiou e passou a mão nos cabelos ralos, a seguindo para fora da biblioteca, evitando tropeçar em seus pés. Seguiu Lily pelo corredor cheio e pelas escadas, sem fazer perguntas.

Reconheceu o corredor da Sala Precisa e olhou aos redores enquanto a garota pensava em algo, materializando uma porta em seguida.

Assim que ela fechou a porta, Remus correu em direção da mesma e entrou, sentindo-se claustrofóbico pelo local pequeno. Lílian colocou seus livros e bolsa no chão, sentando-se na poltrona.

O Lupin a copiou, temeroso.

Observou o rosto bonito de Lílian e ignorou a espinha em sua bochecha esquerda. Achou bonito o fato dela parecer um pouco vesga se fosse olhada de muito perto. A garota colocou uma madeixa ruiva atrás da orelha e suspirou, maneando a cabeça negativamente.

— Eu ter perguntado aquilo ao professor não significa que eu tenha feito. – afirmou ela, séria.

— Eu sei. – assentiu Remus.

— Aquilo foi curiosidade. – reforçou.

— Tudo bem...

Ambos ficaram em silêncio.

— Você quer mesmo tirar...?

— Seriam seis meses mais ou menos. – contabilizou Remus, quase desesperado. Lílian arregalou os olhos, apertando o queixo, pensativa. – O professor comentou na aula que tem gente que consegue retirar anos.

— Eu sei, mas eu sou só uma estudante, não uma psiquiatra! – retrucou Lily, preocupada. Ela fitou Remus, parecendo analisá-lo.

O garoto deixou suas costas tocarem a poltrona, devastado. Era um lobisomem, renascia toda Lua Cheia, mas deixou um amor não correspondido quase matá-lo. Fechou os olhos, exausto, vendo o rosto de seu demônio. Agora sequer sabia muito bem os detalhes, eles escaparam de suas mãos como areia. Tudo que tentasse recriar agora seriam apenas remendos velhos de uma memória que já fora vivida.

Joan existia apenas em sua memória, já que decidiu preservar sua sanidade e evita-la ao máximo.

— Olhe, não foi discutido na aula, mas desde que eu descobri esse feitiço, eu penso nele nesse sentido e... Se eu usar Obliviate para cada relacionamento falido, eu nunca aprenderia com eles, certo? – Lily também encostou-se na poltrona.

— O ser humano precisa sofrer para aprender? – indagou Remus.

Lílian desviou o olhar, pensativa.

— Se eu apagasse as memórias que tive com Fred... – Remus sorriu levemente, sabendo desde o começo, desde a pergunta na Sala de Aula, que tudo aquilo era sobre Lily. – Eu também apagaria as coisas boas.

— Houveram coisas boas? – questionou ele. – A probabilidade de você romantizar as memórias e se esquecer de que além de você, ele mantinha uma lista de contatos, é muito alta.

A ruiva manteve-se dura na poltrona, séria.

— Isso me faz mais treinada.

Para o que??? Isso te faz mais paranoica, crua, endurecida... Nada mais vai ser doce, puro, porque ele roubou todo o seu senso de novidade, de pureza, de confiança... Todos que vierem depois de Fred serão comparados. – exemplificou Remus.

— Não... Não...

— Você gostou de passar meses o superando? Digo, você já o superou?

Lílian deixou seu dedo indicado acariciar o lábio inferior enquanto ela fitava o nada, em silêncio, pensativa. Então focou seus olhos verdes em Remus, ainda com seu tom infantil, mas ao mesmo tempo maduro, como se tivesse décadas de experiência.

— Dia após dia você pensa menos 1%. É lento, é cruel, pode ter uma volta repentina aos 100%, mas sempre diminui. Então um dia eu acordei e ele não foi o primeiro pensamento do dia. Aliás, eu só me lembrei dele quando o vi pelo corredor. E me surpreendi, porque eu não tinha me lembrado dele. – Remus segurou a ardência em seus olhos, tentando sustentar o olhar de Lílian. – Vira um fantasma.

— É o que eu tinha dito.

— Aparece em outras pessoas... Você está certo, aparece, mas você sabe distingui-los. Prender-se ao fantasma é fazer o mesmo que...

— Joan fazia.

— O quê?

Remus coçou a nuca, relembrando-se.

— Joan gostava, sempre gostou de um cara que a machucou. O que ela via nos outros era o fantasma dele. Os detalhes, as características, a chance de dar certo... – Remus sorriu. – Seria diferente se eu gostasse de cinema gótico igual a esse cara?

Lily continuou séria.

— Eu cheguei ao ponto doentio de pensar em assemelhar-me à ele, aceitar a sina, para Joan, talvez, gostar de mim... – revelou Remus. – Eu não namorei Joan. Eu apaixonei-me pelo impossível, e se isso consegue ficar mais ridículo ainda, estou tentando superar algo que sequer realmente aconteceu... Não vejo aprendizagem nisso.

Remus coçou a cabeça, exaltado.

— E eu vejo outras garotas mais inteligentes, mais interessantes, mais bonitas... Eu sinto... Desprezo por Joan. Eu sentia mais, eu me sentia superior a ela, como se eu fosse a melhor coisa que aconteceu a ela... Mas... Ela é tão mais poderosa que eu porque... O desapego dela por mim é real, não é falso como o meu. E quando eu vi que eu não tinha mais nenhum poder sobre e ela, eu me desesperei tanto que foi... Foi como se ela tivesse chegado perto demais e visto que eu era normal. – Remus ajeitou-se na poltrona. Sorriu. – Ou, como qualquer um com coerência melhor que a minha diria, vulgo James, ela apenas enjoou-se dos meus problemas mentais e foi arranjar alguém que realmente só quisesse transar.

Lily não riu.

— Você já a odeia?

— Nunca, mesmo ela tendo sido horrível comigo. – retrucou Remus. Lily sorriu. – Você odeia Fred?

— Nem um pouco. – ela lacrimejou, mas conteve-se. – Eu não quero odiá-lo. Nem por um segundo. Mas já está tudo arruinado. Não de forma materialista, mas... – ela tocou o peito. – É como se meu corpo já tivesse o reconhecido como uma bactéria.

Remus sorriu, contemplado..

Lílian pegou sua varinha na bolsa e a acariciou, olhando Remus sem seguida, temerosa.

— Eu posso apagar Joan de sua mente, falar para todos esquecerem de falar sobre ela com você... Mas acabo de chegar a conclusão de que você não deveria fazer isso.

O garoto fitou Lílian por um tempo, em silêncio.

...

 

Remus despertou com o sol na manhã seguinte, quieto.

Espreguiçou-se, ignorando as cortinas serem abertas violentamente pela varinha de James, ainda deitado, determinado a acordar todos os integrantes do quarto. Ignorou a briga matinal e foi ao banheiro, arrumar-se. Olhou-se no espelho, com o rosto inchado. Parecia sentir a mão fria em seu ombro.

No café, olhou o pudim, parecendo ver a mão ágil de Joan pegar um pedaço, lentamente direcionando a sua boca pequena. Ela estaria séria, olhando o local com um tom de analise, e Remus se irritaria um pouco, achando que tudo nela soa falso e calculado. Então se apaixonaria mais um pouco pelas mãos esfregando os olhos, sonolenta.

Mas não havia ninguém sentado a sua frente.

Mesmo evitando ao máximo estar pelos corredores em horário livre da Corvinal, decidiu que era hora de parar. Já tivera seu tempo. Manteve-se no jardim quando o sétimo ano da Corvinal apareceu, e forçou-se a olhar Joan beijar o pescoço de outro garoto.

 

Chelsea Wolfe - Flatlands

 

E Remus tocara seu próprio pescoço, como se soubesse cada etapa.

Fecha os olhos para o sol, sentindo o mesmo queimá-lo em vez de acaricia-lo.

Bloqueou os pensamentos ruins contra o garoto ou Joan, desviando seus olhos para Lílian, sentada sozinha, ao longe, entretida com a leitura.

“Isso também irá passar”, murmurou Remus, voltando a olhar Joan.

No dia seguinte, ele lembrou-se dela apenas ao ler uma matéria sobre um filme no jornal. No outro, lembrou-se o dia inteiro, irritado, deprimido, exausto, arrastando-se pelos cantos, amaldiçoando tudo e todos. Olhava para o suposto namorado de Joan com ódio mortal, achando várias características no garoto em que Joan podia perfeitamente ter achado nele mesmo. Podia apostar que era mais inteligente que aquele Lufano sonso e... Brega!

— E aí, sumido. – Remus virou-se, olhando para baixo, dando de cara com Joan. – Onde você estava, nunca mais te vi.

O garoto sentiu seu coração ir a lua, mas... Era um alerta distorcido, dolorido... Não havia o encantamento único e inquebrável. Ele sorriu bobamente e Joan retribuiu.

— Vamos sair um dia desses! – O que mais você quer de mim???, pensou Remus, desesperado. – Sinto falta de falar com você sobre cinema. Eu senti sua falta.

— Ok... – Joan quebrou um pouco o sorriso, tentando sustenta-lo. Se você soubesse que quase me matou... Ela assentiu lentamente e deu alguns passos para trás.

— Então marcamos um dia. – disse ela, antes de partir, parecendo um pouco sentida. Remus quis correr atrás dela e pedir perdão de joelhos. Quis gritar que a amou desesperadamente, desculpar-se por não conseguir demonstrar nada nem mesmo estando no local mais escuro do poço... Fitou as costas de Joan misturar-se na multidão.

Ela nunca soube nem nunca vai saber tudo que Remus sentiu.

Mais uma vez, ele fez a história acontecer apenas em sua cabeça.

Deu alguns passos treinados para trás, dando as costas para Joan, já não vendo mais de forma doce sua casca de proteção.

O isolamento e a exposição, ambos pareciam ter o mesmo gosto de ceifadeira.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem.



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