London,

April 6, 2017

Entediado, Ron observava Hermione dar voltas, impaciente. Se o piso não fosse revestido com concreto armado e pedras de granito, com certeza a mulher já teria aberto um buraco nele.

— Se você continuar andando assim para lá e para cá, eu vou ficar tonto...

— Ainda temos um milhão de coisas para resolver antes da festa e o voo está atrasado, Ronald! – Hermione bradou. – A-tra-sa-do!

— E o que você quer que eu faça?! Entre no avião e pilote até os Estados Unidos?!

Hermione bufou, irritada. A alguns metros de distância de onde o casal estava um celular tocou dentro da bolsa. Rose o atendeu e fez sinal para mãe. Ron e a mulher se aproximaram.

— Sim senhor, obrigada... – o ruivo ouviu a filha agradecer a pessoa do outro lado da linha, sorridente. – Ah, mamãe já está aqui. Vou passar para ela!

— Quem é...? – Hermione sussurrou.

— Mr. Nott.

A garota entregou o smartphone à mãe, que, mais uma vez, se afastou do grupo. A mulher parou do outro lado da sala de embarque, escorada em um canto reservado. Ron observou que Hermione parecia ter gostado de receber a ligação, pois, assim como Rose estivera poucos minutos antes, ela sorria abertamente, entretida com a conversa.

O ruivo não gostou nada disso.

— Quem é Mr. Nott? – ele foi direto.

— O chefe da mamãe.

— Chefe...? – o ruivo ergueu uma sobrancelha, descrente. – E ela está nesse sorrisinho todo ao telefone?

Rose sorriu de canto, satisfeita.

— Sim. – ela confirmou. – É porque ele é super legal.

Ron não estava gostando mesmo desse tal de Mr. Nott.

— Super legal...?

— Sim, papai. Super legal.

A garota voltou a ler uma das suas HQs displicentemente, sob os olhares do pai, de Alvo e de Lily.

— E esse... hum... Mr. Nott... – o ruivo pigarreou, limpando a garganta – Ele é... muito... próximo da sua mãe...?

— Sim. Eles são bem próximos.

— O quão próximos...?

— Ah, o quão próximos...? – ela repetiu a pergunta. – Não sei...

Rose se virou na direção de Lily.

— O que você diria, Lil?

— Eu diria que bastante, Rose. – a ruiva mais nova respondeu e entrou no jogo da prima.

— Eles saíram juntos algumas vezes esse ano, não foi? – Alvo perguntou como quem não queria nada. – Para resolver aquela parada...

As duas garotas assentiram veementemente com a cabeça. Ron se remexeu na cadeira de plástico do aeroporto, incomodado.

— Que parada...?!

— Ah, tio. Essas coisas aí de trabalho. – Al o fitou. – O senhor sabe como é... não é?

O olhar do garoto indicava que talvez ele mesmo soubesse mais como era. De repente o ruivo sentiu-se ameaçado. Definitivamente esse tal de Mr. Nott já estava na lista negra de Ron.

— Então eles têm um... projeto? – Ron indagou para a filha.

— Sim. – a garota respondeu.

— Tem quanto tempo isso?

— Acho que desde o início ano.

— Ah... início do ano... – Ronald encheu os pulmões. – Hum, sei...

Rose cruzou os braços.

— Pergunta de uma vez o que você quer saber, pai.

Os três adolescentes esperaram. Ron desviou o olhar e coçou a têmpora.

— Não, esquece... – o ruivo deu de ombros.

 Ele olhou teatralmente no relógio de pulso.

 – Bom, o voo deve sair a qualquer hora. É melhor eu ir chamar a Hermione.

Como um foguete, Ronald Weasley atravessou a sala de embarque.

—-- Ω ---

— Os materiais estão quase todos prontos, Hermione. – Nott falou do outro lado da linha.

— E os convites oficiais? – ela perguntou, preocupada.

— Já foram todos entregues.

Hermione deixou um eco de espanto escapar. O diretor sorriu.

— Por sinal, pela lista de confirmação que eu recebi hoje cedo, o anfiteatro estará lotado na sua noite.

Na minha noite, ela repetiu mentalmente. O estômago de Hermione revirava só de pensar na sua palestra, que aconteceria daqui a alguns meses. A noite que ela se apresentaria como coordenadora do novo departamento.

— Espero mesmo que dê tudo certo, Theodore. Eu estou nervosa.

— Fique tranquila. Eu tenho certeza que você vai ser perfeita.

— É uma responsabilidade muito grande.

— Você consegue, já te disse isso. – e havia mesmo dito. – É um prazer enorme para a universidade te ter nesse corpo docente.

Hermione sorriu, derretida pelas palavras apaziguadoras de Nott. Ela estava prestes a responder quando viu o homem que estivera até agora a pouco ao seu lado se aproximar. A cara de Ron não estava nada boa e ela imaginava o porquê. Quase vinte anos de convivência a deram-na algumas aulas sobre o quão grande poderia ser o nível de ciúmes de Ronald Weasley.

Mione ergueu o braço para o ruivo, pedindo alguns segundos. Ainda sim Ronald ameaçou se aproximar. Não se abalando, a mulher permaneceu com o indicador estendido. Ron aumentou a cara feia quando parou ao seu lado. Ela, no entanto, não se importou.

— O prazer é todo meu, Theodore. Creio que faremos um bom trabalho. – Mione sorriu, simpática. – Acho que o voo deve sair em pouco tempo, é melhor eu desligar. Nós nos falamos assim que eu pousar.

Os dois se despediram. Hermione finalizou a ligação com um toque no display do celular e encarou o ruivo a sua frente.

— Sim...? – ela arqueou as sobrancelhas, inquisitiva.

— “O prazer é todo meu, Theodore...” – Ron a imitou, em tom de deboche. – Achei que ele fosse o seu chefe.

— Ele é. – ela respondeu, impassível.

— Não me pareceu.

— E o que você tem a ver com isso, mesmo?

O questionamento desaforado pegou Ronald de surpresa.

— Eu... – ele engoliu a seco. – Bom, é que eu, ahn...

— Você o que, Ron?! – Hermione cruzou os braços.

— E-eu só estou prezando pela sua segurança, Mione!

— Ah, jura?!

— Sim. Esse tal Mr. Nott pode estar se aproveitando da sua posição de diretor pra querer passar dos limites com você.

— Experiência própria, Ronald?

Ron não respondeu. Seu rosto estava cada vez mais vermelho. Hermione percebeu que talvez a resposta da sua pergunta fosse positiva e ela não gostou. Sendo realista, Hermione até desconfiava quem era a pessoa com quem Ronald andava se divertindo.

Decidida a dar alguma espécie de troco, Mione se aproximou do ruivo. Seu tom de voz era baixo e calmo.

— Já passou pela sua cabeça que talvez eu queira que esse tal de Mr. Nott passe dos limites comigo?

Ela estava blefando, claro, mas Ron não sabia disso. Ele a fitou, nervoso.

— Hermione... – o ruivo chamou o seu nome, no mesmo tom. – Não me provoque...

— Ou o quê?! Você vai sair de casa?! – ela permaneceu com a afronta. – Você já fez isso, esqueceu?!

— Não. Não esqueci.

— É bom mesmo que não tenha esquecido.

— Você sabe que as coisas não deveriam ser encaradas dessa forma...

— E como elas deveriam ser encaradas então?! – Hermione questionou, ácida. – Como deveriam?! – insistiu. – Vai, me responde!

— Mione... – Ron tentou segurar os seus dedos.

— Não, Ron! – ela puxou a mão. – Não... – ela negou com a cabeça. – Há mais de duas semanas há gente vem se escondendo de todo mundo só porque você não tem coragem de assumir pra ninguém que talvez a gente esteja se acertando de novo. Nem pra sua própria filha!

— Eu só não quero que a gente se precipite!

— Então não me faça cobranças!

— Você fala como se eu não sentisse nada... – Ron retrucou, inconformado. – Eu me importo, Hermione! É isso que você quer ouvir?!

Mione sorriu anasalado, sarcástica.

— É sempre a mesma coisa. – ela disse, magoada. – O que eu quero ouvir. O que eu quero que você entenda. O que eu quero que você faça. Nunca é o que você quer fazer!

— Não sou eu que complico as coisas, Hermione! – Ron se defendeu. – Com você tudo é sempre um drama. Você espera que eu enxergue as coisas que só você vê, mas em nenhum momento você faz um pingo de questão de demonstra-las para mim.

— Então eu vou ser bem clara agora, Ron. É bom você saber que enquanto continuarmos desse jeito, eu sou uma mulher livre.

— O que você quer dizer com essa afirmação?

— Que eu tenho outras prioridades. Já passou da hora de você entender isso.

Sem esperar mais nenhuma resposta, Hermione deu as costas ao ruivo, deixando-o sozinho e completamente atordoado.