Estava andando tranquilamente pela rua, em plena madrugada. Eu poderia não estar com a melhor das aparências, nem com a melhor das roupas; esse era o bom de andar de madrugada. Ninguém reparava em que roupa você vestia, ou se usava alguma maquiagem, até porque não havia ninguém para reparar, e as poucas pessoas que passavam estavam apressadas demais, preocupadas se iriam ser assaltadas ou vítimas de algum tipo de violência. Alguém esbarrou em mim, deveria estar apressado e não reparou na figura esguia que era eu. Não liguei, afinal de contas, ser invisível virou parte da minha rotina.

            ― E aí, gatinha?

            Senti que parecia uma prostituta, deveria ter posto, pelo menos, uma calça jeans boca de sino, mas não, eu estava tão apressada que fiquei com meus shorts, minha blusa regata, meu casaco jeans e tênis. Talvez eu não parecesse com uma prostituta, até porque existem algumas que tem gosto de roupas melhores que o meu.

            Porém, para garotos, esse conceito não existe. Mesmo se uma garota esguia como eu estivesse com alguma parte do corpo à mostra, era mais que o suficiente para que recebesse cantadas fajutas e comentários indecentes. Não o respondi, é claro, continuei andando normalmente, no entanto, meu coração deu uma leve batida mais rápida e minha mente começou a ter alguma paranoia sobre o que aconteceria se ele me encurralasse num beco e...

            Aquilo não iria acontecer. Lembrei que sou faixa alguma cor em alguma arte marcial. Será que isso poderia meter algum medo nele, mesmo que eu houvesse parado de ir a essas aulas há três anos? Se eu mentir e disser que ainda frequento, talvez isso aconteça. Ah, lembrei novamente, aquilo não iria acontecer.

            A mente humana é uma graça, já repararam?

            Tirei meu cigarro do bolso e o acendi com um isqueiro, vendo aquela cor alaranjada da ponta brilhar, queimando. Suguei e coloquei a fumaça para fora, prendendo entre os dois dedos a arma que me matava lentamente e que me colocava o risco de ter câncer de pulmão a qualquer momento. O cara que havia me cantado não falou mais nada, e aquilo foi um alívio suficiente para minha mente, e a permissão certa para que eu olhasse para trás. Não havia ninguém. Continuei a andar mais tranquila, por agora.

            Se minha mãe estivesse aqui, diria que se eu não voltasse para casa, teria sérios problemas. Se ela estivesse aqui. Acho que me esqueci de dizer que sou órfã de mãe e de pai, e que moro com minha tia, mas ela anda tão ocupada com o trabalho, e não sabe o que fazer comigo pela minha perda recente, que me deixou fazer o que eu quisesse. Foi a melhor escolha que ela fez para mim, ao invés de me mandar para uma psicóloga. Eu era filha única, não tinha irmã ou irmão, minha tia era a única pessoa mais próxima e a de mais confiança para minha mãe, e pela graça da justiça ter perguntado a mim com quem eu queria ficar, estou onde estou.

            Dei a volta no quarteirão para seguir para casa, quando me deparei com um grupo de jovens vindo em minha direção. Suguei mais uma vez a fumaça do cigarro e a expeli, tomando coragem.