Syrena escrita por Elaena Targaryen


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Essa história, eu escrevi como se fosse um desabafo de uma sereia, mas há coisas muito importantes...
Há algumas coisas que nenhuma mitologia explica sobre as sereias, então eu inventei um pouquinho e misturei a versão que elas são boas com a versão que elas são "más".
Espero que gostem e boa leitura!



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 Em baixo da água, a regra era clara para a nossa sobrevivência: deveríamos acabar com qualquer humano que descobrisse sobre nós. O ventre de nossa mãe não consegue mais gerar muitas sereias como fazia antes. Nem eu ou nenhuma de minhas irmãs sabemos ao certo a nossa origem, tudo o que sabemos é que nossa mãe, assim como as mães dos outros clãs, se originou de outra sereia há milhares de anos atrás.

 O meu clã vive onde os humanos chamam de Mar Mediterrâneo. Em séculos passados, eu e minhas irmãs podíamos sentar nas rochas e admirar o continente o quanto quiséssemos, não havia nenhuma tecnologia que pudesse nos flagrar ou cientistas que ousavam nos matar para nos dissecar, sem contar aqueles que faziam seus testes com minhas irmãs ou primas ainda vivas e aqueles que as machucavam da forma mais profunda possível tentando “entender” e achar como era nossa reprodução, as submetendo num tipo do que eles chamam de estupro. No começo dos tempos, sereias e humanos conviviam bem, mas a partir do momento em que o homem traçou uma linha delimitando seu espaço próprio, cresceu com ele a ganância e a luxúria e olharam para nós sem um pingo de piedade. Desde aquele momento, éramos apenas meros instrumentos para eles. Nós conseguimos nos conectar com a natureza, falamos com o oceano e eles só queriam tirar proveitos para si. Você acha que os portugueses conseguiram passar sozinhos pelo Cabo das Tormentas no século XV? Se não fosse pelas sereias do clã Kianda que dominam toda a parte do sul da África, esses homens não conseguiriam sair daquela jornada com vida. Ao invés de voltar e agradecer pela ajuda, a brutalidade deles foi quem falou. Os portugueses gritavam “BRUXAS” e apontavam para elas, tentavam puxá-las para fora da segurança que era o oceano e quando conseguiam, as levavam para o continente, as amarravam em um tronco de madeira e colocavam fogo nelas. Precisar de ajuda era muito para o grande orgulho deles, nunca que homens dividiriam o mérito, principalmente com mulheres ou com seres que a crença deles não explicava. Quando saímos da água e entramos no continente nossas caudas se transformam em pernas, mas sentimos uma dor horrível e cada passo que damos parece que mil facas estão sendo fincadas em nossos pés. Somos criaturas do mar, não da terra. Mal posso imaginar o sofrimento que essas sereias tiveram que passar.  

 O que eu sinto mais falta é a minha liberdade. Sinto falta da minha liberdade de poder ir até a superfície no momento em que eu sentir vontade, de poder sentir a brisa quente de verão soprando meus cabelos, de ser admirada pelas pessoas, de ser o sonho de uma pequena menina que do dia para a noite virou realidade. De fato, as meninas eram o que a humanidade tinha de mais puro, minha felicidade era enorme quando via os olhos delas brilhando ao me ver no mar. Uma vez, uma menininha estava pegando algumas conchas pela areia. Seu nome era Helena e ela era da cidade de Atenas, seus cabelos loiros eram compridos e iam até a sua cintura e seus olhos eram de um azul profundo, assim como o oceano. Eu deixava rastros de conchas para ela, até que eu apareci para lhe entregar uma concha lilás, da mesma cor do vestido que ela usava. Helena tinha cinco anos e a quando me viu, abriu a boca fazendo um som de felicidade que não consegui conter minha risada. Passamos a conversar esse dia e depois no dia seguinte ela tinha voltado para saber mais sobre mim e sobre minhas irmãs. Ela se sentava no rasinho e nem se importava em se molhar, tudo o que ela se importava era em escutar as minhas histórias. Depois de anos me encontrando quase todo dia com Helena, pedi permissão para minha mãe para trazê-la até o fundo do oceano para que ela conhecesse o mundo com o qual ela sempre tinha sonhado. Com a benção de minha mãe, no aniversário de oito anos dela falei que meu presente era muito maior do que meras conchas e a inocência dela não a permitiu entender. Pedi para ela fechar os olhos e confiar em mim, prontamente fui atendida. Selei nossos lábios por um breve momento para lhe dar o fôlego que precisava, assim enquanto estivesse comigo, Helena não sentiria falta de ar. Havia mostrado tudo o que consegui para ela aquele dia e me lembro até hoje a carinha que ela fez ao ver um clã inteiro de sereias esperando por ela. Só pelo o que eu contava para minhas irmãs, todas elas já sentiam Helena como parte do clã. Ao voltar para superfície ela tagarelava mais do que o normal e me sentia feliz por conseguir fazê-la feliz. Ela pulava e dava risadas, entrava de volta no mar e brincava com a minha cauda, dizendo que mal podia esperar para contar para seus pais e para seus irmãos. A observei voltar em segurança quando seu irmão mais velho, chamado Castor, veio buscá-la. No dia seguinte estava a esperando perto da margem do mar como sempre fazia, mas a imagem que vi não foi a mesma. Helena vinha correndo, gritando para eu voltar para o fundo do mar e quando estreitei meus olhos, pude ver um homem com um facão olhando diretamente para mim. Se não fosse pelo oceano, eu poderia ter morrido naquele dia. O oceano me puxou rapidamente mais para o fundo e dezenas tubarões apareceram para me defender. Depois do ocorrido fui proibida pela minha mãe de retornar a praia, de retornar para Helena. “É para a sua própria segurança Syrena”, ela falava. Contudo, nada podia afastar ou preencher o vazio que Helena tinha deixado em mim. Depois de um tempo, subi novamente a superfície no mesmo local em contragosto à minha mãe. Quando procurei por Helena, não a vi. Sai do mar e mesmo com minhas pernas doendo comecei a caminhar procurando a menina que tinha roubado meu coração. Algumas pessoas me viam e olhavam torto afinal ninguém me conhecia e estava enrolada com um pedaço de pano velho de um barco que tinha sido abandonado. Cheguei perto de uma mulher que lembrava Helena e perguntei de ela conhecia uma menina com esse nome. A mulher me olhou direito com lágrimas nos olhos e não conseguia falar nada. Um homem saiu da porta querendo saber o que aconteceu e me apresentei, falando meu nome e perguntando novamente sobre Helena. O homem nem precisou se identificar, lembrei-me dele, era Castor o irmão mais velho de Helena, mas ele havia envelhecido muito, não conseguia entender. Foi então que ele me disse que Helena tinha sido casada com Menelau, o Rei de Esparta e após fugir com Páris, príncipe de Tróia, foi o estopim para uma guerra e até agora, mesmo depois da vitória dos gregos ninguém sabia o que tinha acontecido com Helena, a melhor das hipóteses era que ela havia conseguido fugir juntamente com o povo troiano sobrevivente. Ouvindo aquela história meu coração se partiu em pedaços. Do jeito que Castor havia me contado tudo, percebi que ele sabia quem eu era e me ofereceu um olhar cúmplice. Convidou-me para entrar em sua casa e me mostrou o antigo colar de Helena, ela tinha feito aquele colar com as pequenas conchinhas que eu tinha dado para ela. Castor pegou um vestido de sua mãe e deu para que pudesse vestir. Antes de sair da casa, ganhei de presente aquele colar de Helena e era muito mais do que eu podia imaginar. Até esse certo ponto, minha pernas doíam demais e involuntariamente, desabei no chão. Castor me perguntou se era a dor de tornar as barbatanas em pernas e disse-lhe que sim, então o homem me pegou em seu colo e serenamente me levou até o mar. Antes de voltar para o fundo do oceano, ele me pediu para que se tivesse notícias de Helena para que eu voltasse e lhe falasse, não importasse o quanto doesse nele ou em sua mãe. Nesse momento, percebi que apesar de homens serem cruéis, havia também aqueles que eram a exceção.

 Apesar disso, com o passar do tempo, parecia que essas exceções estavam ficando cada vez mais raras. Os humanos têm tanto orgulho do “homem moderno”, mas nem reparam no que fazem com a natureza. Tento entender a audácia deles em fazer tão mal para uma divindade que está aqui há muito mais tempo do que eles. Eles estão tão preocupados em transformar o seu país o melhor do mundo inteiro que se esquecessem de que a essência de tudo, inclusive deles, é a natureza. O ventre de nossa mãe não está mais gerando tantas vidas sereias hoje porque é ela quem sente a poluição nos mares. Em todos os clãs, as mães não estão conseguindo mais gerar muitas vidas e me pergunto se chegará o dia em que elas não serão capazes de gerar mais nenhuma. Definitivamente, isso seria o fim para nós sereias, não somos imortais, apenas vivemos milhares de anos a mais. O nosso fim também representa o fim da natureza e consequentemente, o fim dos humanos.

 Você pensa que nós gostamos de atrair os homens para sua própria morte? Não sentimos prazer em matá-los, mas volto a dizer que é para a nossa sobrevivência. Você achar que nós somos cruéis e impiedosas, está em todo o seu direito, é a sua opinião, mas não tem como negar que a ganância e o orgulhoso são as bases que constituem esse “homem moderno”.  Uma prova disso é como nós conseguimos fazê-los vir conosco voluntariamente. Homens são tão superficiais que são atraídos apenas por uma voz que canta lindamente e, se cantam seus feitos e vitórias, é melhor ainda. Tão envoltos em seu próprio ego, quando nos aproximamos e convidados eles a se juntarem a nós, nem pensam duas vezes. Em casos raros, pelo menos um foi esperto o bastante para resistir ao nosso canto, mas já com eles sabendo de nós não tínhamos escolhas a não ser “atacar”. Em meu clã, nunca houve um só sobrevivente, matamos todos e sempre nos arrependemos. Somos criaturas feitas para ser pacíficas, mas a partir do momento em que os homens se voltam contra nós e destroem a natureza, somos obrigadas a agir. Não podemos ficar simplesmente sem fazer nada, olhando vocês destruir nosso lar. Esse petróleo que vocês usam, destroem o oceano quando é derramado. Um clã de sereias até se extinguiu por causa disso. Elas moravam no que é chamado de Golfo do México. Esse óleo não sai das caudas e como a água não consegue dissolver, ele fica grudado e ninguém consegue tirar, pelo menos até agora ninguém descobriu como tirar. Para isso os cientistas não procuram uma reposta. O petróleo é muito pesado para nós e quando uma sereia fica com muito dele acumulado em sua cauda, não consegue mais nadar e perde todos os seus movimentos. Ao perceber o sofrimento de minhas primas, o oceano as transformou todas em bolhas e lhes deu uma alma, assim nunca mais sofreriam por causa de um humano.

 Sinceramente, eu espero que chegue o dia em que os humanos entendam a tamanha importância da natureza e passem a respeitá-la. Se precisarem dos recursos naturais, a mãe-natureza não importaria nem um pouco de fornecer, mas o respeito é necessário. Nos sereias, sentimos falta de nos darmos bem com vocês, mas entre garantir a nossa sobrevivência ou a sobrevivência dos humanos, escolheremos a nossa. Algumas de minhas irmãs já perderam toda a esperança que tinham em vocês, mas eu não. Eu confio que vocês possam achar o caminho de volta para o coletivismo e o respeito. Meu coração se enche de esperanças quando me lembro de Helena e penso que com certeza há muitas pessoas como ela, mas meu coração também se entristece quando me lembro daqueles viajantes portugueses do século XV e percebo que há muito mais pessoas como eles. Apenas prometa-me que a partir desse momento, você tentará ser mais como Helena, mais como Castor e não como Tíndaro, o pai de Helena, ou esses que desmatam a natureza apenas para terem benefícios próprios. Todos nós temos poder para mudar nossos mundos, meu clã e todos os outros acham que a solução para fazer o nosso mundo voltar ao que era antes é matando vocês, mas mostre-nos que estamos erradas, mostre para minhas irmãs que elas estão erradas em não ter mais esperanças em vocês. Eu confio em vocês e a natureza também, mas vá rápido porque pelo jeito, não vamos durar para sempre.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Lembrem-se que Syrena pode não existir na vida real, mas nós devemos cuidar do que é nosso, do que nos dá a vida!
Beijinhos



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