Hotch parou por alguns instante, pensativo passando a mão no rosto ainda de costas. Em seguida, virou-se e encarou Marlon. Ambos estavam em pé.
— Não acredito que ainda temos algo para discutirmos — Hotch falou, querendo encerrar o assunto. — Agora me dê licença, tenho uma filha para cuidar.
— O que acha de fazermos um novo acordo? — Marlon ofereceu, tentando passar confiança. Hotch franziu o cenho demonstrando curiosidade. — Eu deixo você ver minha neta até a conclusão do caso, mas você não pode nem chegar perto da Emily.
Hotch esboçou um sorriso, balançando a cabeça em negativa. Não acreditava no que acabara de ouvir.
— Você sabe que está perdendo o controle da situação, não sabe? Nunca esteve nessa posição de impotência e por isso está agindo dessa forma. Propõe um acordo sem nexo, para enganar a si mesmo dizendo estar no controle — Hotch o confrontou. — Tem medo que Wendy descubra a verdade, pois acha que com isso, Emily e eu retomaríamos nosso casamento e seríamos uma família feliz novamente. E você teria que se conformar em ser sogro de alguém de “classe inferior” que não se sujeita aos seus caprichos.
— Agente, não me subestime. Eu tenho total controle sobre a situação. Estou aqui amigavelmente apresentando uma solução para nosso, digamos, impasse. Minha esposa, Elizabeth, disse que seria bom termos uma trégua enquanto Wendy se recupera.... minha primeira proposta é você ficar longe, mas você se recusa. E só vou poder te obrigar depois que minha neta estiver em casa, pois foi o que minha mulher me fez prometer. Mas bem que você poderia colaborar. Vamos Hotch, facilita.
— Deve ser difícil para alguém manipulador como você ser casado com uma mulher mais poderosa, por isso passa tanto tempo infernizando a filha e a neta, impedindo-as de viver a própria vida. Você as usa com uma forma de compensar a falta de poder que tem sobre a própria esposa.
— Cala a boca, seu... seu canalha... — Marlon rangeu os dentes e aproximou-se de Hotch fechando os punhos.
— Vai querer me bater agora? — perguntou o agente confiante. — Pessoas controladoras partem para agressão quando sentem que que não estão mais no domínio.
— NÃO ME PROVOQUE – gritou o embaixador fazendo com que as pessoas que estavam próximas os olhassem, assustadas. Um segurança se aproximou.
— Por favor, estamos em um hospital. Acalmem-se ou pedirei para se retirarem — disse o segurança.
— Não se preocupe, nós já acabamos — respondeu Hotch para o segurança e então se reportou a Marlon — Aliás, só mais uma coisa: não fique no meu caminho, pois agora você tem um oponente à sua altura.
Em seguida saiu deixando o ex-sogro sozinho e enfurecido.

***

Reid e JJ investigavam o apartamento de Wendy. Olharam a sala e a cozinha, no entanto não acharam nada que julgassem relevante para o caso, a não ser para a elaboração do perfil da garota.
Logo chegaram ao quarto que tinha cerca de dezoito metros quadrados. Era em tons de rosa e branco que lhe dava um ar romântico e delicado. Logo ao abrir a porta, via-se uma cama de solteiro bem arrumada com colchas e lençóis brancos e uma cabeceira de madeira pintada de rosa claro, com detalhes em branco. Ao lado, um criado mudo com um abajur cor de rosa sobre ele. Do outro lado, um canto de estudos com uma mesa de madeira branca, agendas, cadernos e pastas de documentos em cima, nichos e prateleiras com livros logo atrás , entremeados à bonecas colecionáveis da Disney, Star Wars e Harry Potter. Reid olhava o closet enquanto JJ repassava os documentos dentro das pastas.
— Ela é bem organizada — falou JJ. — Todos os documentos estão separados por tipos e datas.
— É um transtorno de ansiedade — respondeu Reid.
— Ou é apenas uma pessoa bem organizada, como o pai é — JJ retrucou e continuou analisando os documentos.
— As roupas, as bolsas e os sapatos estão separados por tons. Parece que tudo foi posicionado simetricamente. O apartamento é grande. Wendy só ficou aqui três dias.
— Ela pode ter contratado alguém para limpar e organizar o quarto.
— Não, eu sei que foi ela.
— Sabe como? — JJ quis saber abrindo uma carta que estava em um envelope branco sem remetente. Ela leu rápido — Eu acho que entrei algo.
Reid caminhou até a amiga.
— Veja — continuou a loira. — “Do sangue, que correu e pululou livremente das suas feridas, eles fizeram o mar, quando se formaram e firmaram a terra e juntaram o mar em um anel redondo sobre ela, e pode parecer difícil para a maioria dos homens atravessá-lo. Essa é a verdade que escondem de nós. E quem não crê nela, morrerá!”. E tem mais esses: “Tão horrendos são os delitos das bruxas que inclusive seus pecados superam a queda dos anjos maus; e se isto é assim, é devido as suas culpas.” Lembra que no depoimento de Cassidy, ela fala de cartas que Megan estavam enviando para todos os colegas de faculdade? Seriam essas as cartas de que ela falava?
Reid ficou pensativo.
— Essa primeira mensagem... — Reid fez uma pausa e pegou as cartas da mão da colega para lê-las de novo, certificando-se que havia escutado corretamente —, é uma cosmografia da Terra plana. — Ele fez outra pausa devolvendo o envelope para a loira. — Os antigos povos nórdicos acreditavam que durante a criação da Terra, um mar intransponível foi colocado ao seu redor. Deveras, vários povos antigos acreditavam nessa teoria. Para eles, a Terra seria achatada e o Pólo Norte ficaria bem no meio e o Pólo Sul nas extremidades e em cima existiria uma espécie de cúpula, que é o que chamamos de céu. Essas teorias já foram desmontadas por vários cientistas e filósofos ao longo da história. Aristóteles, que viveu cerca de 300 a.C., forneceu...
— Certo, eu entendi... — JJ o interrompeu. — Então se essas mensagens pertencem ao desconhecido, quer dizer que estamos lidando com um terraplanista?

***

— Do que está falando? — perguntou Emily caminhando lentamente para perto do rapaz. — Eu vi num blog policial hoje de manhã. Foram encontrados quatro corpos carbonizados num terreno baldio — respondeu o jornalista de pronto.
— Blog? — Emily ficou confusa.
— Sim, eu vou te mostrar — Ele respondeu tirando o celular do bolso. Abriu a matéria e entregou a Emily. Nitidamente o rapaz tremia e por vezes gaguejava de leve. — Foram encontrados quatro corpos, três deles totalmente carbonizados e um parcialmente.
Emily percorreu os olhos rapidamente pela matéria. Havia três fotos: a primeira com as cinco garotas, a segunda com Nathan Wack e Jéssica Crew e a última de Wendy, apontada como a única sobrevivente do que o blogueiro chamava de massacre.
A matéria era precisa quando tratava das lesões que Wendy sofrera e sobre as primeiras identificações das vítimas.
Nathan Wack fora reconhecido pelo número de série de uma prótese de titânio que ele tinha no fêmur direito. Já Jéssica Crew fora identificada pela arcada dentária. As demais vítimas ainda eram desconhecidas. As motivações ou qualquer pista sobre o desconhecido não constavam na postagem. Assim que terminou de ler, ela devolveu o celular a ele.
— Aqui não fala nada sobre objetos ou quaisquer outras coisas que teriam sido encontradas nas gargantas das vítimas.
Nesse instante, Hotch se aproximou e olhou confuso para Emily.
— Mostre a ele — Ordenou Emily, o rapaz obedeceu e entregou o celular ao agente. — Esse rapaz é um blogueiro. Eu não sei exatamente o que ele quer, mas deu a entender que tem informações sobre uma possível assinatura do desconhecido.
— Diga o que sabe, garoto! — falou Hotch.
— Eu já vi casos semelhantes antes, mas só vou falar sobre quando me confirmar que havia algo na garganta das vítimas.
— Você sabe que eu posso mandar prendê-lo por obstrução da justiça se não me falar... — ameaçou Hotch.
— Aaron — Emily interrompeu segurando no braço do ex-marido. Os dois trocaram olhares. — No entanto — continuou Hotch —, vou pedir para verificarem, mas vou ficar de olho em você.

***

Morgan e Elle bateram na porta da casa de Cassidy. Alguns segundos depois, ela apareceu abrindo somente uma fresta. A franja ruiva chegava a cobrir parte dos olhos, mas ainda assim podia se ver o medo em seu olhar.
— Podemos conversar com você novamente? — perguntou Morgan.
— Eu já disse tudo o que sabia, por favor, vão embora.
— Precisamos de mais detalhes... — tentou argumentar Elle.
— Desde que quebrei o pacto, coisas horríveis aconteceram. Eu vou me manter calada. Não posso mais falar.
— Precisamos saber se mais alguém está perigo.
— Se eu ficar calada, ninguém mais morre.
A garota fechou a porta na cara dos agentes. Morgan bateu de novo, insistindo, mas foi interrompido por uma ligação de Gideon. Após uma conversa rápida e monossílaba, ele voltou-se para Elle.
— Gideon pediu que fôssemos logo ao legista. Parece que surgiu uma testemunha.
— O que a gente faz com ela? Essa garota pode estar correndo perigo.
— Vamos ao legista e depois passamos aqui de novo.
— Okay.

***

— Sério? Terraplanista? — indagava-se JJ.
— Sim, porém pode ser que o desconhecido esteja querendo passar uma mensagem.
Vejamos: essa segunda carta é um trecho do livro Malleus Maleficarum.
— O quê?
— É o título original em latim do livro “O Martelo das Bruxas”. Foi a partir dele que a Igreja Católica torturou, matou e perseguiu especialmente mulheres, acusadas de bruxaria e quaisquer tipos de coisas que julgasse como heresia...
— Levando a fogueira mais de cem mil pessoas em todo a Europa — completou JJ. — Na Idade Média, a Igreja Católica defendia que a Terra era plana. Encontramos Wendy vestida em uma túnica de linho marrom, parecida com um hábito franciscano.
— Roupas da Idade Média — concluiu JJ. — O corpo que encontramos quando achamos Wendy, estava queimando em uma haste de madeira, simulando uma fogueira... o desconhecido está punindo esses jovens. Mas que pecado eles cometeram?

***

Gideon chegou na mesa do Detetive Martin e colocou uma pasta em cima do seu teclado. — Eu estava olhando o arquivo do caso do desaparecimento da Megan. E, para minha surpresa, vi que você foi o detetive responsável pela investigação. Por que não nos contou? — Agente Gideon. Sim, eu fui responsável pela investigação do desaparecimento de Megan.
Por que eu não contei antes? Por que eu não sei até que ponto vocês vão na investigação de vocês para proteger a neta da Embaixadora Prentiss.
— Todos os membros da minha equipe são muito profissionais. Se Wendy tiver alguma coisa a ver com isso, pode acreditar que Emily e Hotch vão ser os primeiros a fazer com que a lei seja cumprida. Com certeza eles vão ficar do lado dela, porém não vão encobrir nada que ela tenha feito de errado.
— Acredita mesmo nisso? — Martin indagou ficando na defensiva. — Essa garota me denunciou por assédio ao Procurador Geral. Tive que cobrar alguns favores para não ser demitido.
— Eu entendo, mas você deveria ter nos contado. Há mais alguma coisa que eu deveria saber? — Gideon perguntou, percebendo que o detetive estava hesitante. — Martin, nós estamos do mesmo lado.
O detetive baixou a guarda, encostou-se na cadeira, relaxando.
— Wendy me ligou há mais ou menos uma semana.

***

Emily e Hotch pela primeira vez foram autorizados a entrar no quarto. A garota continuava na UTI, por isso a “visita” teria que ser rápida. Emily tocou nos cabelos da filha, e não conseguiu conter a emoção. Hotch segurou a mão direita da filha e a acariciou. Sim, ela era o ser que ele mais amava na vida, por isso ele não permitiria que nada os separasse.
— Aaron, eu quero trabalhar nesse caso. Eu quero pegar o desgraçado que fez isso com nossa filha!