A Fera escrita por MileFer


Capítulo 2
A Última Carta


Notas iniciais do capítulo

Para começar, o capítulo número um!

Queria poder fazer um discurso dizendo o quanto estou feliz por finalmente re-começar a história de Adélia e Rafael, mas não quero encher o saco de vocês rsrs

Enfim, boa leitura e, como sempre, espero que gostem!

Bjos ♥



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Adélia suspirou, ao reler pela milionésima vez aquelas mesmas palavras escritas da forma peculiar que somente Rafael parecia saber escrever.

A primeira impressão que teve era a de que o mesmo estava sendo forçado. Bastou uma relida nas duas primeiras cartas para seu coração aceitar a aflição que suas palavras - que ela deduziu não serem forçadas - causou.

Ela quis escrever de volta, e estava até fazendo uma lista das coisas que pretendia empurra-lhe goela abaixo quando aquela terceira carta chegou.

Então era só isso? Rafael a estava expulsando?

Ela não entendeu a fúria que queimou em seu peito por dois segundos, para depois abrir espaço para algo próximo a amargura e pena.

Como sabe, minha querida, eu sou amaldiçoado…

Aquelas poucas palavras sobre sua maldição fez o coração de Adélia palpitar, e ela sentou-se rigidamente ereta para ler o resto da mensagem.

Não era exatamente o que Adélia queria saber - e aquilo a fez se sentir culpada. Rafael estava sendo - Doce? Amigável?  - ao informá-la sobre seu receio de machucá-la por conta de sua maldição. Mas Adélia estava pouco se lixando para aquela parte.

Ela jamais admitiria que acreditava naquela história de maldição a pouco tempo, mas depois de ver, ou melhor, conhecer quem Rafael era de verdade, por trás daquela coisa…. Ela duvidava muito de sua própria sanidade.

Não sabia para que lado ir: se acreditasse que tudo o que Rafael disse a respeito de si mesmo e sua maldição fosse real, ela teria que partir para o mais longe possível dele, mas, se não acreditasse…

Tudo o que mais queria era ir para casa, certo? E Rafael estava lhe dando uma oportunidade maravilhosa para isso.

Ao ler a carta pela primeira vez, Adélia mal pôde conter algumas lágrimas, as quais ela não saberia dizer se eram indícios de alívio, felicidade, saudades…. Tudo o que ela conseguia assimilar era o choque de ter a mínima possibilidade de voltar para o Brooklyn, para seus pais, para sua vida e nunca, nunca mais ver Rafael de novo.

Embora toda aquela empolgação a arrebatasse, Adélia se conteve antes de agradecê-lo. Precisou ler a carta ao menos umas milhares de vezes para toda aquela arrebatação ser tomada por uma culpa inexplicável ao perceber que nunca mais ver Rafael de novo estava incluído em seu pacote de felicidade.

Que espécie de amiga ela era?

Não, espere…. Eles eram amigos?

Discretamente, Adélia escondeu o papel dentro do livro que estava lendo quando ouviu a porta se abrir e Jeniffer adentrar em seu quarto com um sorrisinho no rosto, carregando junto ao peito uma bandeja com seu almoço.

Desde a última vez que Adélia saíra ao encontro de Rafael, Jeniffer vinha agindo de forma muito estranha. Estava a todo momento dando um cuidado extra a ela, perguntando sempre que tinha a oportunidade se Adélia estava bem e até lhe trazendo doses extras de doces.

É claro que Adélia não havia contado nada sobre o que aconteceu, mas desconfiava que Jeniffer sabia de muito mais coisa do que ela esperava.

Aquele pensamento a fez estremecer - principalmente ao lembrar dele, de sua maldição e sua possível causadora.

—Olá, minha querida - Jeniffer a cumprimentou, lhe oferecendo um sorriso que deixou Adélia desconfortável. - Além do seu almoço, tenho uma novidade.

Adélia pegou a bandeja de suas mãos e a depositou sobre o colo, tensa. Queria dizer que também tinha uma, mas preferiu ocupar-se com um gole de suco de frutas. Mal precisou abrir a boca para perguntar o que era, pois Jeniffer sentou-se ao seu lado e pôs-se a falar.

—Vamos dar uma volta no jardim hoje à tarde - ela disse, arrancando de Adélia um olhar confuso e argumentativo. - Se dermos sorte, poderemos colher algumas flores e tomar um chá.

Adélia engoliu sua primeira garfada em seco, sem apetite. Por um momento, ela perguntou-se se realmente deveria desconfiar de Jeniffer. A mulher, com aquele espírito animado, não parecia merecer todo aquele julgamento que ela fazia mentalmente.

—Não sei se é uma boa ideia - Adélia murmurou, encarando sua comida sem ânimo algum.

—Ele não estará lá - Jeniffer disparou rapidamente, ansiosa. Tinha o olhar fixo em Adélia, que a encarou vagarosamente. - Quero dizer, ele não foi convidado, portanto é uma tarde apenas nossa.

Adélia continuou a encarando, sentindo seus nervos entrarem em colapso. A simples menção dele, mesmo que de forma banal, a deixava tensa.

A imagem dele petrificado em sua frente, sem aquela coisa

Adélia sentiu uma vertigem ameaçar sua estabilidade, fazendo-a recuar na poltrona. Tinha certeza que estava esverdeada.

—Vamos, Adélia - Jeniffer insistiu, batendo as mãos nas coxas. - Você precisa disso tanto quanto eu. Olhe como está pálida!

Adélia assentiu, sem saber muito bem como discordar sem parecer que havia algo muito errado acontecendo.

E se aquele fosse seu último passeio por aquela casa, então ela não teria muito com o que se preocupar; pelo contrário.

Ela lançou um olhar de relance para o livro onde havia escondido a carta de Rafael, sentindo seu peito se apertar ao lembrar-se daquelas palavras. Sentiu vontade de ler outra vez, mas se conteve.

Talvez devesse contar para Jeniffer sobre os planos de seu filho mais tarde, ou deveria simplesmente deixar para última hora?

Adélia sacudiu a cabeça, querendo esquecer de tudo aquilo o mais rápido possível.

Adélia não sabia muito bem como acompanhar os passos lentos de Jeniffer, a qual tagarelava e apontava para lugares distintos do enorme jardim que as rodeavam.

Adélia estava agitada demais para reparar nos pequenos detalhes que a mulher indicava e discursava a respeito, contando-lhe coisas que provavelmente ela acharia desnecessárias se estivesse prestando atenção.

—Esse jardim, - Jeniffer dizia, apertando os dedos em volta do ombro de Adélia - era um lugar maravilhoso. Tinha muitas flores e a grama era bem cortada. Mas agora está quase tudo morto e abandonado.

Era verdade; o jardim era enorme, com um horizonte cercado por árvores visíveis a qualquer distância. Não era o mesmo que Rafael e Adélia costumavam se encontrar, claro. Aquele era nos fundos da casa e, embora diferente do jardim de entrada, estava igualmente abandonado.

Adélia e Jeniffer passavam por uma trilha de pedras, que estavam cheias de musgo seco e feias, sem toda a elegância que um dia tiveram. Perto da porta, a uns dois metros de distância, havia um pequeno e intacto arbusto de rosas vermelhas que dava vida ao lugar, destacando-se de todo aquele mato alto e lamacento.

Um pouco mais distante, Adélia ficou o olhar para uma tralha de madeira que despedaçava aos poucos, lembrando-se vagamente do dia em que ela e aquele velho tomaram chá juntos, onde ela tentou imaginar o que era aquilo.

—Um quiosque - Jeniffer respondera, em determinado momento. - Era ótimo para se receber os amigos, mas graças ao tempo e o abandono, foi para baixo.

Amigos… Adélia mal conseguia ouvir aquela palavra sem conseguir evitar pensar em sua relação com Rafael.

Aliás, tudo naquele mísero pedaço de terra a lembrava dele.

Desde a enorme porta de vidro - onde, em uma certa madrugada, esbarrara-se com ele após voltar de uma caminhada pela casa- até as inocentes rosas vermelhas - a qual ela recebeu uma no dia em que fora convidada, pela primeira vez, para jantar com um certo alguém.

Tudo o que Adélia queria daquela tarde era passar um tempo longe de Rafael e tudo aquilo, mesmo que só por alguns minutos - o suficiente para prestar atenção no que Jeniffer dizia.

—.... Você irá amá-lo - a mulher disse, despertando-a de seu transe.

Adélia saltou, focando seus olhos no rosto de Jeniffer, enquanto tentava entender o que ela queria dizer com aquilo.

—O que quer dizer com isso? - Adélia perguntou, parando sua caminhada para se concentrar. - Quem eu vou amar?

Jeniffer investigou o rosto dela, também buscando explicações em sua expressão.

—Disse que você irá amar o jardim quando estiver limpo - ela gralhou, um tempo depois.

A expressão de Adélia se transformou de confusão para alívio, intrigando Jeniffer. Era óbvio que a garota não conseguia pensar em outra coisa, exceto Rafael. Estava ficando cada vez mais perceptível quando Adélia não conseguia deixá-lo de lado, e Jeniffer não sabia se ficava contente com aquilo ou se deveria intervir.

—Por Deus, Adélia! O que ele fez desta vez? - Jeniffer murmurou, entre dentes. A garota espantou-se, ficando avermelhada e retraída com o peso do olhar de Jeniffer.

Ela não fazia ideia do que se passava na cabeça de Adélia sobre seu filho, mas por sua reação ao ouvir uma menção dele, alguma coisa lhe indicava que era algo   muito contrário a paixão ou alegria— coisa que, sinceramente, Jeniffer esperava que viesse dela.

Rafael não era nenhum príncipe encantado, mas a quantidade de vacilos que vinha cometendo com Adélia estava começando a preocupá-la.

—Não quero falar dele - Adélia disparou, movimentando-se. Antes que desse um passo para a frente, foi bruscamente interrompida por Jeniffer, que agarrava seu braço com uma força surpreendente.

—O que há de errado? - A mulher insistiu, forçando-a.

Adélia respirou fundo, contendo a própria língua. Não queria contar nada a Jeniffer naquele momento, mas não sabia como conseguiria manter aquele bolo em sua garganta por mais tempo.

Trêmula, Adélia desvencilhou-se do aperto de Jennifer e caminhou a pessoa calculados até os degraus de entrada, jogando-se neles. Estava tentando manter-se calma, mas sua respiração estava pesada e seu coração, disparado. Parecia que havia tomado um choque.

—Se não me contar, - Jeniffer murmurou, chegando mais perto dela - jamais poderei ajudá-la.

Adélia estava tão concentrada nos próprios batimentos cardíacos que mal notou quando Jeniffer sentou-se em sua frente, no segundo degrau, e muito menos quando abriu a boca.

—Ele quer que eu vá embora - Adélia murmurou, como se fosse um segredo e mais ninguém pudesse ouvi-la.  

—Pensei que fosse o que queria - Jeniffer estava realmente confusa. Desde o início, ficava claro em Adélia o seu desejo de voltar para casa. Qualquer pessoa em sua condição iria querer o mesmo; mas porquê estava tão…

—Jeniffer, eu… - Ela engasgou, tentando manter-se sã. - Eu não sei. Não consigo entender mais o que há aqui - ela disse, apontando para o próprio peito, indicando seu coração. - Tantas coisas aconteceram nesses últimos tempos, e eu sinto que não sou mais a mesma pessoa.

—Isso não é tão ruim - Jeniffer não queria falar sobre a dupla identidade de Adélia, e sim dos seus sentimentos por Rafael. Mas a aflição da garota era tamanha que não podia simplesmente ignorá-la.

—Não é tão simples - ela respondeu. - Não é essa a questão. É só que…. Eu não sou a mesma pessoa que odiava Rafael e isso tudo. - Adélia engoliu em seco, nervosa. - Não que eu tenha deixado de detestar estar aqui, sobre tais circunstâncias…  Mas há uma coisa em mim que não consigo explicar.

—Adélia, minha querida…  - Jeniffer a encarou, sem conseguir conter a incredulidade.

—Jeniffer - Adélia a interrompeu. - O que Rafael representa para mim é muito mais complexo do que você poderia imaginar. E ir embora agora, sem mais nem menos é… Covardia? Não sei como posso chamar o que isso significa.

Os lábios de Jeniffer estavam abertos em forma de “O”, demonstrando toda a sua descrença. Não era o que ela esperava ouvir de Adélia, mas só o fato da garota confessar que sentia algo já era para se comemorar.

—Complexo? - Jeniffer murmurou, instigando-a a continuar. Queria saber mais sobre a complexidade de seus sentimentos, que significava vida ou morte para Jeniffer.

—Bem… - Adélia murmurou de volta, retorcendo os dedos uns nos outros de nervosismo. - Sinto tanta falta dos meus pais que mal consigo me conter, e desejo profundamente reencontrá-los. Mas… - Ela se interrompeu, piscando várias vezes. - Eu não saberia dizer adeus para ele. Não quando há tantas coisas que preciso saber.

Adélia mal podia acreditar nas próprias palavras, mas dizê-las em voz alta tornava a coisa tão mais crua que doía.

—Parece que estou ficando maluca - ela riu, embora sem graça. - Mas eu não quero mentir para mim mesma. Por mais difícil que pareça, e muito improvável, eu não posso simplesmente ir embora como se tudo isso fosse um acordo insignificante. - Ela sentiu seu peito se apertar ao lembrar do acordo entre seus pais e Adam.

Ainda lhe causava ânsia pensar em tudo aquilo, mas agora que tinha uma pequena noção do que aquilo poderia significar, Adélia até conseguiria não odiar tudo.

—Sinto que tudo isso tem um significado, Jeniffer. Sinto que não estou aqui para simplesmente estar ou por causa dos meus pais. - Ela encarou os olhos da mulher ansiosamente, buscando compreensão. - Sinto que, se eu for embora, estarei deixando algo muito importante para trás. Quase como se fosse uma parte minha nesta história.

—Adélia - Jeniffer a interrompeu. Parecia que, a cada dia que se passava, mais Adélia conseguia surpreendê-la; o que não era lá muito bom, para os preceitos da mulher. Não deveria guardar sentimentos por Adélia, mesmo que fossem bons ou ruins. - Sou uma grande admiradora de sua coragem pelo o que está fazendo. Mal consigo imaginar o tamanho de sua aflição - ela fez uma pausa, pegando desta vez as mãos trêmulas da garota. - É tão difícil para você quanto é para nós estarmos aqui, embora compartilhamos do mesmo sentimento.  

Adélia ficou encarando-a durante alguns segundos, tentando assimilar o que ela lhe dizia.

—Mas quem deve decidir se vai embora é você. -  Saber que a mínima possibilidade de tudo dar certo estava nas mãos de Adélia matava lentamente o ego de Jeniffer, mas ela sabia que não poderia interferir naquilo. Não podia forçá-la a amar Rafael, muito menos amaldiçoá-la caso não o amasse.

Rafael teria que ser amado por inteiro, por quem ele era e não por causa de algum feitiço ou algo ainda mais falso. Jeniffer acreditava que um coração como o de Adélia jamais iria resistir a um feitiço do tipo - logo o ciclo se quebraria, e as consequências seriam desastrosas.

Era arriscado tentar, como seu pai já havia avisado. Mas Jeniffer tampouco se importava com as consequências - queria que sua maldição fosse quebrada, não importa o preço que fosse preciso pagar.

—Sinto que não posso ajudá-lo - Adélia murmurou, desviando o olhar.

Jeniffer recuou um pouco, reconsiderando a ideia de cancelar aquele passeio. Pelo menos parte do seu plano já havia sido efetuado - que era exatamente descobrir o que havia de errado entre Rafael e Adélia. Poderia simplesmente dar-lhe as costas e voltar para seus afazeres entediantes, ou insistir no assunto.

—Não acha que já fez o bastante? - A mulher murmurou, gentil. Conseguiu atrair a atenção de Adélia novamente, que a encarou com os olhos úmidos cheios de confusão, antes de continuar: - Não acha que tudo isso foi o suficiente?

Estava jogando verde, mas Adélia estava tão emocionada que mal notou a maldade de Jennifer escondida por trás de sua voz doce e amigável, como uma tática para fazê-la confessar o necessário.

—Acha que devo ir embora? - Adélia estava cética, pensando se deveria ou não continuar com aquele assunto. Jeniffer insinuar que ela deveria partir era um tanto estranho, embora ela não soubesse explicar o motivo.

—Você deve fazer o que quiser - Jeniffer disse, sem se abalar. É claro que Adélia não entenderia seu jogo, mas as explicações viriam depois. - Se é o que deseja, então faça, minha querida.

Adélia analisou o rosto de Jennifer por um longo momento, sentido todo aquele ceticismo em relação a ela voltar em cheio. Estava ficando cada vez mais difícil esquecer o que Adam lhe confessara sobre ela ser a possível causadora da maldição, e toda aquela bondade e gentileza que vinha demonstrando para se aproximar mais de Adélia a estava preocupando.

—Tem razão - ela respondeu, analisando minuciosamente cada palavra. - O que eu mais desejo é rever os meus pais.

A expressão de Jeniffer se entristeceu e ela suspirou de forma teatral, como se tivesse ensaiado aquilo durante muito tempo.

—Faça o que for melhor para você - ela disse, sorrindo tristemente para a garota.


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Notas finais do capítulo

:)



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