A Fera escrita por MileFer


Capítulo 18
Todos Sabem Um Pouco




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Adélia estava começando a se acostumar com todos aqueles apertos em seus punhos.

No entanto, quando Adam a tocou, sentiu sua pele amolecer e queimar. O toque não estava domado de fúria como estava acostumada. Parecia apenas querer prendê-la ali ao invés de machucá-la.

—Adam! – Ela gritou, exasperada. – Me solte, seu monstro!

Adam não fez mais nada além de continuar encarando Adélia como se ela fosse uma criatura de outro mundo.

—O que vocês dois estavam fazendo aqui?  - Ele vociferou um tom mais baixo que ela.

—Não é da sua conta! – Adélia tentou socá-lo, mas Adam foi muito mais rápido e prendeu seu outro punho.

É da minha conta, sua maluca – ele continuou, sacudindo-a até Adélia parar de se debater. – Você não deveria estar fora do seu quarto.

—Por quê não? – Adélia estava enfurecida com ele. Seu toque a agonizava, e a euforia estava deixando-a tonta. – Não queria que seus amigos descobrissem que tem uma prisioneira em sua mansão?

—Cuidado – ele avisou, aproximando seus rostos.

Adélia engoliu em seco, tensa. O medo se espalhou por seu corpo como serpentes, picando sua pele e paralisando seus membros.

—Eu não estou mentindo, estou? – Ela continuou, desta vez muito mais cautelosa.

—Não é da conta de ninguém quem ou o que eu trago para dentro da minha casa – ele disse, falsamente calmo.

Adélia encarou seus olhos tempestuosos com raiva. A vontade que tinha de ataca-lo era descontrolada e, se não estivesse presa entre suas garras, provavelmente teria lhe dado um soco naquele momento.

—Cretino – ela vociferou.

Adam a soltou com um empurrão. Adélia segurou o próprio punho e o massageou com as pontas dos dedos, sem tirar os olhos dele.

Tinha medo de que, se desviasse o olhar, Adam iria partir para cima dela. Adam, no entanto, estava cansado até para discutir.  Se Adélia o provocasse mais um pouco, seria capaz de empurrá-la escada abaixo.

Estava a tempos evitando problemas, por isso deu meia volta e voltou para seu quarto.

—Adam! – Adélia gritou atrás dele. Adam apenas lançou lhe um olhar por cima do ombro, ignorando-a. – Espere!

Adélia fez menção de segui-lo, mas ele a impediu a tempo. Ela estava a poucos centímetros de distância dele, encarando-o de forma fulminante. Parecia odiá-lo naquele momento, mas ao mesmo tempo querer lhe perguntar algo.

Adam ponderou a situação. Se ficasse, talvez perdesse a paciência e iria acabar por machucá-la. Adélia parecia ser o tipo de pessoa extremamente intrometida, e provavelmente lhe faria perguntas chatas e cansativas.

Já fazia um tempo que ele pensava em contar a verdade para ela. Mas sempre que imaginava-se explicando detalhes por detalhes sobre tudo ficava cansado e irritado demais. Precisaria de muito preparo antes de lhe contar qualquer bobagem.

—Onde ele está? – Ela perguntou, apenas.

Adam observou seus olhos marejarem aos segundos em que ele se manteve calado. Por um lado, ele gostou daquela pequena tortura e franziu o cenho, fingindo esconder algo. Porém, por outro lado, aquele fio de preocupação que era obvio lhe causou certo ciúme.

Não que ele se importasse com o que Adélia achava dele. Era ciúme de Rafael.

Ele ainda tinha aquele mesmo sentimento de desprezo pelo filho, e a ideia de haver alguém que realmente se importasse com ele – tanto quanto Adam – lhe causava picos de raiva.

Ao invés de responde-la, Adam apenas negou com a cabeça e deu-lhe as costas novamente, caminhando até seu quarto.

Mal se importou se havia fechado a porta direito e foi direto para o bar. Não ficou feliz ao notar que sua bebida favorita não estava lá, mas tampouco se importou mais do que aquilo.

Na verdade, não estava muito afim de beber naquela noite  ­-  não depois dos resultados que o Dr. Salvatore lhe dera.

Fordy encontrou Adélia sentada no topo da escadaria poucos minutos depois.

Estava abraçando o próprio joelho, enquanto encarava algo além dele. Estava distraída e mal notou quando ele apareceu em seu campo de visão.

—Ele machucou você? – Fordy perguntou, encarando-a em busca de arranhões ou hematomas. Adélia, no entanto, negou rapidamente. - Bom, já um começo.

—Quem eram aquelas pessoas? – Adélia indagou, erguendo o pescoço para encará-lo melhor.

Fordy suspirou e coçou os olhos.

—É confidencial, Adélia – Fordy disse, sentando-se ao seu lado.

—Eram médicos, certo? – Ela continuou, ignorando o olhar fulminante do velho. – Estavam com Rafael?

Fordy assentiu rapidamente e não disse mais nada. Adélia sentiu seu peito se apertar de preocupação. A ideia de Rafael estar doente fez seu coração doer.

—Eu posso vê-lo? – Indagou, disfarçando a moleza na voz.

—Adélia, ele não está em estado grave – ele respondeu, temeroso. Não era mentira o que dizia, mas era errado compartilhar com Adélia. Sabia que Rafael jamais o perdoaria se descobrisse.

—É por causa da maldição? – Adélia continuou, desta vez mais firme. Não iria parar até descobrir qualquer coisa a respeito. – Por favor, Fordy! Eu preciso saber.

—Não, você não precisa saber de nada. – Fordy a interrompeu, ríspido. – Esse assunto está muito além do seu alcance, Adélia. Rafael não iria gostar de saber que você está se metendo nesse assunto.

Adélia o encarou furiosa pela bronca, mas manteve-se calada. A simples menção de que Rafael ficaria bravo com ela por ser tão enxerida a fez recuar.

—Eu gostaria de entender o que o leva a me esconder tantas coisas – ela confessou baixinho, receosa. – Ele me trata como se eu fosse uma completa desconhecida. Como se eu não me importasse.

—Talvez ele tenha razão – Fordy comentou, mesmo sem querer se meter na relação de ambos. – Acha que ele não tem motivos para desconfiar de você?

Adélia o encarou por cima do ombro.

—Ele não se importa o suficiente para me contar – desabafou, irritada. – Sabe que pode confiar em mim e mesmo assim me trata de forma indiferente.

— Não se trata de segredos Adélia, mas de segurança e privacidade – o velho rebateu, calmo. – E não me diga que não esconde nada dele.

Ela abriu a boca para defender-se daquela acusação, mas conteve-se imediatamente. Adélia pensou no segredo de Jeniffer.

No momento em que aquilo invadiu sua mente, algo em Adélia despertou. Era como um sinal de alerta bem pequeno, no fundo de sua mente. Piscava intensamente, quase como um pedido para que ela calasse a boca.

—Eu sei uma coisa sobre ele – ela sussurrou, desviando o olhar para o chão.

Ela pensou no tamanho do perigo que estava se metendo, arriscando-se demais por um segredo. Naquele momento, Adélia estava se lixando para ética – ela queria afastar Jeniffer de si mesma, dos próprios pensamentos. Se sentia tão idiota por um dia ter confiado nela, por querer ser sua amiga, que agora tudo o que Adélia queria era lhe dar o troco.

 -Eu sei – Fordy respondeu em um tom de voz sombrio.

Adélia o encarou surpresa. É claro que deveria saber – considerando a ideia de que ele parecia ser o mais velho ali.

—Adam lhe contou? – Ela quis saber, ainda mais curiosa com o caso. – Ou foi ela?

—Estou a muitos anos aqui, Adélia. É inevitável que eu descubra algumas coisas. – Ele gabou-se, mas se manteve firme.

Adélia sentiu um calafrio percorrer sua espinha, arrepiando os pelos de sua nuca. Ela continuou encarando o rosto do velho, permitindo que sua mente voltasse a tudo o que havia lhe acontecido desde cedo até o momento em que foi parar dentro do quarto dele.

Fordy a encarava com expectativa, esperando por uma reação dela.

—Acabei de me dar conta de que, talvez, eu esteja confiando demais em você – ela disse, arrancando uma risada oca do velho.

Fordy riu com gosto e vontade. A medida em que o velho aumentava o tom do riso, Adélia ficava mais nervosa e se afastava dele.

Por um momento, ela quis chorar por se sentir tão tola ao ponto de até compartilhar com ele o modo como se sentia quanto a Rafael. Por outro lado, estava enfurecida por ter perdido tanto tempo ouvindo suas histórias.

—Rafael ainda confia em mim – ele disse, em tom de riso.

—Rafael não sabe da metade das coisas que sei – ela rebateu, irritada pelo riso dele.

Fordy calou-se imediatamente, mas ainda havia um vestígio de riso em seus lábios. Ele observou seu rosto com avidez, franzindo os olhos e as sobrancelhas – como se estivesse encarando algo desagradável e incomodo.

Adélia, por outro lado, manteve-se firme, apensar de estar tremendo. Estava atenta em cada detalhe no ambiente, até na respiração de Fordy. Tinha medo de que, se piscasse os olhos, ele a atacaria.

—Você não sabe de nada, Adélia. – Fordy murmurou. Ele a estava intimidando, desafiando-a a provar-lhe algo.

Adélia respirou fundo e consertou a postura, fechando os olhos por um momento.

—Eu sei que Jeniffer é mãe dele – ela murmurou para o velho. Seu coração batia com tanta força que quase doía. – Sei também que ela o amaldiçoou.  

—Amaldiçoou? – Fordy riu outra vez, breve e irritado. – O que essa palavra significa para você? – Ele passou os dedos enrugados nos cabelos grisalhos, despenteado os fios. – Você não sabe nada da história dele, Adélia. Você sequer conhece ele de verdade, portanto, não me venha com essa.

—Eu o conheço muito bem, Fordy! – Adélia murmurou, exasperada. Estava quase tapando os ouvidos, pois não sabia se conseguiria ouvir mais alguma coisa dele. – Eu sei o preço dessa maldição ridícula!

Fordy negou com a cabeça. Ele a encarava com um misto de injuria e indiferença, comprimindo os lábios em uma linha rígida.

—Olhe para mim! Olhe o que fizeram comigo, com a minha família – ela disse, apontando para o próprio peito. – Adam me aprisionou aqui por conta dele. Toda a minha vida foi roubada, ou melhor, foi uma grande mentira por causa dessa maldição. – Ela calou-se por um momento, respirando fundo. – Estou presa aqui, provavelmente pelo resto da minha vida, e não faço ideia do que essa historia toda se trata.

Fordy a encarava com um olhar diferente agora – não com raiva, indiferença – era algo mais próximo a pena.

Adélia tocou o próprio rosto com as pontas dos dedos, surpresa pela falta de lagrimas. A dor que sentia no peito era tão grande que se estendia por todo o seu corpo agora, chegando a garganta e até sua cabeça, que latejavam. Por um momento, a solidão que costumava sentir todas as noites invadiu seu espaço e a agarrou com firmeza naquele momento, abraçando-a com tanta força que chegava a sufoca-la.

Ambos ficaram em silencio durante aquele tempo.

A medida em que os minutos se prolongavam, o desconforto foi dando espaço para a conformidade, até que Adélia não sentisse nada além de pontadas de dor nas costas por conta da posição desconfortável. Mesmo assim, ela não tinha coragem alguma de encarar o velho.

Fordy lhe parecia tão distante, tão desconhecido e impessoal que a ideia de ter aquele momento com ele a deixou confusa. Ela jamais imaginaria que um dia ambos seriam amigos, mas tinha a mínima ideia de que, uma hora ou outra, iriam acabar por conversarem sobre algo relacionado a Rafael. Para ela, Fordy lhe parecia tão inacessível em informações quanto Rafael – desconsiderando o fato de que, provavelmente, precisaria de muita intimidade com o velho para lhe arrancar qualquer coisa.

No entanto, lá estavam os dois, sentados nos degraus da escada e discutindo coisas que Adélia jamais falaria para Rafael ou Jeniffer. Ela já sentia o pingo de desgosto por ele ser tão rude e sincero com ela, junto com uma pequena gratidão por ter lhe contado coisas sobre Jeniffer e não a punindo por ser tão enxerida.

—Quando falou sobre aquele desenho... – ela quebrou o gelo, tensa por ser a primeira a falar depois de um tempo. – Quero dizer, o símbolo — ela engoliu em seco. – Bem, ele me protegeria mesmo?

Fordy não respondeu de imediato. Ele a encarou durante alguns segundos antes de pensar em sua pergunta e formular uma resposta convincente.

—Sim – disse, apenas. Não estava mais disposto a prolongar aquela conversa.

—Então eu só preciso tatuá-lo e pronto?

Fordy suspirou, fechando os olhos e conservando sua paciência.

 -Não é tão simples – ele respondeu secamente, mas Adélia continuou encarando-o à espera de algo a mais. – Há uma maneira diferente de integrar um símbolo à sua carne, de forma que, de fato, funcione. É diferente de uma tatuagem comum.

—Como em um ritual? – Adélia arriscou. Aquela palavra estava começando a lhe dar calafrios.

—Não exatamente. – Fordy engoliu em seco. Ele encarou o próprio relógio, ansioso para ir embora. – Você não precisa de uma cerimônia, mas precisa agir como se estivesse em uma.

Adélia assoviou. As palmas de suas mãos suavam tanto que estavam escorregadias, e o modo como se sentia insegura diante daquele assunto era quase aterrorizante.

—O que eu preciso para... – ela foi interrompida por Fordy, que se ergueu tão depressa que Adélia se assustou.

Havia ficado tão surpresa com a força e agilidade do velho que mal notou quando o barulho de passos se tornou mais alto, trazendo consigo a imagem esguia e apressada de Jeniffer.

—Adélia! – Ela murmurou, exasperada. Um salto depois e Jeniffer a agarrava pelo ombro, pressionando seus corpos um no outro, abraçando-a. – Onde esteve? – Ela continuou, em tom de preocupação.

Adélia piscou rapidamente, tentando entender a situação. Ela encarava Jeniffer com desconfiança, e Fordy em busca de alguma explicação. 

—Eu estava na biblioteca, Jeniffer – Adélia murmurou, como se aquilo fosse obvio. – O que aconteceu?

Jeniffer a encarou por um momento, procurando por alguma pista. Depois, ela lançou um olhar penetrante para Fordy, que manteve a compostura.

—Não deveria ter saído do seu quarto sem avisar, Adélia. – O tom de Jeniffer era de magoa, mas tinha um ponto de irritação em seu olhar.

— Pelo o que eu soube, você não a avisou sobre nada.  – Fordy interveio, naquele tom profissional típico.

O olhar de Jeniffer se tornou flamejante quando ela encarou Fordy, que recuou discretamente para trás.

Adélia sentiu uma gota de suor escorrer por suas costas enquanto o clima ali parecia cair. Sua mente voltou para trás, até o momento em que saiu de seu quarto e seguiu Jeniffer. Ela havia descoberto coisas sobre a mulher e agora, diante dela, Adélia sentia um medo inexplicável e puro arrependimento por ter se metido naquela situação.

Se vacilasse, poderia acabar se entregando – ou pior, entregando a ela e a Fordy – colocando tudo a perder. Tinha agora uma pequena noção de quem Jeniffer poderia ser, mas sabia e sentia que o que ignorava era um oceano.

Adélia não fazia ideia do que Jeniffer seria capaz de fazer caso descobrisse que ela tinha um certo conhecimento sobre sua pessoa.

—Sinto muito, Jeniffer – ela continuou. Sua garganta estava tapada por conta do medo, e sua voz saia como um fiapo de som. – Eu não conseguia parar de pensar em todos aqueles livros.

Jeniffer dirigiu seu olhar para Adélia. Embora ainda fosse visível os resquícios das faíscas, ela não a encarava com o mesmo tom de nojo o qual encarou Fordy a segundos.

—Deveria pedir permissão para ir até lá, Adélia. Poderia estar muito encrencada – ela disse, mansa e calma.

Adélia assentiu rapidamente, neutra.

—Pensei que não teria problema se fosse rápido. Acha que Rafael irá desconfiar?  - Adélia abraçou a si mesma e fechou o rosto. Tinha a esperança de que, se se mostrasse arrependida, Jeniffer não desconfiaria de nada.

—Tenho certeza de que ele não irá ficar sabendo – Jeniffer comentou, alternando seu olhar de Adélia para Fordy.

O velho, porém, manteve-se em sua postura e não disse mais nada.

Mesmo quando Jeniffer puxou Adélia para junto de si e a arrastou para o quarto, Fordy não desviou o olhar de ambas. Parecia que queria dizer alguma coisa para Adélia, mas o olhar franzido que ele lhe dirigia era o suficiente para que ela entendesse o pedido de “cuidado” que ele queria lhe mandar.


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