Ana, tremendo, saiu do hospital.

— Como você está se sentindo? — perguntou Jorge, abrindo a porta do carro.

— Eu… Eu não sei. — Ela olhou para o hospital. Um  lugar que celebrava o nascimento de milhares de crianças, mas também de milhares de mortos.

— Sei que se sente culpada, mas você fez a escolha certa.

Ela não respondeu. Calados, foram para casa, com o ruído do vento a lhes fazer companhia.

Ana entrou em casa, foi até quarto e abriu as janelas; no momento em que os raios de sol tocaram seu rosto, a fraqueza a atingiu em cheio. Com os braços trêmulos, abriu a primeira gaveta do criado-mudo e, tirando o pequeno frasco de lá, tomou o remédio.

Jorge, ao passar pelo corredor à frente da porta do cômodo, viu que suas feições demonstravam dor.

— O que houve?

— Nada. Só fiquei um pouco tonta.

Seu cabelo estava desgrenhado, suas roupas amassadas, seu rosto transparecia cansaço. Apesar de não ser bom com palavras, Jorge sabia pelo que ela tinha passado. Ele, então, a abraçou.

Ana olhou pela janela. Nuvens escuras começavam a se formar. Esse era um daqueles raros momentos na vida na qual o céu reflete seu humor. ainda estava abraçada a Jorge.

Algumas horas mais tarde, a chuva começou a cair. Ana observou as gotas rodopiarem pela janela da sala, por vezes parecendo que fugiam uma das outras, como crianças num pega-pega. Crianças num pega-pega… Ainda sentia a dor, mas a culpa havia passado. Estava aliviada. Graças ao seu sacrifício, ninguém herdaria sua doença.