Eu sou a cura escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 12
Queda


Notas iniciais do capítulo

queda
substantivo feminino
1.
ato ou efeito de cair; caída.
2.
p.met. tombo, baque, trambolhão.



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Com tanta dor e desespero, empreguei o máximo de recursos para encontrar uma solução para o problema que eu mesmo criei. Consegui transferir Lilian para Washington, de maneira que eu pude ficar próximo dela enquanto realizava as pesquisas dentro dos laboratórios da Cure. Mas bem antes disso eu enviei todas as informações que tinha sobre a arma para Jennifer Hoggart, a mais honesta e brilhante cientista que eu conhecia. Apesar da sua pouca idade, Jenny já era um nome importante na cena das ciências biológicas. Sempre fora esforçada e entrou da Cure com pouca idade.

            Na época de sua entrada, já estávamos “infectados” pelo mal do desvio de princípios. Eu e Anthony já havíamos entrado de cabeça em meio a tramoias políticas e jogos perigosos. O dinheiro, a influência e o poder já existiam. Por que então contratar uma cientista de índole tão boa como Jennifer? Sabe, eu pesquisei sobre a vida dela. Nascida em uma família de classe média, Jenny era o tipo de pessoa que sabia sua vocação desde criança. Céus, nem mesmo eu era assim. Ela sempre se interessara por assuntos do campo da biologia, segundo palavras de sua própria mãe (que hoje vive no Canadá). Com uma meta bem estabelecida, a garota se esforçou como uma leoa para conseguir o que queria. Quando se candidatou a uma vaga na Cure, eu logo me surpreendi: seu currículo era exemplar, além de ter uma boa experiência prática, apesar de ser uma jovem. E como vocês sabem: nunca me importei muito com a índole. Queria apenas competência.

            Obviamente essa decisão limitou um pouco minha comunicação com a moça. Ela, obviamente, só pegava trabalhos “limpos” e sem nenhum dilema moral. Mas eu sempre observei seu talento, sua honestidade e sua curiosidade. Fico até surpreso que ela nunca tenha desconfiado de todo nosso jogo sujo (ou será que desconfiou?). Além de tudo isso, ela ainda tinha um bom relacionamento comigo e com toda minha família. A garota até havia saído algumas vezes com Liam. Por essas razões eu a escolhi como braço direito nessa “missão de redenção”.

Após receber a mensagem contendo as informações da arma (enviei tal mensagem através de um email falso e tomando todo o cuidado do mundo para não deixar rastros), Jennifer imediatamente ligou para mim.

— Olá, Jennifer — atendi.

— Reed, tem algo de estranho aqui. — A voz de Jennifer tremia, transmitindo insegurança.

— Sinta-se livre para falar o que quiser.

— Eu recebi um email. — Ela pausou para respirar profundamente. — Um email muito estranho. Ele parece envolver o que houve em Las Vegas.

Apesar dos dias que se passaram, ela ainda não sabia que o ataque em Las Vegas atingiu minha esposa. Eu optei por manter silêncio quase que total, pois não queria que a imprensa perturbasse ainda mais minha paz. Dessa forma, apenas eu, Liam e Anthony sabíamos do mal que Lilian sofria.

— Continue — falei friamente.

— O email mostra um mecanismo biológico e uma série de informações sobre ele. Dados, pesquisas, experimentos. A mensagem ainda conta com a imagem do cassino atingido ali. Eu logo juntei os pontos e cheguei à conclusão que se trata da própria arma que os terroristas usaram. Algo realmente complexo — Jennifer explicou.

Bingo! A garota não era tola. Eu, sem revelar qualquer envolvimento com o email, prossegui com a conversa:

— Que estranho! Por que enviariam isso para você?

— Eu não faço ideia. — A voz dela agora transmitia medo. Talvez temesse que eu começasse a desconfiar dela mesma. Pobre garota. — Mas seja qual for o motivo, isso pode nos ajudar a resolver todo esse problema. Mas claro, precisamos ter certeza de que isso se trata da arma utilizada no cassino.

— Logo teremos a certeza quanto a isso. Enquanto isso, vamos estudar esse email que você recebeu. Pode ser de grande valia para todos e quem sabe salvará muitas vidas. Estou indo para o laboratório principal. Nos vemos aí.

A chamada foi encerrada. Eu estava no hospital ao lado da cama onde jazia minha bela esposa Lilian Kaas. Ela estava sedada, livre de qualquer sofrimento. Os últimos dias haviam sido duros. Ela sofria intensamente e eu nada podia fazer. Simultaneamente as aulas de Liam recomeçaram e eu recomendei que ele ocupasse a mente com os estudos. Ele seguiu meu conselho.

Olhei para a bela face dela e acariciei a mesma com cuidado e leveza. Seu rosto estava imóvel, impassível, mas ainda pude sentir o calor que seu corpo emitia. Havia vida, afinal. Eu sentia falta de seu sorriso, de sua voz e de seus conselhos. Eu sei que nunca fui um exemplo de boa pessoa, mas sem ela seria muito pior. Quem dera eu pudesse ser um pouco mais parecido com ela. Olhando para seus olhos fechados, eu disse do fundo do meu coração:

— Nós vamos conseguir nos livrar disso, meu amor. Tenho certeza disso. Apesar dos erros, dos problemas e de tudo que você sofreu, eu prometo que irei arranjar um jeito de te trazer de volta. Te trarei sã e salva e poderemos finalmente aproveitar nossa aposentadoria. Viajaremos, viveremos cada dia como se fosse o último. Poderemos ver Liam se formar, crescer em sua profissão, se casar com uma boa esposa e ser um homem feliz. Ele constituirá uma família e você será uma vovó-coruja. Obviamente eu também seguirei essa linha. E então envelheceremos juntos e saberemos que fizemos de Liam um homem bom. E, quando chegar a derradeira hora, teremos a certeza que aproveitamos tudo ao máximo. E não haverá arrependimento algum. Eu te amo!

Essa foi minha despedida antes de partir rumo ao laboratório da Cure. Enquanto saía do hospital, um filme passava em minha cabeça. Eu via a cura sendo encontrada bem a tempo de salvar Lilian. E então íamos mais uma vez para casa. “E fomos felizes para sempre”, pensei. Mas para isso eu precisava agir. Rapidamente cheguei na Cure e subi até o laboratório onde Jennifer se encontrava.

— Temos muito trabalho pela frente — eu disse.

— Sim. — Jenny parecia confiante. — Mas vai dar certo.

Se pelo telefone o medo tomava conta de sua voz, agora a moça se via como uma esperança para tantas vidas. Talvez a minha aparente segurança também tenha a ajudado a mudar de atitude.

— Mas nós não salvaremos o mundo sozinhos — expliquei.

Jennifer me olhou com estranheza, mas nada disse. Provavelmente não entendera que eu queria esforço total no projeto em busca da cura. E quando eu digo “total”, me refiro a toda equipe da Cure. Um esforço nunca antes empregado. Após tornar meu pensamento explícito, Jenny finalmente me entendeu. Eu então convoquei toda a equipe de pesquisa e expliquei o caso. Apelei para o patriotismo, expliquei que aquela era uma luta contra o terrorismo e logo todos se animaram. Com o início oficial dos trabalhos, eu liguei para meus contatos na política para conseguir ainda mais informações sobre a forma que a arma foi usada, além de adquirir provas de que a “mensagem” se tratava mesmo da arma. Isso traria confiança para a equipe, o que é sempre bom.

Em meio a todo trabalho, Jenny fez uma pergunta que nenhuma outra pessoa ousou fazer:

— Reed, o que houve com Anthony Grace? Ele apareceu aqui um dia desses e levou embora todo o material pertencente a ele. Tentei conversar com ele, mas fui completamente ignorada. Ele foi demitido ou algo assim?

Eu hesitei, mas logo falei a verdade. Ou algo próximo dela.

— Ele se demitiu.

— Nossa! Por quê? — Jennifer estava curiosa.

— Não importa — falei com frieza. — De volta ao trabalho.

A garota estranhou minha frieza pouco usual, mas logo retornou ao trabalho em busca de uma solução para toda aquela problemática. Da mesma forma, também trabalhei arduamente atrás de uma cura. A imagem de Lily desacordada naquela cama de hospital era minha motivação. Eu não deixaria que ele perecesse daquela forma.

As semanas foram passando em um incessante processo de pesquisa, testes e erros. Ainda assim, o grupo não desanimava. Eu obtive a confirmação oficial de que estávamos realmente trabalhando contra a arma (algo que não era necessário para mim, mas trazia confiança ao grupo de que a mensagem falava apenas verdades). Com isso, uma nova motivação surgiu na equipe. Mas foi algo sombrio que motivou o time de vez.

A cidade de Dallas (do estado do Texas) foi vítima de mais um ataque terrorista silencioso. Sem palavras de ordem, sem gritos ou explosões. Todo o terror ocorreu no silêncio de uma tarde amena e tranquila. O ataque ocorreu especificamente em um evento de grande circulação de pessoas, envolvendo um estrondoso churrasco de grande sucesso. Tudo ocorreu semelhantemente ao caso em Las Vegas: as pessoas sorriam, comiam e aproveitavam a festa. Até que algumas começaram a passar muito mal. Mais uma vez os agentes de saúde apareceram e mais exames foram feitos. Mas dessa vez, em poucas horas se soube que se tratava de um ataque.

Com o segundo ataque daquele tipo, o terror voltou a se instalar nos Estados Unidos da América. Era como se o 11 de setembro de 2001 estivesse de volta. Para piorar, as primeiras pessoas que haviam sido contaminadas em Las Vegas começaram a morrer. Já eram dezenas na lista de mortos. E, mais uma vez, minha mente viajava pelas possibilidades. “Não estou sendo rápido o bastante”, eu pensava. “Lilian pode morrer a qualquer momento”, concluí.

A situação de terror levou a equipe da Cure a trabalhar ainda mais intensamente. Jennifer via aquilo como o trabalho da vida dela. Enquanto isso, eu e Liam continuávamos a visitar Lily com frequência, mesmo que eu o fizesse menos vezes. Estava completamente focado na cura.

Mais dias se passaram e a evolução em nosso trabalho havia praticamente cessado. Era como se faltasse algo, como se não tivéssemos o panorama completo do organismo usado no ataque. “Isso não pode ser possível, eu mesmo trabalhei nele”, pensei. Mas o fato era: estávamos sem tempo e as pesquisas simplesmente não estavam mais avançando. A equipe começou a ficar desmotivada e a própria Jennifer se queixava com frequência.

— Nada tem dado certo, Reed — ela disse uma vez.

— Não podemos parar. Vamos rever isso e tentar fazer direito — eu respondi.

A moça trazia preocupação em seu rosto, ao mesmo tempo em que eu ocultava todo o medo que eu sentia com a possibilidade de perder Lilian. Eu disse:

— Nada é fácil e esses tempos estão realmente complicados. Mas nós vamos conseguir.

— Reed — Jennifer disse. — Por que não pedir ajuda de Anthony Grace? Ele é inteligente, tem experiência. Ele pode ajudar.

Eu apenas respondi com o olhar incrédulo. Depois de tudo que Anthony fizera, eu não confiaria nele por nada. Ele não passava de um criminoso, assim como eu. Enquanto isso, a equipe científica continuava incrédula, por mais que eu tentasse motivá-la. Não poderíamos ter chegado tão longe para tudo desandar. Não, isso seria inaceitável. Mas então tudo se tornou ainda pior. Dois dias depois recebi uma ligação do hospital informando que a situação de Lilian Kaas havia piorado e que os esforços dos médicos não estavam surtindo efeito.

— Estou chegando aí — eu disse.

Busquei Liam e fomos juntos ao hospital. Chegando lá, logo fomos guiados até o quarto onde jazia Lily, o amor da minha vida. Ela estava deitada como de costume, mas dessa vez não estava totalmente drogada. Ainda que sob o efeito de vários medicamentos para coibir as alucinações, ela nos reconheceu.

— Meu amor! Meu filho! — Ela disse com uma ternura na voz capaz de fazer qualquer um chorar.

Eu segurei as lágrimas e me aproximei da cama. Olhando para minha esposa mais de perto, eu logo notei que ela estava pálida e seus olhos haviam perdido o brilho usual. Além disso, seus lábios estavam secos e sua respiração lenta e agonizante. Mas dane-se! Ela era a mulher da minha vida. E sempre seria.

— Meu amor! — Segurei a mão dela e olhei fixamente para seus olhos.

— Mãe! — Liam se aproximou pelo outro lado e também segurou a mão da mãe.

Lilian Kaas nos olhou com verdadeiro amor e seus lábios logo se mexeram formando um singelo, mas belíssimo sorriso. Sua voz, mesmo que falha, trazia calor para nossos corações.

— Não era para vocês me verem assim — ela disse.

Ela não dizia isso com tristeza na voz ou pena de si mesma. Ela apenas queria que víssemos o melhor dela. Mas eu sempre via isto em Lily: a mulher que me fez entender o sentido do amor. A primeira pessoa pela qual eu daria minha vida sem pestanejar. E nada mudaria minha forma de enxergá-la.

— Você está linda como sempre, minha rainha. — Apertei sua mão e pude notar sua fraqueza, ainda que ela se esforçasse para retribuir fisicamente todo aquele amor.

— A gente vai ficar sempre junto! — Disse Liam.

Dessa vez ele não conseguiu mais se conter e lágrimas transbordaram pelos seus olhos. Lily esticou o braço e, alcançando o rosto do filho, enxugou os sinais de tristeza. Ainda disse:

— Não chore, meu filho amado. Independentemente do que venha a acontecer, eu sempre estarei ao seu lado. Eu acredito que sempre há vida. Você acredita?

Apesar dos anos de casados, eu e Lilian nunca paramos para discutir questões religiosas e metafísicas. Eu sempre fui pragmático e cético, mas admito que ver a fé que Lily nutria por algo mais fazia com que eu me sentisse atraído pelo tema. Entretanto, aquele não era meu momento de falar, mas sim o do meu filho.

— Sim. Mas você não precisa ir para lá agora! — Ele ria ao mesmo tempo em que chorava.

Lily riu como uma criança. Seu riso acalmou meu coração e me trouxe uma paz. E, durante aqueles lentos minutos, eu aproveitei tudo intensamente. Algo me dizia que o meu amor não passaria mais muito tempo conosco. E infelizmente eu estava certo. Após aquele momento leve de descontração e reunião familiar, Lily começou a respirar ainda mais lentamente.

— Eu vou chamar o médio! — Eu disse.

Mas ela me interrompeu. Lily usou toda sua força para dizer “Não, não” de maneira audível. Eu retornei e olhei para seus olhos agora arregalados. Ela segurou e meu braço e disse:

— Fique comigo. Não me deixe.

Eu me aproximei da minha esposa e, curvando-me lentamente, dei um beijo em sua testa. Liam observava tudo confuso e com medo. Ele segurava firme a mão da mãe, mas as lágrimas não cessavam de fugir de seu olhar.

— Eu... — Lily começou, mas eu a interrompi.

— Descanse — eu disse.

— Não, não. Eu preciso.

Lily então juntou toda a energia que tinha e começou a falar.

— Minha vida foi boa. Eu aproveitei enquanto jovem, aproveitei enquanto madura. E tive a chance de ter o melhor marido do mundo. Depois disso, tive a bênção de ser a mãe do melhor garoto que já conheci. Reed e Liam: vocês são luz na minha vida. Nunca se apaguem. E se ao longo desses anos eu fiz algo de errado, peço que esqueçam. Amo demais vocês e espero vê-los novamente. Não sei como e nem quando, mas eu acredito. Obrigado por terem feito minha vida bela.

A voz dela era fraca, mas trazia dentro de si um poder emocional único. Ela falava diretamente com nossas almas, com o mais íntimo que existia dentro de nós. E mesmo naquela posição de debilidade, ela ainda trazia um calor dentro de si. Liam, chorando, disse:

— Não, não, mãe!

Quanto a mim? Bem, eu fiquei completamente sem palavras. As lágrimas falaram por mim. Lily deu um belo olhar para mim e para meu filho. E, sorrindo uma última vez, fechou os olhos e descansou. Daquele momento em diante, foi como se o mundo se calasse para mim. Eu não escutava mais os ruídos do hospital, as pessoas andando e conversando. Céus, nem o choro de Liam eu conseguia escutar mais. Eu apenas lembrava da voz da minha esposa e olhava para seu corpo agora sem vida. O médico logo apareceu, deu suas condolências e seguiu o procedimento adequado.

Aquele foi o dia onde uma parte de mim foi embora. A melhor parte, a propósito. Apenas o silêncio seria meu companheiro dali em diante. Paralelamente, Liam sofria ao máximo possível. Seu choro fazia eu me sentir mal, mas o sofrimento pela perda de Lily já era demais para mim. Admito que não fui um pai excelente naquele momento, mas era simplesmente impossível para mim. A morte dela foi, afinal, a minha maior queda.

Ao saber da notícia, Jennifer logo prestou suas condolências e deu suporte emocional a Liam. Ao mesmo tempo, tínhamos que continuar com o projeto em busca da cura. Lily morreu, mas ainda existiam pessoas vivas que poderiam ser salvas. Além disso, a arma ainda poderia estar por aí. Mas antes disso, eu tinha que prestar uma última homenagem à minha eterna companheira.

Após uma missa, o funeral de Lilian Kaas aconteceu no mesmo cemitério dos pais dela. Era um dia chuvoso, o que tornou tudo mais dramático. Eu e Liam trajávamos nossas melhores roupas, como em uma homenagem final à nossa amada mulher. Ao mesmo tempo, Jennifer e alguns funcionários da Cure apareceram para prestar respeito. Além disso, outros professores e alguns alunos da universidade em que Lily trabalhava também apareceram. Mas em meio ao mar de amor, algo me incomodou profundamente: Anthony Grace — meu mais novo inimigo — estava presente. Seu rosto, no entanto, mostrava genuína tristeza. Além disso, pude notar que ele estava mais esquelético do que nunca e usava um curativo no nariz.

O ritual aconteceu com tranquilidade, apesar do choro por parte de mim e de Liam. Eu nunca chorava em público, mas aquela não era uma situação comum. Olhei para a lápide de Lily e disse mentalmente “queria estar aí no seu lugar”. Eu sempre pensava aquilo, mas não adiantava de nada. O que estava feito não havia volta. Dentro de mim, eu só sentia uma vontade de jogar tudo para cima. Como se achar uma cura agora não tivesse mais sentido. Tudo que eu queria era salvar Lilian, mas com ela morta do que adiantaria a cura? Meus objetivos haviam morrido junto.

Mas, enquanto refletia isso, continuei a olhar para o lugar onde jazia minha esposa. Ela nunca soube do meu lado sombrio. Se soubesse, o que acharia de mim? Será que me aceitaria? Seria certo ela me aceitar? Sinceramente, acho que nem eu me aceito. E naquele segundo percebi que não fui um marido honrado enquanto Lily esteve viva. Ela não me conhecia em plenitude. Conhecia o melhor lado, claro. Mas eu ocultei o pior de mim, mesmo quando tive opção de mudá-lo e mostrá-lo para ela como deve ser. E agora ela estava morta por minha culpa, graças ao meu lado oculto e sombrio.

O que fazer agora? Largar tudo? Não. Eu precisava honrar Lily, mesmo que uma memória dela. E se ela estivesse certa? E se ela me visse de algum lugar? Céus, eu não sei de nada e tenho dúvidas de tudo, mas não quero por nada nesse mundo desapontá-la. Eu decidi que iria continuar a trabalhar com a cura. Mas isso não seria suficiente. Eu não poderia permitir que mais pessoas sofressem como Lily sofreu. Não. Eu ia fazer a diferença para o bem, dessa vez. Estava na hora de honrar a boa esposa que eu tinha. A decisão estava tomada.

O ritual acabou e, após abraços e lamentações, as pessoas começaram a se retirar. Liam passou bons minutos olhando para a lápide da mãe. Após fazer um sinal da cruz, ele se retirou e foi até o carro enquanto eu me mantive lá. Eu me senti sozinho com ela até a silhueta esquelética de Anthony aparecer mais uma vez. Com a voz sofrida e com claras marcas de choro, ele disse:

— Ela era uma boa mulher, Reed. Ela era diferente de nós.

Eu apenas ouvia enquanto a água caía sobre todos nós. Encarei o olhar profundo de Anthony por alguns segundos até que ele continuou a falar.

— Desculpas. Foi minha culpa, eu sei. Eu devia ter ajudado e sei que agora é tarde. Mas eu refleti. Reed, você não sabe como eu estou sofrendo!

A voz dele estava tensa e cansada, como se a cada dia ele estivesse ficando mais fraco.

— Eu tenho passado por maus bocados. E sei que você também. Mas quer saber? Podemos mudar isso. A conversa no restaurante semanas atrás? Você estava certo. Eu fiz merda e peço perdão. Você não sabe como isso está acabando com minha cabeça! — Anthony Grace começou a chorar descontroladamente.

Apesar de suas lágrimas, eu não sentia empatia. Ao ver a face daquele que um dia já fora meu amigo, eu só conseguia lembrar que ele armou aqueles que mataram minha mulher. E isso se refletiu nas minhas palavras.

— Seu pedido de desculpas não fará Lilian se levantar do caixão. Acabou, Anthony. Vá para casa e aproveite os últimos dias de liberdade. Esse jogo não vai durar mais muito tempo.

 Sua expressão rapidamente mudou de tristeza para preocupação.

— Reed, você está louco? Você vai me entregar? Você não pode fazer isso! Reed, você não imagina pelo que eu estou passando! — Sua voz transmitia rancor, mas sua fraqueza ainda se fazia notável.

— Anthony, se afaste. Eu não tenho mais respeito algum por você — respondi.

— Reed! Pense, eu posso te ajudar. Vamos achar a cura e ponto! As pessoas ficam bem e ninguém vai preso. Fim da história!

Ele começou a transparecer uma certa histeria. Ele segurou meu paletó com as duas mãos enquanto, com os olhos arregalados, suplicava para que eu aceitasse aquela ideia. Eu respondi:

— Céus, você parece um cachorro abandonado. Você quer saber a verdade? Eu não confio em você. E minha equipe tem total capacidade de resolver esse problema. Nós não precisamos de você.

Anthony se afastou e começou a encarar o chão. A chuva havia se intensificado e já estávamos completamente encharcados. Com o olhar agora de desprezo, Anthony começou a vociferar:

— Você não seria nada sem mim! A Cure nem existiria! Você não teria riqueza, nada! Viveria na lama e seria só mais um no mundo! Eu fiz você ser o que é, Reed Kaas. Eu fiz a Cure crescer. Essa é uma conquista minha, não sua. E você sabe que só eu posso te ajudar. Eu fiz a arma. Eu sou a cura.

Aqueles dizeres que transbordavam arrogância me irritaram ainda mais. O cretino estava tirando todo o meu mérito nas minhas maiores conquistas e ainda se vangloriando por toda corrupção que cometemos. Minha reação foi violenta. Dei um forte soco no lado esquerdo de seu rosto. Anthony Grace caiu no chão como um boneco, deixando que o sangue que agora saía do seu rosto caísse no chão e formasse uma pequena poça vermelha. Vendo-o no chão eu pude ver o seu péssimo estado. “O que está acontecendo com ele? ”, pensei.

Entretanto, a reação dele me enfureceu mais ainda. Começando a rir histericamente, Anthony disse:

— Belo erro, Reed. Nos vemos no inferno!

Ele então deitou a cabeça no chão enquanto permanecia rindo. Observei aquilo com nojo e espanto, mas nada podia fazer. Eu tinha um objetivo em mente e iria cumpri-lo. Ninguém mais iria sofrer como Lily sofreu. A cura seria encontrada e eu iria acabar com todo esse esquema corrupto. Estava na hora da verdade ser revelada.


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Notas finais do capítulo

Valeu pela leitura! O fim está próximo ;)



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