O Cativeiro da Escuridão escrita por Diego1406


Capítulo 1
A Chegada




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As nuvens cobriam o céu. Há mais de dois dias que o Sol não aparecia, mas, apesar disso, o amanhecer chegava claro e com vida. O vento, cortante, forçava as velas e a rápida frequência das ondas fazia a embarcação balançar. Elohas se encostava no parapeito. Apesar do sono, pesadelos o fizeram preferir encarar a escuridão a oeste que lentamente recuava. Um misto de animação e tédio tomava conta dele. Por mais que estivesse adorando a viajem, e soubesse que faltava pouco para chegar a seu destino, a vida no navio era muito tediosa. Um mês e meio no mar já o fazia desejar com força a terra para andar, e um chão firme para dormir.

No meio de um bocejo ele ouviu um marinheiro gritando no mastro. Se aproximavam da terra. De um salto ele foi até a proa. Apesar da oposição da luz, uma escura faixa de terra se destacava ao leste. Entrou pela porta e dois lances abaixo, na terceira cama de uma fileira com dezenas, cutucou um jovem que dormia profundamente.

Acorde Vecydes! – Não queria que os momentos de chegada ao continente fossem passados com o irmão dormindo, mas também não estava disposto perder tempo com sua preguiça. – Vamos!

O que foi Elohas? – Vecydes coçava os olhos e se espreguiçava. Parecia tonto e ainda meio desacordado. Diferente do irmão, ele nunca se acostumara totalmente com as rotinas e ambientes do navio. Cada manhã era uma aventura para acordar e se situar no navio. – Por quê tão cedo? – Disse ao quase cair do estreito colchão.

Chegamos. Vamos lá! - Elohas deu meia volta e começou a subir.. Sabia que o irmão o seguiria com essa notícia.

Subiu até o convés e viu que nesse meio tempo perdeu seu lugar no parapeito. Mais da metade da tripulação já se amontoava para observar o continente, que agora parecia mais próximo a cada minuto. Ele olhou para trás e viu que Vecydes já estava subindo pela escada, ainda tonto e desequilibrado. Ele abriu um caminho até o parapeito e observou a praia. Os homens exclamavam animados. Olhou para os lados e todos os cinco navios da armada, cheios de soldados e marinheiros, bradavam a chegada ao tão esperado destino.

Ele foi até o mastro e viu que o capitão estava satisfeito. Adryos era um homem bem exagerado e sempre parecia estressado, mas nesse momento estava calmo. A viajem acabara, e tudo tinha dado certo.

Então capitão. Sãos e salvos, não? – Disse Elohas com sarcasmo, lembrando da severidade do marinheiro no alto-mar.

Sim. Mas essas nuvens são estranhas. Essa parte do continente sempre foi bem ensolarada, uma tempestade deve estar vindo. – Apesar do mal presságio em suas palavras, ele emanava confiança e satisfação.

A armada se aproximou da costa e entrou em uma grande passagem entre duas praias. Esta que parecia ser o delta de um grande rio, mas se ampliou e revelou uma gigantesca baía dentro do continente. Parecia que um segundo mar se escondia dentro do continente. Ao longe, todos puderam ver um pálido brilho, como uma fraca estrela perto da luz da lua. Muitos não sabiam o que era, e o capitão explicou que era o topo do grande domo em Umbar. Feita em prata, uma escultura coroava a estrutura principal, brilhando e avisando marinheiros que procuravam o porto.

Enquanto atravessavam a gigantesca baía, Elohar notou o clima e a geografia da região. As praias eram brancas e desertas; atrás, o relevo se elevava e grandes montes de areia e rochas claras faziam pouco contraste ao céu claro e nebuloso. Ventava bastante e o clima úmido denunciava chuva forte, apesar de nenhuma nuvem parecer carregar uma tempestade. Parecia que todos os textos e aulas que teve em Númenor saltavam de sua memória e viravam realidade. Desde a escola, ouvia sobre a árida e fascinante região sul da Terra Média.

Cinco horas depois, ao passarem por várias vilas e pequenos portos ao longo da costa da baía, Elohas pôde ver com detalhes a grande fortaleza que crescia a sua frente. Maior do que imaginava e mais imponente como nas pinturas. Umbar começou como um simples porto numenoriano, ele estudou, como outras dezenas espalhados pela costa da Terra Média. Mas os crescentes conflitos que resultavam da guerra de Sauron contra os povos livres forçou Númenor a concentrar suas principais vias de comércio e mercadorias em Umbar. Apesar de alguns dizerem que era perigosamente próximo a Mordor, não pertencia a nenhum reino específico, e como os povos do sul e leste eram grandes provedores de especiarias, Umbar passou de um simples porto para um grande centro comercial com uma forte guarnição militar. Milhares de pessoas moravam lá, e por décadas podia ser considerado um dos lugares mais pacíficos e prósperos da Terra Média.

Tudo isso Elohas e Vecydes aprenderam ainda crianças. Durante sua infância em Romenna, o maior porto de Númenor, ouviam histórias de marinheiros e aventureiros, contando histórias e lendas sobre a Terra Média. Todas começavam em Umbar.

Enquanto o porto chegava mais perto, Elohas olhou para o irmão e viu que estava feliz. Ambos se animaram com essa viajem. Nem parecia que sua vida militar começara de forma forçada.

Dois anos antes, o Rei decretara uma lei em que todo homem com menos de cinquenta anos deveria se alistar no exército. Elohas já estava tralhando na oficina do pai e Vecydes já estava aprendendo o ofício da família. Ambos tiveram que largar da tradição e se juntar as fileiras que se acumulavam nos portos. Agora, dezenas de treinos, estudos e preparação, foram enviados a uma verdadeira missão.

Poucos meses atrás, um grande grupo de orcs atacou o porto. Apesar de não ser suficiente para danificar as defesas da fortaleza, obrigou ao rei aumentar a segurança e as fortificações ao porto.

Os homens trazidos por estes cinco navios, eram a última remessa de guarnição, e seriam necessárias para proteger o porto de qualquer ataque. “Até porque” disse o general de seu quartel antes de partirem, “os orcs são indisciplinados, impulsivos e não suportam a luz do sol. Será fácil para vocês ganharem qualquer batalha mesmo que tenham menores números”. Com essas palavras, Elohas e os outros soldados não só se sentiram mais confortáveis com a viajem, como também mais seguros, sabendo que no porto não haveria perigo com o aumento de efetivos.

E de fato, parecia seguro. Era chamada de a pérola de Númennor no oriente e Elohas só estava confirmando esses boatos Conforme se aproximava, se deslumbrou com as grandes estruturas e altas torres que circundavam a fortaleza. Ao todo ela era dividido em duas partes. Ao norte, o verdadeiro porto se fixava. Incontáveis cais e atracadores, que poderiam suportar uma gigantesca armada, se estendia por mais de dois quilômetros. Ao sul, um grande castelo, com um gigantesco domo central, se erguia e era cercado por centenas de prédios, torres e casas que formavam a cidade. As duas partes eram cercadas por uma muralha de quinze metros com centenas de torres de vigilância. Um tom areado rodeava as estruturas e todos os prédios e torres pareciam pintados de um vermelho-escuro que combinava com a região.

Ao longe, no céu a leste, ele notou nuvens escuras se aproximando com rapidez. Presumiu que a chuva estava chegando e disse ao capitão que estava certo sobre uma tempestade.

O navio se aproximava pelo sul da baia e passava ao lado da muralha do grande palácio rumo ao porto. Olhou para a direita e se assombrou com a altura do paredão vermelho. A frente, o porto parecia cheio de navios. Enquanto a embarcação procurava um cais específico para atracar, Elohas se aproximou do irmão.

Já sabem como serão divididas as guarnições? Onde cada um ficará?

Ouvi que o general do porto designaria as tropas recém-chegadas – Vecydes conversava bastante com os homens. Sendo Elohas mais reservado, procurava o irmão quando queria saber de algo que provavelmente já devia estar na conversa dos colegas. – Olhe! Aqueles guardas. Parecem que estão nos aguardando.

Cerca de dez homens aguardavam no cais mais próximo. Semblantes sérios e confiantes predominavam em seus rostos. Enquanto os colegas se enfileiravam para descer, Elohar olhou mais uma vez para a grande fortaleza ao sul, e desejou mais do que nunca entrar no gigantesco domo. Por algum motivo o tom vermelho lhe dava fome; já era quase hora do almoço. Depois de quase tropeçar entrou na rampa que descia ao cais. Virou a direita, junto com seu regimento e entrou na linha que formavam, enquanto Vecydes virou a esquerda e se alinhou com seu regimento. Ele sempre estranhou o fato de que não fazia parte do mesmo grupo do irmão. Vecydes achava que o general não queria que eles se isolassem e não se entrosassem com seus colegas.

Enquanto todos os soldados desciam do navio, Elohas analisava o que conseguia ver do porto. A distância as centenas de cais se uniam e pareciam um piso único. Olhando para o leste ele via o terreno se elevar levemente, e logo atrás várias escadarias levavam ao topo da muralha avermelhada. Ao olhar para aquela direção ele notou um bando de pássaros voando em direção ao mar, enquanto nuvens escuras surgias por detrás dos muros. “A chuva chegou afinal”, pensou enquanto olhava para o capitão que permanecera ao lado da rampa.

O único homem se capacete no grupo que os esperara deu um passo a frente. Era alto, com cabelos negros e uma expressão austera. Aparentemente já recebera muitos novatos antes, pois parecia não precisar recorrer a memória para o discurso que se preparava para fazer.

Boa tarde senhores. Sejam bem-vindos a Umbar. Sou o comandante Vadórus, o coordenador do porto. Vou lhes mostrar hoje as principais instalações da base. – A cada palavra Elohas sentia a animação no grupo subindo. – Vamos té a fortaleza, onde vocês almoçarão e conhecerão a cidade. O general da fortaleza irá recebê-los, e em seguida cada um será designado a um setor.

Vecydes olhou para o irmão de longe. Podia dizer que o outro torcia para serem mandados para o mesmo lugar. Mesmo tendo se enturmado em seu regimento e até em outros regimentos, ele preferiria ficar ao lado do irmão. Elohas por outro lado não era tão apegado. Mas se tivesse que escolher, ficaria ao lado de Vecydes pois já estava mais acostumado com sua presença. As vezes se sentia um estranho mesmo dentro de seu próprio regimento.

Devo lembrá-los que, não estamos em Númenor. – Continuou Vadórus. – Não temos o mar nos protegendo ou nossas grandes fortalezas nos guardando. Aqui ficamos de frente com o inimigo, e este está sempre a espreita esperando uma oportunidade. Devemos estar sempre atentos, focados e preparados.

Virou as costas e pediu para que os homens o seguissem. Foi em direção a passagem de pedra que cruzava as centenas de cais. Apontava para uma grande estrutura no fim dessa passagem. Explicava que ali ficava o centro administrativo e quartel do setor do porto.

Elohas não conseguiu entender as próximas palavras. Seus olhos se voltaram para as nuvens que surgiam atrás das muralhas enquanto examinava a extensão do porto. Ela avançavam impressionantemente rápido e muitos homens já as olhavam com estranheza. Vecydes, que acabara de notar o que os colegas observavam, já estava levantando a mão e pedindo para falar quando uma forte trombeta soou.

Todos olharam para cima assustados. O forte som parecia vir da grande fortaleza na outra parte da cidade. Vadórus fez uma expressão de raiva enquanto olhava para o leste. Correu em direção a muralha e gritou para que seus homens o seguissem. Alguém nos regimentos ouviu errado e em segundos todos os homens o seguiam. Elohas aproveitou a multidão e foi em direção a muralha. Se perguntava se seria um exército inimigo se aproximando a distância. Afinal, esse tipo de coisa era adiantada, e a fortaleza saberia com dias de antecedência de sua chegada. Ouviu ao longe o som de tambores e gritos de guerra em uma língua estranha e gutural Diversos questionamentos passavam por sua cabeça quando cruzaram o pátio de pedra e começaram a subir as largas escadas internas da muralha.

Ao chegar ao topo, se espremeu entre os homens que se esticavam para olhar e tomou um susto. O exército inimigo não estava se aproximando. Já estava lá, praticamente em volta da muralha. Milhares de orcs formavam esquadrões organizados e marchavam para a direção da cidade, onde ficava o portão principal. Vadórus gritou para a torre mais próxima para soltar flechas sobre o inimigo. Um homem indignado apareceu na passagem falando que não era possível, pois eles estavam no limite de alcança.

Elohas começou a respirar rápido. Seu coração pulsava e ele o sentia nas palmas das mãos. Por alguns segundos ficou sem foco, com vários pensamentos e perguntas cruzando sua cabeça. Fechou os olhos e se forçou a esvaziar a mente. Sabia que não adiantava se desesperar e chorar. Pensava nos fatos. Mais de vinte mil orcs marchavam em direção ao portão da cidade. Quantos homens a defendiam? Já que as flechas não adiantavam, quais outras defesas de distância estavam a disposição? O que ele e os recém-chegados fariam, já que eram novatos e ainda não vivenciaram uma situação real de combate? Olhou para Vadórus; o homem parecia incrédulo com a situação.

Comandante, qual o plano de defesa? – Suas palavras pareceram trazer um pouco de luz ao homem.

Bem, vou com meus homens consultar o general na fortaleza. Um plano de defesa deve estar sendo montado neste momento. Vou levar toda a força disponível enquanto os novatos permanecem na passagem do cais. Fiquem de vigilância, não sabemos se eles planejam um ataque pelo mar. Aguardem minhas ordens e não saiam daqui. – Virou-se para seu assistente – Chame os regimentos nove e dez. Vamos para a fortaleza.

Com rapidez, desceu a muralha enquanto centenas de soldados já se alinhavam no pátio de pedra. Com um grito começaram a marchar rumo a fortaleza. Os novatos observavam o comandante partindo e o grande exército marchando no lado de fora, como se fossem crianças deixadas na rua sem instruções do que fazer. Elohas pensava e qual seria o destino de todos alí. Pelo que estudara, o porto já sofrera alguns ataques nos últimos meses, mas nunca algo parecido com o que marchava do outro lado. Seu lado otimista se aliviou ao ver homens armados e bravos se dirigindo a fortaleza com determinação, prontos para defender a cidade. Seu lado pessimista imaginava quantos deles seriam necessários para derrotar cada orc que gritava com ódio ao som de tambores. Lembrou dos jogos de estratégia de turnos, que jogava com o irmão, onde alguém cercava o inimigo com um exército. Ele sempre tinha um recurso que o fazia ganhar, ou fazia a força de ataque recuar. Mas ele olhava para fora e não imaginava nada que pudesse fazer aquela massa negra dar meia volta. Eles lutariam e morreriam até que cada homem estivesse morto. Mais uma vez, fechou os olhos e disse a si mesmo que esses pensamentos não levavam a lugar nenhum.

Vamos rapazes. Pode ser perigoso ficar aqui. – Adryos, assumindo a liderança, começou a guiar o grupo pela escada. – Vocês ouviram o que o senhor coordenador disse. Para o cais.

Eles conseguem cuidar disso, não é capitão? – Perguntou um novato; o mais novo dos recém-chegados.

Esses caras são treinados para lutar. – Disse, e isso pareceu acalmar a maioria. Elohas captou, entretanto, um tom ambíguo em sua voz que demonstrava sua incerteza.

Desceram pela escada e andaram lentamente até o cais. O mar parecia tranquilo. A escuridão além do portão não parecia afetá-lo; alguns peixes saltavam pela água e as gaivotas voavam pela superfície e pousavam nas rochas tranquilamente. Elohas descobriu nesse momento o quanto o mundo pode ser indiferente, independente da tragédia que o presente pode trazer, a tensão e medo da morte que alguém pode estar sentindo. Parecia que ninguém se importava.

Os homens ficaram inquietos enquanto ouviam o som dos tambores se distanciar para o sul. Diversas cornetas, tambores e trompetes eram tocados na fortaleza, sinalizando que o povo se abrigasse e que os soldados se dirigissem para os portões. Elohas se aproximou de seu irmão e amos se encararam, preocupados. Vecydes não conseguia esconder seu medo e não tinha o que dizer. Um relâmpago cortou o céu. Todos olharam pra cima e se assustaram com o quanto havia escurecido nos últimos minutos. Não parecia chuva. Só vendo, trovões e sombras cobriam o Sol, impedindo que qualquer luz do meio dia chegasse a eles.

O que vai acontecer agora? – Vecydes perguntou, como se o irmão pudesse ter a resposta.

Depende do que acontecer lá do outro lado. Muita falta de sorte nossa chegar pouco antes de um ataque desses. – Elohas não conseguiu segurar o pensamento – Acha que o capitão vai tirar o navio daqui? – Sussurrou.

Não! – Disse Vecydes como se a ideia fosse absurda e nem tivesse passado por sua cabeça.

Elohas não queria fugir. Mas sua mente não conseguia excluir uma das opções para se sair da situação. De qualquer forma, consideraria uma desonra incalculável deixar o porto nesse momento.

Bem, temos que fazer alguma coisa. Devíamos pelo menos ir até lá lutar. – Um forte barulho ecoou pelo ar. Como se pedra e madeira estivessem lutando com brutalidade. Os homens olharam entre si; alguns entenderam o que era. – O portão. Estão tentando quebrá-lo.

Vecydes olhou para baixo triste. Todos sentiam-se como se caminhassem para uma execução. A única diferença é que a morte chegava aos poucos, entre gritos e urros de arrepiar a alma.

Três vezes ouviram o baque no portão. Três vezes o barulho parecia abafado e absorvido por uma forte estrutura. Na quarta, ele ecoou com força e durou alguns segundos. Estavam condenados. Ouviam com horror os gritos e choros de moradores enquanto fugiam e morriam nas mãos dos orcs que entravam pelo portão. Foi só uma questão de minuto até que algumas construções a leste começassem a pegar fogo. Elohas estava prestes a falar com um dos homens de Vadórus.

Uma figura apareceu na passagem do pátio. Todos tomaram um susto e muitos já seguravam em suas armas nunca usadas. Era apenas um mensageiro, um dos homens que estavam acompanhando Vadórus. Parecia assustado e tinha uma parte da capa vermelha rasgada. O rosto suado demonstrava seu nervosismo e sua pressa.

O comandante ordena que os regimentos dezoito e dezenove compareçam no palácio para auxiliar na defesa.

Muitos já colocavam os capaceter e seguravam nos punhos da espada. Elohas já estava pronto e se preparava para correr até o palácio.

Mas e o regimento vinte? – Gritou uma voz indignada. Ao olhar para trás Elohas viu o irmão com os braços para cima, como uma criança mimada.

Aguardem novas ordens. Permaneçam no cais até que tenhamos certeza que não existe perigo de um ataque pelo mar. – Disse o mensageiro tentando parecer calmo e sério. A repetição de algumas sílabas denunciavam sua ansiedade. – Sigam-me!

Elohas olhou para o irmão. Deu um sorriso de leve como se fossem se encontrar logo depois. O irmão olhava horrorizado, pensando no que ele ainda tentava esconder em seu coração; que poderia ser a última vez em que eles se viam. Era difícil pensar nisso, e Elohas tentou afastar esses pensamentos. Sabia que isso não ajudaria naquele momento. Estava triste por deixar o irmão, e queria realmente que este fosse junto, mas não aguentava mais ficar parado enquanto tanta coisa parecia acontecer na cidade. Deu um leve sorriso, retribuído por um aceno triste, e virouse para a passagem no pátio.

Por alguns momentos sua visão se escureceu. Então deu de cara num segundo pátio. Uma grande escada de pedra subia até o nível da cidade alguns metros acima. O mensageiro deu a ordem e todos subiram. Viram um homem, suado e cansado, descendo correndo a escada. Todos se olharam, imaginando se seria um desertor correndo desesperado; mas todos deixaram de lado ao ouvir o barulho de fogo no alto. Ao sair por um portão que ligava a escada do interior da muralha, ficaram frente a frente numa grande rua que circundava o muro vermelho. A rua se estendia de um lado a outro e gritos e urros vinham de um ponto ainda invisível a esquerda. Estava vazia mas, ao longe, nuvens de fumaça mostravam que os incêndios pareciam aumentar O mensageiro sinalizou que o grupo virasse a direita. Segundo ele, o palácio ficava algumas quadras naquela direção e que eles se juntariam as defesas principais.

Um colega do regimento perguntou ao mensageiro até onde os orcs avançaram. Ele pareceu relutante, mas percebeu que não havia razão em esconder. Disse que invadiram elo portão principal e estavam destruindo as principais ruas e vias em todo o setor comercial – a rua a esquerda levava ao limite desse setor – e mais da metade do exército aguardava no lado de fora da muralha. Isso derrubou a moral de todos os homens, e Elohas percebeu o quão imprudente foi falar isso no caminho ao conflito. Mas no final, disse que o general já vencera batalhas com chances menores e confiava em sua estratégia.

Outro barulho forte seguido por uma sequência de urros e gritos guturais. Passos rápidos e pesados se aproximavam a distância. Olhou para trás e imaginou que a rua já estava sendo invadida. Talvez a passagem por onde entraram já estava dominada. Pensou no irmão, e no que enfrentaria. Desejou que estivesse bem, e que os orcs focassem no palácio antes de se dirigirem ao porto.

Olhou para a frente e de repente se viu de frente com a lateral do palácio. Na escuridão das nuvens, o vermelho-escuro lembrava sangue jogado numa superfície de cobre. Não teve tempo de olhar os detalhes da estrutura pois o barulho atrás deles só aumentava e o mensageiro ordenou a todos que entrassem na grande porta lateral.

Quando todos os homens entraram fortes alavancas fecharam a porta. Elohas viu que não eram de madeira, e sim de pedra e ferro. Seria preciso muito tempo para derrubá-las. Se viu num gigantesco salão em formato de meia lua. Aparentemente quase tudo o que sobrou do efetivo numenoriano se encontrava alí. Pelo menos quatrocentos homens, muitos deles sujos e com ferimentos na cabeça e nos braços, jaziam e gemiam pelo chão branco de mármore. Começou a caminhar para o centro do saguão quando outro forte barulho veio da porta. Um martelo gigante, de ferro ou de pedra, parecia ser arremessado contra a porta grossa. Três vezes o baque ecoou pelo saguão, mas a porta era forte demais. Depois de alguns segundos de satisfação, enquanto os homens se olhavam felizes, o barulho voltou. Triplicado. Três bigornas gigantescas atacavam a porta. Em apenas duas rodadas a pedra se trincou. O ferro entortou. Os homens fecharam os olhos, preparados para o que entraria.

Elohas cerrou seu punho no cabo da espada. Sabia que tinha péssimas chances de sobreviver. Nunca matara alguém e seu treinamento não o preparara para uma batalha real tão cedo. Respirou fundo e aceitou seu destino.

A porta se quebrou. Poeira e destroços obscureceram a visão do outro lado. Uma lúz fraca entrava pela passagem e de repente foi tampada. Um gigantesco troll tentava se espremer pelo buraco. Elohas não sabia como reagir a gigantesca criatura. Parecia inteligente; pelo menos o sufuciente para tentar abrir espaço para seus irmãos. Então ele tombou, morto. Elohas não entendeu o que acontecera mas o corpo pareceu se mexer, como se fosse pucado. Ele não acreditou, os orcs o estava esfaqueando porque não queriam esperá-lo sair do caminho. Outros dois trolls puxavam seu corpo.

Nesse momento, os soldados respiraram fundo. O último suspiro antes do mergulho para o abismo. Não haveria escapatória e por isso não havia necessidade de sentir medo. Morreriam com honra.

Um gigantesco mar negro de orcs entrou. Como um enxame de formigas eles se derramaram sobre o saguão. Uma fúria em seus movimentos e um ódio em seus olhos horrendos fizeram com que Elohas e muitos dos novatos ficassem imóveis perante a selvageria do ataque. Ele tentou avançar e enquanto um grande orc gordo tentava destruir o escudo de um soldado com um uniforme luxuoso, ele fincou sua espada na cintura da criatura. O orc guinchou como um porco raivoso e se virou para Elohas; seus olhos brilhavam de raiva e ergueu seu machado como se o grande rasgo na cintura não tivesse doído. Elohas não acreditou que ele não caíra e tomou um salto para se afastar do ataque do machado. Mas seu reflexo não fora tão rápido e percebeu que não escaparia do raio do braço do orc. Piscou e viu sangue negro guinchando para todos os lados. Em menos de dois segundos, ele percebeu que o homem que o orc atacava aproveitou sua distração e cortou-lhe a cabeça com um golpe rápido.

Obrigado filho! – Disse o homem ao se levantar e dar um leve aceno de agradecimento.

Elohas estava para dizer alguma coisa mas um orc baixo e com uma armadura escamada e barulhenta que o fazia parecer um inseto gigante chegou correndo com uma cimitarra fina e serrada. Ele pulou e ergueu a lâmina, pronto para enfiá-la com força na cravícula do soldado. Elohas, num salto foi para frente e ficou entre o soldado e o orc inseto, ergueu sua espada e deixou que a inércia de seu pulo o empalasse na lâmina apontada para seu peito. As escamas de metal não foram fortes para repelir a ponta da espada devido ao ângulo reto que ela fazia sobre o orc. Elohas ficou surpreso com a frieza e a firmeza com que realizara o golpe, e, ao mesmo tempo se tentava parar a cena em sua cabeça para registrar que este fora o primeiro orc que ele matara. Antes que pudesse respirar, ele viu um orc muito alto, quase um meio termo entre um orc e um troll, sacudindo uma massa afiada em sua direção. Com o orc inseto ainda afundado em sua espada, ele se voltou para o meio-orc para usar o corpo empalado como escudo. Funcionou e a massa bateu com força e se prendeu no cadáver com armaduras escamadas. Mas rapidamente, o meio-orc a puxou com uma força sobre-humana e fez um círculo na rotação oposta. Elohas viu com terror a massa dar a volta no corpo e vir em sua direção. Onde estava o soldado que tinha ajudado? Morto?

Aparentemente não. Pouco antes que a massa atingisse o seu rosto, um grande escudo de ferro entrou no caminho. Devido a absorção do impacto e o movimento do escudo, a massa de desviou e bateu mais uma vez no corpo empalado na espada de Elohas. Antes que ele pudesse entender o que aconteceu, o soldado saltou por detrás dele com a espada descendo rapidamente sobre o braço do meio-orc. O membro caiu no chão enquanto sangue negro se espalhava por todo lado. O orc, mal gritou com o braço decepado e olhou com ódio para o soldado. Este, aproveitou o movimento da espada descia ao chão, e com um giro de corpo, acertou o meio-orc em cheio seu rosto. A cabeça do meio-orc foi cortada ao meio. Elohas se espantou com a quantidade de sangue e bolos claros de carne que voaram para longe.

Ao retirar o corpo empalado em sua espada, Elohas olhou em volta e notou que teria alguns segundos antes que alguém atacasse de novo. A maioria dos orcs se dirigiam ao conjunto de homens protegendo o general no meio do saguão. Ele olhou para o soldado que o ajudara fez mais um aceno de agradecimento. Este, olhou para um grupo de orcs atacando cinco soldados próximos. Seu olhar pedia para que Elohas se juntasse a ele e atacasse o orc mais próximo. Ambos entenderam a mensagem e, sem palavras, se voltaram para os orcs. Quando estavam no meio do caminho, uma grande corneta soou pelo saguão. Todos pararam. Um grande orc, com uma estranha massa de ferro vermelho sobre a cabeça e uma espada de obsidiana na cintura entregava com a mão esquerda a corneta para um ajudante. Parecia ser o general dos orcs. Com o braço direito, segurava pelo pescoço um soldado idoso com uma armadura reluzente, ferido e tentando, em vão, se libertar do grão-orc. Era o general.


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