Vênia escrita por Bluebell
Notas iniciais do capítulo
vê·ni·a
substantivo feminino
1. Licença; permissão.
2. Desculpa; indulgência; perdão.
3. Mesura, cortesia.
Sugiro que leiam escutando Iron, de Woodkid.
Boa leitura!
Ele se curva.
Ao túmulo dos pais, ao choro de Kanon, à falta de opção, às negociações das assistentes sociais, à renúncia de sua liberdade, ao homem que deve ser chamado de "mestre", a um outro sistema de crenças, à sina de ter nascido sob um signo amaldiçoado, à lei que só dá direito a um rosto para o gêmeo mais velho, à sentença de obrigar seu irmão a usar uma máscara, à responsabilidade que o espera, aos maus tratos, aos chutes, aos socos, ao universo dentro de si, ao sexto e o sétimo sentidos, à armadura sagrada.
E então ao Santuário, ao Patriarca e à vontade soberana dele, à solidão, às missões arriscadas, aos primeiros mortos, à gratidão dos civis, ao título de guerreiro mais forte, à reputação de servo mais reservado, aos primeiros outros cavaleiros de ouro, à necessidade de trabalhar em equipe - ao heroísmo de Sagitário, à lealdade de Capricórnio, à sede de sangue de Câncer, à nobreza de Áries, ao temperamento de Leão, à arrogância de Virgem, à parcimônia de Touro, ao orgulho de Escorpião, à indiferença de Aquário, à sedução de Peixes. E à ordem de segredar a existência de Kanon; mas também às rebeliões do caçula, sempre tão preterido, tão quebrado e dobrado quanto si mesmo.
Quanto a ele, curva-se porque precisa se curvar, e porque não há mais nada a fazer além disso.
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E ele se curva à Atena reencarnada, aos novos tempos, à tensão da guerra no horizonte e à possibilidade de ser, afinal, recompensado por sua fidelidade ao ser escolhido o próximo Grande Mestre, à perspectiva de tantas cabeças curvadas diante de si e-
E, finalmente, à arbitrariedade de Shion e à superioridade de Aiolos.
É quando percebe que está cansado de se curvar.
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Eis que ele se curva - às suas próprias vontades, à loucura e à ambivalência de sua identidade. E se curva traiçoeiramente à corregedoria para denunciar Kanon; e ao pôr do sol no cabo Sunion, em despedida; e à Atena, como um fiel; e ao mestre, como um cordeiro; e a Aiolos, como um amigo. Todos acreditam em seu gesto, porque isso ele sempre soube fazer bem.
Só que desta vez, ele se curva para nunca mais precisar se curvar.
E acredita que o faz pela última vez ao cadáver de Shion, em Star Hill, ao checar a pulsação ausente dele.
A última vez.
Agora, é Ares quem afana a máscara e o capacete com a coluna ereta e um sorriso doentio.
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Mas ele ainda se curva - pelo descontrole, pela dor das traições, pelo luto, pelas escolhas erradas, pelo arrependimento, pelo ostracismo. O fantasma que vive atrás da máscara de Ares não tem coragem de erguer a cabeça perante seus crimes. Mesmo governando o Santuário, ainda está de joelhos. E agora rasteja por salvação.
Todavia, o lado dominante de sua personalidade - o lado cruel e voraz, o que dá as cartas e que reluta em se curvar - apenas estufa o peito e ri sob os holofotes.
Como se nada pudesse derrubá-lo e curvá-lo outra vez.
Outros se ajoelhariam derrotados antes dele. A primeira guerra do século contra o Santuário - que irônico - é liderada pela própria Atena.
O último dominó de todos, Ares cai sob o báculo da deusa. É quase uma vênia no fim do espetáculo.
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Um dia, ele se curvará satisfeito, pleno, agradecido. Perdoado.
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