Another Chance escrita por


Capítulo 1
Another Chance




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Minhas memórias sobre aquele dia, aquele meu último dia, ainda são confusas. Mas me lembro, vagamente, de ter frequentado um almoço de família. Era algo festivo, provavelmente aniversário de meu irmão. Engraçado, consigo me lembrar dele. De cada aspecto dele. De seu nome – Anthony, “valioso” -, de seus cabelos, ligeiramente cacheados e negros como o breu. De seus olhos, doces, calmos e azuis como... Nem tenho algo para comparar á cor de seus olhos.

Provavelmente era a comemoração de seu aniversário. Por falar nisso, eu ainda lembro que Anthony odiava esses almoços em família. Mas as coisas mudaram um pouco depois que ele se casou com Henry. Ficaram... Mais leves. Sinto muita falta dos dois.

Depois disso, me lembro de ter ido para meu carro. Junto de mim iam meus pais, no banco de trás. Até hoje, me arrependo de não ter abraçado os dois uma última vez. Mas, novamente, me lembro do último abraço que dei em Anthony e em Henry. Acho que, como eu era muito apegada aos dois, as memórias ficaram gravadas. Por isso, ainda sinto como aquele abraço de Anthony. Era um abraço mais apertado do que geralmente.

Sabe aquele ditado de que “mãe tem sexto sentido”? Então, no nosso caso eu sempre senti que Anthony tinha esse sexto sentido. Ele me abraçou forte e, antes que eu saísse de casa, perguntou se não preferia que nossos pais dormissem em sua casa. Assim eu pegaria o caminho mais curto para minha casa. Me lembro de negar veementemente com algum argumento do tipo:

— Você e Henry merecem uma noite de descanso, mano.

Não digo que hoje me arrependo disso, mas no início esta era minha maior amargura. Passei noites sem dormir pensando no que teria acontecido se, por um acaso, eu tivesse deixado eles em casa. Ou se eu não tivesse tocado... Naquilo.

Na volta pra casa, eu lembro que estava escutando uma música muito linda, sobre um novo mundo. Eu me distraí com algo no painel do carro, algo levemente azulado. Não era algo que estava lá quando eu estacionei o carro no início do dia, mas também não era algo que tirava minha atenção do trânsito.

Meus pais gritaram de repente, e só então eu vi o carro preto atravessando em cheio o sinal, que estava vermelho para ele. A batida causou um forte estrondo, e tenho certeza absoluta que minha cabeça bateu fortemente no volante. O carro havia atingido a parte da frente do meu e, por consequência, á mim mesma.

Uma vez li que “morrer é mais rápido e mais fácil do que adormecer”. Infelizmente, eu discordo. Morrer dói. É desesperador.

Nos poucos segundos que tive depois do carro nos atingir, algo azulado voou até mim, o mesmo algo que estava em cima do painel. Por puro reflexo, meus dedos já pálidos agarraram o brilho. Logo depois, as dores chegaram. E as luzes. Muitas luzes, e ao fundo meus pais gritavam, tentando me manter acordada. Ao menos eles estavam vivos.

Eu não via, me recusava a olhar para baixo, mas sentia que muito sangue escorria do meu abdômen. E de meu peito. A dificuldade para respirar se tornava grande demais. Hoje, sei que meu pulmão havia sido perfurado por ferragens.

— Aguente. Anthony? Venha pra cá, por favor! — Era minha mãe, falando desesperada ao celular. Ou era meu pai? As memórias são tão confusas.

E de repente eu estava do lado de fora, sendo carregada para algum lugar. Mas a dor era demais, e eu não queria mais ficar acordada. Eu só queria dormir. Meus dedos se fecharam em torno do brilho, apertando-o fortemente.

E ai. Bem, ai eu morri.

***

Há uma nova voz chamando

Você pode ouvi-la se você tentar

Vindo em paz

Chegando na alegria

***

Acordei sentindo minha cabeça, meu peito e meu braço doerem. Era estranho, eu nunca acordava assim. Me mexi minimamente, tentando me virar na cama macia, e todos os nervos de meu corpo pareceram acender, lançando espasmos de dor. Gemi baixinho, e senti alguém sentado em minha cama.

Os flashes do acidente passaram pela minha mente. Então era isso. Eu estava dolorida pelo acidente de carro, e provavelmente quem estava sentado ali era meu irmão. Escutei vozes baixas no quarto. Uma voz feminina. Seria Emma? Eu não sabia.

Meus olhos pareciam chumbo quando tentei abri-los. Por fim, consegui faze-lo. Assim que meus olhos se acostumaram com a claridade, porém, em um impulso me sentei na cama, ignorando a dor. O homem sentado perto de mim não era meu pai, nem Henry e muito menos Anthony.

— Quem é você? — Minha voz tremia tanto quanto meu corpo.

— Calma, Anna! Eu não vou te machucar — O homem loiro à minha frente falou. Aliás, homem era demais... Ele era jovem ainda, no máximo 21 anos, cabelos loiros meio bagunçados e olhos... Aqueles olhos... Eram dourados, mas bem perto das duas íris, quase que rodeando-as, havia uma fina linha azul. Eram lindos e totalmente hipnotizantes. Mesmo assim, me encolhi mais ainda na cama, sentindo uma dor forte em meu peito.

— Como sabe meu nome? — Perguntei, baixinho e com lágrimas nos cantos dos olhos. Ele ergueu á mão em minha direção, mas parou assim que alguém tocou em seu ombro.

— Quando te encontramos, era a única coisa que você falava — A mulher, que tocara em seu ombro, respondeu. Sua postura era ereta, e ela usava um lindo vestido, mas que não era nada da nossa época.

Seus cabelos eram compridos e ruivos. Os olhos, hipnotizantes como os do jovem á meu lado. Mas eles eram heterocromáticos. Um era como o daquele que presumi ser seu irmão, dourado com aquela linha azul. O outro, o contrário. Era azul piscina e com a linha em volta da íris dourada.

Senti minha respiração pesar de novo, aquilo era um sonho muito estranho. Onde eu estava? A angústia cresceu mais ainda, me fazendo gemer e tossir ao mesmo tempo, apertando os braços contra o peito.

A mulher trocou um olhar com outro personagem ali, que eu não havia notado antes e que parecia ser um curandeiro. Ele se aproximou de mim e, com ajuda do loiro, me deitou novamente na cama e me fez inalar uma forte infusão de ervas. Em questão de instantes, meu corpo relaxou e eu voltei a dormir.

***

Mesmo que o tempo fosse contado de maneira diferente em Argon –pois era onde eu me encontrava-, me disseram que fiquei nessa de acordar e voltar a dormir por mais ou menos oito dias. Disso eu me lembro.

Também lembro que, independente da hora em que eu acordasse, sempre havia alguém lá, sentado na cadeira de madeira. E esse alguém, descobri com o tempo, sempre era um dos três príncipes.

Sebasthian, Brianda e Irina eram as pessoas mais carinhosas que eu já conhecera. Eles três se revezavam em meus cuidados, junto do curandeiro que eu descobri se chamar Amadeus. Até hoje eu rio com seu nome. E os três também se revezavam para responder minhas perguntas.

Para que não torne essa narração tão cumprida, resumirei esses oito dias, pois ainda há muita coisa para ser narrada, e pouco tempo para isso.

Antes que me esqueça, Irina é a princesa mais nova do trio. Cabelos compridos e loiros, como os de seu irmão e de sua mãe, e olhos castanhos, assim como os da rainha. Ah, verdade...

Eu acordei em um castelo, séculos antes da época em que vivia. Hoje consigo aceitar esse fato com naturalidade, mas lembro-me de ter me desesperado e jurava com todas as minhas forças de que tudo aquilo não passava de um terrível sonho. Jurei a mesma coisa por, no mínimo, três luas. Foi quando conheci Eulëyn.

Antes que comece a contar sobre ela, tenho uma pergunta que preciso colocar aqui. Quem me respondeu foi Brianda, a mais velha, já no último dia em que eu ficaria retida ali antes de poder –finalmente- sair daquele quarto.

— Por que me tratam tão bem? Nem sabem quem eu sou. — A pergunta saiu com naturalidade logo após trocados os curativos. As feridas, que na minha real época teriam sido suturados, haviam se fechado sozinhas, e os ossos que haviam sido quebrados também se regeneraram. Eu só precisava realmente me recuperar do susto e da confusão.

Brianda sorriu. Ela sempre sorria, ela sempre sorri. Se sentou na cama ao meu lado, e eu inconscientemente passei a mão por meus cabelos, tentando ajeitá-los. Ela riu com isso.

— Existe, caminhando livre pelo mundo, uma pessoa que é muito importante. Seu nome não é conhecido por ninguém — Ela começou. Se eu ouvisse isso hoje, riria. Brianda estava muito enganada. Mas na época eu apenas continuei a escutá-la. — Os reis antigos a chamavam de Eulëyn, e nós também a chamamos assim. Ela provavelmente é o ser mais antigo que existe, e também o mais poderoso e mais sábio. Caminha entre os humanos e os Imortais com sutileza, principalmente após a morte de seu marido, que era um rei. Por isso, a tratamos como da realeza, e um pedido seu é quase impossível de se negar.

— Tá, isso eu acho que entendi — Minha cabeça tentava ligar os fatos, mas a névoa causada pelas ervas que me faziam dormir me impedia de raciocinar direito. — Mas o que isso tem a ver comigo?

— Pouco antes de Sebasthian te encontrar na floresta, enquanto balbuciava apenas seu nome, uma carta nos foi entregue, timbrada com o símbolo de um dragão. O símbolo dela. Na carta, explicava que você era alguém muito importante para ela, e que deveria ser tratada como se fosse da família. — Ela sorriu de canto quando Sebasthian entrou no quarto e se sentou na cadeira de madeira, como se fosse algo normal. Assustada, percebi que sim, era algo normal. — Bast foi um dos que não acreditou que você era a menina descrita na carta.

Eu ri, me ajeitando melhor e olhando direto para o príncipe bastardo. Ele deu de ombros, desviando o olhar com um sorriso maroto nos lábios. Brianda sorriu maliciosamente para mim, me fazendo revirar os olhos. Quando estávamos apenas nós, ela se permitia deixar um pouco de lado seus modos reais e se permitia ser apenas uma jovem. Com um lindo vestido e uma coroa prateada, mas detalhas á parte.

— E por que não, Bast? — Me lembro que perguntei, rindo. Pela primeira vez, vi Sebasthian corar de vergonha.

— Na carta, dizia que você era uma mulher muito poderosa e muito forte, mas o que eu encontrei foi uma humana desmaiada no chão balbuciando o nome Anna e segurando algo muito apertado nos dedos, que eu não consegui pegar. — Ele deu de ombros.

— Com certeza eu não era a menina descrita na carta — Confirmei.

Para não me estender mais do que devo –meu plano é que esses relatos possam ser lidos o mais breve POSSÍVEL- não falarei aqui sobre as criaturas Imortais. Na minha época, ao menos antes que eu voltasse para o passado, todos esses seres estavam extintos. E esse, vocês descobrirão com o passar da narração, foi um dos principais motivos pelo qual a Mãe Natureza me fez viajar no tempo, com ajuda daquele objeto...

Também não irei me estender muito sobre os dias em que passei no castelo e nos terrenos do reino Argon, que por sinal era um reino muito bonito e prospero. Os então atuais reis, Charlie e Elizabeth, eram super gentis comigo, em parte pelo pedido e em parte por terem um carinho especial para com todos.

Foi na sala de jantar que conheci a dama de companhia de Brianda, Mary, que era um amor de adolescente e que não media esforços para me contar inúmeras histórias acontecidas no castelo. Foi onde escutei a história de Melissa pela primeira vez, a arqueira mais fiel do rei Charlie. História á qual, se não me engano, eu contei para diversas pessoas, e até cheguei a escrevê-la, do mesmo modo que escrevo esta e que pode ser achada com facilidade, se você souber a onde procurar.

Com mais alguns dias de descanso, Sebasthian me ensinou a montar á cavalo. Ele disse que seria necessário –e muito-, e hoje me orgulho de dizer que ele ensina muito bem. Foram momentos deliciosos, em que nós rimos demais, nos aproximamos demais. Sentimentos cresciam em mim, sentimentos que, na época, eu não compreendia.

Depois de montar, foi a vez de Irina me ensinar a usar uma espada. Sim, Irina. Segundo Bast, a loira era a melhor espadachim que ele já conhecera, e eu achava que era apenas bajulação de irmão mais velho. Mas, no fim, Irina realmente era incrível.

Nossos treinos geralmente eram assistidos por guardas, que não cansavam de rir de meus inúmeros tombos. Eu ria junto, é claro. Pensem bem: era uma mulher do século XXI, presa em 5 séculos passados (ao menos eu chuto isso) e tentando lutar com uma espada. Era cômico E trágico ao mesmo tempo.

Mas foi só quando alguns elfos chegaram de uma aldeia local que eu percebi que estava acontecendo alguma coisa. Brianda e eu estávamos em meus aposentos, arrumando algumas roupas que eu não fazia ideia para que, quando ouvimos ao longe o toque dos guardas. Pela alta janela, vi-os entrando pela pequena estrada de terra, um pequeno grupo de seres altos, esbeltos, com os cabelos extremamente lisos e carregando belíssimas espadas em suas bainhas.

Meu primeiro contato com eles, diferente disso, foi até que engraçado. Eu estava treinando com Irina no momento. Ainda não era uma ótima espadachim, mas ao menos conseguia segurar a espada por bastante tempo e até derrubei um dos guardas durante uma luta.

— Quem são? — Perguntei vendo alguns elfos passarem caminhando á beira do lago, parando minha espada no ar e, por isso, sendo derrubada na terra quando Irina, sem reparar nos elfos, me acertou. — Irina!

— Desculpe, Anna — Ela me deu a mão e me ergueu — São elfos da aldeia vizinha. Vieram conversar com meu pai — Me respondeu, e discretamente acenou para um elfo loiro de olhos esverdeados, que começou a vir em nossa direção. Arquejei.

— Ele parece o Legolas! Só que mais bonito... — Falei, me lembrando do elfo que acompanhara Frodo no universo do Senhor dos Anéis.  Irina decidiu me ignorar novamente. Era o melhor quando eu falava assim, para que eu não passasse ÉONS descrevendo algo que só existiria dali a séculos.

— Ieldar — Ela cumprimentou com uma breve reverência o Legolas Versão Mais Bonito, que agora se chamava Ieldar. Galanteador como era -e como eu não sabia que era-, ele se inclinou e beijou delicadamente os dedos da princesa.

— Lady Irina. Cada dia mais formosa, como as luzes do sol — Ele recitou. Irina corou, o que fez com que eu risse baixinho, atraindo o olhar esverdeado de Ieldar — Olha, vejo que milady não está sozinha. Quem é a linda dama que a acompanha? — Sua pergunta foi dirigida à Irina, mas seus olhos estavam em mim. Senti meu rosto ruborizar e esqueci completamente tudo o que Sebasthian havia me ensinado sobre Como me portar na corte Argoniana (parece nome de manual de instruções, não é?).

— Está é Lady Anna, está de passagem por Argon — Irina usou as palavras que seu próprio pai havia usado quando uma pequena comitiva de um reino vizinho -cujo nome eu não me esforço à lembrar- viera passar a noite. O elfo sorriu com isso.

— Entendo. Agora, se me dão licença, preciso ir encontrar seu rei. Espero que voltemos a nos ver, senhorita — Ele se curvou elegantemente para Irina e se virou para mim — E espero que possamos nos conhecer melhor, Lady Anna.

— Espero o mesmo, Lorde Ieldar — lembro-me de ter finalmente me recordado do manual de Bast e lhe prostrei uma reverência antes que ele se virasse e entrasse no castelo.

Alguns outros elfos que ali estavam riram entre si enquanto eu AINDA olhava para o lugar onde Ieldar havia entrado. Irina me sacudiu, e só então reparei em Sebasthian me olhando do outro lado da área de treinamento.

— Não caia nessa, Anna. Ieldar é muito galanteador, eu sei, mas ele é assim com todas. — Ela me aconselhou. Na época eu não escutei seu conselho, mas isso eu narrarei mais a frente.

— Ele é bem mais bonito e simpático do que o Legolas — Voltei a comparar, mas eu não sabia o que estava falando. Nunca vira todos os filmes de Senhor dos Anéis, não tive a oportunidade -Obrigada por isso, Lyn—, então não conhecia realmente Legolas.

— Quem é esse? Nunca ouvi falar — Irina deu a deixa para que eu começasse a me estender em uma narração sobre os elfos de Tolkien e tudo o que conhecia sobre isso (Vamos lá, ao menos O Hobbit eu havia lido e assistido aos filmes, então poderia falar com segurança).

Na mesma tarde daquele dia, Sebasthian veio falar comigo sobre nossa viagem. Era pra isso que os elfos estavam ali. Para me escoltarem até Kon, a aldeia onde estava Eulëyn.

Foi uma viagem que durou aproximadamente sete ou oito dias. Fomos todos montados á cavalo, os elfos lideravam, e eu e Bast íamos atrás. Irina e Brianda não vinham conosco, e nossa despedida foi difícil. Era como se estivesse perdendo irmãos de novo. Mas eu precisava me encontrar com ela.

***

Foi uma das melhores viagens que fiz em toda minha vida. Claro que passar dias montada á cavalo em um terreno de floresta não era como passar algumas poucas horas em um carro na estrada.

Internamente, sentia medo de que os nossos acompanhantes fossem fechados ou calados. Não combinaria com meu jeito, alguém curioso e que pergunta sobre tudo. Mas os elfos de Kon eram muito calorosos, faziam festas e, nas noites mais claras, eles até tocavam. Ieldar constantemente cavalgava á meu lado, e conversávamos muito sobre... Tudo. Eu lhe explicava resumidamente sobre minha época passada, e ele me falava sobre o local em que estávamos.

Houve, porém, um acontecimento que PRECISA ser descrito, e que aconteceu mais ou menos na nossa quinta parada, em uma campina aberta, mas onde a lua não chegava a iluminar por causa das árvores. Nossa viagem estava chegando ao fim, e muitos dos elfos ali presentes não conseguiam conter a alegria de estarem de volta ao lar. Por isso, houve mais fogueira e mais música.

Dancei com Sebasthian ao redor da fogueira por uma noite inteira, ou pelo que me pareceu uma noite inteira. Sua mão contornava delicadamente meu rosto e a outra estava em minha cintura, enquanto rodopiávamos. Seus olhos brilhavam como eu nunca vira, e os meus não deviam estar muito diferentes.

— Vi que você e Ieldar estão bem próximos... — Ele comentou, me girando. Ri com isso.

— Ele está sendo gentil. — Nossas mãos se tocaram esse separaram, seguindo o compasso das flautas — como você, Bast.

— Você gosta dele, Anna? Digo, á mais do que um amigo... — Seu tom de voz era um sussurro, mas carregava ciúmes. Era o mesmo tom que Anthony costumava usar comigo e com Henry. Rindo, parei de rodopiar e encaixei meus braços em volta de seu pescoço, olhando-o nos olhos.

— Preciso que acredite em mim, Sebasthian, quando digo que não. Eu só gosto, ou melhor, eu só amo desse jeito uma única pessoa. — Respondi, e reparei que a música dos elfos havia mudado.

Bast ficou vermelho, parecia no dia em que conversávamos sobre a carta de Eulëyn. Revirei os olhos. Meu Deus, como ele era lerdo nessa época.

O calor que eu sentia não era da fogueira. Certamente não. Erguendo os calcanhares do chão, eu o beijei, beijei como nunca havia beijado ninguém. Os elfos não emitiram som de surpresa, não aplaudiram nem nada. Apenas continuaram tocando, enquanto as mãos de Sebasthian puxavam minha cintura para si, me segurando por cima do espartilho.

— Mas... Ele, Ieldar, gosta de você — Ele interrompeu o beijo para falar. Rindo, embora irritada que ele tivesse feito aquilo, me separei um pouco dele, para olhá-lo nos olhos.

— Conversei com Ieldar hoje. Lhe expliquei tudo. Ele entende, e disse-me que não estava apaixonado por mim. Apenas queria conversar e me conhecer melhor.

— Então, se é assim... — Ele me nos girou lentamente, fazendo com que eu ficasse agora iluminada pelas chamas da fogueira, e me beijou de novo.

***

A viagem também teve seus momentos tristes... Principalmente na noite anterior á nossa chegada á Kon. Sebasthian me avisou momentos antes de pararmos que aquela era nossa última parada antes que eu e Eulëyn nos encontrássemos, e, portanto, nossa última noite juntos.

Depois de prendermos os cavalos, me afastei daquela pequena comitiva e me sentei em um pequeno buraco nas raízes de uma bela e grande árvore, não muito distante. De onde estava, conseguia escutar as vozes dos outros, mas não entender o que diziam.

Encolhi as pernas, até que meus joelhos tocassem meu peito, e apoiei o queixo neles. Aquilo era tão real, mas ao mesmo tempo... Minha vida estava prestes a mudar de novo, e eu não estava nem um pouco preparada.

Ergui a cabeça, mas as folhas das muitas árvores tornavam impossível ver o céu dali. Mas, de certo modo, me sentia melhor ao menos saber que aquele céu estaria estrelado, como os que eu costumava ver junto de Anthony e Henry.

Uma angústia tomou-me, me fazendo suspirar e tornar a abaixar a cabeça, ficando em silêncio. Segundo os guardas, chegaríamos à aldeia dos elfos no dia seguinte, e só então eu teria resposta para minhas perguntas.

— Nos odeia tanto que nem quer se sentar perto do fogo? — Era Bast, que se aproximava de mim com uma pequena cumbuca de barro em mãos, de onde saia uma fumaça espiralada. Escorreguei para o lado, deixando-o se sentar de meu lado. — Aqui. Amadeus colocou algumas ervas para que você durma melhor de noite. Ele viu que tem tido pesadelos — Ele me entregou a cumbuca, de onde sentia o cheiro de uma deliciosa sopa. Aceitei de bom grado o calor que emanava dali.

— Obrigada, Bast... E... Não é isso. Eu não odeio vocês... — Suspirei baixinho, inclinando a cabeça para apoiá-la no tronco da árvore. — É que... Eu estou sozinha aqui — Murmurei, deixando algumas poucas lágrimas escorrerem — Todos os meus planos, tudo o que eu conhecia, tudo o que eu amava, ficou para trás... Eu não verei meu irmão adotar um filho, não verei meus alunos se formarem... Tudo se foi, Bast. E agora a viagem está indo também, e você irá junto...

Carinhosamente, Sebasthian enxugou uma de minhas lágrimas com o dedo.

— Anna, não pense assim. Lhe foi dada uma nova chance. Novas pessoas para conhecer. Novos planos para criar. — Ele passou um braço pelos meus ombros e me puxou para si. Deitei minha cabeça em se ombro. — Você não está sozinha, você tem à mim e à minhas irmãs. Sobretudo á mim. Daremos um jeito nessa situação, meu amor. Você recebeu uma nova chance. Portanto, aproveite isso, Eurus Anna.

Finalmente comecei a rir. Enxuguei com as costas da mão as poucas lágrimas que ainda estavam ali e olhei para ele.

— Eurus Anna? O que significa? — Perguntei. Ele piscou um olho pra mim.

— Gracioso vento leste. Como você, o vento leste sopra em ocasiões especiais, em ocasiões que ninguém espera...

Sorri com o apelido, e devo dizer que a partir daquele dia, passei a usar um nome composto. Eurus Anna. Em memória ao príncipe que me chamara assim.

Dormimos juntos naquela noite. Como costumávamos fazer. Eu me sentia mais segura e, se aquela realmente era nossa última noite juntos, não queria que ele se afastasse para deitar-se ao lado dos outros. Queria-o ali, me abraçando durante a madrugada.

A manhã foi agitada. E com agitada, quero dizer que um dos cavalos havia fugido. O MEU cavalo havia fugido, o que fez com que Sebasthian precisasse me levar no seu. Depois, pouco antes das casinhas de madeira surgirem numa campina, um dos cavalos que trazia algumas bagagens foi atacado por um lobo, assustando os outros e derrubando alguns elfos.

Mas, no fim, chegamos todos vivos em Kon. Era uma aldeia pequena, cheia de casinhas de madeira, todas iguais. Algumas crianças correram até nós, nos saudando, e alguns de nossos amigos até desceram dos cavalos para brincar com elas.

Todo o local tinha um cheiro delicioso de grama cortada. Era um de meus cheiros favoritos, e ainda é.

Quando passávamos, os moradores se curvavam para Bast e Ieldar (Bast por ser um príncipe, Ieldar por ser o braço direito de Eulëyn, que parecia ser muito importante mesmo) e por isso também se curvavam á mim, me deixando rubra de vergonha.

Havia uma linda mulher á frente de uma estalagem. Seus cabelos eram compridos e castanho-escuros, assim como seus olhos, e estavam trançados pela metade. Seu vestido era azul claro, e ela estava acompanhada de duas corujas, uma totalmente preta e outra branca.

Era Eulëyn, e por incrível que pareça era como se um calor materno passasse por nós cada vez que nos aproximávamos dela. Quando nos aproximamos mais um pouco, ela se inclinou ligeiramente para Ieldar.

— Meu companheiro de armas. Estou feliz em lhe ver novamente — Sua voz era clara como o dia, e por algum motivo eu levei minha mão até um pequeno colar que estava em meu pescoço todo esse tempo — E grata por terem voltados todos. Agora, peço-lhes que se instalem por aqui, e cuidem de seus animais. Um jantar será servido na Grande Árvore para comemorarmos a volta de vocês.

Ieldar ficou, e me ajudou a descer do cavalo. Depois, se curvou elegantemente para mim e para ela, e, acompanhando os outros elfos, entrou na estalagem. Sebasthian me deu a mão e caminhou comigo até a mulher, que só então eu vi as orelhas pontudas, mas que não eram de elfos. Ela era, e eu já sabia assim que a vi, de uma raça única.

— Lady Eulëyn — Bast se inclinou sorrindo — É uma honra vê-la.

— Sebasthian. Estou feliz em vê-lo também. E como estão suas irmãs? Sei que Argon prospera cada dia mais...

— Podemos conversar depois, milady. Agora deixe-me apresenta-la á minha companheira, Lady Anna. — Ele me puxou delicadamente. Eulëyn sorria cada vez mais, e eu sabia que ela já me conhecia, mesmo nunca a tendo visto.

— Eurus Anna, pelo que soube — Ela inclinou a cabeça para mim, gesto ao qual eu repeti. — Estou honrada que tenha aceitado vir para cá. Serás de grande ajuda para mim... E também estou honrada que tenha aceitado meu colar — Seus dedos tocaram o pingente azul que pairava em meu peito. Eu sorri.

— Eu o peguei no painel de meu carro, e tenho certeza que ele me trouxe até aqui — Já não existia mais dúvidas em mim. O colar antes não estava no painel, e depois que eu o peguei, acordei aqui. Era como uma Chave de Portal.

— Você é esperta, Anna. E sei que existem muitas dúvidas em você ainda. Mas, por hoje, apenas descansem. Sei que está cansada, viajar á cavalo é complicado, ainda mais na companhia de tantos homens. — Ela riu, e hoje, que sei toda a sua história, eu rio também.

***

Novamente, peço perdão, mas não me estenderei mais do que isso. Talvez em uma outra narração poça contar-lhes o que Lyn disse á mim. Ou talvez possa escrever algumas conversas, como a conversa que tive com Ieldar.

Minha narração se encerra comigo bem aqui onde estou agora, sentada em uma grande toalha de picnic, nos gramados de Argon que contornam os rios. Sebasthian está correndo atrás de uma menininha de vestido branco e, assim que a alcança, coloca-a em seus ombros. É nossa filinha, Penélope, á quem amamos muito.

Irina e Brianda estão aqui também, jogando xadrez. Pelo que sei, é o jogo de estratégia preferido das duas (ainda não existe War, mas elas adorariam) e elas dedicam ao menos uma hora de cada dia para jogarem juntas. Charlie e Elizabeth estão de volta ao castelo depois de uma visita á corte Francesa, o que permite que as duas princesas fiquem conosco mais tempo do que geralmente.

E sim, sei que logo precisarei deixar Argon para ajudar Eulëyn. Mas também sei que serão apenas poucos meses, e que logo mais voltarei para junto de minha nova família.

Então, por enquanto, eu apenas me esforço em aproveitar ao máximo minha nova chance de vida.


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Notas finais do capítulo

O capítulo ainda não foi revisado, mas prometo que logo logo o revisarei direito.
A história foi bem quebrada, e por isso eu postarei uma fanfic com alguns momentos da viagem que infelizmente não couberam nessa narração.
A história A Arqueira, citada pela Anna, está publicada em meu perfil nesse link: https://fanfiction.com.br/historia/721029/A_arqueira/
Espero que tenham gostado tanto quanto eu ^^ Obrigada por lerem