O fim do que era nosso escrita por Camy


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Gente, eu tô muito feliz porque fui eu quem fiz a capa! Peguei duas imagens promocionais do google (eu sei que o Deadpool parece fanart, mas, pelo que eu encontrei, não é) e consegui editar pra ficar assim! Fiquei só uma hora e tantos trabalhando nela u-u
T



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Deadpool tinha gosto de sangue na boca. Lambeu os lábios, lembrando-se de toda a carnificina da noite. Fora o único sobrevivente daquela festa. Sorriu, meio insano, e retirou a máscara.

[Ele te odiaria]

(Ele já odeia)

[Como não odiar? Você matou trinta pessoas hoje]

(Eles mereceram)

[Mas ele não gosta de mortes]

— Calem a boca.

O falatório continuou, porém tentou não prestar atenção ao que as vozes diziam. Sabia muito bem a opinião delas a respeito daquele assunto, não precisava pensar nisso novamente. Retirou a roupa suja e entrou debaixo do chuveiro.

[Você fede]

— Por isso vou tomar um banho, gênio.

(Pelo menos lavava o uniforme quando estava com ele)

[Ele era bem cheiroso. Mesmo usando o uniforme o dia inteiro, era cheiroso. Ainda é cheiroso?]

(Claro que é, mas não é mais nosso. Você o destruiu)

[Devia ter matado ele. Era nosso, devia ter matado ele]

(Ele não era um objeto pra ser nosso. Ele tinha escolhido ficar do nosso lado. Mas você estragou. Não merecia ele)

[Nunca vai merecer]

— Calem a boca, obrigado.

Fechou o registro e caminhou até a pia.

(Chama isso de banho?)

[Ainda bem que ele não tá aqui. Teria matado ele com esse cheiro]

(Você fede)

[Mas não tem como se lavar por dentro, então é impossível ficar cheiroso. Lembra como ele era cheiroso?]

Levantou o rosto, preparado para o que veria. As cicatrizes, a cara deformada, a feiura. Encarou-se sem demonstrar nenhuma expressão, como se não estivesse afetado pela própria imagem.

[Não é de se admirar que ele foi embora]

(Você é fedido e feio. Ele nunca nos amaria)

[Mas ele tentou. E foi tão bom…]

(Mas você tinha que estragar tudo, não tinha?)

[Você o destruiu. Lembra dos gritos dele?]

— Calem a boca! — gritou.

Socou o espelho já quebrado, sentiu o sangue escorrer pela mão e se jogou no chão, exausto. Encostou nos olhos e sentiu-os molhados, mas não sabia se era o sangue que escorria da mão, ou se chorava. Quem sabe fosse os dois?

[Patético]

(Ele merece mais do que você)

[Ridículo. Chorando no banheiro]

(Acha que ele sentiria pena? Talvez. Ele é bom o suficiente pra sentir pena, não é? Podemos tirar uma foto e mandar pra ele?)

[Ele não vai sentir pena. Ele vai querer te salvar, porque ele sempre salva todo mundo]

(Coitado. Você não tem salvação. Mas podemos mandar a foto?)

[Sinto saudade do corpo dele. Podemos sequestrá-lo?]

(Ele nunca nos perdoaria)

— Calem a boca…

[Mandamos a foto e, quando ele vier com um discurso sobre como é bom ser um herói, nós o matamos]

(E fodemos o corpo dele)

[Podemos ficar com ele pra sempre, assim]

(Chama ele, Wade. Você também quer aquele corpo. Chama ele)

[Chama ele, chama ele, chama ele, chama ele]

— Eu não vou fazer isso. Me deixem em paz!

(Covarde. Não cumpriu a promessa, traumatizou nosso Spidey e ainda não consegue nem tirar ele do sofrimento)

[Ele deve sonhar com o sangue todos os dias. E com os gritos… Como deixou ele ver aquilo?]

(Você é a culpa de ele ter pesadelos. Ele deve te odiar)

[Só sequestrando ele pra você chegar perto do Spidey de novo. Só sequestrando]

(E só com tortura pra ele transar com a gente. Ele deve sentir tanto nojo. Nojo, nojo, nojo)

[Chama ele, chama ele, chama ele]

— Calem a boca! — gritou de novo, olhos fechados. — Calem a boca, calem a boca, calem a boca, calem a boca!

Precisava muito que elas se calassem.

[Chama ele, chama ele!]

(Ele não viria. Ele ficaria tão decepcionado. Trinta pessoas, Wade. Trin-ta)

[O Spidey nos odeia. Ele gritou tanto quando viu o sangue. Você lembra? Havia sangue por tudo]

(Isso que você matou só oito naquela noite. Como ele gritaria se visse o que fez hoje?)

[Manda o endereço pra ele e vamos descobrir. Manda o endereço, manda o endereço]

(Será que ele vai gritar? Acho que ele vai gritar muito)

Wade precisava que elas calassem a porra da boca. Como fazê-las se calar? Como? Como?

…Do jeito de sempre, é claro.

Pegou uma pistola e, ainda nu, atirou contra o céu da própria boca sem nenhuma hesitação. As vozes nem conseguiram dizer algo sobre aquilo, porque foi muito rápido.

E, enfim, o silêncio.

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Conn andava de um lado para o outro, nervoso. Não havia nada que pudesse fazer, sabia disso, porém odiava ficar esperando. Bagunçou os cabelos loiros e suspirou, evitando o choro. Só queria que ele estivesse bem.

A caminhada foi interrompida por batidas na porta. Correu até lá, ansioso, mas encontrou apenas o Capitão América e o Homem de Ferro. Os dois entraram sem qualquer convite.

— Me diz que o encontraram, pelo amor de Deus.

Tudo o que recebeu foi uma negativa de Steve. Escondeu o rosto nas mãos, preocupado.

— Já faz quinze horas. Conseguem imaginar o que devem ter feito com o Pete? Nós precisamos encontrar ele.

— Odeio dizer isso, mas nós não vamos conseguir. Sempre que chegamos perto de alguém que saiba de alguma coisa, essa pessoa desaparece. Vamos levar dias para descobrir onde ele tá, porque todo mundo conhece os heróis. Não conseguimos chegar perto deles — Steve informou, derrotado.

— E é por isso que vamos pedir ajuda — Tony disse.

— Ajuda?                                                                                                                                   

— Sim. Você sabe que Pete é quase como um filho pra mim e pro Steve. Nós vamos pedir ajuda.

— De quem?

Um barulho na janela interrompeu a conversa. Por ela, um homem vestido de vermelho e preto, com duas catanas nas costas, entrou.

— Lata Velha! Fiquei tão feliz quando me chamou! Isso tudo é saudade?

— Deadpool — Conn sussurrou.

— E quem é esse? Um herói novo? Qual seu superpoder?

Sem esperar por uma resposta, Deadpool jogou uma faca contra ele, esperando que Conn revelasse alguma habilidade. O Capitão América se colocou entre eles com o escudo em riste e o protegeu.

— Ele não tem nenhum poder, Wade.

— Nos tratando pelo primeiro nome, Steve? Que honra! Vou pensar que tá a fim de mim. Cuidado, Lata Velha. Ele é gostoso demais pra se dizer não, não acha?

Em outro momento, Tony teria se irritado. Mas era Deadpool ali, então não poderia se dizer surpreso com as brincadeiras estúpidas.

— Não te chamei por sentir sua falta, Wade. É melhor você sentar.

Havia apenas um motivo para falarem assim com ele. Deadpool sentiu o sangue parar de circular em suas veias e perdeu completamente o interesse no homem que nunca vira.

— Cadê o Peter?

— Ele conhece o Peter?! Deadpool?!

Wade não conseguiu prestar atenção no escândalo que o outro fez.

[Aconteceu alguma coisa com o nosso Petey]

(O Spidey se machucou? Quem fez isso vai morrer)

— Ele sabe que o Peter é o Homem-Aranha, Conn. Ele sabe de tudo — Tony respondeu. Steve ainda não tirara os olhos de Deadpool.

— Como assim Deadpool conhece o Pete? Por que ele nunca me disse nada?

— Stark, cadê o Peter?

— Deadpool… — Steve começou. — Peter sumiu.

— Como assim sumiu?

— Ele não sumiu, Steve! Ele foi sequestrado! — Conn perdeu o controle. — E eu não acredito que vocês vão pedir ajuda a um mercenário! O que o Pete pensaria disso? Ele é capaz de matar o Pete!

— Cala a boca antes que eu te mate. Quem pegou ele?

Não havia mais diversão ou piadas engraçadas.

Conn estava pronto para revidar, mas a mão de Steve em seu ombro o fez ficar quieto. Por mais que confiasse nas habilidades dos heróis, compreendeu que havia um limite para o que eles poderiam fazer caso Deadpool resolvesse matá-lo.

— Não sabemos. Pete e Conn estavam na rua, quando…

— Quando esse cara muito estranho apareceu — Conn assumiu a narrativa. — Ele não usava uniforme, como a maioria dos caras que o Pete enfrenta. Só estava todo de preto e tinha um olhar ruim. Ele me atacou, e eu não sei me defender, então o Pete precisou lutar e cuidar de mim ao mesmo tempo…

— Então a culpa é sua.

(Ele fez o Spidey se machucar…)

[Mata ele]

(Mas o Spidey é amigo dele. Vai nos odiar mais ainda se nós o matarmos)

[Ele já nos odeia mesmo. Por culpa dele, o Spidey se machucou]

— A culpa nã-

Mas Deadpool interrompeu o Capitão América; não precisava ouvir nenhuma defesa. Conn era fraco e, por isso, Spidey se machucara.

[Se fosse a gente, ninguém machucaria ele]

(Só nós)

— E ele tava acordado quando foi levado?

Conn balançou a cabeça de um lado para o outro.

— Antes de desmaiar, ele fez um tipo de casulo ao redor do próprio rosto pra que não conseguissem tirar a máscara dele tão fácil. Mas isso já foi há quinze horas…

Só Deadpool sabia o que poderia acontecer em quinze horas. Começou a andar em direção à janela.

— Deadpool! — Conn o chamou.

O mercenário se virou para os presentes. Tony e Steve pareciam aliviados com alguma coisa. Se avaliasse bem a situação, era um milagre descobrir que Pete estava machucado e não descontar a raiva que sentia em alguém.

— Promete que vai trazer ele de volta pra mim.

A frase o fez paralisar.

(Ele é o namorado do nosso Spidey?)

[Mata ele! Mata ele!]

(Parabéns, Wade! Agora ele nos odeia tanto que até achou outro! Um outro sem deformações no rosto, e com um cabelo bonito!)

[Mata ele, mata ele, mata ele, mata ele!]

— Steve… Quanto tempo?

Por alguns segundos, a sala ficou em silêncio. Conn não entendeu o motivo de tanta tensão. Ainda esperava pela promessa.

— Quase meio ano.

Silêncio.

— Nós paramos de seguir ele há sete meses. Isso explica muita coisa.

(Sete meses, dois dias e aproximadamente cinco horas)

[MATA ELE, MATA ELE, MATA ELE!]

— Obrigado, Deadpool — Tony disse. — Foi o melhor pro Pete.

— Eu sei.

— Não tô entenden… — Conn começou.

— Se você presa sua cabeça, é melhor calar a boca.

— O quê? Não pode falar assim comigo! Nós estamos te pagando pra salvar meu namorado!

(Mata ele, mata ele, mata ele, mata ele, mata ele)

[MATA ELE, MATA AGORA, MATA LOGO, UM TIRO, UM CORTE, NÃO IMPORTA, SÓ MATA ELE!]

— Eu vou atrás do Petey. É melhor ele não estar aqui quando eu o trouxer de volta.

Sem conseguir controlar a raiva, Deadpool quebrou a janela ao sair. Conn ainda deu dois passos em direção ao vidro quebrado, como se quisesse reclamar. Tony o segurou.

— Conn, você precisa escolher as palavras com muito cuidado ao falar com o Deadpool. Nunca dê a entender que você é o chefe, porque ele não gosta.

— E daí? Nós estamos pagando ele, não estamos?

— Ele não precisa do dinheiro. Ok? Ele aceita os trabalhos que quer, por motivos que ninguém nunca vai entender. Mas, quando ele não gosta de quem o contrata, ele mata essa pessoa e segue com a vida. Por isso, cuidado. É melhor você ficar lá no Complexo com a gente até isso tudo passar.

— Tony, eu não vou fugir de um…

— Vai sim — Steve interrompeu. — Depois do que você disse, me admiro que ele te deixou vivo. É bem capaz de mudar de ideia hoje de noite ainda. Vá fazer suas malas.

— Mas eu nem falei nada!

— Ele é louco — Tony disse. — E ninguém entende loucos.

Meio contrariado, Conn foi fazer o que foi pedido. Devagar, Tony se aproximou de Steve e apoiou a cabeça contra o ombro dele.

— Eu jurei que o Conn ia morrer quando disse que era namorado do Pete. Já estava aliviado quando pensei que o Deadpool tava indo embora sem descobrir isso.

— Eu também. Isso significa que ele mudou?

— Talvez só estivesse com pressa. Quero nem pensar no que tá acontecendo com o Pete agora.

Steve tampouco queria.

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O namoro do Homem-Aranha com o Deadpool foi o segredo menos bem guardado de todos. Os heróis sabiam, os vilões sabiam, todo mundo sabia (menos a mídia e, consequentemente, os civis). Quando a notícia do sumiço do Homem-Aranha se espalhou, a maior parte dos mercenários ficou indeciso entre fugir de Deadpool e acompanhá-lo para ver quem morreria.

Deveriam ter fugido.

Ninguém viu quando Deadpool entrou no bar, mas, ao mesmo tempo, todo mundo soube. Era a presença dele, o ódio e, claro, os tiros. A música desapareceu e tudo caiu em silêncio.

— Quem pegou o Homem-Aranha?

Ninguém disse nada. Para enfatizar sua raiva, Wade retirou a máscara e permitiu que todos vissem a fúria no rosto cheio de cicatrizes. Alguns engoliram em seco, outros se encolheram.

Um imbecil (que se achava muito corajoso), fez piada:

— Saudade da tua putin…

Nunca terminou a frase, porque uma bala o acertou no meio da testa antes.

— Mais algum comentário?

Silêncio.

— Ótimo. Quem pegou o Homem-Aranha?

Como que para enfatizar a própria raiva, ele trancou a porta atrás de si. Era a única saída. Quase ao mesmo tempo, todos os cinquenta presentes engoliram em seco.

— Vocês podem se juntar e tentar me matar, mas eu não morro. Vamos jogar um jogo! Vocês falam, eu não atiro. Vocês ficam em silêncio e alguém morre!

O silêncio gritava o quanto aqueles homens estavam com medo. Mercenários eram egoístas por natureza e nunca se juntariam contra ele, porque a grande maioria acabaria morta. Ninguém nunca vira Deadpool tão irritado.

Um tiro. Um homem caiu.

— Vocês têm dez segundos pra me dizerem o que eu quero, ou eu mato alguém. Vocês não sabem quem, eu só mato.

(Pobre Baby Boy…)

[Mata todos eles, mata todos eles…]

(Cinco, quatro, três, dois…)

Mais um tiro. Uma mulher, do outro lado do salão, caiu.

Quem tinha habilidade para se defender arrumou as armas. Ninguém se rebelou.

— Sete, seis, cinco…

— Ninguém aqui sa…

O barulho foi diferente: dessa vez, Wade usou a catana. A cabeça rolou por um tempo, mas ninguém disse nada.

— Vocês ainda não entenderam a brincadeira. Vamos de novo, é divertido! Dez, nove…

Depois de vinte e dois mortos e cinco tentativas de rebeldia, Deadpool teve sua resposta. Num movimento rápido, matou mais seis — mas só porque eles o encaravam de uma maneira estranha; mereciam morrer.

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Peter sentia a cabeça rodar. A máscara fora retirada há algum tempo, ele não saberia dizer quanto. Lembrava-se das piadinhas, dos comentários sobre ele ser um garoto bonito.

Um chute na boca o trouxe de volta. Cuspiu um dente (graças a Deus não era um dos da frente).

— Obrigado. Ele tava mesmo me incomodando. Me poupou o dinheiro do dentista.

— Peter Parker.

Todo o seu corpo se retesou. Eles haviam descoberto seu nome. As seis pessoas naquela sala, os seis homens fortes e maus, haviam descoberto seu nome. Estava fodido.

— Ele tira muitas fotos minhas.

— Ele é você. Interessante, não acha? O que Wilson Fisk não daria por essa informação?

— Ainda não contou pra ele? Uau! Essa é a hora em que você me chantageia? Espero que não queira dinheiro.

Outro chute, dessa vez nas costelas. Tremeu na cadeira, ainda amarrado, mas não caiu. A dor nublou seus pensamentos e não ouviu as próximas palavras dele. Como faria aquilo acabar?

— …Vingadores.

— O quê?

— Quero o nome dos outros Vingadores. Você deve saber.

Peter sentiu a cabeça balançar. Quase riu ao perceber que os pés do homem à sua frente balançavam tanto que ele parecia estar dançando. Abriu um sorriso.

— Ok, senta porque você não vai acreditar em mim: Tony Stark é o Homem de Ferro.

O chute dessa vez foi tão forte que sua cadeira caiu para trás. Gemeu ao sentir o pulso quebrar, por ter caído sobre ele. Ainda estava algemado.

— Tenho um melhor! Segura o coração: o verdadeiro nome do Capitão América é Steve Rogers.

Alguém pisou em sua barriga. Vomitou sangue, sentindo tudo girar e a náusea ficar quase insuportável. Tinha lágrimas nos olhos. Porra, doía demais.

— Acho que Deadpool transava com você por causa desses teus gemidos. Deixam qualquer um de pau duro, sabia?

Como que para enfatizar suas palavras, o homem que falou isso apertou o próprio pênis, que obviamente estava excitado. Peter vomitou de novo.

— Pena que não pensamos nisso antes… Foder tua bundinha gostosa seria bem melhor do que te bater.

Ele tentava se convencer de que as palavras entravam num ouvido e saíam no outro, mas era complicado. Sentiu alguém colocá-lo sentado e vomitou de novo. Algumas lágrimas escorreram, doloridas, porém Peter nem as percebeu. Nunca se sentiu tão mal. A dor parecia ser interna, de tão intensa. Suava, sentindo náusea e uma vontade cada vez mais forte de desmaiar.

— Mas você tá muito feio agora. Deformado, quase. Podemos te deixar parecido com o Deadpool. Ouvimos dizer que você nem se incomodava com as cicatrizes dele.

Suas mãos foram presas no braço da cadeira. Peter não soluçava, mas só porque tinha muita força de vontade. As lágrimas se misturavam ao sangue do seu nariz quebrado.

— Então, vamos começar, ok? Qual o nome do Falcão?

Por ainda estar muito zonzo, Peter não conseguiu identificar o que estava na mão de quem quer que fosse que o agredia no momento. Sabia que era gelado, talvez metal. A dor de ter sua unha arrancada devagar lhe trouxe uma lucidez inesperada. Gritou, mas, ao menos por alguns segundos, a tontura sumiu.

Dois homens estavam ocupados com a tortura. Um se masturbava a vários passos de distância, outro estava apoiado na porta, e o último limpava armas como se não pudesse se importar menos com o que acontecia.

Se conseguisse escapar… Não. Com os machucados que tinha, era capaz de quebrar a perna ao tentar chutar alguém. Mas não podia só ficar ali e se permitir ser torturado.

— Vamos lá, Peter, colabora.

— Ok. Ok, eu colaboro. O Thor…

Outra unha, dessa vez de surpresa. Gritou mais uma vez, sentindo a lucidez da dor sumir. Agora só havia uma agonia sem fim.

— Você é um menino mau, Peter Par…

A frase nunca foi terminada. Peter ficou bastante tempo num estado meio catatônico, sem saber exatamente o que acontecia. Talvez tivesse desmaiado, ele não tinha certeza.

Acordou ao sentir alguém o desamarrando. Num ato de desespero, esperneou. Se fossem levá-lo para outro lugar, não iria consciente.

— Peter, Peter…

Conhecia aquela voz, mas não teve tempo de pensar nisso. Só precisava se livrar daquilo, da dor, da tontura, de toda a agonia. Precisava fugir, fugir…

— Baby boy, sou eu. Hey, Petey, sou eu.

Ele parou de se mexer, assustado. Aos poucos, com cuidado, sentiu Deadpool puxá-lo para um abraço. Não pensou antes de se agarrar ao uniforme dele. Ficaria bem. Não estava mais sozinho, então daria tudo certo.

— Tem seis deles. Seis…

— Eu sei. Relaxe, ok? Eu vou te levar pro Steve…

— Não. Eles… Ainda não.

Peter não sabia exatamente o motivo de não querer ver os heróis. Um pouco era por orgulho, porque seria humilhante ser visto tão machucado. Mas o motivo principal era a saudade. Deuses, há quanto tempo não ficava assim tão perto dele? Sentiu o estômago embrulhar com o cheiro de sangue que vinha do uniforme de Deadpool, mas, pela primeira vez, não se importou.

Apoiou a cabeça na curva do pescoço dele e desmaiou.

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Deadpool, Wade Wilson, nunca foi conhecido por ter paciência. Era instável, irritadiço, tagarela e fazia as piadas mais impróprias. Naquele momento, porém, com Peter desmaiado, e membros espalhados pelo chão, ele só sentia raiva. Se já não tivesse matado todos os seis envolvidos, os torturaria. Era uma pena ter feito tudo tão rápido.

Foi até a saída e entrou num táxi qualquer. O motorista não ficou nada feliz ao perceber a quantidade de sangue. Demorou vários segundos até perceber quem era o homem desmaiado.

— Meu Deus, é o Homem-Aranha! O que você fez com ele?!

Para proteger a identidade secreta, Deadpool acomodou Peter melhor em seu colo, fazendo-o apoiar o queixo em seu ombro.

— Uma seção de sadomasoquismo, quer detalhes?

Um gemido de dor chamou a atenção dos dois. O taxista pegou o celular.

— Eu vou chamar a polícia. Você está sequestrando o Homem-Aranha!

Com cuidado para não machucar Peter, Deadpool apontou uma arma contra ele e a engatilhou.

— Você vai dirigir e não vai ligar pra ninguém.

Devagar, o taxista baixou o celular. Ainda queria ligar para a polícia, pedir ajuda, porém não desejava morrer. Poderia chamar alguém depois de largar os dois onde quer que fosse. Só esperava não ser tarde demais.

— Não…

O sussurro baixo os pegou de surpresa.

— Não machuca ele.

Deadpool riu. Peter estava (literalmente) ferrado, com dor (muita dor) e, ainda assim, saía em defesa dos mais fracos.

(Ele é bom demais pra gente)

[Você podia estuprar ele. Ele nem ia sentir]

(Não machuca o nosso Baby Boy)

[Ele nem ia lembrar]

(Mas ele não merece)

[Mas a gente tá com saudade do corpo dele]

(Não é do corpo que a gente tá com saudade. Mas a gente não merece ele. É melhor matar o Petey, assim ele não fica com ninguém)

[Isso, mata o Petey. Aí ele vai ser nosso pra sempre]

(Não quer entregar ele praquele namorado sem graça, quer?)

[Ele te pediu pra trazer o Pete de volta pra ele. Entrega só o corpo]

Tentou calar as vozes, mas elas pareciam bem entretidas em matar Peter. Apertou-o mais contra o peito, como se, assim, pudesse protegê-lo delas.

— Ele… Ele não tá me sequestrando.

As palavras saíram baixas, mas o motorista ouviu. Olhou desconfiado para a cena, porém notou que Deadpool segurava o Homem-Aranha com bastante cuidado, como se tivesse medo de que ele fosse quebrar.

— Vou levar vocês pra um hospital.

— Não! — exclamaram ao mesmo tempo.

— Só nos leva pro endereço que eu te passei e fica bem quietinho.

(Vamos precisar matá-lo. Ele viu o rosto do Petey)

[E ele sabe pra onde a gente tá indo. Ele precisa morrer]

(O Petey nunca vai saber. Vamos fazer bem rápido)

[O que o Petey não vê, nós não sofremos]

O resto do caminho foi feito em silêncio. Peter ofegava de vez em quando, sentindo as costelas quebradas serem apertadas no abraço de Deadpool. A cada solavanco do carro, um novo tipo de dor era descoberto. Quis se entregar à insciência novamente, porém não podia fazer isso. Não ainda.

Chegaram. Deadpool encarou os olhos fechados de Peter e, devagar, pegou sua catana. Um corte rápido na garganta do taxista, que nem sentiria nada.

— É de graça, por tudo o que ele já fez pela gente. Mas não machuca o Homem-Aranha.

— Eu vou cuidar dele. Não diga nada a ninguém.

Como uma criança, o homem fez uma cruz no peito como promessa. Deadpool ajeitou a espada.

Devagar, Peter segurou o braço dele.

— Não.

— Spidey…

— Não. Só me leva lá pra cima.

— Mas…

— Eu disse não.

(Ele não pode ficar vivo)

[Ele vai contar tudo! Ele vai ferrar com o nosso Spidey e outras pessoas vão vir atrás dele]

(Ninguém vai vir atrás dele se souberem que estamos juntos)

[Mata ele!]

— Se for contar algo a alguém, tenha a certeza de dizer que ele está com o Deadpool. Não se esqueça desse detalhe.

— Não vou falar nada pra ninguém.

— Bom mesmo.

Mas, é claro, ele falaria.

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Peter já sentira muita dor, principalmente desde que se juntara aos Vingadores. Mas isso… essa sensação de que cada músculo do corpo implorava por descanso… Isso nunca acontecera antes.

Tentou conter os gemidos enquanto Wade o carregava para o apartamento, porém não conseguia se controlar. Soluçou ao passar pela porta, porque seu pé quebrado encostou no batente.

— Desculpa, Baby boy.

Não respondeu. Só queria que essa dor absurda passasse! Continuou chorando em silêncio, sentindo o mundo girar e o vômito na garganta. Tentou indicar o que acontecia, mas a náusea veio antes. Sujou o próprio uniforme e o de Deadpool também.

— Hey, tá tudo bem.

Pensou que ele faria alguma piadinha sobre o vômito, algo sobre esse ser o tipo de recompensa que recebia ao tentar ser o herói. Desejou as piadinhas, porque isso significaria que não estavam assim tão mal um com o outro. Relembrou o motivo do término, as oito pessoas que vira Deadpool matando, e vomitou de novo.

— Peter, isso vai doer bastante, mas preciso que você seja forte, ok? Vou te colocar na banheira.

O apartamento tinha cheiro de sangue. Peter estava bem certo de que era o seu sangue, porém ver as paredes vermelhas o fez se curvar para o lado e despejar sangue e bile sobre o chão.

— Você matou pessoas aqui dentro?

Pensando em suas tentativas de suicídio (sim, no plural), Deadpool deu de ombros.

— Pode-se dizer que sim. É agora que vai doer.

Preparando-se, Peter travou a mandíbula e sentiu a dor atravessar o corpo ao ser colocado na banheira. O pé em contato com a porcelana doía, as costelas, os braços, seu pulso! Meu Deus, o que haviam feito com seu pulso?

— Vou ligar a água agora.

Num primeiro momento, a água veio morna e Peter gritou. O calor ardia ao tocar na pele machucada; parecia queimar todo o seu corpo.

— Merda. Vai passar, aguenta só mais um pouco.

Quando a água esfriou, o alívio veio junto. Peter nem percebia que estava tremendo, só se contentava em não sentir mais tanta dor.

— Vou pegar morfina e já volto. Vai doer pra caramba te costurar inteiro.

Não o ouviu saindo. Respirou fundo e tentou avaliar os estragos no corpo. Um dos pulsos estava, definitivamente, quebrado. O outro, talvez só torcido. Um ombro deslocado, no mínimo duas costelas quebradas. Respirou devagar, mas não encontrou dificuldades ao fazer isso. Bom, significava que seus pulmões não foram perfurados pelo osso partido. Sua cintura também doía bastante, mas talvez fosse por ter ficado sentado, na mesma posição, por muito tempo (não saberia dizer quanto). As coxas não doíam como o resto do corpo, o que era uma vantagem enorme, mas o pé direito estava quebrado também; o outro pé parecia inteiro. Não queria nem pensar em seu nariz; a dor já dizia o que acontecera.

Gemeu quando Deadpool puxou seu braço esquerdo (o do ombro deslocado e pulso torcido).

— Você nem vai sentir.

Não sentiu mesmo quando ele colocou a agulha na sua veia. Só sentiu o alívio, o relaxamento do corpo inteiro. Acabou chorando, sem conter a sensação maravilhosa de não estar mais enjoado por causa da dor.

— Se drogando agora?

— Como se eu não tivesse morfina na minha própria casa. Fazer uma perna crescer dói pra caramba, ok?

Tentou rir, mas só conseguiu cuspir sangue.

— Deve ter algum sangramento interno.

— Vou ficar bem. Posso não me recuperar tão rápido quanto você, mas também é rápido. Uns dois ou três dias na cama e tô novinho em folha.

Deadpool tinha sérias dúvidas quanto a isso.

— Ok. Vou te limpar.

Peter só concordou. Segundos depois, a dor foi tão intensa que nem a morfina conseguiu aplacá-la; Wade recolocara seu ombro machucado de volta no lugar.

— Porra, podia ter avisado!

— Doeria mais. Tem um corte bem feio na sua perna. Vou costurar, ok?

— Não. Não costura nada! Só faz o sangue parar e põe uma faixa ao redor. Eu me curo rápido mesmo.

— Mesmo com o pé e o pulso quebrados?

— Mesmo assim.

Depois de alguns segundos de indecisão, Wade pegou uma catana de suas costas e começou a cortar a roupa de Peter. Ele deixou uma risada dolorida escapar.

— Vou ter que fazer um uniforme novo… Eu terminei esse há três dias! Tava tão feliz com ele…

— O uniforme é sua menor preocupação.

— Faz uma piada, para de ser assim…

— Não tenho nenhuma piada. Nenhuma mesmo.

Wade o deixou nu, mas, diferente das outras vezes, não ficou excitado. Havia mais manchas escuras do que pele intacta. Sentiu raiva. Deveria ter torturado mais aqueles homens, não só os matado. Eles mereciam dor.

Por vários segundos, enquanto Wade passava um pano úmido para limpar o sangue dos machucados, Peter ficou o encarando. Era engraçado como a morfina funcionava: em algum lugar da sua mente, sabia que deveria manter a boca fechada. Apesar de ter essa certeza, falar parecia uma ótima ideia.

— Eu sinto sua falta.

— Isso é a morfina falando, Peter.

— Você não me chama de Peter. Eu sou seu Baby Boy.

As palavras fizeram Wade fechar os olhos e engolir em seco.

(Ainda bem que não matou ele)

[Beija ele]

(Ele disse que é nosso)

[Beija ele, aproveita]

— O que as vozes tão dizendo?

Surpreso, Wade encarou o garoto ensanguentado na banheira. Os lábios de Peter começavam a ficar roxos pelo frio. Voltou a se concentrar em limpá-lo e ficou em silêncio por alguns segundos.

— Elas querem que eu te beije.

[Queremos muito]

(Demais mesmo)

— Eu também quero que você me beije.

Em vez de beijá-lo, Wade saiu do banheiro para pegar uma toalha seca e curativos. Quando voltou, Peter estava mole, com a cabeça jogada para trás e a boca aberta.

— Petey!

Ajoelhou-se ao lado dele e conferiu a pulsação: um pouco mais forte do que quando ele chegara ali. Colocou um dedo debaixo do nariz dele e uma mão sobre seu peito, mas não sentiu nenhuma respiração.

— Merda.

[Faz boca-a-boca nele!]

(Aproveita e põe a língua junto)

Puxou a máscara para cima e aproximou o rosto do dele. Com pressa, apertou o nariz quebrado e soprou ar para dentro da boca macia. Quando Peter tossiu, Wade também voltou a respirar. Aquele beijo fora como sair da água depois de passar muito tempo se afogando.

— Então você também queria me beijar.

— Eu quero que você fique vivo. Então não me assuste mais assim.

— Eu só tô com sono…

— Daqui a pouco te deixo dormir.

— Vai dormir comigo?

(Sim)

[Se ele quiser, podemos fazer mais do que dormir]

(Se ele não quiser também, desde que seja com jeitinho)

[É. Se machucar ele, não vamos poder cobrar favores amanhã de manhã]

A risada fraca de Peter interrompeu a conversa.

— As vozes maliciaram isso, né?

— Você não faz ideia. Vem cá, vou te ajudar a levantar. Cuidado com o pé.

Nenhuma morfina no mundo impediria a dor que Peter sentiu ao tentar se levantar. Seu pulso quebrado o impedia de usar o braço direito para se apoiar, mas o pulso torcido e o ombro deslocado o impediam de fazer isso com o esquerdo. Não poderia se apoiar no pé quebrado, mas, ao se apoiar no outro, descobriu que o torcera. Soluçou, sentindo-se irritado e impotente por estar tão fraco.

— Já vai passar. Vou te sentar na privada.

Depois de sentado, Wade o avaliou.

— Vamos começar por cima, acho que é melhor.

Peter não conseguiu dizer nada, só se concentrou em não vomitar. A morfina o ajudava um pouco, mas achava que Wade não estava lhe dando o suficiente.

— Não tem como me dar mais dessa merda? Tá tudo doendo.

— Eu sei, mas se eu te der muito mais você vai dormir e aí já era. Aguenta só mais um pouco.

Com cuidado, Wade secou o rosto de Peter. Os olhos castanhos se encontraram com a máscara e, por algum tempo, eles só ficaram se olhando. Nunca antes Peter odiou tanto um pedaço de pano. Queria ver os olhos azuis de Wade… O contato parou quando Peter fechou os olhos para controlar a dor. Ajoelhado em frente a ele, Wade passou algum líquido na bochecha de Peter, que ardeu. Depois, cobriu o ferimento com gaze e esparadrapo.

— Nem percebi o corte no rosto. Tá tudo doendo bem mais…

— Percebeu o corte na coxa? Tá bem feio.

Peter balançou a cabeça de um lado para o outro.

— Sinto tontura, o pulso, meu pé e minhas costelas.

— O que tá quebrado, no caso.

Ele assentiu. Suspirou quando outra toalha cobriu seus cabelos, mas sorriu com o carinho que recebeu.

— O nariz também vai doer um pouco.

Apertou os dentes um contra o outro enquanto sentia o nariz quebrado voltar ao lugar. Lágrimas de dor escorreram pelo rosto, mas não reclamou. Quando tudo estava terminado e tinha um curativo no rosto, chorou mais um pouco (dessa vez, de alívio). De volta à tarefa de secá-lo, Wade desceu o pano até os ombros e os braços. Ignorou os resmungos e gemidos, concentrando-se na tarefa de deixá-lo seco até a cintura.

— Tenho uma pomada pra dor muscular. Vou passar no seu ombro e fazer uma tala pro pulso. Tenho aquela munhequeira de quando você quebrou a mão, lembra?

— Essa pomada era minha também. Guardou tudo isso?

— Nunca se sabe quando vamos encontrar uma aranha quebrada por aí. Vou usar a tala na mão quebrada e a munhequeira na outra.

Peter riu e suspirou ao sentir a mão de Wade na sua quebrada. Não a puxou de volta, mas deixou algumas lágrimas escaparem enquanto ele colocava uma pomada e a puxava para a posição correta. Foi quando descobriu que dois dedos também estavam fraturados e que colocá-los no lugar doía como o inferno. O pulo que deu quando tudo voltou à posição normal fez seu pé doer. Tentou rir para não chorar mais, mas era impossível enquanto seus dedos e sua mão estavam roxos e inchados. Apesar disso, doíam menos do que antes de Wade mexer.

— Você é bom com isso.

Silêncio. Ele arrumou a tala na mão e a firmou com ataduras. Doeu durante todo o processo, mas, quando estava pronto, Peter sentiu vontade de beijar o ex-namorado.

— Eu fiz um curso de primeiros socorros.

— O quê?

— A primeira vez que você apareceu machucado aqui foi engraçada. Era só seu pulso torcido, mas você ficou manhoso e agiu como se não pudesse nem mexer a mão, então gostei de cuidar de você.

Agora, Wade passava pomada nas costas de Peter, sobre o ombro antes deslocado. Não o encarava nos olhos.

— Por muito tempo foi só isso. Alguns roxos, uma costela quebrada de vez em quando, um pé machucado… Até um dia, depois que fizemos dois anos…

— Eu lembro. O Duende Verde me pegou de jeito.

Deadpool concordou.

— Pé quebrado, costela machucada, vários cortes no rosto, joelho deslocado e muitos, muitos roxos. Eu não sabia o que fazer.

— Você cuidou de mim.

— Em pânico. E acabei chamando o Steve. Eles te levaram pra enfermaria dos Vingadores e lá eles cuidaram de você. Sua sorte foi que precisou usar aquela bota estranha e preta, que as pessoas usam quando quebram o pé, e eu guardei.

— Guardou?

— Pro caso de você aparecer daquele jeito de novo. Ou pior, como é o caso agora. Eu não pude cuidar de você naquele dia, porque não sabia o que fazer. Fiquei com medo de você me procurar todo quebrado e acabar morrendo. Então fiz um curso.

— E comprou uma farmácia inteira.

Só agora percebeu a quantidade de coisas que Wade tinha em casa. Equipamento para lhe dar morfina na veia, pomadas, remédios, talas, ataduras, gazes, até mesmo a bota ortopédica que precisara usar por uma semana (humanos normais ficavam com a bota por meses, mas Peter se curava bem mais rápido).

— Não queria ser pego de surpresa de novo.

(Você tá estranho)

[Cadê as piadas e o sexo? Cadê o abuso? Ele tá pelado, caramba!]

(E ele quer beijos, por que não dar o que ele quer? Frouxo!)

[Vai broxar? Maricas!]

— Ele tá machucado! — falou entredentes, irritado.

Peter não precisava perguntar para saber com quem ele falava.

— Ignora elas, ok? Ignora as vozes, elas são idiotas. Concentra em mim, porque eu acho que vou desmaiar daqui a pouco. Tá muito frio.

Foi só então que Wade percebeu o quanto a pele dele estava gelada. As pernas já estavam secas, mesmo que não tivesse chegado ali com a toalha ainda.

— Vou colocar a munhequeira no seu pulso torcido e te trago uma camiseta.

Fez o trabalho com cuidado, mas o mais rápido possível. Queria poder fazer o mesmo com as pernas, porém precisava cuidar do corte na coxa (que voltara a sangrar um pouco) e do pé quebrado. Fazer Peter se levantar duas vezes (uma para vestir a calça, outra para ir até a cama) parecia cruel demais.

Saiu da sala e pegou cueca, calça e camiseta de manga comprida para ele. Por mais masoquista que pudesse parecer, Wade ainda possuía algumas peças de Peter (como a calça de moletom). Chegou no banheiro e o ajudou a vestir a camisa cinza (que, por ser de Deadpool, ficava um pouco grande).

— Ainda tá frio…

— Só aguenta mais um pouco.

Limpou novamente o corte na coxa e, assim como fizera com o rosto dele, passou um remédio que ardia e a enfaixou. Gostaria de dar um ou dois pontos ali, mas Peter não queria, e Deadpool não o obrigaria a fazer nada.

— Petey, é agora que vem a parte que dói. Vou arrumar o seu pé.

Se a mão fora um inferno, o pé fez Peter desejar a morte. Não era simples dor, era algo muito mais intenso do que isso. Não conseguiu nem olhar para baixo, mas tinha bastante certeza de que nunca antes estivera com o pé tão inchado. Gritou alto, sem se importar com os vizinhos ou qualquer outro. Deadpool parou o que fazia e colocou a toalha que estava em seus cabelos na boca.

— Morde isso, ainda não terminei.

Mordeu o mais forte que pôde, e gritou. Fez força para não cair para trás, porque seu corpo estava todo mole, porém acabou levantando a cabeça muito rápido e a bateu na parede. Isso o deixou zonzo por algum tempo e, quando percebeu, a bota já estava no seu pé.

— Merda, Petey!

A toalha estava de novo em seus cabelos e, quando Deadpool a tirou, segundos depois, veio manchada de sangue.

— Eu te arrumo num lugar e você se machuca noutro!

Isso fez Peter rir. Riu muito, sentindo dor nas costelas ao fazer isso, porém continuou com a risada. Quase podia se ver como um boneco d’água todo furado. Quando um furo era tapado com uma fita, outros dois surgiam.

[Parabéns, você deixou ele louco também]

(Não, merda, por que quebrou nosso Baby Boy? Ele é nosso! E você quebrou ele!)

[Pelo menos agora ele vai nos entender]

(Será que vai ter vozes na cabeça dele também?)

— Petey, me escuta! Já remendei tudo que eu podia remendar. Vou colocar a calça em você, ok?

Deadpool, com a pouca delicadeza que tinha, puxou Peter para cima e o fez se apoiar em seus ombros para colocar a cueca nele. Isso forçava a mão quebrada, o ombro deslocado e os dois pés. Ele gritou de novo.

— Wade, para, pelo amor de Deus, não posso ficar em pé.

— Falta só a calça…

— Não consigo, não consigo, não consigo!

— Ok, ok.

Com cuidado, passou um dos braços debaixo da bunda dele e o levantou. As coxas eram as partes menos machucadas do corpo, então era apenas ali que se atrevia a encostar. Mesmo assim, Peter gemeu e mordeu seu ombro. Caminhou devagar e o colocou sobre o colchão.

— Não posso ficar de costas, vou vomitar.

A tontura que o atingiu quando deitou foi tão absurda que Peter só teve tempo de se jogar para o lado e vomitar sangue longe dos cobertores. Ele não conseguiu se mover depois disso, nem precisou. Wade passou um pano úmido em sua boca e o ajeitou de lado, apoiado sobre o quadril dolorido. Antes sobre ele do que as costelas quebradas (mesmo que elas também acabassem doendo nessa posição). Ao menos o ombro ruim não encostava em nada.

— Traz um enxaguante bucal pra mim? Tô com gosto de sangue na boca.

Obedecendo, Deadpool foi até a pia e trouxe um copo com água para ajudar Peter. Quando ele estava pronto, Wade limpou o chão ao lado da cama.

— Wade…

— Oi?

— Por que não tirou a máscara ainda? Eu odeio ela, você sabe.

[Ele deve ter esquecido como a gente é feio]

(Ele te deixou porque não conseguia te olhar mais. Ele só fingia)

[Não mostra pra ele, vai fazer o Petey ter pesadelos]

(Para de traumatizar nosso Baby Boy)

— As vozes tão falando merda agora, não tão?

— Só tão dizendo a opinião delas.

— É uma opinião estúpida, aposto. Tô com saudade dos teus olhos.

— Petey…

— Tira.

Receoso, Wade retirou. Meio sonolento, Peter sorriu ao vê-lo.

— Eu amo seus olhos. Eles dizem tudo o que você não me diz.

— É mesmo?

— Uhum. Eles dizem que você ainda me ama.

— Peter…

— Eu ainda te amo também. E não me chama de Peter.

Em silêncio, com os olhos marejados, Wade voltou ao banheiro e se apoiou na pia. Encarou o espelho e percebeu o sangue que tinha nos lábios. Tocou-o de leve e lembrou-se do boca-a-boca que fizera. Nem percebera que Peter estava sangrando naquela hora… Beijá-lo fora tão bom…

Queria tomar um banho e ficar cheiroso, porque, pela primeira vez em meses, sentia vontade de ficar apresentável. Levantou o braço e percebeu que estava fedorento. Retirou o uniforme o mais rápido que pôde e passou desodorante na axila.

[Não adianta limpar o sovaco, você tá fedendo]

(Nosso Petey merece algém cheiroso e bonito)

[Fode ele e depois mata. Ele nunca vai te querer mesmo]

(Não mata ele ainda. Toma um banho decente primeiro)

— Não posso deixar o Petey sozinho. Vou passar desodorante… E perfume.

[Como se isso fosse adiantar. Você parece que veio de um necrotério, com esse cheiro de morte]

(Coloca mais perfume. Usa aquele que ele nos deu)

[Ele tá machucado demais pra perceber o perfume]

(Passa nas pernas também, e na barriga. E no cabelo. Acho que vai melhorar o cheiro)

[Ainda tem cheiro de carniça]

Quando já havia ficado o mais cheiroso que podia (depois de limpar o sangue de Peter de sua pele), Deadpool voltou para o quarto e vestiu uma camiseta comprida também. Suspirou, sem saber se deitava ao lado de Peter ou se ia para o sofá.

[Do lado dele, oras!]

(Mas ele vai se machucar… Dorme no sofá hoje e vai pra cama de manhã bem cedo)

[Não pode perder essa oportunidade! Ele tá só de camiseta, que nem quando era nosso namorado!]

— Meu namorado, não de vocês — sussurrou baixinho.

O celular tocando o retirou da conversa. Pegou o aparelho e viu o número de Tony. Suspirou antes de atender.

— Oi, Lata Velha.

— Esse humor significa que achou o Pete?

— Sim. Ele tá bem agora.

Caminhou devagar até o garoto quase adormecido. Peter lhe sorriu fraco, e Deadpool correspondeu.

— É o Tony. Diz pra ele que você tá bem.

Com o telefone no viva-voz, Peter falou o mais alto que pôde (o que não era muito, porque sua garganta doía):

— Oi.

— Peter!

Aquele não era a voz de Tony, nem de longe. Um sentimento ruim se instalou no quarto, e Deadpool desviou o olhar.

— Conn…

— Como é que você tá? O que aconteceu?

— Eu… Hm… Eles me torturaram, mas eu não falei nada.

Deadpool riu baixinho. Claro que ele não falara, era um maldito herói.

— Te torturaram?! Meu Deus, Pete! E por que sua voz tá tão estranha?

— Meu nariz quebrou, mas o Wade cuidou de mim. Eu tô bem, só que com muito sono…

— Wade?

— Deadpool — Tony interrompeu. — Deadpool é o Wade.

Deadpool cuidou de você? Você não tá num hospital?

— Eu não preciso de um hospital, sou o fodido do Homem-Aranha! Eu me curo rápido, mas não rápido que nem o Wade, o que é uma merda. Bem que o fator de cura podia passar, né?

— Seria muito bom — Deadpool concordou, achando a conversa divertida.

[Você precisa matar esse namorado quando o vir de novo. Ele é um lixo]

(Ele achou que a gente não ia saber cuidar do nosso Baby Boy)

[Ele é nosso, ninguém cuida melhor dele do que a gente]

— Wade tá ouvindo as vozes agora. Elas devem estar xingando o Conn. Elas tão, né?

— Vozes, Pete? Que vozes?

— Oops… Conn não sabe sobre as vozes. Shii, Wade, não conta!

Aquilo o fez rir. Deadpool tentou se controlar, mas era engraçado demais.

Deadpool tem esquizofrenia — Tony disse de novo. — Ele escuta duas vozes que mandam ele fazer coisas…

(Não que ele nos escute)

[Claro que não, ele é babaca demais pra escutar a gente]

— Puta que pariu. Peter, onde você tá? Vou te buscar agora! — A voz de Conn beirava ao desespero (e não era por menos).

— Não, não… Não posso me mexer, eu vou morrer se eu me mexer.

— Como assim vai morrer?

— Tudo dói… Mas vai passar. O Wade tá cuidando de mim. Ele ainda tem as minhas coisas aqui. Ele nem sente dor por muito tempo e nem precisa de ataduras, mas ele guardou porque eu precisava. Até os remédios e as pomadas. Acho que ele sente minha falta.

Alguns momentos de silêncio confuso.

— Ele tinha remédios pra dor que são seus?

— Esqueci os remédios pra dor! Dei um pouco de morfina pra ele, por causa da dor — Deadpool disse.

— Eu não quero remédios, só quero dormir… — Peter murmurou.

— Não sem os remédios que o Hulk te deu da última vez que você se quebrou. O Tony me mata se você aparecer com uma infecção por lá amanhã.

— Isso é verdade, eu mato mesmo.

— Eu não quero ir lá amanhã… Posso só ficar aqui? Que nem a gente fazia?

[Tomara que o bosta do Conn tenha entendido]

(Ele tem que entender depois dessa. Te amo, Petey)

[Temos que dar morfina pra ele mais vezes]

(Faz um comentário que tira as dúvidas dele. Fala algo que mostra como o Petey nos ama mais)

— Não, Petey. Preciso te levar pro Banner amanhã. Que nem quando o Duente te machucou, lembra?

— Vai ser meu enfermeiro particular de novo? Aquilo foi bem divertido.

[Ah, sim, eu te amo muito, Baby Boy! Bem nos dedos desse tal de Conn]

(Deadpool ganha, Deadpool vence, Deadpool tem o coração do Spidey)

— Você tem outro enfermeiro agora.

(Melhor comentário)

[Acho que eu gosto mais ainda de você depois dessa]

— Conn… Eu tava falando com ele, não tava?

— Tô ouvindo tudo, Peter. Absolutamente tudo.

[Isso é melhor que novela]

(Só falta ele ver a gente beijando o Baby Boy)

— Ah… Isso é constrangedor. Eu vou me odiar quando a morfina passar, não vou?

— Provavelmente — Tony concordou.

— Ah… Ok. Posso dormir agora?

— Depois dos remédios. Vou levar ele aí amanhã de manhã. Deixem a ala hospitalar pronta.

— Pior do que quando o Duende chutou a bunda dele?

— Bem pior.

— Ok. Dorme bem, Pete. Steve já dormiu e resolvi não acordar ele. Sabe como é, ele quase não dorme.

— Eu sei. Não posso mesmo ficar aqui amanhã?

— Não — Conn respondeu.

— Ah, ok… Certeza?

Sim, Peter, tenho certeza de que você não pode dormir na casa do seu ex-namorado.

— Você parece bravo… Wade, não conta que eu vou dormir na sua cama, ok?

[Outch, essa deve ter doído]

(Morfina é a minha nova droga preferida)

Silêncio. Sem se conter, Deadpool começou a rir alto.

— Para de rir, isso é sério! Ele vai ficar irritado.

— Ok, Petey, vai ser nosso segredinho.

— Boa noite — Conn disse, irritado.

— Boa noite, Conn.

— É. Boa noite, Conn — Deadpool debochou.

— Peter… você vai se odiar muito amanhã — Tony disse. — Ainda bem que não disse que vocês se beijaram.

— A gente não se beijou! — Peter se defendeu. — O Wade não quis.

— Wade não quis?

— Estranho, né? Os olhos dele me dizem que ele quer, mas ele não faz nada.

— Ok, Deadpool, acho que é hora de ele dormir.

— Eu concordo — Wade disse. — Boa noite.

Desligou o celular e encarou Peter ainda rindo.

— Essa foi a melhor conversa de todas. Ainda bem que não matei seu namorado quando vi ele hoje.

A boca de Peter formou um “oh” perfeito e seus olhos se arregalaram.

— Você não o matou?

Como uma criança que fizera algo bom, Deadpool sorriu e balançou a cabeça.

— Não matei. E olha que ele me pediu pra te levar de volta pra ele.

Aquilo fez Peter levar as mãos em direção à boca e gemer de dor logo depois.

— Não matou mesmo?

— Juro que não.

— Ah…

Wade riu e beijou a testa dele, com carinho.

— Vou pegar seus remédios.

Da última vez que Peter quebrara algo, ele precisara tomar seis remédios diferentes, com muitas horas entre um e outro. Wade pegou o da dor e um outro que, pelo que ele se lembrava, ajudava a prevenir infecções e a diminuir o inchaço. Deixou que Banner fizesse o resto amanhã.

— Acho que esses dois tá bom. Toma aqui.

Cabisbaixo, Peter obedeceu. Nem reclamou por ficar com gosto de remédio na boca, só se encolheu um pouco (e gemeu ao fazer isso).

— Por que parece decepcionado?

— Você não matou o Conn… Sempre pensei que ia precisar me colocar entre vocês dois, porque você ia tentar matar ele quando soubesse que eu tava namorando. Mas você parou de me seguir e nunca viu o Conn. E não matou ele…

— Achei que era uma boa coisa eu não matar ele.

[Até o Petey acha que a gente era pra ter matado o Conn]

(Isso é culpa da morfina?)

[Eu acho que ele odiava o idiota do namorado e queria que a gente matasse ele]

— E é, claro que é! Você não matar o Conn é ótimo!

— Sério, Petey, se quiser, eu posso ir…

— Não! Não!

[Isso é uma mentira, certo?]

(Esse “não” definitivamente foi um sim)

[Eu acho que você deve ir lá matar o Conn]

(Que tipo de nome é esse, afinal? Conn? Nome estúpido)

— Petey?

— Você não me ama mais… Teria matado ele se me amasse, porque você é ciumento e isso era chato, mas pelo menos mostrava que me amava. Acho que você seguiu em frente, né? Só eu que ainda te amo…

— Não diz isso.

(Ele nos ama!)

[Meu Deus, ele nos ama mesmo! Toma na bunda, Conn!]

(Não, vai que ele gosta disso? Morre, Conn)

— Você não me quer aqui, né? Não faz piadas, não tenta me assediar…

— Caso não tenha percebido, você desmaiaria de dor se eu tentasse te assediar. E nós terminamos por um motivo, não vou fazer piadas. Deixa eu ajeitar a morfina.

— Ela saiu?

Como se não tivesse percebido antes, Peter encarou seu braço.

— Tive que tirar pra te trazer pro quarto. Não sentiu?

— A dor é tanta que nem percebi… Sabe quando você sente tanta dor que, no fim, já nem sente mais dor?

— Sei.

Wade ajeitou a morfina na cabeceira da cama e deixou Peter pronto para dormir. Os olhos dele já ameaçavam se fechar.

— Wade?

— O que foi?

— Me beija.

Silêncio. Por um tempo, Peter achou mesmo que nada aconteceria e suspirou derrotado. Depois, um toque em seus lábios o fez sorrir. Era como se estivesse flutuando. Não havia dor, machucados ou qualquer outra coisa que não os lábios de Wade nos seus. Sentiu a língua dele, mas não soube definir o gosto. Só sabia que era quente e gostoso. Sentira tanta falta desse toque… Gemeu em frustração quando ele se afastou.

— Seu beijo é melhor do que morfina.

Isso o fez rir.

— Eu acho que isso é a morfina falando, Baby Boy.

— Não. Eu queria isso há muito tempo, então, quando aconteceu, meu cérebro liberou endorfinas que…

— Adoro quando você fica todo nerd assim. É muito sexy.

Outro beijo, mais devagar ainda. Peter continuava sorrindo.

— Adoro quando você age como o Deadpool bobalhão por quem eu me apaixonei.

— Ah, se você soubesse o que tá dizendo…

— Eu sei o que tô dizendo…

A voz dele ia ficando cada vez mais baixa, sonolenta.

— Boa noite, Baby Boy.

— Dorme comigo. Por favor… Dorme comigo.

[Claramente há um pedido por sexo escondido aí]

(Ele quer que você goze nele)

[Aumenta um pouco a morfina e ele nem vai sentir nada]

— Ok.

Wade deitou-se ao lado de Peter, do outro lado da cama. De imediato, sentiu sua perna ser enroscada na dele e sorriu.

— Me abraça.

— Vai doer muito, acredite.

— Foda-se. Só me abraça.

É claro que não fez isso. Deitou-se de lado, como se fosse envolvê-lo por trás, como sempre faziam antes de dormir, mas apoiou apenas a mão na cintura fina. Aproximou o rosto até encostar os lábios no pescoço roxo e deixou um beijo leve ali. Apoiou a cabeça no travesseiro, encostando a testa nos cabelos de Peter, e sorriu.

Sentira muita, muita falta daquele contato.

— Boa noite, Wade.

~~>>~~>>~~>>~~>>~~>>

Peter acordou com a certeza de que havia apanhado do Hulk. Cada centímetro do seu corpo doía. A sensação era tão intensa que ele mal conseguia respirar.

­­— Ai, meu Deus!

— Petey?

— Ai, meu Deus… ai meu Deus, ai meu Deus! Que merda aconteceu comigo? Porra!

— Tortura. Dezesseis horas e meia de tortura. Mas, se serve de consolo, eu já ajeitei o ombro deslocado.

— Não, não serve, caralho!

— Isso são muitos palavrões.

— Porra, Deadpool, por que eu tô na sua casa?

— Não lembra de nada?

(Dá mais morfina pra ele)

[Ele não te ama de verdade. Ontem foi só um ataque de carência]

(Aquele tal de Conn deve ser muito ruim de cama)

[O Spidey deve sentir falta do sexo com a gente. Era só nisso que você prestava mesmo]

— Para de prestar atenção nessas putas e me ajuda aqui, caramba! Preciso ir pro Complexo dos Vingadores…

(Quem ele chamou de puta?)

[Você, é claro]

— Ok, ok. Já chamei o Tony, ele vai vir te buscar.

— Ele vai me fazer voar até lá?

— Não. O Noturno vem junto, pelo que…

Foram interrompidos pelo barulho que o mutante sempre fazia ao aparecer em algum lugar. Noturno observou o corpo machucado de Peter e deixou uma expressão doída aparecer.

— Eu não queria ser você.

— Eu também não. Pelo amor de Deus, me leva pro Banner.

— Num minuto, parceiro.

Com uma piscadela, ele arrastou Deadpool para perto da cama e encostou em Peter. Não houve nem tempo de explicarem que Peter deveria ir sozinho. No segundo seguinte, estavam na enfermaria.

O barulho foi enorme. Tony, Steve, Conn, Wanda… Todos saíram correndo em direção à cama agora ocupada, cada um falando algo diferente. Peter sentiu a cabeça rodar e se virou para o lado, vomitando sangue. Ah, que ótimo, isso era tudo de que precisava antes de dizer o típico: “estou bem”.

Bruce afastou todos eles e começou a analisar os estragos no corpo do jovem Aranha. Deadpool se afastou, indo para perto da parede, mantendo distância de Conn.

(Você avisou que era melhor ele não estar presente quando devolvesse o Baby Boy)

[Se ele morrer, a culpa é toda dele. Ele merece]

(Você acha que ele já transou com o Baby Boy?)

[Nem brinca com isso! Aquela bunda é nossa!]

(Ele não ia ficar sem sexo por seis meses. Lembra como ele chegava, de noite, cansado, mas ainda queria se divertir?)

[Ele é quase tão insaciável quanto a gente…]

(Lembra da nossa primeira viagem a dois? Nós acabamos nem saindo da cabana)

[Saímos sim! Não se lembra do sexo no lago?]

(Será que eles transam no lago? E ele geme que nem geme pra gente? E se o Baby Boy gostar de sexo com ele? E se fizer aquela mesma cara de oh-meu-Deus-eu-vou-gozar toda vez que o Conn lambe ele? E se…)

[Ele devia morrer. O Spidey. Por transar com outra pessoa, ele devia morrer]

(Mas a culpa é nossa. Wade é tão feio e nojento, como ele poderia amar a gente?)

[Não interessa. Então a gente vai só entregar ele pra esse Conn? Pra ele transar com o Spidey e ver a cara de ah-meu-Deus-eu-vou-gozar dele? Essa cara só a gente pode ver]

(Será que ele come o Spidey, ou o Spidey come ele?)

— Wade.

O chamado fez Deadpool voltar à realidade. Piscou, confuso, e percebeu que tinha a catana em mãos e encarava Conn. Ele parecia com medo. Não pôde deixar de sorrir.

— Sim?

— Guarda.

— Será? Eu disse que ele não deveria estar aqui quando eu te devolvesse.

Bruce já havia feito seu melhor em Peter, que já tinha a perna levantada e o braço apoiado numa tipoia.

— Wade.

— Ai, como você é sem graça. Eu só tava brincando.

Desleixado, Wade guardou a arma nas costas e estralou os dedos. Conn ainda mantinha o olhar fixo nele, o que o fez sorrir mais ainda.

— Lembra alguma coisa de ontem, Baby Boy?

Recebeu um olhar irritado por usar o apelido, mas não se importou. O olhar de ódio no rosto do namorado de Peter era impagável.

— Não muito. Só de você chegando lá… Do táxi…

— Aconteceu tanta coisa ontem de noite, Petey. Você se agarrou em mim e disse que eu sou o seu herói.

Isso o fez rir e balançar a cabeça.

 — Mas nem depois de tortura eu diria isso.

— Mesmo? Prova.

— Não preciso provar nada! Você não é nenhum herói.

Isso quebrou um pouco Wade por dentro, porque esse fora o motivo de eles terem terminado. Sorriu, debochado, disfarçando a dor com o sarcasmo.

— Graças a Deus. Imagina se eu acabo detonado que nem você?

— Eu estou muito bem, obrigado.

— Graças a quem, mesmo?

— Ao Banner.

Ficaram naquela troca de olhares intensa. Wade vestia o uniforme, então Peter não conseguia realmente ver os olhos azuis dele, mas sabia exatamente qual expressão estava em seu rosto.

— Mesmo?

— Uhum. E a você. Mas só um pouquinho.

— Não foi isso que disse ontem, quando me agradeceu de maneira muito entusiasmada.

Tony não conseguiu evitar uma gargalhada. Peter franziu o cenho, confuso, e percebeu que Conn tinha fechado a expressão ao máximo. Deadpool tinha aquele sorriso de quem entendeu a piada.

— Mas de que merda cê tá falando?

— Pergunta pro seu namorado. Eu tenho mais o que fazer.

Antes que ele pudesse chegar à janela, porém, Peter o chamou.

— Vai só ir embora?

— Sim. Dessa vez, sim.

Era uma referência ao término. Naquele dia, Deadpool ficara plantado como um idiota por horas, enquanto observava a janela pela qual Peter saíra.

— Depois de todo o drama de ontem…

— Você não lembra de nada, Petey.

— Eu lembro! De algumas coisas… Do banheiro. Na hora em que arrumou meu pé. Eu lembro disso.

Ele poderia ter esquecido aquela confissão, não é mesmo? Tudo o que menos queria era que Peter soubesse o porquê de ele ser bom com curativos.

— E… hãn…

— Você lembra de um detalhe, só isso. O resto da nossa noite de amor eu guardo só pra mim.

Wade soltou uma piscadela indecente, encarando Conn.

(BEM FEITO!)

[Podemos assistir enquanto o Baby Boy tenta explicar aquele telefonema?]

(A gente merece assistir isso)

— Noite de amor, claro… Deve ter sido mesmo.

— Pergunta pro seu namorado. E deixa ele bem longe de mim.

Depois disso, Deadpool pulou pela janela. Peter suspirou, frustrado, e percebeu o olhar irritado de Conn.

— Ok, o que eu fiz?

— Por que não me disse que namorou o Deadpool?

— Porque ninguém sabe disso.

Mentira. Ninguém fora do círculo de heróis/vilões sabia.

— Como pôde dormir na cama dele?!

— Wade só tem uma cama. Eu entendo a sua raiva, mas nós terminamos por um motivo.

— Não pareceram nada terminados ontem de noite!

— Eu tava meio drogado ontem de noite.

Devagar, Conn concordou com a cabeça.

— Dizem que nesses momentos a gente fala a verdade, né?

Continuaram a discussão. Mais ao canto, Steve estava com a cabeça sobre o ombro de Tony.

— Deadpool não matou o Conn — sussurrou.

— Eu jurei que ele ia tentar quando pegou a espada. Mas parou porque o Pete pediu — concordou Tony.

— Acha que ele tá mudando?

— Não sei. Só sei que, longe do Peter, ele não tem a menor chance.

Ficaram em silêncio, observando a briga que acontecia na cama. Depois de um tempo, Tony voltou a falar.

— Eu queria muito que o Pete amasse o Conn do jeito que ama o Wade.

— Eu também. Seria tudo bem mais tranquilo, né?

— E menos doloroso.

A briga acabou com beijos, e o casal se retirou para dar privacidade aos dois jovens. Da janela, Deadpool observou o beijo, as carícias, o olhar de Conn para Peter e só conseguiu pensar no que as vozes lhe diziam:

(Mata ele, mata ele, mata ele)

[Mata os dois, mata os dois]

(Ele tá beijando o nosso Petey!)

Em vez de invadir o quarto com suas armas, porém, Wade deu meia volta. Agora teria outras cenas nas quais pensar quando resolvesse pintar as paredes do banheiro de vermelho de novo.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, ela foi bem pesada. Tava com este plot na minha cabeça há muito tempo e não ia escrever, mas não conseguia pensar em absolutamente mais nada.

Espero que gostem desta One com um pouquinho de dor (antes de me matarem, lembrem-se de que I don't deserve to be here foi bem pior).
BEIJOS NOS CORAÇÕES DE VOCÊS ♥

Bjs e teh + ^3^//

Obs: Ainda tô bolada por ter precisado sair da Liga por falta de tempo ;-;)