Time Web escrita por Mabée


Capítulo 7
Capítulo 7 - Procura




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O barulho de seu corpo caindo sobre o piso de borracha era o único som ecoando entre as paredes largas e a respiração acelerada dos dois. A garota manteve-se deitada ali durante alguns segundos enquanto posicionava ambas as mãos sobre a barriga sentindo o movimento de acordo com os pulmões e seus olhos fitavam as lâmpadas no teto.

               — Você está distraída — afirmou seu pai, oferecendo-lhe uma mão para que a jovem pudesse levantar.

Em um impulso, Peony colocou-se de pé e pegou a garrafa d'água acima da mesa, bebendo da metade até o fim em um único gole. Sua respiração começou a amenizar enquanto ela passava as mãos pelo rosto suado, na intenção de limpar as pequenas gotículas. Ela encarou seu pai por alguns segundos e chacoalhou o rosto, incomodada com o comentário.

               — Eu estou bem.

               — Você errou pelo menos cinco golpes hoje e me deixou te derrubar — afirmou ele. — Eu sei que você é mais ágil que um homem de quarenta anos.

               — Às vezes você se esquece de que sou humana e também erro — lançando ao pai um de seus piores olhares, a garota enxugou o rosto na toalha e soltou um último suspiro antes de voltar ao normal. — Não tenho tempo para isso, preciso ir à escola.

A garota jogou a toalha para o homem que a pegou no ar e colocou no cesto de roupas sujas, e então, ficou plantado, observando a filha sair com passos pesados.

Peony deixou a sala de treinos e subiu as escadas para o térreo, depois seguindo para o segundo andar, respirando fundo. Em seu estado, a única coisa que lhe faria bem seria um banho daqueles longos que enrugavam os dedos, mas ela não podia perder um dia útil por culpa de um de seus relaxos. A jovem despiu-se e adentrou o chuveiro, ligando a água no quente para relaxar os músculos que antes estavam tensos, deixando as gotas escorrerem em suas costas e lavarem o suor de todo o corpo.

Terminando rapidamente todo o processo, enrolou uma toalha no cabelo e outra no corpo, saindo do banheiro e caminhando em direção ao pequeno closet, procurando por alguma combinação de roupas que pudesse usar naquela manhã de quinta-feira. Encontrando um par de jeans de anos atrás que ainda lhe serviam, dobrou as barras e pegou um suéter confortável azul-marinho com um letreiro curvo, escrito "Nova York". Ela se lembrava de ter comprado a peça em uma das excursões escolares, quando ganhou dinheiro extra dos pais e sentiu-se no poder para gastar com o que quisesse.

Assim que calçou os All-Stars brancos, terminou de secar o cabelo e se aproximou da penteadeira, olhando seu reflexo no espelho e bocejando lentamente, sabendo que precisava da sua dose de cafeína. Quando estava de saída, seus olhos se fixaram no centro da superfície branca, encontrando o cordão de ouro velho com o pingente agora apagado. Seus dedos tocaram a peça com delicadeza, mas covardia, recuando em seguida.

O fato é que a garota havia passado grande parte da última semana focada na peça, observando-a reluzir e apagar em seguida, e usando-a no pescoço como esperança de que a mesma mágica de outro dia ocorresse. Ela falava da voz, aquela que havia tentado se comunicar com ela, mas acabou sem respostas pelo tamanho choque. Peony arrependeu-se no mesmo instante de ter colocado o cordão sobre o pescoço e o jogou para longe, assustada. Quando finalmente tomara coragem suficiente para pegá-lo, tentou responder, mas já era tarde. A voz já havia ido embora, sem deixar qualquer rastro ou lembrança.

Desde então, o colar estava sempre pendurado em seu peito, às vezes ganhando as luzes curiosas, mas que sumiam logo em seguida, e qualquer tentativa de comunicação era falha. Após algum tempo, a jovem desistiu, tirando o colar e deixando-o sobre sua penteadeira, dia e noite de repouso.

Respirando fundo, a jovem afastou-se dali e pegou sua mochila, enfiando alguns artigos que corrigira na noite anterior e puxou uma gaveta da cômoda que tinha um fundo falso, girando a chave e retirando uma caixa marrom que ela sempre se esquecia da existência. Ao abrir a pequena fechadura que rangia com a ação, encontrou todas suas pequenas facas organizadas em ordem de resistência, escolhendo sua favorita no meio das outras; sua Nêmesis.

Era um hábito engraçado e até estranho, mas ela sentia prazer em dar nome às facas. A Nêmesis tinha valor sentimental, pois fora a primeira faca que ganhara do pai quando começou a treinar, e fora, também, a primeira faca que acertou no centro do alvo em um treino de arremessos. Desde então, a Nêmesis havia se tornado sua predileta, e a garota a colocou no fundo da mochila, para ficar de fácil acesso.

Antes de deixar o quarto, deu mais uma olhada no cordão e em seu pingente, mas desistiu da ideia de tentar fazê-lo funcionar outra vez, deixando-o onde estava e saindo do cômodo. Assim que desceu as escadas e chegou ao térreo, pegou uma barra de cereais e sua garrafa de café que já era tradição.

               — Tchau, pai! — Gritou ao abrir a porta da frente.

Ao chegar à escola, a garota apressou o passo pelos corredores e jogou a embalagem da barra de cereais em uma lata de lixo que havia encontrado. Chegando ao editorial, caminhou reto ignorando todos ao seu redor, seguindo diretamente para sua sala. Betty e Jason já estavam fazendo os anúncios e os outros trabalhavam em artigos atrasados ou arrumavam as impressões para trazerem, e tudo isso era observado através do vidro que cercava o local. Peony abaixou o rosto e fixou os olhos no notebook que repousava sobre a escrivaninha, tirando-o do modo "soneca" e abrindo no Clarim Diário.

"Winterville High sofre explosão e perde metade do campus"

A garota respirou fundo já sabendo a matéria de cor. Seus olhos liam as mesmas palavras, viam as mesmas imagens e captavam a mesma essência de todas as coberturas feitas sobre a tal explosão de chamas negras, mas cada vez que tocava em uma evidência, sentia a mesma sensação estranha de nervoso, sabendo que aquilo lhe soava muito familiar. Inclinando-se na cadeira giratória, leu o artigo até o fim e avistou um detalhe que havia sido acrescentado e diferenciava das outras coberturas; falavam sobre recursos.

Winterville era um colégio particular, mas era honrado em toda a cidade, e mesmo sendo bem pago, metade do dinheiro era levado para instituições carentes, então não sobrava muito na poupança para reconstruir uma boa parte que fora consumida pelas chamas. A garota teve uma ideia, mas não tinha certeza sobre aquilo, então voltou a pensar enquanto bebericava da garrafa de café.

Duas batidas soaram na porta e a garota autorizou a pessoa a entrar. Do outro lado, a Sra. Carson segurava a maçaneta com uma mão e com a outra, abraçava o cardigã de lã verde. Seus olhos eram gentis e traziam conforto, e ela adentrou o local sem muita hesitação.

               — Bom dia, Srta. Seagha — a mulher deixou a porta entreaberta enquanto caminhava até a escrivaninha. — Tenho boas notícias.

               — Bom dia, Sra. Carson — a garota fez um sinal para que ela se sentasse em uma das poltronas. — Por favor.

Ajeitando a saia escura ao sentar-se, a Sra. Carson colocou as mãos sobre os joelhos e observou as paredes cheias de anotações coladas, além das reportagens impressas sobre o acidente em Winterville.

               — Vou direto ao ponto: você e o Sr. Parker ganharam a competição, e não preciso dizer que fiquei impressionada ou que foi uma matéria incrível, afinal, você já sabe disso. — A mulher ajeitou-se na poltrona e sorriu. — Logo mais eu farei as cartas. Dizem que quanto antes enviar, mais créditos são ganhos.

Com isso, a mulher levantou-se e caminhou em direção à porta. Antes de sair, a garota chamou-a uma última vez.

               — Sra. Carson? — Recebendo a atenção da mulher, respirou fundo e pensou em todo o acidente e na sua ideia. — Eu gostaria de fazer arrecadações de fundos para a reconstrução do campus de Winterville.

A mulher abriu um sorriso e puxou a maçaneta, dizendo:

               — Falarei com os superiores — antes de deixar o local, virou-se novamente. — Ah, bem, eu também enviei a reportagem para o Clarim Diário. Achei que tinha o potencial.

Em êxtase, a jovem só conseguia pensar em seu artigo caindo sobre as mãos do grande chefe do jornal mais famoso na cidade. Seu coração palpitava com mais força só de imaginar uma mesa com seu nome e seus artigos sendo publicados todos os dias em uma coluna só sua. E então ela se lembrou de Peter e da sua grande participação na reportagem — até porque um artigo não era nada sem as imagens — e soube que tinha de contar para ele.

Então ela parou para pensar e percebeu que não o via desde o começo da semana, tanto na escola quanto no trem, não tendo notado anteriormente. Talvez ele estivesse doente, ou apenas não se cruzaram nos corredores; havia uma grande possibilidade de ser alguma dessas opções.

A garota fechou o notebook e finalizou o café, saindo da sala e deixando o editorial em passos apressados, seguindo para seu primeiro período, que era química avançada. Ao chegar na sala, notou que sua mesa estava vazia, o que era muito estranho, já que sua parceira, Lesley Nixon, nunca se atrasava. Dando de ombros, sentou-se em seu lugar usual e aguardou o início da aula.

Antes do professor adentrar a sala, uma garota familiar apareceu, caminhando em sua direção e sentou-se no lugar de Lesley, mantendo uma postura ereta e vasculhando pelos materiais em sua mochila. Peony arqueou uma das sobrancelhas e analisou a garota de cima para baixo, vendo todas suas características e tentando entender o porquê de ela ter se sentado ali.

A jovem usava uma camisa branca de mangas longas com um colete de lã azul por cima, junto de uma saia xadrez escura, além de sapatilhas da mesma cor do colete e uma tiara preta separando a franja do restante do cabelo loiro.

               — Você não é a minha parceira — afirmou Peony, colocando um dos cotovelos sobre a mesa e apoiando o rosto na mão.

               — Tecnicamente, agora eu sou — disse a jovem, sorrindo, não se deixando afetar pelo tom da outra. — Lesley transferiu para a Inglaterra e minha parceira é insuportável, então pedi uma troca.

               — Quem é a sua parceira?

               — Tyra Delaney — respondeu a loira, apontando para a jovem na frente da sala.

Peony observou a outra, lembrando-se da época em que fez um trabalho com ela. Tyra Delaney chegava a ser ainda pior, sendo a pessoa mais irritada do colégio inteiro. A garota competia notas, mesmo que nunca tivesse resultados excelentes, mas tinha o prazer em exibir sua pontuação em provas, redações ou atividades. Uma vez, Peony a fez chorar quando tirou a melhor nota da classe e apenas lançou um sorrisinho cínico para a outra.

               — Realmente, eu também não perderia meu tempo para trocar — afirmou Peony. — E seu nome é…?

               — Às vezes eu me pergunto se você realmente se esquece dos nomes ou se está brincando — a loira arqueou as sobrancelhas, aguardando uma resposta.

Essa garota não tem medo de me enfrentar, pensava Peony. Eu gosto dela.

               — Eu não faço muitos esforços — respondeu.

               — Gwen Stacy — a jovem sorriu e esticou a mão para poder cumprimentá-la.

               — Peony Seagha — a garota pegou a mão e sacudiu-a por alguns segundos.

               — Eu sei.

               — O quê?

A loira soltou uma leve risada e colocou a mochila no chão, terminando de separar seus materiais.

               — Eu trabalho nos anúncios matinais — comentou Gwen. — Eu que faço os roteiros para Betty e Jason.

               — Sempre soube que Betty não tinha capacidade para falar por conta própria — Peony soltou uma leve risada e pegou seu material.

               — Ela toma meus créditos, mas eu já estou acostumada — Gwen colocou a mão sobre o peito fingindo estar ofendida e arrancou outro riso da garota. — Eu sempre tive curiosidade para saber onde você almoça, porque eu nunca te vejo no refeitório.

Peony assustou-se com a troca instantânea de assunto, mas achou interessante.

               — Às vezes eu fico nas mesinhas do jardim. Na maioria das vezes eu costumo ficar na minha sala para finalizar artigos.

               — Eu costumava ajudar Flash com química na biblioteca, mas depois que ele tirou B+ em uma das provas, dispensou minha ajuda — a garota comentou espontaneamente, fazendo Peony sentir-se, pela primeira vez na vida, perdida no assunto. — Você gostaria de almoçar comigo?

A pergunta pegou a garota de surpresa. Por mais que Peony tivesse toda essa casca que trazia uma imagem de maturidade e independência, ou não-ligo-para-o-que-os-outros-pensam-de-mim, ela sentiu-se acolhida e considerou a pergunta com todo a sua atenção, para não dizer carinho. Naquele momento, sua mente gritava para ela não aceitar, pois seria como se ela estivesse assumindo derrota no ponto de ficar bem só, mas ao mesmo tempo, era uma boa oportunidade para conhecer a garota que parecia ser bem legal.

               — Tudo bem — respondeu e a loira sorriu.

[…]

Os olhos de Peony traziam toda a repulsa existente no mundo apenas de olhar para o ensopado surpresa que a cozinheira remexia sem parar, dissolvendo a grossa crosta que estava na superfície. Sentindo seu estômago se revirar, olhou para as outras opções e chacoalhou a cabeça, olhando para a garota ao seu lado, também enojada.

               — Eu sempre esqueço que a comida daqui é… especial — comentou Gwen ao rolar os ombros. — O que você acha de comprar um lanche?

               — Onde você sugere?

               — Tem um lugar ótimo aqui perto. Os melhores sanduíches do Queens.

               — Você mora no Queens? — Questionou a jovem, um tanto curiosa.

Analisando o jeito como Gwen se vestia e falava, Peony chegou à conclusão de que ela era uma jovem de etiqueta, sem dúvidas nenhuma de que sua família tinha dinheiro. Toda aquela manhã estava trazendo uma nova perspectiva da garota, o que era um tanto curioso, já que Peony não costumava errar em suas sugestões.

               — Não, eu moro em Manhattan — a garota ajeitou o cabelo loiro e inclinou o rosto, como se estivesse jogando certo charme. — Upper East Side.

               — Então eu estava certa.

               — Em que?

               — Eu imaginava que você tinha dinheiro — disparou Peony.

               — Um tanto sincera, não? — Gwen riu e indicou a saída do colégio para que elas seguissem na tal direção. — Correção: meus pais têm dinheiro. Eu apenas nasci naquele meio. E você, mora no Queens?

               — Sim, aqui em Forest Hills.

               — Eu gostaria de morar por aqui — suspirou a garota, segurando seus livros próximos ao corpo. — O Queens parece ser um lugar amigável.

               — Você está brincando, certo? — Peony deixou escapar um leve riso. — O Queens é o segundo lugar com maiores indícios de perigo em Nova York.

               — Eu sei — Gwen revirou os olhos. — Mas ainda assim, é melhor do que onde moro.

               — Se você diz…

As duas seguiram escola afora até chegar à esquina onde ficava o local. Peony sabia que já havia passado por aquele lugar diversas vezes, mas nunca parou para prestar atenção. O Delmar Deli era uma pequena loja com aparência antiga e uma vitrine que mostrava as mesas bem limpas do lado de dentro. Gwen estava na frente e empurrou a porta, fazendo um pequeno sininho tocar ao adentrar. As duas caminharam até o balcão em que estavam três homens trabalhando, dois deles montando lanches e um, barbado e com aparência latina, na caixa registradora. Ao fim da superfície, um gato amarelo parecia dormir.

               — Dê uma olhada no cardápio. Eu sugiro o número sete e o dez, mas se você gostar de pimenta extra, pegue o dois — a loira disse ao aproximar-se do balcão, brincando com o gato. — Oi Murph.

Peony estreitou os olhos e analisou com calma o cardápio, lendo cada uma das opções enquanto procurava escolher. Alguns segundos depois, Gwen voltou-se em sua direção e esperou por uma resposta.

               — Eu vou querer o número sete com aspargos extra — comentou a jovem e Gwen abriu um sorriso.

               — Serão um dez e um sete com aspargos extra — a loira inclinou-se no balcão e pediu para o caixa.

               — Certo, Srta. Stacy, mais alguma coisa? — O homem disse com um sotaque acentuado latino. A garota negou com a cabeça e sorriu novamente. — Serão cinco dólares cada.

Peony pegou dinheiro em sua carteira e entregou para o homem, Gwen imitando seus movimentos. Assim terminou a ação, o barbado encarou o novo rosto durante alguns segundos, olhos estreitos, deixando a jovem um tanto alarmada.

               — Você nunca veio aqui antes, não? — Questionou ele.

               — Primeira vez dela — Gwen disse antes que a outra pudesse responder. — Não se preocupe, Sr. Delmar, eu só fiz boa propaganda.

               — E este rosto novo tem um nome? — O homem perguntou, abrindo um sorriso gentil.

               — Peony — a morena respondeu.

               — Como as flores — o Sr. Delmar assentiu. — Certo, senhoritas, sentem-se e logo serão servidas.

As duas assentiram e caminharam até as mesas. Gwen ajeitou sua mochila ao seu lado e começou a procurar por algo ali dentro enquanto Peony observava seus arredores, rodeada pelas vozes, escutando até mesmo o que os homens atrás do balcão diziam, mesmo estando em uma distância razoável. Ultimamente, ela havia sentido que sua audição estava estranha, como se ela ouvisse melhor do que deveria, ou até mesmo a visão, que parecia ter crescido de modo absurdo, enxergando pequenos detalhes onde ninguém conseguiria enxergar normalmente. Ela havia pensado em marcar uma consulta ou algo do tipo, mas então lembrou-se de que em fase de crescimento, a sensibilidade aumentava junto, e ignorou o fato.

O barulho do sininho na porta soou novamente e a jovem levantou a cabeça da mesa e olhou para a frente, avistando o sujeito que adentrava a loja. Era um garoto não muito alto vestido em um suéter escuro e jeans surrados, suas meias sendo uma de cada cor. Ela analisou-o de costas e viu os fios bagunçados, fora de qualquer tipo de ordem, tendo o visual de quem havia acabado de se levantar da cama. Ela encarou durante alguns segundos até o garoto pegar duas sacolas de lanches e caminhar para fora do local, sem qualquer palavra dita. Antes de sair por completo, virou-se uma última vez e seus olhares colidiram. Nervoso, ele voltou o olhar para frente e seguiu o caminho.

Pobre garoto — Peony pôde jurar que ouvira o Sr. Delmar dizer.

               — Aquele era Peter Parker? — Questionou Gwen ao olhar pela vitrine, observando a figura dissipar-se na multidão. — Ele está péssimo.

               — O que houve com ele? — Perguntou Peony, intrigada.

               — Você não soube? — A loira debruçou-se sobre a mesa, aproximando-se como se o que tinha para dizer fosse ultrassecreto. — O tio dele morreu.

               — Hm… — a jovem não demonstrou muito interesse. — Eles eram próximos?

               — Peter mora com os tios. Quer dizer, com a tia. Eles eram figuras paternas para ele — disse Gwen ao voltar as costas ao banco acolchoado. — Dizem que ele viu o tio levar o tiro e encontraram ele com sangue em todo o rosto.

               — Quando foi isso? — Questionou a morena, passando os dedos entre os fios da franja.

               — Sexta-feira à noite. Ele não foi à escola a semana inteira — Gwen baixou o rosto levemente. — Acho que hoje foi a primeira vez que ele deixou o apartamento desde então.

Agora fazia sentido a ausência do jovem. Peony cruzou os braços e passou a pensar, não conseguindo imaginar o que o garoto pudesse estar sentindo naquele momento. Em sua memória recente, trouxe a imagem dos olhares cruzados na porta da loja, e ela conseguira captar a dor em sua aura apenas com aquela cena de meio segundo.

               — Coitado — foi só o que a garota tinha para dizer. — Ele deve estar devastado.

[…]

               — Eu trouxe o melhor sanduíche do mundo — gritou a garota ao adentrar a casa. — E com aspargos!

Caminhando em direção à cozinha, deixou a pequena sacola com o lanche embrulhado e procurou pela presença do pai, sem sucesso. Imaginando que ele pudesse estar dormindo por cansaço do turno anterior, subiu as escadas e empurrou a porta do quarto lentamente, também encontrando o local vazio. Estranhando, a jovem foi até seu próprio quarto e deixou sua mochila ao lado da penteadeira, seguindo em direção à escrivaninha e ligando a tela do computador, entrando no site do Clarim Diário para ver as notícias diárias.

Não encontrando nada muito interessante, bocejou e seguiu para o closet, procurando por roupas de ginástica para que pudesse treinar um tanto para repor a manhã fraca que teve. Escolhendo shorts pretos e uma camiseta cinza, prendeu o cabelo em um rabo-de-cavalo e pegou suas ataduras, enrolando-as entre os dedos enquanto descia as escadas. Abrindo a sala de treinamento, procurou pelas luvas de boxe e colocou-as, puxando o saco de pancada para a frente até ficar em uma boa posição para que ela pudesse lutar.

Peony ajeitou os pés colocando o esquerdo na frente e o direito atrás, levantando levemente os calcanhares para facilitar os movimentos, e então, começou; jab, direto. Jab, direto, cruza, cruza. Pegando uma sequência, aproveitou para colocar os movimentos com as canelas e os joelhos, inclinando as costas para trás. Na terceira vez em que foi aplicar o chute circular, sua cabeça começou a doer de modo absurdo, fazendo seu corpo colidir com o chão, errando a mira e colocando-se de quatro.

Sua cabeça girava e ela retirou as luvas, sentindo um calor gigante tomar conta de seu corpo inteiro, e então segurou as laterais da cabeça com as duas mãos, tentando fazer a dor passar, sem sucesso. Em seguida, ela não estava mais na sala de treino, nem mesmo com as mesmas roupas de ginástica, mas sim em um lugar escuro.

Sem enxergar nada, a garota ficou parada, com medo de tropeçar. Um facho de luz surgiu por grandes vidraçarias que ela só havia visto naquele momento, tendo desenhos de flores e símbolos que ela se familiarizava, mas não sabia de onde. As luzes vermelhas, verdes e roxas iluminavam o piso empoeirado e seus arredores, revelando o que mais parecia ser uma igreja abandonada.

Seus ouvidos captaram o som de um órgão tocando, com cada nota dramatizada em um efeito sinistro que ela não sabia se tinha medo ou curiosidade. De repente, uma luz esverdeada apareceu pelo vão de uma grande porta de madeira ao lado do altar, iluminando o vazio e falta de mobília que tinha o lugar. A jovem não quis, mas seus pés tinham vida própria naquele momento, e a encaminharam até a tal porta.

Suas mãos tocaram em cada um dos lados, empurrando-a e fazendo um barulho alto que ecoou por toda a igreja, revelando uma grande iluminação verde que quase a cegou. De repente, antes de cobrir os olhos, a luz cessou e a jovem percebeu que era uma grande fogueira que não parecia levar lenha, mas sim, peças de ouro?

               — Faça o ritual começar — soou uma voz forte atrás da garota. Ela virou-se no mesmo instante e avistou uma figura encapuzada, seu rosto totalmente coberto, mas parecia ser um homem. — Todos os itens estão na fogueira?

               — Todos, meu senhor — uma segunda voz soou, fazendo outra imagem aparecer ao lado da primeira, essa parecendo uma mulher. — Todas as essências estão unidas.

               — Tragam a rosa — disse a primeira.

Peony tentou se esconder, mas percebeu que não havia efeito, já que ninguém ali notava sua presença. Ela se perguntou sobre o que aquilo se tratava, já que sabia que o ouro não derreteria em simples chamas, além dos capuzes negros que os integrantes vestiam. À medida que a garota se virava na roda, encontrava cada vez mais pessoas encapuzadas.

Uma outra figura apareceu atrás da primeira, caminhando até o centro onde estava a fogueira e colocou uma rosa vermelha nas chamas, mas algo curioso ocorreu; o fogo não consumiu a flor. Peony aproximou-se, sem sentir o calor, e arriscou passar a mão para ver se queimava; resultado: não queimava.

Enquanto seus dedos dançavam entre as chamas esverdeadas, as pessoas na roda começaram a citar palavras com um sotaque que parecia dançar pelas suas línguas. Algo parecido com o alemão e o francês, mas nada específico. Apenas estranho.

               — Os poderes ficarão seguros, meu senhor? — Questionou a segunda voz, a mulher.

               — Eles serão discretos, Dália, mas eu não tenho controle sobre isso — a primeira voz disse com um tom de preocupação. — Eu só posso ajudar até certo ponto.

               — E Halztroc?

               — Estaremos torcendo para que eles jamais se cruzem.

               — Peony! — Um par de mãos tocou seus ombros e a garota abriu os olhos, sua respiração acelerada pelo susto e suor escorrendo em seu pescoço.

A garota olhou ao redor enquanto sentava-se no piso confortável molhado pelo seu suor, percebendo que não estava mais na igreja medonha, mas sim, em sua sala de treinamentos. A jovem sentiu calafrios percorrerem pelo corpo e respirou fundo, tentando ficar calma, não querendo preocupar seu pai.

               — Você dormiu? — Perguntou o homem. A garota assentiu lentamente, seguindo com a desculpa.

               — Onde você estava? — Questionou ela.

               — Fui chamado para cuidar de algumas papeladas na fábrica — respondeu o homem.

Peony olhou para o relógio na parede marcando 20:31 e voltou a olhar para o pai, seus olhos colidindo com os azulados dele.

               — Imagino que tenha sido uma grande papelada, não? — A garota retrucou.

O homem chacoalhou a cabeça e ajudou a jovem a se levantar com uma das mãos. Cruzando os braços, Peony captou nervosismo no homem.

               — Nós não guardamos segredos um do outro. — Ela completou.

               — A papelada veio com uma reunião, Peony. O mais demorado foi a viagem de metrô, já que uma das linhas foi danificada no começo da semana — afirmou o homem.

A garota assentiu com a cabeça e seguiu rapidamente para o quarto, inspirando lentamente e soltando com leveza o ar nos pulmões. O sonho ainda vívido em sua mente, assustando-a sempre que tentava associar as cenas que lhe traziam um ar familiar. Aquela não fora a primeira vez em que apagou em meio à um sonho; teve aquela vez que fora na escola, na aula de física, e ela vestia roupas estranhas logo abaixo de um céu cinzento. Mas este pareceu ter mais peso, e ela não sabia explicar o porquê.

Assim que adentrou o quarto, fechou a porta e caminhou até a cama, sentando-se na ponta para não sujar a colcha com o suor que escorria de seu corpo. Seus olhos captaram um facho de luz verde e ela sentiu todos os pelos presentes em seu corpo arrepiando-se novamente, e então, levantando o rosto lentamente, avistou a corrente de ouro velho. Seu pingente em forma de cubo exibia os pequenos fachos esverdeados, como os de seu sonho, mas agora, reais.

A jovem sentiu nervoso percorrer suas veias, mas levantou-se mesmo assim, caminhando em direção à peça e agachando-se para ficar com os olhos no mesmo nível, com medo de tocar. Respirando fundo e fechando as pálpebras, esticou a mão e tocou a superfície gélida com toda a calma do mundo, sentindo o gelado tornar-se quente. Sua pressão pareceu cair, mas ela ainda estava de pé, como se estivesse em transição na mente.

Uma voz aproximava-se dela, sussurrando as mesmas palavras que a garota não conseguia identificar, até o momento em que ela pôde jurar ter sentido um par de lábios grudados aos seus ouvidos, e agora a frase era clara:

Ele está à sua procura.


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