Time Web escrita por Mabée


Capítulo 1
Capítulo 1 - Artigos


Notas iniciais do capítulo

Minha primeira história na categoria, espero que gostem.
Perdoem meus erros :C



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/732537/chapter/1

"A justiça pode caminhar sozinha; a injustiça precisa sempre de muletas, de argumentos."

— Nicolae Iorga.

 

 

Passando os dedos pelas folhas e analisando palavra por palavra, acento por acento, a garota suspirou lentamente e colocou os dedos em forma de pinça sobre o nariz, umedecendo os lábios mais uma vez e procurando sua calma interior.

               — Você não gostou? — Questionou a garota ao seu lado. Sua voz era trêmula perante a fera que se encontrava em sua frente.

Peony contou até dez com toda a paciência que ainda restava em seu corpo e suspirou algumas vezes antes de retirar os dedos das folhas cinzentas e esticou as mãos, formando uma cama para seu rosto pousar. Encarou a garota loira ao lado e piscou algumas vezes através dos cílios longos, modelando os lábios em sua melhor impressão de um sorriso.

               — O que você entendeu da proposta? — Perguntou e a garota passou os dedos pelas mechas loiras, colocando-as acima do outro ombro.

               — Era para falar sobre o final da temporada de futebol… — a loira olhou para baixo confusa.

               — Exatamente.

               — Mas eu falei sobre isso!

               — Não, Cindy, você defecou no assunto e passou para letras digitadas — a morena voltou os lábios à linha reta de origem.

               — Eu me esforcei…

               — Acredito que não — Peony passou os dedos pelas folhas cinzentas e pegou sua caneta vermelha, circulando algumas palavras violentamente. — "Foda", "demais", "top". Você está escrevendo para o jornal da escola, não para seu diário. Melhore.

               — Você sempre me trata mal — indagou a loira, levantando-se da cadeira.

               — Talvez se você não me desse motivos — Peony sorriu de canto e voltou a analisar os outros textos que aguardavam em sua escrivaninha ao lado da bagunça de sua coleção de marca-textos coloridos.

A loira saiu da pequena sala com passos duros sobre o piso. Peony revirou os olhos e passou a mão pela franja repicada, jogando-a para trás enquanto respirava fundo mais uma vez e voltava ao foco do texto anterior. Seu celular vibrou ao seu lado e ela tocou a tela luminosa lendo as palavras que haviam surgido repentinamente.

"Pey, não se esqueça de trazer a janta. Fica à sua escolha"

Ela sorriu e mordeu o lábio inferior. Dia de comida chinesa, pensou com êxtase. O sorriso bobo ainda pendia em seu rosto enquanto ela seguia com as anotações nos textos.

Peony e seu pai sempre tiveram uma ligação muito forte. Ela mal se lembrava de sua mãe falecida, apenas possuía memórias de curto-prazo de suas mãos traçando linhas imaginárias em suas pernas rechonchudas de criança. Seu pai, Dustin, não costumava falar sobre a mulher, e a garota respeitava não perguntando sobre, por maior que fosse a curiosidade. Apenas sabia que sua mãe se chamava Rose e que seu casamento foi ao estilo Celta.

Inclusive, seu sobrenome trazia muito da cultura céltica. Seagha. Seu pai não seguia os costumes, até porque ele não acreditava muito, mas a garota já encontrou alguns documentos em sua gaveta. Talvez fossem de sua mãe, ou talvez ele guardasse como memórias, e sabia que tinha muito mais escondido em seu porão, o local que Pey apenas entrava por causa dos treinos e era restrita de abrir as diversas portas que não fossem da sala de treinamento. Mas ela nunca havia mexido em nada, aliás, não era seu posto.

Sentiu uma leve dor incômoda nos ombros e massageou-os rapidamente, esperando que melhorasse para voltar ao trabalho. Peony era uma bajuladora nata, e adorava impressionar as pessoas mais velhas com sua capacidade e inteligência. A Sra. Carson, supervisora do jornal da escola e professora de inglês era sua maior inspiração, e um dos maiores bens que a garota tinha em sua vida era ser a "protegida" da mulher. A professora havia lhe dado uma sala no editorial!

A dor que ainda ardia em seus ossos era por culpa de um descuido no treino da noite anterior. Ela não prestava atenção nos movimentos pois sua mente focava no trabalho do jornal que estava atrasado, então acabou por ser derrubada pelo pai. Apenas por um segundo errado.

Duas batidas soaram na porta entreaberta e Peony fez um sinal com a mão para o alto, indicando que quem quer que fosse podia entrar. Ainda focada nos textos, levantou o rosto lentamente, tentando ver quem era para medir a importância. O garoto estava parado abaixo do aro da porta, olhando por toda a sala enquanto segurava um envelope amarelo nos dedos.

Peony não o conhecia, mas sabia vagamente quem era. Tentando se lembrar, passou a encará-lo fixamente com os olhos semicerrados, torcendo o lábio em conjunto. O garoto tinha um topete castanho ajeitado no topo da cabeça e olhos assustados. Sua postura era terrível e ele vestia uma camiseta preta com a estampa de um gráfico matemático e o desenho do Gandalf dizendo sua famosa frase: "você não passará!". Pey riu lembrando-se da época em que ela se trancava no quarto e assistia Senhor dos Anéis a tarde toda.

               — Hm… com licença? — Pediu o garoto e a menina se recompôs no mesmo instante, cessando a risada.

               — Entre — disse ela, envergonhada.

Ele caminhou até as cadeiras de frente para a escrivaninha e sentou-se em uma delas, deixando a mochila na outra. Esticando os braços, deixou o envelope sobre a mesa e inclinou-se, analisando o pedaço de papel.

               — O que é isto? — Questionou a garota, arqueando as sobrancelhas.

               — As fotos que você pediu…?

Peony o encarou durante alguns segundos, confusa, então lembrou-se que o garoto era o fotógrafo do jornal. Soltando um "ah" pela boca, abriu o envelope e puxou as imagens para fora, passando-as pelos dedos. Cada uma retratava uma cena diferente, mas todas envolvendo o mesmo ambiente. A primeira era o time em campo, a segunda era o time organizado, a terceira era o time se despedindo dos adversários, a quarta era da plateia, a quinta era do Quarterback e o placar no fundo e a sexta era de um estudante que lhe aqueceu o coração apenas por ver a imagem em um momento espontâneo.

Seu nome era Harry Osborn. Era o garoto que Peony não conseguia manter o foco quando estava por perto. Algo sobre aqueles olhos verdes lhe trazia um conforto indescritível, algo que ela não sabia o porquê e não questionava por ser uma sensação maravilhosa.

               — Ficaram ótimas, hm… — olhou para o garoto, esperando que ele respondesse seu nome.

               — Sério? — O moreno lhe lançou um olhar desdenhoso e bufou. — Eu sou seu fotógrafo há três anos e você ainda não sabe meu nome?

Peony não moveu um traço de seu rosto e seguiu aguardando.

               — Peter. Peter Parker — afirmou ele.

               — Certo, obrigada, Peter — a garota voltou o olhar para a mesa enquanto ele saía da sala.

Alguns minutos após sua última visita, o sinal da escola ecoou em seus ouvidos e Peony terminou de ajeitar os textos na escrivaninha, deixando-os perfeitos para que pudesse fazer a última revisão no dia seguinte. Pegou sua bolsa no fundo da sala e posicionou-a nos ombros enquanto recolocava as fotos de volta ao envelope, enfiando-o dentro de um de seus cadernos que levaria nos braços.

Trancando sua sala após apagar a luz, Peony caminhou para fora do editorial, vendo que o sol já estava se pondo. Ela lembrou-se de que teria de passar na gráfica para deixar as fotos do garoto. Qual era seu nome mesmo? A menina era muito boa no quesito responsabilidade, jamais se esqueceria de qualquer compromisso, mas sua história com nomes era um caso à parte. Ela mal havia aprendido o nome do fotógrafo e já se esquecera novamente.

Antes de chegar na gráfica, acabou por trombar com uma garota que corria e derrubou alguns de seus cadernos. Praguejando, pegou-os do chão e revirou os olhos para a situação, seguindo seu objetivo. Assim que pisou no local, colocou os cadernos acima do balcão de atendimento e abriu o caderno procurando pelo envelope. Sem encontrá-lo, deu à moça que aguardava um curto sorriso enquanto voltava a procurar nos outros cadernos. Mesmo sendo a única ali, sentiu-se incomodada por estar "atrasando fila" e saiu do local, revoltada.

Deve ter perdido o envelope quando trombou com aquela idiota que corria. A garota caminhou até o corredor onde ocorrera o acidente e não encontrou o envelope. Seguiu todo seu caminho até a sala e não encontrou nada, nem mesmo ao vasculhar sua escrivaninha bagunçada. Respirando fundo e tentando não entrar em pânico, pensou nos meios de solução possíveis.

               — Srta. Seagha? — Chamou uma voz atrás de si e a jovem virou-se, ajeitando a jaqueta jeans escura em seu corpo.

               — Sim, Sra. Carson? — Recompôs-se e sorriu. — Posso ajudá-la?

               — Só passei para fazer uma checagem. Tudo certo?

               — Sim — enrolou a palavra, umedecendo os lábios e escondendo seu desespero. — Tudo perfeito.

               — Ótimo — a mulher passou a mão pelos fios grisalhos e sorriu em conjunto. — Você já deveria ter ido embora, trabalhar demais dá rugas.

               — Eu já estava de saída — afirmou e a mulher assentiu, dando-lhe as costas para sair da sala. — Espere, Sra. Carson!

A mesma virou-se mais uma vez e analisou o rosto da garota, confusa.

               — Você por algum acaso teria o telefone e o endereço de nosso fotógrafo?

               — O Parker?

               — Sim, este!

Assentindo, a Sra. Carson aproximou-se da escrivaninha e descolou um dos post-its que Peony tinha sobre sua mesa, anotando duas coisas diferentes. A garota acompanhou sua mão enrugada escrevendo lentamente até se afastar.

               — Posso saber o motivo? — Questionou e Peony mordeu o lábio inferior. Ela havia trabalhado anos para conseguir a confiança da mulher, e tinha medo que um passo errado fosse acabar com todo esse trabalho, então negou com a cabeça.

               — Não é nada, eu só queria manter mais contato para, hm, sabe…?

               — Oh — a mulher chocou-se e sorriu.

Peony percebeu o erro em sua fala quando reparou na expressão da mulher. Droga.

               — Não, não, não é isso — tentou voltar atrás, mas a mulher seguiu sorrindo. — Sra. Carson, não é o que está pensando…

               — Não se preocupe, Srta. Seagha, todos temos o direito de vivenciar a juventude — e com essa frase final, deixou o local, abrindo uma expressão completamente em choque no rosto da garota.

[…]

Após três tentativas de ligação, sem sucesso, Peony decidiu que iria até o prédio onde morava o garoto, já que o local ficava ao lado de um restaurante chinês que seu pai havia comentado alguns dias atrás. Saindo da escola, a garota passou pelo grande espelho na fachada e analisou seu reflexo.

Seus cabelos medianos castanhos estavam em uma bagunça ajeitada, pelo que seu pai gostava de definir. A franja repicada estava espalhada pela testa, sem preocupações, e o vento soprava os fios levemente. Peony passou as mãos esguias pela blusa cinza e ajeitou a jaqueta e os jeans escuros no corpo, pisando para trás enquanto se afastava. Seu pai sempre lhe dizia que ela havia puxado o nariz pontiagudo de sua mãe, e a cor de cabelo era dele. De resto, não sabia com quem se familiarizava, mas ele tinha certeza de que era com sua avó paterna, que, na juventude, era bonita igual.

Peony umedeceu os lábios e ajeitou a mochila cinzenta nos ombros, sentindo aquela mesma dor incômoda, e seguiu caminhando até a estação de metrô. Passou seu cartão de bilhete único e passou pela catraca, olhando para a lanchonete e vendo várias pessoas que se encontravam ali após seus turnos de trabalho. Peony caminhou até a parte subterrânea e aguardou em uma das extremidades, esperando.

Assim que o som alto ecoou em seus ouvidos, aproximou-se da beira e analisou o túnel, vendo que estava chegando. Quando o trem parou e abriu suas portas, a jovem adentrou-o e sentou-se nos assentos vagos. Era praticamente ela e um senhor com uma trombeta no outro canto do vagão.

Após dez minutos de viagem, Peony desceu e pegou o post-it do bolso, analisando o endereço. Seguiu pela Av. 72 nas calçadas pouco movimentadas e chegou ao prédio de tijolos. Abaixo dele, três lojas, sendo uma delas vazia para alugar, uma pequena agência de turismo e um cabeleireiro. A garota caminhou até a cerca de entrada para o local e empurrou a porta de vidro. Ela não sabia qual dos apartamentos era, então analisou as caixas de correio procurando alguma evidência, mas acabou sem encontrar nada. Além de uma mulher esbelta que contava envelopes nas mãos. Sendo sua única salvação, Peony caminhou até a mulher e pigarreou.

               — Com licença, você saberia qual o apartamento dos Parker? — Questionou e a mulher sorriu, surpresa.

               — É o meu, pois não?

               — Eu preciso conversar com o… Peter — afirmou a jovem, olhando para o papel mais uma vez, lendo o nome escrito.

               — Algum motivo em especial?

               — Preciso falar sobre assuntos da escola — a garota aguardou enquanto a mulher umedecia os lábios e piscava lentamente os olhos escuros.

               — Certo, suba comigo.

O prédio não tinha um elevador, então as duas seguiram pela escadaria. A mulher perguntava algumas coisas sobre a escola, envolvendo os dois, mas nada muito afundo. Peony torcia para que o momento acabasse rapidamente, focando em seu objetivo. Ela queria apenas pegar suas fotos e sumir daquele local.

Quando chegaram ao apartamento, a mulher virou a chave na fechadura e abriu espaço para que a garota adentrasse.

               — Você está servida? Aceitaria uma xícara de café? Um bolo? — Ofereceu ao caminhar para trás da ilha na cozinha.

               — Eu estou bem, obrigada — recusou educadamente enquanto continuava parada em frente à porta agora fechada.

               — Pelo menos aceite uma fatia de bolo de nozes — a mulher piscou rapidamente, sorrindo enquanto posicionava os dedos finos sobre uma cúpula de plástico.

               — Tudo bem, uma fatia — a garota rendeu-se aos encantos da mulher e olhou para os lados, analisando o pequeno apartamento.

Era formado por apenas uma sala bem decorada, uma cozinha um tanto grande, um corredor para três cômodos e uma varanda pequena.

               — Peter deve estar em seu quarto, vou buscá-lo e volto em um instante — avisou a mulher após me trazer um pedaço de bolo em um prato com um garfo ao lado.

A garota pegou um pedaço e colocou-o na boca, arrependendo-se no segundo seguinte. Seu estômago era livre para novas experiências, mas aquela ele não queria aceitar. Mesmo assim, para não ser mal-educada, jogou toda a massa para dentro da boca e forçou-se a engolir, sentindo arrepios percorrendo o corpo. Enquanto se contorcia em silêncio, agonizando, ouviu passos no corredor e recompôs-se, vendo o mesmo garoto que havia visto um tanto antes naquele mesmo dia.

               — Isso é uma evolução — comentou, torcendo a boca. — Você não sabia meu nome e agora já sabe até onde eu moro.

               — Eu perdi as fotos — a garota fora direta, cruzando os braços. — Queria saber se você tem cópias.

Tímido, o garoto encolheu os ombros e olhou para a jovem, seus olhos escuros perfurando-a calmamente.

               — Estão em meu computador — avisou. — No meu quarto…

Ela assentiu e ele caminhou até o local, a garota o seguindo. Assim que girou a maçaneta, fez um sinal para que ela se sentasse na cama e ela o fez. Peter sentou-se na cadeira giratória e começou a abrir algumas pastas.

               — Mande para meu e-mail, já que estão digitalizadas — avisou Peony enquanto seus olhos vasculhavam o local.

Era um quarto pequeno, menor que o dela, mas as paredes eram bem preenchidas com anotações e cálculos que ela jamais imaginaria sobre o que se tratavam. Analisou cada canto, incluindo o carpete com algumas manchas de sujeira, mas em geral, o lugar era organizado. Peter retirou o moletom do corpo e colocou-o na cadeira, esticando os braços. Sentindo o ambiente mais aquecido, a garota aproveitou para retirar a jaqueta também.

Peony encarou-o durante alguns segundos e percebeu que seus bíceps eram maiores do que o moletom revelava. Ela se perguntou se ele praticava esportes, pois isso não lhe fazia cara. Mesmo assim, relevou o fato e seguiu seu foco no que lhe era importante.

               — Acabei de enviar — afirmou e girou na cadeira, encarando-a sem qualquer intenção.

Olhando a tela do computador, percebeu uma foto em que o garoto estava abraçado com outro. Analisando um tanto mais, notou o rosto familiar: Harry Osborn. Os olhos cor-de-mel da garota se iluminaram ao ver a proximidade dos dois naquela imagem, pôde jurar que estava sorrindo bobo. Apenas saiu de seu transe quando Peter pigarreou, chamando sua atenção.

               — Hm… obrigada, Petrus — a garota levantou-se, reposicionando a mochila no ombro.

               — É Peter. — O garoto corrigiu, mas a morena não se comoveu, apenas seguiu o encarando até que ele desistisse. — Eu te acompanho até a porta.

Esperando o garoto entrar em sua frente, Peony caçou o celular no bolso e procurou por novas mensagens de seu pai, mas não havia visto nada novo, então caminhou até a entrada do apartamento. Sem ver a mulher que havia lhe servido o pedaço de bolo, saiu do local com um curto aceno para o moreno.

Pegando o celular novamente, procurou algum restaurante para pegar seu jantar. Encontrou uma pizzaria próxima: Nick's Pizza. O apartamento do jovem era na 72° com Austin, e Peony teria de andar duas quadras até chegar ao local. Respirando fundo, percebendo que já estava escurecendo e a única movimentação na rua era ela e a sintonia dos postes de luz sendo acesos em união.

A morena já estava quase virando na Ascan quando sentiu aquela mesma pontada que costumava sentir no canto dos olhos. Segurando o nariz com o polegar e o indicador prensados sobre a pele, respirou fundo e preparou-se para o que estava para vir. A cena era clara: um homem saía de um dos becos escuros e segurava algo metálico dentro do bolso. Podendo ser tanto uma faca quanto uma arma, mas não era fácil descrever apenas com a cena rápida que havia sido dada. Peony contou sete segundos, então a cena sumiu de sua frente, e ela respirou fundo, seguindo o caminho.

Por mais estranho que fosse, a garota já estava acostumada com estes avisos que recebia de vez em quando. Parecia que sua mente tinha certo poder de proteção, e quando algo de ruim estava para acontecer e podia ser evitado, sua cabeça doía — dependendo da prolongação da cena — e ela recebia algumas imagens de algo que ocorreria no futuro. Ela nunca havia comentado com ninguém sobre, até porque sabia que era anormal e talvez tivessem de estudar sua mente, mas nunca havia lhe incomodado tanto. Servia mais de ajuda à problema.

Passando pelo mesmo beco que havia visto, fez a contagem dos sete segundos enquanto seguia caminhando na velocidade anterior. Quando chegou no fim da contagem, parou na calçada e sua sensibilidade atacou, sentindo movimento atrás de si. Levantando uma mão, pegou em um pulso e virou-se, torcendo o braço do agressor. Logo que o homem já estava com apenas um joelho no chão e o outro ainda dobrado no ar, a garota colocou força no pé e pisou em sua coxa, ouvindo o estalo do que parecia ser um osso, o fêmur. Notou que o mascarado tirava uma faca do bolso como última tentativa, e, ainda sem soltar de seu pulso, esticou o pé em um movimento rápido, chutando para longe a lâmina, deixando-o vulnerável.

A garota finalmente torceu o braço dele, quebrando-o também e soltou, deixando o homem agonizar no chão. Aproximando-se de seu rosto, analisou-o bem e removeu a máscara, revelando um homem careca com um grande nariz, pânico tomando sua expressão. Como se não bastasse, chutou seu estômago em um golpe final e sorriu, cínica.

               — Não se deve atacar sozinho — torceu a boca e riu lentamente. — Foi fácil demais.

Ainda agonizando no chão, o homem tentou se levantar e falhou, então a garota o arrastou pela camisa levando-o de volta ao beco de onde havia surgido, deixando-o atrás de uma lixeira. Assim que deixou o local, pegou o celular e ligou para a polícia em uma denúncia anônima, avisando sobre o marginal. Colocando o aparelho de volta ao bolso, ajeitou o cabelo e seguiu o caminho até a pizzaria.

[…]

Peony havia acabado de deixar o vagão e subido até a superfície da Harrow. A caminhada do metrô até a rua era de cinco minutos, então a garota colocou os fones de ouvidos e ajeitou a caixa de pizza nas mãos, caminhando até encontrar a rua escura e alguns de seus vizinhos aproveitando a brisa noturna nova iorquina. Ruas que ficavam à Leste em Forest Hills eram afastados da poluição e possuíam uma vizinhança agradável.

Mas o pai da garota não se enquadrava muito nesse padrão. Dustin era um homem durão que botava medo nos vizinhos, então as pessoas resolviam não interagir muito. Se a lixeira da casa ao lado estivesse um tanto, mesmo que um milímetro para a calçada da casa dos Seagha, o homem fazia questão e tinha todo o prazer em chutá-la longe. Além de que aquela era a única casa que tinha cercas.

A morena caçou as chaves nos bolsos e abriu a porta branca com cuidado para não fazer muito barulho. Ela sabia que seu pai tinha muitas dores de cabeça; um dos motivos para parar de treinar por conta própria. A garota colocou a caixa de pizza na ilha da cozinha e caminhou até a sala, procurando pelo pai.

A casa não era muito grande, mas era confortável. Logo na entrada já estava um pequeno hall e a cozinha ao fim, passando para uma mesa pequena em que era servido o café da manhã e às vezes, em ocasiões raras, os jantares. Senão faziam o banquete nos sofás. A sala de televisão passava por um aro da cozinha e dava a volta, encontrando-se com o hall de entrada. No fundo, uma lavanderia e uma porta que abria para o quintal vazio. Peony sempre tentava ajeitá-lo, mas seu pai acaba reprovando a ideia.

No segundo andar, três quartos sendo um de Dustin, o outro da garota, com direito à um pequeno closet e o terceiro, um banheiro. E havia também o sótão e o porão, mas seu pai não gostava que ela ficasse fazendo muitas visitas aos dois. No porão era porque o local estava cheio de armas de todos os tipos, mas no sótão a garota não tinha ideia dos motivos.

Caminhando até a sala, Pey encontrou seu pai assistindo uma partida de futebol gravada enquanto bebia cerveja gelada. Ele ainda utilizava o uniforme do trabalho, sendo uma camisa polo com o emblema da empresa no peito. Após deixar a S.H.I.E.L.D., acabou sendo segurança de indústrias, ou até mesmo porteiro.

Dustin Seagha era um homem de grande porte, braços de largura maior que as coxas da própria filha. Ele tinha um rosto com fortes traços e mantinha o cavanhaque ralo e o pequeno topete escuro. Muitas vezes, Peony desejou ter herdado os olhos azulados do pai, mas acabara satisfeita por seus olhos lembrarem sua mãe. O homem percebeu a garota no canto da sala e levantou o olhar, sorrindo com o canto da boca.

               — Eu sinto cheiro de pizza? — Perguntou, bebendo um gole da garrafa de cerveja.

               — De aspargos — afirmou Peony e o homem sorriu, levantando-se para pegar um pedaço da caixa.

Era tradição dos dois, pizza de aspargos. A garota raramente pedia outros sabores, então havia se acostumado. Pegou também um pedaço, em seguida, outro, e quando vira, já havia acabado com a pizza da caixa, com a ajuda do pai, claro.

Ao ajeitar o corpo no sofá, a garota percebeu que não vestia sua jaqueta, e imaginou que pudesse ter esquecido na casa de… do fotógrafo. Um tanto irritada com sua mente avoada, puxou os joelhos para perto do corpo e bebericou do copo de água, focando os olhos no jogo.

               — Como foi a caminhada? Você demorou hoje — comentou o pai, preocupado.

               — Eu tive que passar em um lugar antes — afirmou a jovem.

               — Onde?

A garota mordeu o lábio inferior e pensou em alguma desculpa plausível. Seu pai não poderia saber que ela havia passado na casa de um garoto. O ciúme que habitava dentro do homem era incrivelmente irritante.

               — Ocorreu uma batida de carros no parque Street Fair, então eu fui dar uma olhada, sabe… para treinar as habilidades de jornalista — montou de última hora e sentiu-se confiante.

               — Posso ver o rascunho?

               — Eu joguei fora. Ficou ruim — recebeu um olhar desdenhoso do pai e umedeceu os lábios, sabendo que tinha de mudar de assunto imediatamente. — Me abordaram na rua, um cara que ia me assaltar.

               — Quais foram seus movimentos? — Questionou o homem em imensa tranquilidade.

               — Eu quebrei seu braço e fêmur — a garota disse, estalando os dedos. — Arrastei-o para um beco e liguei para a polícia.

               — Nenhum machucado?

               — Nada. Ele tentou pegar a faca, mas eu chutei longe — a garota sorriu mais para si mesma, orgulhosa das habilidades.

               — Acho que podemos pular o treino de hoje, já que você fez na rua — o homem sorriu e bebeu mais um gole da cerveja. — Estou orgulhoso.

               — Eu também — afirmou a jovem, levantando-se do sofá e levando o copo vazio para a pia. — Você fica com a louça? Preciso acabar alguns trabalhos e…

               — Claro.

Sorrindo em agradecimento, a garota pegou a mochila e levou-a ao segundo andar, chegando até seu quarto. Peony sentia-se confortável no pequeno cômodo de paredes azul-marinho, preenchido por uma grande cama com vários travesseiros em cima, uma escrivaninha sempre lotada de papéis e post-its. Na parede acima, uma grande estante de livros fazendo uma espécie de segundo teto. Ao lado, a porta para seu closet, e ao outro, a janela com cortinas brancas que esvoaçavam com a brisa.

Seu computador estava ligado desde a hora que ela havia deixado a casa, de manhã, então não perdeu tempo em procurar o e-mail com as fotos para o jornal. O encaminhou para a gráfica e retirou seus cadernos da mochila, colocando-os do lado da tela, sentando-se na cadeira acolchoada em seguida. Enquanto retirava mais anotações de dentro das pastas e as colava na parede, a garota percebeu que sua caixa de entrada tinha um novo arquivo, então clicou nele.

Vendo que o endereço era o mesmo das imagens, arqueou as sobrancelhas e curvou as costas, aproximando-se da tela, lendo claramente as palavras:

"Você esqueceu sua jaqueta aqui"

Cansada, a garota revirou os olhos e ignorou a mensagem, deixando o computador e se jogando na cama. A dor nos ombros voltou e ela respirou fundo, tentando concentrar-se nos pensamentos. Todos os dias, Peony acordava sentindo suor escorrer em seu rosto e sabia que havia tido um pesadelo, pois adrenalina estava sempre presente em seu corpo, mas nunca se lembrava das cenas. Às vezes acreditava que sua mente lhe pregava algumas peças.

Outra notificação saiu pelas caixas de som e a morena levantou a cabeça, olhando para a tela do computador. Sabendo que não conseguia enxergar daquela distância, caminhou até a cadeira e, ainda de pé, olhou a caixa de entrada mais uma vez, agora tendo um novo e-mail da Sra. Carson. Estranhando que a mulher havia enviado o mesmo arquivo para todas as pessoas que trabalhavam no jornal da escola, e utilizando as palavras "estudem sobre isso", abriu-o rapidamente, aguardando alguns segundos até que o vídeo baixasse.

Assim que acabou, clicou duas vezes e focou os olhos na tela. A cena havia sido, claramente, filmada por um celular, já que a qualidade era baixa e a imagem tremia. Logo, gritos soaram no fundo, mas não gritos de terror, e sim, vangloriando. Peony demorou para ver sobre o que se tratava, até que houve um zoom e um vulto vermelho passou voando na frente da tela, em uma velocidade incrível. O que quer que fosse, estava… pendurado?!

A morena então viu o mesmo vulto vermelho ganhar formas de um corpo, e a cor azul predominando partes do traje. Na imagem, um grande ônibus estava ao fim do beco que estava sendo filmado, e um carro preto corria, prestes a colidir. Então a figura vermelha e azul esticou a mão e soltou algum tipo de… corda? Elástico? Algo que fez com que o carro parasse antes da colisão. Então a pessoa dentro das roupas pulou e saiu voando, pendurado pelo mesmo material que havia soltado anteriormente.

Os olhos da garota se arregalaram assim que o vídeo havia acabado, e ela tinha certeza de uma coisa: ela descobriria tudo sobre esse sujeito.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Até mais.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Time Web" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.