A decisão de Sofia. escrita por calivillas


Capítulo 1
O recém-chegado




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A fina e fria chuva e o vento incessante faziam Sofia andar rápido e encolhida, tentando proteger o material de desenho debaixo do seu pesado casaco, pois estava atrasada para a aula de madame Lalique, que não admitia que seus alunos chegassem após o início das suas explicações. Ela fazia seu caminho de sempre pelas margens do rio, normalmente, gostava de andar por ali, mas, hoje, estava sendo muito penoso, já que o vento forte e frio não tinha barreiras e a castigava, sem piedade, empurrando a para atrás. Era sempre assim no outono, em Paris. Sofia havia se mudado para lá, há um pouco mais de um ano, com a desculpa de estudar história da arte e desenho, porém, sua verdadeira intenção, era fugir da sua tradicional família, que a vigiava e criticava, constantemente, querendo moldá-la, assim como fizeram com o certinho do seu irmão mais velho, Marcelo.

Mas, na verdade, seu irmão foi bem legal, emprestando-lhe o seu apartamento, naquela cidade. Sorriu, ao recordar como ele surpreendeu a todos, no ano passado, terminando o noivado com a noiva perfeita, segundo sua família, a chata da Mariane, bem na véspera do estrondoso casamento e, agora, namorava com uma simples mortal chamada Ana. Essa atitude inesperada fez com que Marcelo subisse muito no seu conceito, pois ela sempre era considerada a rebelde da família, porque não gostava daquele estilo de vida convencional e hipócrita, que lhe empunham, recusando-se em ser a princesinha, que todos esperavam que fosse. Então, aos quinze anos cortou bem curtinha a bela e longa cabeleira loura e a pintou de preto, e aos dezoito anos, colocou vários brincos nas orelhas e um piercing no nariz, fez sua primeira tatuagem e passou a usar, somente, roupas pretas, para desespero da mãe, assumindo um estilo gótico.

Depois da sua intensa luta contra o vento e a chuva, finalmente, chegou na frente do prédio, onde ficava o estúdio de madame Lalique, em um prédio típico de Paris do século XIX, sem elevador. Subiu pela escada de madeira estreita até o 2º piso, entrou na antessala, tirou o casaco e a boina, sacudiu os resquícios da chuva e os pendurou, em um dos cabides vazios na parede, seguindo para sala de aula, que consistia em um pequeno tablado central iluminado por pequenos holofotes, cercado de cadeiras altas e cavaletes, onde vários alunos estavam já posicionados com seus blocos de desenho e grafite na mão. Felizmente para ela, Madame Lalique não tinha começado ainda sua aula. A professora era uma figura peculiar, devia ter por volta dos 60 anos, de estrutura pequena e magra, com a pele muito clara e bem marcada por finas rugas de expressão, acentuadas ao redor dos olhos verdes penetrantes, cabelos ruivos cacheados presos em um coque desarrumado, vestia uma túnica verde de estilo marroquino e grandes brincos de pena de pavão. Madame devia ter sido uma linda mulher na sua juventude, viveu muitos amores, alguns com artistas famosos e, de vez em quando, deixava escapar um ou outra história curiosas ou picantes sobre alguns deles, para animar a aula.

— Boa noite, Mademoiselle MontReggio. Chegou bem a tempo do começo da nossa aula. Por favor, tome o seu lugar para iniciarmos – recomendou, com um tom formal e a voz empostada.

Sofia lhe devolveu o cumprimento com um leve acenar de cabeça e se apressou para ocupar o seu lugar de costume, com o bloco de desenho e lápis grafite nas mãos. Madame continuou apresentando o modelo do dia, já conhecido deles, um belo rapaz negro como o ébano, de cerca de 20 anos, com um rosto de traços fortes, vestindo um roupão.

— Monsieur Ludô, por favor, fique em seu lugar – solicitou, apontando o centro do tablado.

O rapaz tirou o roupão, ficando nu, revelando um belo corpo com músculos bem definidos e rígidos, a sua pele brilhava sob as luzes quentes, estrategicamente, viradas para o tablado, onde ele se colocou em uma pose.

— Senhores, vocês já conhecem o monsieur Ludô. Quero que observem estes belos músculos bem definidos, estas coxas torneadas, sob esta pele magnífica. Representem seu rosto forte e estes lábios carnudos e essas nádegas altas e arredondadas. Vamos tentar passar tudo isso para o nosso trabalho de hoje, senhores e senhoras - Madame Lalique continuou parecia um pouco excitada, empolgada demais com aquela descrição do belo modelo. Nesse momento, ouvissem risinhos abafados dos alunos na sala e ela pediu silêncio, com rigor.

Sofia sempre achava que madame se entusiasmava demais, com seus belos e jovens modelos masculinos, muitas vezes, percebia-se que esse interesse era correspondido.  De repente, madame Lalique parou de falar e olhou para a porta, atenta.

— Posso ajudá-lo? - Ela perguntou, erguendo a sobrancelha, todos se voltaram para aquela direção e, parado, ali estava um rapaz de estatura mediana, com uma atitude confiante, cabelos castanhos claros cacheados, compridos o suficiente para cobrir suas orelhas e uma franja que teimava em cair sobre seus olhos esverdeados, desafiadores, o que impressionou Sofia.

— Boa noite e desculpe-me pelo atraso. Meu nome é Jean, sou um novo aluno – ele se apresentou, com segurança, com um sorriso torto, parecendo provocador.

— Monsieur Jean... – madame continuou e parou esperando que ele completasse com o seu sobrenome.

— Jean Baptiste Sander – ele percebeu o que ela queria.

— Monsieur Jean Baptiste! Que original! – ela rebateu com ironia e prosseguiu de um jeito arrogante. - Como hoje é seu primeiro dia, monsieur, serei complacente com o seu atraso, e que essa seja a primeira e última vez. Por favor, pode se posicionar ao lado da mademoiselle MontReggio.

Jean ficou parado, sem saber para onde ir, até que Sofia levantar a mão e ele se sentou no lugar vago ao lado dela.

— Não se preocupe, ela é assim mesmo – Sofia sussurrou para o ele.

— Não estou preocupado – ele respondeu, sem emoção na voz.

 Ludô se reposicionou em sua pose original e os alunos começaram os desenhos, enquanto madame Lalique andava por trás deles, fazendo correções e comentários sobre os trabalhos deles.

— Mademoiselle MontReggio, o monsieur Ludô é feito de carne e osso e não de borracha. Melhore isso, de mais consistência as formas!

Sofia reconhecia que não tinha muito talento, mas era persistente, além disso a pintura e o desenho eram um prazer, nunca ganharia a vida com isso, e não se preocupava com isso, já que não precisa, pois havia herdado muito dinheiro de seu avô, pai de sua mãe, quando ele morreu, há alguns anos atrás, o que lhe permitiu poder estar ali agora, sem depender da aprovação de ninguém.

— Muito bem, monsieur Baptiste! Muito bom mesmo! – Madame Lalique estava, realmente, impressionada com o trabalho do recém-chegado. – Só aprimore um pouco mais a expressão do rosto.

Sofia não resistiu em dar uma olhadinha no desenho do seu colega do lado, que estava maravilhoso, com traços firmes e impressionantemente parecido com o modelo no tablado, mais com um toque especial do artista.

— Está muito bom! – Sofia o elogiou, baixinho.

— Obrigado – respondeu de modo casual como estivesse acostumado a receber elogios.

No final da aula, enquanto os alunos recolhiam seus materiais, Sofia se apresentou a Jean.

— Meu nome é Sofia – Ela lhe deu um sorriso simpático, havia algo nele que a fez ter vontade de ser sua amiga, talvez, esse ar de segurança que ela não possuía.

— Muito prazer – ele lhe devolveu aquele sorriso torto.

— Você desenha muito bem!

— Obrigado. Mas eu quero melhorar minha técnica, por isso estou aqui – Deu de ombros, com indiferença.

— Depois da última aula da semana, nós nos reunimos para beber aqui perto. Você gostaria de vir conosco, assim você pode conhecer toda a turma - Sofia o incentivou e ele acabou concordando.


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