Recomeço escrita por red harrington


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

A fanfic é referente ao episódio The Groove, 4x14. Ao invés de Tyreese, encontra-se Daryl. Há a sugestão que Lizzie se encontra em plena saúde mental, sem qualquer confusão a respeito do risco que os zumbis representam ou tentativa de assassinato de Mika e Judith.



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— Carol? Deita aqui comigo? – Mika perguntou fazendo beicinho, sentando-se em sua cama improvisada em frente à lareira e virando-se para trás para olhar para ela. Era tarde e, por mais pesados que estivessem seus olhos, virando desconfortavelmente de um lado para o outro, a garota não se permitia entregar para ao sono.

— Você promete que vai tentar dormir? – Carol perguntou com um tom de voz sério, apesar do brilho em seu olhar e os cantos dos olhos levemente repuxados.

Sentindo a sua aprovação, a menina deu um sorriso sonolento seguido por um leve aceno com a cabeça, deitando-se novamente em sua cama e puxando as cobertas até o pescoço. Carol não pôde evitar e acabou por retribuir o sorriso, saindo do sofá e indo imediatamente ao seu encontro. Apoiando-se sob dois travesseiros e ficando em uma posição meio sentada e meio deitada contra o sofá, ela permitiu que Mika se acomodasse contra seu corpo, entendendo suas coxas como travesseiro e encontrando o conforto e segurança necessários jogando os braços ao redor de suas pernas, abraçando-a sutilmente.

Há menos de uma semana, o Governador e os habitantes de Woodbury haviam atacado a prisão, instaurando um caos no momento em que as grades caíram, zumbis tomaram o local e muitas vidas inocentes e indefesas foram tomadas por mãos humanas e mortas-vivas. Como consequência, todo o grupo havia se dispersado, a situação fugira do controle e não restava alternativa senão fugir.

Agarrando suas armas e vestindo suas mochilas com o pouco que restava de seus pertences, Lizzie e Mika correram em direção a floresta com Daryl segurando Judith em seus braços, deparando-se com Carol ainda nas matas após pouco mais de um dia de fuga.

Somente ao atingir uma distância consideravelmente segura, a mulher questionou se não chegara o momento de sair em busca dos outros integrantes do grupo, mas o caçador imediatamente a interrompeu, argumentando que as crianças eram a sua prioridade no momento e, pensando nelas, deveriam começar a procurar por um teto para as suas cabeças e isolamento térmico antes que o frio agravasse. Carol compreendeu e concordou com o pensamento e, sendo assim, após um dia e meio de caminhada, seguindo pelos trilhos de trem para um lugar chamado de Santuário, foi quando encontraram a grande casa de campo a qual se abrigavam.

Era uma fria noite de inverno, possivelmente uma das mais baixas temperaturas enfrentadas até o momento. Diante da precariedade de cobertores e qualidade inferior das roupas que vestiam, Mika pediu a Daryl e Carol para dormirem todos juntos na sala de estar, acendendo um fogo na lareira se julgassem necessário, mas principalmente mantendo-se mais confortáveis com todo o calor humano fornecido durante a noite. Lizzie concordara com empolgação a sugestão de sua irmã, compartilhando com os adultos as ocasiões, antes do apocalipse zumbi, em que se reuniam com seus pais e substituíam o conforto de seus quartos pela intimidade da sala de estar em uma bagunça de colchões, cobertas e travesseiros postos no chão.

Sorrindo suavemente para a memória compartilhada e percebendo o quão importante seria para as meninas repetir essa atividade, o lado materno de Carol falou mais alto e ela permitiu, auxiliando na organização deslocando os sofás e mesa de centro e varrendo o chão antes de estender o colchão e cobertas limpas sob o piso de madeira.

Era uma situação muito particular e familiar, repleta por um sentimento de fraternidade, desconhecido por Daryl, e Carol reconhecia o quanto isso poderia lhe causar desconforto. Mas, dada a situação em que se encontravam, lutando por suas vidas, abrigados em um local desconhecido e longe de sua família e amigos, ela julgava importante para as meninas identificarem o mínimo possível de normalidade nessa condição, possibilitando momentos de segurança e calmaria e recuperação da própria agitação mental.

Suspirando, Carol passou as mãos pelos cabelos de Mika, ocasionalmente brincando com uma mecha em particular. Ela olhou para Lizzie, profundamente adormecida em uma poltrona reclinável. Ela havia passado por muito em tão pouca idade, assim como a sua pequena Sophia. Com apenas 12 anos, ambas perderam sua infância, segurança e bem-estar para a invasão dos zumbis; as suas maturidades, capacidades de superação e raciocínios rápidos eram postos a prova diariamente, desafiando-as e forçando-as a aprenderem novas atividades, mesmo quando não deveria haver a necessidade de ensina-las nem mesmo quando madurecidos (por exemplo, como se defender e fugir em casos de alto risco). Ao contrário de Mika, porém, que é ainda mais nova, Sophia não passou nem mesmo no primeiro dos testes de sobrevivência. Sob o desafio de permanecer em silêncio e manter a calma prezando por sua segurança, ela falhou miseravelmente e abraçou a própria morte com um ato impulsivo, e Carol sequer poderia culpa-la. Ora, Sophia era apenas uma criança, e se foi incumbido a alguém a responsabilidade de cuidar de sua menina, a causadora indireta de sua morte, definitivamente, era si mesma, e essa era uma culpa que Carol infelizmente carregaria diariamente até o seu ultimo suspiro.

Interrompendo-a de seus devaneios, Judith subitamente começou a chorar, fazendo com que Carol e Daryl trocassem um olhar rápido decidindo sobre quem iria atendê-la. Com um aceno de cabeça, Daryl levantou de sua cadeira, largando em cima da mesa o canivete que concentradamente utilizava para cutucar debaixo de suas unhas. A garota havia sido alimentada há algumas horas, então, definitivamente, não era fome. Ele, então, optou por balançar a criança no colo, caminhando pela sala com passos lentos e sussurrando em tom de voz baixo o suficiente para apenas eles compreenderem o que estava sendo dito.

Era algo engraçado a se pensar que Daryl, um homem que crescera em um ambiente hostil, com um pai alcoólatra e extremamente abusivo, sem uma boa estrutura familiar decente e a menor preocupação em suprir suas necessidades básicas, tornara-se alguém intimidador e sarcástico que conhecera logo na rodovia a caminho de Atlanta, e evoluíra a tal ponto que se tornara um irmão para o líder de seu grupo, confiando a ele a sua própria vida e, agora, a de sua filha.

Daryl nunca teve apreço por crianças; na verdade, nunca esteve em contato direto com uma, acompanhando-a vinte e quatro horas por dia, sete dias na semana, dividindo suas funções e cuidados para com ela e o resto da família. Talvez fosse essa uma das razões para a visão de um homem tão bruto ser tão encantadora quando murmurando suavemente para um bebê, com uma expressão facial ligeiramente mais leve.

Ele nunca pensou sobre constituir uma família. Quer dizer, durante muito tempo repudiou a ideia, considerara algo apenas improvável. Mas, após a sua intensa busca por Sophia na floresta e o nascimento de Judith, algo dentro dele pareceu mudar e sentimentos novos e desconhecidos começaram a florescer, sem ao menos se dar conta. Era o sentimento de orgulho ao ser identificado como um porto seguro quando a pequena Jude segurava fielmente a ponta de seu dedo; a satisfação ao conseguir arrancar da menina um sorriso – ou, melhor ainda – um riso extremamente gostoso e verdadeiro; a frustração diante da incapacidade de encontrar Sophia na floresta ainda com vida, trazendo-a finalmente para a segurança e amor dos braços de sua mãe, aliada à incompetência em não identificar o motivo do choro de Judith, tomando mais tempo que o necessário para conseguir acalmá-la ou tendo alguém a tirando de seus braços a fim de contê-la mais rapidamente; a sensação de paz ao assistir o seu sono, imersa em um mundo lúdico de sonhos coloridos, pacífico, inocente e livre de toda e qualquer monstruosidade que existe a sua volta; a fascinação ao perceber a perfeição que compõe todo o seu ser, a maneira que seu corpo se encaixa exatamente nos braços em quem a segura, toda a delicadeza feminina já presente em uma garotinha tão pequena, fortalecendo ainda mais os ideais e a imagem de quem se tornará no futuro, o quão notável será a sua beleza física, a destacar os seus pequenos olhinhos claros e esbugalhados...

Com tantas pessoas zelando por sua educação e saúde dentro da prisão, havia uma em especial que constantemente chamava a atenção de Daryl, brilhando-lhe olhos, fazendo-o admitir silenciosamente para si mesmo que ela era a maior e melhor influência positiva que a garota poderia receber durante o seu desenvolvimento.

Essa pessoa já fora mãe um dia, trabalhando incessantemente no bem estar de sua menina mesmo antes do apocalipse. Seu passado com seu marido não fora nada bom, sofrendo uma vida de abusos físicos e morais, assim como si próprio. Após inúmeras orações aos céus, mesmo quando questionava a respeito da existência de algo maior e superior a toda a humanidade, depois de muita teimosia e persistência, aparentemente o suposto Deus pôs um fim para o causador do maior mal em sua vida, eliminando-o da raça humana de modo fatídico e tardio.

Entretanto, para todos os bônus da vida, há um ônus. Daryl não era um grande conhecedor da Bíblia, muito pelo contrário; mas, pelo pouco que possuía conhecimento, a existência do Deus punitivo e intransigente era real. Mesmo com a tamanha evolução da sociedade, os deuses estacionaram no universo quando se dizia respeito à piedade.

Da mesma maneira que, presenteando-a com grande alívio e liberdade, seu marido intolerante e abusivo tivera a vida tomada por um morto-vivo no auge do apocalipse zumbi, como se não lhe fosse o suficiente tanto sofrimento, Deus lhe puniu pela audácia de celebrar a sua morte tomando a vida de sua menina.

Daryl não podia expor em palavras o sentimento de perder um filho, sangue de seu sangue, um ser cujo conquistou o seu amor mais profundo e verdadeiro; ele não possuía filhos e a morte de seu irmão, por mais triste que fosse, não poderia ser comparada com a perda de um descendente. Não havia sequer gestos ou vocábulos capazes de explicitar a dor de uma mãe, nem o mais puro ouro ou mais cheirosa rosa não eram dignos de sua analogia. Ia contra as leis naturais da vida, onde um filho era suposto a enterrar seus pais, não o contrário. E isso era algo que, certamente, trazia um irritante olhar de piedade a todos que possuíam conhecimento de sua história e a acompanhavam com o mais profundo sentimento de culpa, por mais que não possuísse nem um décimo do que imaginava que tinha.

Com um ato de superação jamais imaginado ou visto anteriormente, Daryl acompanhou o dia a dia dessa mulher. De dona de casa oprimida, com medo de sua própria sombra, ela se libertou de todas as suas amarras, cortando-as em mil pedaços com sua faca, aprendendo a lutar, passando por testes e sobrevivendo aos desafios do mundo apocalíptico, aqueles os quais lastimosamente sua filha não conseguira concluir. Com muito sangue, lágrimas e suor, momentos tristes, felizes, passando por muitas dificuldades e alívios, ela se tornou um grande exemplo de força – física e emocional – e não havia nenhum obstáculo ou vilão grande o suficiente para derrubá-la. Assim como se escondia atrás de seu próprio monstro, ela tornara-se a sua própria força, sua própria muralha.

Com um suspiro audível e um leve sorriso surgindo nos cantos de seus lábios, Daryl olhou para Judith, constatando que a menina havia novamente adormecido em seus braços. Seu coração novamente se encheu de orgulho como nunca antes havia sentido e o seu maior desejo era compartilhar esse sentimento com a mulher que amava e, não coincidentemente, era o seu maior exemplo para o desenvolvimento da menina.

Olhando para a mulher na sua frente, procurando ansiosamente os seus olhos, Daryl sentiu um nó no estômago ao perceber que Carol já o observava há tempo. Ele não pôde deixar de sentir um calor preenchendo o seu peito e dominando o seu rosto, fazendo-o corar, e seu coração bateu ainda mais forte quando viu um sorriso genuíno surgindo em seu rosto.

O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada; o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções. Havia se passado muito tempo desde a perda de Sophia, era impossível curar a sua dor ou fazê-la se esquecer. O próprio Daryl havia sofrido muito com a sua morte, por mais que não admitisse ou que Carol não se fizesse possuir conhecimento. Havia um ditado que dizia que todas as coisas boas vinham para aqueles que podem esperar, e certamente ela acreditava nisso. Já fazia muito tempo desde que fora verdadeiramente feliz, com momentos concretos e contínuos de felicidade ou alegria, dia após dia.

Após a perda de Sophia, porém, pareceu que sua vida deu uma guinada como nunca havia sofrido antes. E, assim como o seu próprio amadurecimento físico e emocional, a vida lhe deu dois novos presentes. Três, se fosse honesta consigo mesma. E, embora estes nunca fossem capazes de substituir a morte de sua doce menina, eles igualmente lhe acalentavam o coração, dando-a motivos ainda maiores para se continuar a viver e razões para se desejar sentir. Era a vida dando-lhe motivos para recomeçar. Reconstruir-se. Construir uma nova vida em seu novo eu, embora no físico da mesma Carol de antes.

Soltando uma mecha de cabelo de Mika, Carol olhou intensamente para Daryl; o seu coração batendo acelerado ao constatar que era ele o principal fator que motivou a sua sobrevivência.

No dia anterior, enquanto Daryl relaxava na poltrona reclinável observando as chamas dançantes do fogo, Mika brincando de boneca e Lizzie auxiliando-a no quebrar as cascas das nozes pecãs para a preparação de alimentos para eles, a menina mais jovem sugeriu a desistência da viagem ao Santuário. Eles possuíam um teto sob suas cabeças, água potável de poço artesiano, pés de frutas, plantas medicinais e especiarias no quintal, além de uma floresta ao entorno, possibilitando a Daryl chances de sair para caças e trazer grandes e bons animais para casa.

Carol não podia negar, ela realmente havia pensado sobre isso. Eles poderiam estabelecer uma vida ali, apenas os cinco. Eles tinham condições e os meios necessários, não faltando nada além do real interesse.

Ao olhar para Daryl, porém, e seus olhares se encontrarem, arrancando involuntariamente dois grandes e verdadeiros sorrisos de seus rostos, foi quando ela teve a certeza. O pedido de Mika foi apenas o empurrão necessário para tal constatação. A vida estava, efetivamente, dando-lhe uma segunda chance de ser genuinamente feliz e a hora exata de se reinventar era agora, sem mais delongas, sofrimentos ou qualquer outra coisa que pudesse vir a ser um empecilho em sua vida.


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Notas finais do capítulo

"O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada; o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções." Martha Medeiros
Críticas serão sempre bem vindas.



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