Lucille - A Pedra Nihil escrita por Karolamd


Capítulo 26
As Coisas Boas e as Coisas Ruins




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Duas semanas depois

    Lucille acordou, levantando pálpebras ainda pesadas para observar um teto branco e iluminado. Seu corpo ainda doía, mas agora eram apenas ecos, lembrar da dor real fez um arrepio correr pela espinha da bruxa. Aquilo fora aquém do suportável. Lucille tentou mexer o pescoço, queria ver os arredores, apesar de ter certeza que estava na ala hospitalar, mas descobriu tarde demais que essa não era uma boa ideia. A garota soltou uma exclamação de dor, e fechou seus olhos com força.

    — Lucille. — Ela ouviu a voz de Andrew. Sem pensar, a garota se ergueu, e a tontura quase a mandou cama abaixo.

— Andrew! — Falou maravilhada, enquanto o rapaz a fazia deitar novamente. Lucille observou Andrew, seu rosto tinha um aspecto cansado, mas ele sorria em um misto de alívio e felicidade — Você está vivo. — Observou o óbvio, enquanto tentava um sorriso, mas, pelos Elementares, até as bochechas dela ainda doíam um pouco.

— Tão vivo quanto eu posso estar. — Disse, olhando para Lucille com nada além de afeto. A garota notou que, na cadeira de onde o rapaz se levantara, um volume único de O Senhor dos Anéis estava marcado com um pedaço de folha. Lucille imaginou por quanto tempo Andrew estivera ali, e pensar no rapaz, sentado, dividindo sua atenção entre o livro e ela, fez algo dentro de Lucille derreter. A bruxa se sentiu levemente idiota, mas de uma maneira boa.

— Como… — Ela começou, tentando se sentar — Como estão todos? — Perguntou, ignorando cada grito de dor que seu corpo dava. Andrew quis impedi-la de se sentar, mas a garota simplesmente não poderia mais ficar deitada. Com algum esforço, e ajuda do rapaz para ajustar seus travesseiros, ela conseguiu se manter em uma posição confortável.

— Bem, considerando as circunstâncias. — O rapaz respondeu, dando de ombros. Lucille acabara de acordar, ainda teria muito tempo para conversar com os demais, e se ele sabia uma coisa sobre a bruxa, é que ela logo estaria querendo ajudar, mesmo que ainda não estivesse completamente bem — Eu vou avisá-los de que você acordou.

— Não. — Lucille chamou sem pensar, se arrependendo em seguida do leve toque de desespero que deixara transparecer em sua voz. Em toda sua vida, aquela era a primeira vez que Lucille se via em uma situação como aquela. Enquanto viveu com Adelaide, nenhum rapaz ou moça jamais se confessara, muito provavelmente pelo fato de que eles ou a achavam estranha, ou tinham medo dela. Mas Andrew estava ali, tão estranho quanto ela, e ele sorria e parecia deleitado pelo fato de que ela não queria que ele se fosse. O mesmo rapaz que no início parecera tão sério e reservado, e se revelou na verdade uma pessoa doce e meiga. Ele gostava de Beatles, de esgrima, de ler, esse mesmo rapaz disse que gostava dela, Lucille mal podia acreditar.   

 Os dois ficaram por alguns segundos simplesmente se encarando. Lucille refletindo se deveria perguntar sobre o que ele dissera no dia fatídico. Por fim, ela resolveu que não haveria momento perfeito para falar sobre o assunto, quanto antes Lucille soubesse, melhor.

— Andrew. — Chamou hesitante. O rapaz apenas fez um gesto de cabeça, indicando que ela deveria continuar — O que você disse, naquele dia… No dia antes de tudo dar errado, você… — Ela sentia seu rosto esquentar ainda mais a cada palavra que dizia — Você falou sério? — Perguntou por fim, e ela tinha certeza, deveria estar vermelha como uma fada do fogo.

Por longos segundos, Andrew apenas a observou. Ele se lembrava do que dissera, apesar da situação. Andrew recordou o dia em que melhorara por completo, como montara guarda ao lado da cama de Lucille, esperando ansioso que ela acordasse para... Bem, ele não sabia exatamente o que diria para ela, ou como deveria voltar a esse assunto, mas no fim das contas, ele não precisou. Lucille estava a sua frente, acordada, embora por alguns dias Andrew vira mais do que simples preocupação nos olhos de Odete e Abigail, como se elas estivessem tentando fazer as pazes com o fato de que talvez Lucille não fosse acordar, e a bruxa mais jovem perguntava com expectativa em seus olhos, se o que ele dissera fora verdade.

— Sim. — O rapaz começou, e, ele teve de se conter com todas as forças, para não começar a balbuciar como um tolo as próximas palavras — Sim, eu falei sério. Talvez essa não seja a melhor situação para repetí-lo, Lucille, mas eu gosto muito de você, e essas semanas só serviram para confirmar qualquer ponto de dúvida que ainda restasse. E isso… — Andrew gostaria de poder explicar para Lucille como aquela era uma situação completamente inédita para ele  — Isso é novo para mim. — Disse apenas, desviando seus olhos para um ponto no chão, incapaz de continuar olhando Lucille nos olhos. — A minha condição me privou de muitas coisas. Eu só conseguia pensar no que aconteceria quando a pessoa descobrisse que eu sou um vampiro, mesmo dentro da ODM, o medo do preconceito  me fez guardar esse segredo do máximo de pessoas possível. — Nesse momento Lucille colocou sua mão sobre o braço de Andrew, tentando não soltar um silvo de dor  — Mas você não deixou de confiar em mim, agiu como se nada tivesse mudado.

— Porque nada mudou. — Lucille disse, o sorriso em seu rosto fazia as bochechas doerem, mas ela não conseguia evitar — Eu admito que fiquei surpresa, meus antigos encontros com vampiro não foram felizes, mas você não foi nada além de educado comigo, durante todo esse tempo. — Andrew voltou a olhá-la  — E daí que de vez em quando você precisa de umas bolsas de sangue?  — Ela sorriu ainda mais.

— Então você também..?  — Ele não terminou, mas estava implícito o que ele queria dizer.

— Sim Andrew.  — Lucille começou, olhando, agora com firmeza, nos olhos azuis e dóceis do rapaz  — Eu também gosto muito, muito de você.  

Andrew alcançou a mão que ainda estava sobre seu braço. Os hematomas nos braços da garota já estavam desaparecendo, mas ainda sim, ele teve cuidado, entrelaçando seus dedos com os dela. Andrew sentiu um misto de felicidade e tranquilidade como nunca achou que mereceria em sua vida.

— Por Merlin, se beijem logo. — Daiana falou em falso tom de irritação, ela estava parada na entrada da ala hospitalar, junto dela vinham Vitor e Evan.

— Lucille acabou de acordar Daiana. — Andrew falou indignado, fazendo com que a fada começasse a rir.

— Como você está se sentindo Lucille?  — Vitor perguntou.

— Eu não sei dizer ainda. — Disse honestamente. A bruxa estava euforicamente feliz, e, ao mesmo tempo, profundamente triste. Lucille não sabia que era possível sentir ambas as coisas juntas. Por um lado tinha Andrew, e seus amigos que estavam bem, por outro, as lembranças das coisas pavorosas que ela fizera. As memórias de cada um que Nikolaus a fez assassinar voltaram como uma tempestade de areia, e Lucille começou a chorar sem perceber. Seus amigos a olhavam alarmados, enquanto soluços cada vez mais altos convulsionavam seu corpo, as dores resultantes só a faziam derramar mais lágrimas — Ele me usou para matar pessoas. — A bruxa disse, e no rosto de seus amigos havia pesar. Andrew colocou uma mão delicadamente sobre o rosto de Lucille, tentando limpar as lágrimas que escorriam — E os Miseri, eles… — Um grande soluço interrompeu suas palavras.

Daiana e Vitor se aproximaram. — Não foi sua culpa. — Daiana disse, pegando a mão livre de Lucille — Você não estava no controle de suas ações.

— Sim. — Vitor reforçou — O único culpado por tudo isso é Nikolaus.

— Mas… — E dessa vez foi Andrew quem a interrompeu.

— Não existe um “mas”. — Falou, incisivo — Nada do que você fez foram escolhas suas, e eu tenho certeza de que se fosse possível mudar o que aconteceu, você mudaria.

— Como as pessoas estão agindo lá fora? — Lucille perguntou, tentando conter uma nova torrente de lágrimas.

— Eles estão lidando. — Foi a resposta de Daiana.

— Ainda chocados, tristes, mas de certa forma aliviados de que terminou. — Evan disse, também havia se aproximado — Na última missão de ajuda que eu participei, as pessoas já pareciam mais calmas, com a certeza de que os Miseri não voltariam. Agora é só uma questão de tempo até que tudo volte ao normal, ou a melhor versão de normal possível.

Lucille acenou que sim. — Eu quero sair daqui. — A bruxa disse, se referindo a ala hospitalar.

— Não por enquanto. — Andrew falou.

— Eu vou chamar Abigail, Odete e Elísio. — Daiana disse, saindo.

— Eu já me sinto melhor. — Lucille protestou.

— É, eu aposto que sim. — Vitor gracejou — Quando você chegou aqui, todos nós tememos. — O rapaz disse, passando um de seus braços pela cintura de Evan — Parecia que alguém havia tentado arrancar sua alma de seu corpo.

— Bem, foi como pareceu. — Lucille falou. Andrew começou a brincar com as cabelos da jovem bruxa. Estavam embaraçados, e uma boa parte da raiz já crescera em seu castanho original. — Quando eu vou poder sair?

— Só Abigail pode dizer. — Andrew respondeu, desfazendo um grande nós que se formara entre os fios — Mas eu acredito que agora seja só uma questão de dias, até que você se recupere por completo.

— E eu vou poder ajudar nas missões? — Eles acenaram que sim — E nós vamos continuar praticando? — Virou-se para Andrew, e o rapaz soltou um riso rápido e disse que sim — E estudando também? — Vitor garantiu que ela não conseguiria se livrar das aulas tão cedo — Certo então, eu posso esperar mais alguns dias, mas eu vou querer que me tragam um livro. Eu estava lendo A Coisa, do King. — O rapaz serpente foi junto de Evan em busca do livro — E música também. — Lucille se virou para Andrew — Eu gostaria de ouvir um pouco de música. — Andrew confirmou, e já estava quase na saída quando Lucille chamou seu nome — Nós estamos namorando? — Perguntou, genuinamente confusa.

Andrew sentiu uma súbita vontade de gargalhar, coisa que ele não fazia em muito tempo. — Você quer namorar comigo Lucille? — Perguntou, sua vontade de rir só aumentando quando a bruxa arregalou seus olhos. Num segundo, Lucille se pegou surpresa, mas no outro ela sorria um sorriso enviesado.

I would love to be your girlfriend, Mr. Andrew. — Disse com sua melhor imitação de um sotaque britânico. Andrew não pode conter mais, gargalhando, e Lucille achou que seu coração não suportaria mais tantas emoções conflitante.

— Eu vou buscar sua música. — O rapaz falou assim que conseguiu recuperar o fôlego, e saiu. Lucille permaneceu encarando a entrada, tentando não pensar nas coisas ruins, apenas na maneira como seu agora namorado, sorrira, e em como ela logo estaria lá fora, ajudando a reparar o mal que ela fora levada a fazer.


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