Interdependência escrita por Sarah


Capítulo 1
Interdependência




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Interdependência

O bar trouxa estava lotado e ressoava a risadas, conversas e a música alta, que Remus reconheceu como Sex Pistols por causa dos LPs de Sirius. Uma moça bonita, vestindo meias arrastão, sorriu quando ele passou por ela, mas Remus a ignorou, continuando seu caminho até os fundos do estabelecimento.

Demorou alguns minutos até localizar James e Sirius, espremidos em uma mesa pequena no final do bar. Vinham usando aquele tipo de lugar para se encontrarem desde que a guerra se tornara pior, e era uma sorte que casar com Lily tivesse melhorado o bom senso de James sobre roupas trouxas. Por sua vez, Sirius ficava bem o que quer que vestisse, então Remus normalmente não precisava se preocupar com ele.

James acenou ao vê-lo se aproximar, ao mesmo tempo em que Sirius abria um sorriso, puxando uma cadeira para que se sentasse ao seu lado. Fazia quase dois dias que não se viam, ambos ocupados demais com serviços para a Ordem, e Remus sentiu aquela proximidade pinicar a pele, como uma magia leve e prazerosa. E, então, o sorriso no rosto de Sirius tornou-se mais afiado.

— Qual minha cicatriz preferida? — ele lançou a pergunta-senha que costumavam usar entre os dois, e Remus intuiu que a varinha de James devia estar apontada para si por baixo da mesa. Corou mesmo assim, revirando os olhos.

— Isso é mesmo necessário?

— Sabe que sim. Além do mais, eu gosto de ver você vermelho.

Remus bufou, retirando o cachecol que vestia apenas para ter algo com que se ocupar e não precisar encarar James enquanto respondia àquilo.

— Acima da nádega esquerda, parece uma estrela.

Sirius riu baixinho, segurando sua mão, e Remus retribuiu o gesto. As missões que realizavam eram cada vez mais perigosas e havia tanta gente morrendo — Dorcas, Marlene, Elben tinha deixado de respirar no seu colo apenas uma semana atrás —, então reencontrar-se com Sirius sempre lhe trazia uma sensação de alívio e excitação, junto com o temor amargo de “pode ser a última vez”.

— Na verdade eu não diria que a cicatriz é acima da nádega, está mais para na nádega, mas é ele mesmo, Prongs, tudo bem.

Remus decidiu que não valia a pena discutir sobre aquilo.

— Onde está Peter? — perguntou, olhando ao redor, com a esperança de encontrá-lo no balcão do bar.

— Ele não vem. Disse que estava fazendo coisas para a Ordem.

Coisas para a Ordem era o único que vinham fazendo há algum tempo, porém Peter havia faltado a mais encontros do que de qualquer um deles. Remus ia mencionar isso, mas então reparou no olhar enevoado de James, marcado por olheiras, e na forma como seus óculos estavam tortos. Havia uma fila de copos à frente dele, e ele bebia uísque em vez de cerveja, o que não era um bom sinal mesmo quando estavam na escola e o mundo ainda parecia um lugar seguro.

— O que aconteceu? — perguntou, relanceando o olhar para Sirius, mas o outro encolheu os ombros, então Remus se voltou para James. — Lily está bem? Harry?

James passou as mãos pelos cabelos, mas seus dedos estavam trêmulos e não havia mais nada de charmoso no gesto. De repente, era óbvio o quanto ele estava desesperado.

— Estamos aqui, James, diga logo o que está acontecendo — Sirius incentivou, sua expressão tornando-se severa como se as brincadeiras de alguns instantes sequer tivessem existido. Ao mesmo tempo, Remus sentiu o polegar dele se mover sobre o dorso da sua mão, traçando o desenho de uma cicatriz que começava no seu indicador e se perdia no pulso, em um gesto ritmado que demonstrava nervosismo.

James costumava confessar tudo e qualquer coisa a Sirius em primeiro lugar, então, se ele precisara dos dois ali para manejar aquela conversa, a situação devia ser realmente muito ruim.

James baixou o rosto, cobrindo as faces com os braços e parecendo o mesmo garoto que tinha chorado ao descobrir que Remus era um lobisomem e ao ver Sirius voltar das férias roxo por causa das surras da mãe, gentil e perdido.

Quando ele finalmente falou, o mundo desabou sobre os três

“Você-Sabe-Quem está atrás do Harry.”

Sirius soltou uma série de pragas, e Remus correu os olhos pelo bar, porém ninguém parecia prestar atenção neles. Fechou os dedos sobre o copo de James e surrupiou a bebida para si, virando-a de uma vez.

Na altura em que James terminou de explicar sobre o que estava acontecendo — uma criança nascida ao fim do sétimo mês, a profecia e o fato de que Voldemort sabia sobre ela — tinham bebido duas garrafas de uísque, e Remus se sentia ligeiramente zonzo.

Podia farejar o medo de Sirius no ar e não foi muito convincente quando ele sorriu. Era uma sorte que James precisasse tão desesperadamente daquele sorriso, o suficiente para não perscrutar a expressão de Sirius e ignorar o temor nos olhos dele e a forma como o canto de seus lábios vacilaram.

— Vai ficar tudo bem, Prongs. Nós vamos dar um jeito — ele afirmou, soando um pouco como se estivessem de novo na escola, armando planos para escapar de uma detenção.

O tom pareceu confortar James; afinal, quando ele e Sirius juntos não haviam sido invencíveis?

Remus correu os olhos pelos dois enquanto fazia a bebida dentro do seu copo girar, em seguida tomou mais um trago, esperando afogar a onda de raiva que subiu por sua garganta. Não teve certeza se estava se sentindo muito velho ou se era Prongs, com os óculos mal colocados no rosto, quem parecia mais novo do que nunca. Oh, James tinha se tornado animago para acompanhar um lobisomem na lua cheia, já tinha lutado em mais batalhas do que podia contar, e Remus duvidava que alguém alguma vez fosse contrabandear mais hidromel para dentro de Hogwarts do que ele fizera, mas enfrentar algo que colocava Harry em perigo ia além de qualquer uma dessas coisas.

Tinham estado de acordo com muitos riscos ao se enfiarem naquela guerra, mas nenhum deles estava pronto para algo como isso.

— Dumbledore sugeriu algum plano? — perguntou.

James sacudiu a cabeça.

— Vamos nos esconder por enquanto.

— Parece uma boa ideia. E Sirius está certo, vamos ajudar. A guerra não pode durar para sempre — disse, tentando mostrar-se confiante, porque evitar que James entrasse em desespero parecia ser o melhor que podia oferecer naquele instante.

James assentiu e Sirius curvou-se em sua direção, ambos pendentes de suas palavras, confiando nelas com a mesma fé cega com que copiavam seus deveres de aritmância.

Remus passou o braço por dentro do casaco de Sirius, envolvendo sua cintura, abraçando-o o mais discretamente que pôde em meio ao bar trouxa, e sentiu Sirius tremer. James não podia perceber todo aquele medo, então tornou o aperto mais forte.

Passaram algum tempo concebendo planos para montar guarda, Sirius recitou uma lista de pessoas com quem Prongs devia ter cuidado e Remus desenhou o esquema de um elaborado encantamento de proteção sobre um guardanapo ligeiramente manchado de gordura, que James guardou no bolso da capa com cuidado. Alguns goles de uísque depois, quando não havia mais o que fazer ou dizer, James se despediu deles.

— Acompanhamos você? — Sirius ofereceu, mas James negou com um aceno.

— Está tudo bem. Lily era a única que sabia que eu estava aqui, e vou aparatar na soleira de casa.

— Tenha cuidado — Remus disse, para, em seguida, observar James sumir entre as pessoas do bar.

Como sempre, Remus lidou com o dinheiro trouxa e pagou a conta, enquanto Sirius o esperava com a expressão de alguém que estava prestes a vomitar. Remus duvidava que aquilo tivesse relação com a bebida, porém.  Assim que recebeu o troco sentiu a mão de Sirius na base das suas costas, guiando-o até a saída através do estabelecimento cheio de gente. O ar gelado queimou em suas narinas quando alcançaram a rua, e Remus puxou o casaco mais junto ao corpo, olhando por cima do ombro para conferir se não havia ninguém os seguindo.

Andaram em silêncio por um quarteirão, até que o lobisomem puxou a manga da camisa de Sirius.

— Sirius? — chamou quando ele não se deteve. — Sirius, aqui está bom, vamos aparatar. — Estava começando a nevar e ele não se sentia nem um pouco confortável em ficar exposto daquela forma depois de tudo o que havia ouvido de James, no entanto o outro não lhe deu atenção.

— Pode ir, eu vou depois.

Aquilo não fazia o menor sentido. Remus fez uma careta de desagrado.

— Nem pensar!

Sirius o encarou de esguelha, e então apressou o passo.

— Eu quero ficar sozinho, tudo bem?! Vá para casa, Remus — ele falou em um tom seco e dolorido, que atingiu Remus como um golpe.

— Você está louco? É perigoso! Não ouviu nada do que James disse?

Sirius deixou escapar uma risada amarga e desvencilhou-se do seu toque com um safanão.

— Ohh, eu ouvi, talvez esse seja o problema! — ele declarou em um único fôlego, muito mais alto do que seria prudente. — Só me deixe em paz por um tempo!

Antes que pudesse responder, Sirius desatou a correr, e Remus sequer teve tempo para segui-lo antes que ele sumisse. Desesperou-se, sem saber se ele tinha aparatado ou algo pior, mas, alguns metros à frente, se deu conta de que o espaço entre o edifício decadente da esquerda e a loja de lingeries a direita se abria, formando um beco. Encontrou Sirius ali, um minuto após ele ter desaparecido de suas vistas, socando a parede com tanta fúria que os nós de seus dedos estavam sangrando.

Em um impulso, Remus o empurrou, colocando-se a frente dele e o impedindo de continuar com aquilo.

— O que você acha que está fazendo, Sirius? Merda, você sumiu! Não faça isso comigo, não em tempos como esse!!

Sirius gemeu como um cão ferido, encolhendo-se sobre si mesmo em vez de confrontá-lo de volta. Remus sentiu o ar em seus pulmões tornar-se terrivelmente pesado ao perceber que o outro estava chorando, todo o autocontrole que ele se esforçara para manter até ali perdido.

— Harry é apenas um bebê, Moony! E o James... De todos nós, Prongs é o que menos merece isso! — ele disse, repleto de dor, e Remus cerrou as mãos em punho, pois compartilharem a agonia um do outro já era uma segunda natureza.

Aproximou-se e envolveu Sirius nos braços. Ele permaneceu duro junto ao seu corpo por um instante, mas então se deixou abraçar. Remus sentiu as lágrimas dele queimarem em contato com o seu  pescoço e deslizou as mãos pelas costas de Sirius, esperando que aquilo ajudasse a mantê-lo inteiro.

— Ataques de desespero não vão ajudar em nada — disse com gentileza, mas Sirius balançou a cabeça, rejeitando suas palavras.

— Você tem visto o que ele faz, Remus, as pessoas estão morrendo como moscas mesmo quando Voldemort não está indo pessoalmente atrás delas! Não vamos conseguir protegê-los!

Remus deu um passo atrás, de forma que pudesse encarar Sirius. Mesmo uma bagunça como estava, lágrimas meio congeladas sobre a face e repleto de desalento, ele ainda parecia bonito.

— Eu não entrei nessa guerra para desistir! — falou, pousando as mãos na face de Sirius de uma forma que era em parte carinho e em parte uma maneira de forçá-lo a o encarar. — Você estava lá, parado na frente do Prongs, e disse que tudo ia ficar bem, que íamos dar um jeito! Se você não acreditar nisso ele também não vai, e então

Remus o soltou, e Sirius prendeu o fôlego, tentando retomar algum domínio sobre si mesmo. Lentamente ele passou as mãos pelo rosto, enxugando as lágrimas e parecendo envergonhado.

— Estou cansado, Moony.

O lobisomem assentiu. Definitivamente, aquilo era algo que ele podia entender: não se lembrava da última vez que tinha tido uma noite inteira de sono e estava fumando dois maços de cigarros por dia. Voltou a se aproximar de Sirius e o beijou, muito leve, sobre os lábios, sobre a linha da mandíbula e sobre a pele do pescoço, procurando reconfortá-lo ao mesmo tempo em que buscava algum alento para si mesmo.

— Vamos ajudar o Prongs, Padfoot, fazer guardas, o que precisar. Sair um pouco da linha de frente também vai ser bom para nós.

Talvez defender Harry fosse a nova linha de frente, mas Remus fez o melhor que pôde para afastar aquele pensamento.

Sirius suspirou, e então deu um passo atrás, apoiando as costas na parede ainda manchada com seu sangue. O beco cheirava a urina e lixo, e Remus ansiou pelo conforto do apartamento que dividia com Sirius com mais intensidade do que nunca.

— Você deve estar me achando um fraco... — ele disse com um fio de voz, erguendo o olhar para Remus.

— Quando você chorou porque eu te dei um fora no terceiro ano ainda é o seu pior momento, Padfoot, sinto muito, você vai ter que se tentar mais se quiser superar aquilo.

Sirius bufou perante aquelas palavras, de uma forma que lembrava vagamente uma risada, e Remus achou que era o melhor que podia esperar naquele instante.

Normalmente eram Sirius e James a apoiarem-no, céus, eles haviam ficado ao seu lado ao descobrirem que ele era um lobisomem e se tornaram animagos quando Remus achara que não aguentaria mais as transformações, então, se era sua vez de se manter firme, faria isso. Sirius estendeu as mãos e Remus entrelaçou os dedos nos dele, esforçando-se para respirar fundo, disposto a guiar a aparatação para casa.

Um sustentando o outro: era só uma fase mais difícil de como as coisas sempre haviam sido.


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Notas finais do capítulo

Reviews me farão feliz. ♥



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