das Fernweh escrita por yumesangai


Capítulo 1
Capítulo único




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Das Fernweh

― Então, deixa eu ver se eu entendi. – Mikasa começou quando todos ocuparam um lugar na mesa com suas bandejas. – Um cara te chamou pra ser modelo dele. – Seu tom era julgador e Eren tinha certeza que havia uma ponta de desaprovação nele.

Que ele obviamente ignorou.

― Não qualquer cara. – Eren mexeu no canudo da bebida, se concentrando no gelo afundando na coca-cola, qualquer coisa menos o olhar sério de sua irmã.

― Levi. – Armin completou.

― Não,  eu acho que as palavras exatas foram “um cara insanamente gostoso”. – Jean o provocou com um estúpido sorriso de quem havia ganhado o material perfeito para sacanea-lo até o fim dos tempos.

Estúpido Jean.

― Por que você está nessa mesa mesmo? Você não deveria estar lá fora? Sabe, na estrebaria.

Jean ergueu o dedo do meio.

― Um cara estranho, desconhecido. – Lá estava a desaprovação que ele sabia que existia. – Te parou no meio da rua e você foi até o apartamento dele! – Ela estava quase gritando, suas bochechas estavam tão vermelhas quanto o cachecol que usava.

― Era o estúdio!

― Que por um acaso também é a casa dele. – Armin completou novamente.

― Não está ajudando! – Eren encarou o amigo.

― Se você desistir de ser modelo do Levi, pode dar o meu número pra ele. – Bertolt parou com a mão no ombro de Eren, como se eles fossem melhores amigos, e depois se retirou indo para o final do refeitório com Annie.

Todos ficaram em silêncio até que Bertolot se afastou completamente.

― Isso foi muito aleatório.

― Por que ele conhece o Levi?

― Quantos anos ele tem? – Mikasa perguntou cruzando os braços.

― Eu não sei! Eu não preparei um questionário!

― Quanto tempo você ficou lá?

― Algumas horas? Eu não estava contando.

― Claro que não.  – Jean debochou.

Eren o chutou por baixo da mesa.

― Você vai ser um modelo, certo? – Armin perguntou o fazendo virar o rosto.

―Isso.

― ...De corpo?

― Eu não entendo...

― ...Nu?

― NÃO!

― É bom avisar! Porque tem partes suas que eu nunca quero ver!

― Eu não quero ter que ver a sua cara e eu vejo quase todos os dias!

Jean tacou as batatas em Eren, Eren tacou o gelo da bebida, eles foram convidados a se retirar.

 

—/-

 

Era algo muito mais simples do que seus amigos idiotas e super protetores estavam pensando, mas claro que eles não deram chance alguma de Eren se explicar. Mais tarde ele conseguiria falar com Armin, porque ele era o tipo de amigo que ouvia sem julgar, Mikasa iria julgar com o olhar e depois com palavras, mas ele confiava nela.

Jean era... era um amigo, um bom amigo, apesar das provocações.

Mas Levi era diferente, ele nunca havia ficado sem reação e se sentido tão estúpido rapidamente, é claro que havia aquele ano em que havia tido uma paixonite por Marco, mas sinceramente, qualquer um iria se apaixonar, ele era o garoto perfeito.

Levi era imperfeito, foi grosseiro, tinha um olhar cortante, mas havia uma sensibilidade e de alguma forma eles se conectaram.

― Eu não consigo. – Foi a primeira coisa que soou do outro lado da linha, na voz irritadiça de Levi, nenhum comprimento, nenhuma pergunta de como foi seu dia ou se ele estava ocupado.

― O que? – Eren perguntou sentindo a mão tremendo, seus pés batiam nervosamente no chão.

― As fotos estão boas, mas não é real, entende?

Eren não entendia, ele não entendia muita coisa quando estava perto de Levi e não entendia absolutamente nada sobre artes.

Levi era um estudante da Universidade de Trost. Era o segundo curso que ele fazia ou algo assim.

― Eu... eu posso ir até aí.

― Mesmo? – Havia algo genuíno no jeito que ele falou, como se não esperasse, mas também como se estivesse pescando algo no ar. – Você lembra como chegar aqui?

Seria muito assustador se ele lembrasse exatamente como chegar no estúdio dele?

― Sim!

― Ótimo. Vou deixar a porta aberta pra você. –Eren quase gritou de empolgação. – Eren.

― Sim?

― ... Nada, não demore.

Ele não demorou, ele saiu correndo pelo meio da rua, e chegou mais rápido do que deveria, ele parou para ajeitar o cabelo na frente do espelho, seu rosto estava corado, seu cabelo estava em todas as direções.

Contou até 10 antes de subir no elevador e tentar estar com uma aparência apresentável.

O estúdio de Levi também era sua casa, havia uma cama em algum lugar, uma cozinha organizada, muitas tintas, pincéis, cavaletes e quadros e mais quadros, pendurados, apoiados, no chão, cobertos por panos.

O que mais o impressionava era a organização, não tinha tinta para todos os lados, a mesa de madeira não era manchada de respingos ou o chão. Não era bem a imagem que se tem de um artista trabalhando.

― Hey. – Eren se anunciou empurrando a porta.

Havia fotos, muitas fotos, havia alguns rascunhos também. Todas as fotos que não existiam antes era dele, Levi havia tirado várias fotos, de vários ângulos, elas estavam ampliadas, algumas de perto, outras de longe, com vários tipos de iluminação.

Todas as fotos eram seus olhos.

Esse era o tipo de modelo que ele era.

O sol estava forte e havia uma ventania trazendo a poeira da rua que foi o bastante para cegar Eren, ele começou a andar esfregando os olhos, quando esbarrou em alguém.

— Ei, olha por onde anda.

— Me desculpe, eu... – Ele tirou a mão do rosto, seus olhos estavam cheios d’água e irritados.

O homem em sua frente era mais baixo e parecia furioso com o cenho franzido. Havia uma garota de óculos com ele.

— Levi, você finalmente fez alguém chorar só de olhar pra você! – Ela disse numa mistura de diversão com acusação.

— Não seja ridícula.

— Me desculpe! – Eren fez uma rápida reverência. – Foi apenas a poeira e o vento. Eu já estou indo.

— Ei, garoto. – O tal Levi o chamou o obrigando a voltar meio passo. – Deixa eu ver os seus olhos.

Eren se inclinou um pouco, seus olhos deveriam estar avermelhados ainda, ele podia sentir o rosto molhado das lágrimas.

— Ele é perfeito, não? – A garota comentou empolgada.

— Cale-se.

Ele havia conhecido Levi andando na rua e Hanji que também era uma aluna de Trost, ela os acompanhou até o estúdio, mas dessa vez não havia nenhum sinal dela.

― Você precisa de mais fotos? – Eren perguntou se fazendo confortável e indo em direção a banqueta que havia se sentado da última vez.

― Não, eu preciso de um modelo vivo, essas fotos não fazem jus a cor dos seus olhos. – Levi apontou com um pincel para ele se ajeitar. – Isso pode demorar.

― Ok, nenhum grande plano. – Disse deixando a mochila nos pés do banco.

― É sexta à noite. – Levi parecia não estar o levando a sério.

― De novo, nenhum grande plano. – Deu de ombros.

― Jovens como você não deveriam estar saindo e bebendo sem autorização? – Ele falava, mas seu olhar estava agora focado na tela.

Eren achou que seria silencioso e constrangedor, mas Levi estava tornando o ambiente agradável, o que era engraçado, porque quem cuidou disso da última vez foi Hanji que tagarelou o tempo todo.

― Não, nunca bebi.

― Você quer que eu seja a sua má influência? Te de a sua primeira cerveja ou algo assim?

O pincel em sua mão parou de se mexer, ele ergueu a sobrancelha.

― Você não parece o tipo que bebe cerveja.

― É? O que eu pareço então?

― Vinho? Algo mais refinado.

Levi controlou muito mal o sorriso sem seus lábios, apenas balançou a cabeça negativamente e voltou ao quadro. Eren sentiu o rosto corar, mas sustentou o olhar, afinal era da cor de seus olhos que Levi precisava.

Depois Levi ficou trabalhando em silêncio, mas era agradável e não desconfortável como Eren pensou que seria.

Eren se ajeitou na banqueta pela quarta vez num espaço de um minuto.

― Você pode pedir para parar, sabe? Eu não estou fazendo um retrato seu.

― Meus ombros doem. – Acabou dando um sorriso sem graça.

― Vá se esticar um pouco.

― Eu posso ver? – Perguntou enquanto estalava o pescoço.

― Não. – Ele pareceu perceber que havia sido rude com a resposta tão imediata, com Eren encolhendo os ombros como um cachorrinho ofendido. – É um trabalho importante, não é um passo a passo em que você vê a melhora, entende?

― Eu acho... – Ele não entendia, mas não queria parecer um idiota.

Levi suspirou parecendo frustrado.

― O tema do meu trabalho é das Fernweh — Eren piscou seguidamente, ele tinha certeza que nunca ouvido falar daquela palavra. – É em alemão. – Levi finalmente explicou.

― O que significa?

― É a vontade de ir para lugares distantes, como sair da sua zona de conforto e ir encarar o mundo. Fern é longe e Weh é uma forma do verbo Wehtun, que significa doer.

― Tipo, doer ao se afastar de alguém? – Eren tentou.

― Algo assim, mais como a sensação de doer o peito, como saudade.

Eren esticou a mão, cobrindo um dos olhos.

― Você consegue isso olhando para os meus olhos?

Levi assentiu.

― Uau, acho que eu nunca ouvi algo tão... eu nunca ouvi um elogio tão... Obrigado, Levi.

Ele se ajeitou novamente na cadeira, Levi voltou a trabalhar com um sorriso. Eren não reclamou mais de dor nos ombros. Já estava escuro quando Levi o expulsou de lá, dizendo que ele poderia voltar outro dia.

― Eu posso voltar amanhã. – Eren estava tão empolgado que estava quase pulando.

― Sério, vá estudar ou sair com seus amigos.

― Não, eu posso vir amanhã.

― Eren, vá descansar.

― Eu realmente não tenho o que fazer... – Resmungou mais baixo entrando na direção do elevador.

― Eren. – Levi o chamou. Eren ergueu o rosto e recebeu um casaco na cara. – Boa noite.

E a porta se fechou e Eren ficou agarrado ao casaco de Levi. Ele vestiu assim que saiu do prédio, o vento estava realmente gelado.

― As mangas são tão curtas... – Comentou vendo seu pulso todo de fora.

 

—/-

 

― Você não precisa mais dele no seu apartamento. – Hanji comentou ajeitando os óculos.

― Do que você está falando? Claro que eu preciso.

― Eu conheço você, você tem aqueles olhos memorizados na sua cabeça, você só quer uma desculpa para vê-lo.

― Ele é bonito de se ver, ao contrário de você.

― Meu deus, Erwin já está sabendo disso? Ou Mike? Eu preciso contar para o mundo! – Ela começou a mexer no celular, mas Levi tomou o aparelho das mãos dela.

― Que tal cuidar do seu próprio projeto?

― die Liebe? – Ela perguntou voltando a ficar séria. – Está quase acabado.

― Se você fizer algo clichê com esse tema...

― Pff, quem você acha que eu sou?

Levi sorriu, ele esperava muito dela.

—/-

Eren estava parado na porta da galeria da Universidade de Trost já havia mais de um minuto, Mikasa o aguardava paciente e Armin relia o programa de exibição. Os estudantes haviam escolhido os temas e os apresentavam numa série de pinturas ou fotografias.

― Eu não sei porque estou tão nervoso.

― Nós não estamos com pressa, quando você quiser. – Mikasa o acalmou com seu sorriso gentil.

― Vamos olhar tudo com calma. – Armin colocou a mão em seu ombro.

Eren respirou fundo antes de entrar. As imagens eram enormes, das fotografias, das telas, havia algumas que pareciam ter sido pintadas na parede da galeria. Ele não se lembrava de ver Levi trabalhando em algo tão grande.

Ele não entendia absolutamente nada de arte, mas era como entrar numa montanha russa, havia muitos sentimentos ali, ele não estava alheio a nenhum deles.

Dos rostos estranhos, dos animais, até do abstrato exibido. Havia jogos de cores, preto e branco, borrões, era como ver o mundo sob o olhar de alguém.

Mikasa encarava atentamente a obra: die Liebe.

As primeiras fotos eram imagens todas em preto, então havia um pequeno borrão no meio que foi se aumentando, desfocando até se focar em algo. Num espelho, e havia uma garota refletida.

― Significa amor. – Armin disse ao espiar pelo ombro de Mikasa.

Ela apenas assentiu, mas continuou encarando as imagens.

Armin cutucou o braço de Eren e eles continuaram a explorar a galeria. Eren também procurava por algum sinal de Levi, mas ainda não havia o visto no meio dos visitantes.

Eren finalmente achou a obra de Levi. Das Fernweh.

Ele segurou a respiração, não era o que ele imaginava. Era o mar, a luz da lua e uma borboleta voando. O mar sob a luz da lua, o brilho nas asas da borboleta, ele reconhecia a cor de tudo. Seus olhos estavam ali dentro.

O verde que não era verde, o azul que não era azul, essa mistura.

Eren não reparou que estava chorando até que uma mão pousou em seu ombro. Levi o olhava parecendo genuinamente preocupado.

― Ele não falou nada e começou a chorar de repente. – Armin explicava o inexplicável.

Eren abraçou Levi, seu peito doía, e ele não conseguia controlar as lágrimas, havia uma sensação de liberdade, havia algo flutuando em seu peito. Como as asas daquela borboleta, como tudo ali.

Levi o abraçou de volta e ficou assim até que os ombros de Eren parassem de tremer.

― Me desculpe, eu não queria ter chorado desse jeito. – Murmurou com o rosto vermelho.

― Eu não queria ter causado isso, mas...

― Não, estava bom desse jeito.

Levi assentiu.

― Você batizou a tela? Eu reparei que alguns tinham um nome. – Perguntou secando as lágrimas e voltando ao sorriso no rosto.

― Jaeger.

― De caçador? – Perguntou confuso, mas as bochechas corando denunciavam que ele não era um completo tolo.

― Não, de Eren, idiota.

Eren abriu um largo sorriso, Levi girou os olhos, mas acabou sorrindo. Eles viram o resto da exposição juntos, ocasionalmente esbarrando as mãos uma na outra, até o final do dia, eles foram embora de mãos dadas.

Até o outro final de semana, eles estavam saindo juntos e as vezes incluindo Hanji, Armin e Mikasa no meio.

Eren, ainda pensava na tela, naquela borboleta e a sensação de liberdade, de voar para longe, de exploração. Literalmente das Fernweh. Mas ao mesmo tempo, com algo único, porque eram os olhos dele ali.

Ele chegou a conclusão, de que conseguia voar para qualquer lugar que Levi pintasse.


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