Meu Demônio de Estimação escrita por Plug


Capítulo 2
Parte 2


Notas iniciais do capítulo

E aqui termina essa historia. Boa leitura.



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Acordei relativamente bem na manhã do domingo. Estava pensando em levantar, mas a cama estava tão quentinha e confortável, parecia que eu estava debaixo de um cobertor elétrico. Pensei em me espreguiçar, mas antes de fazer isso...

— Bom dia. – Ouvi um bocejo no meu ouvido.

Só então percebi que estava dormindo de conchinha com o Erick.

— O que você está fazendo? – Perguntei.

— Sendo educado e dando um bom dia. – Ele respondeu.

— Me refiro ao fato de você estar me enconchando na minha cama. – Falei.

— Ah. – Ele disse e recolheu os braços que estavam em torno de mim. Então sentou na cama e se espreguiçou. Seu cabelo estava numa coloração azul.

Isso acontecia as vezes. A cor do cabelo mudava de acordo com seu estado de humor. Laranja para sociabilidade, azul para calma, verde quando se sentia selvagem. Vi ficar rosa uma vez quando ele viu um vídeo de alguns filhotes de gato brincando e percebi que significava doçura ou alguma expressão de feminilidade. Mas geralmente a cor predominante era o laranja.

— Você está ficando muito folgado. – Sentei na cama também. – Essa cama é pequena demais para nós dois. – Era uma cama de solteiro.

— É tão pouco confortável dormir no chão. – Ele disse. – Na sua cama é bem mais quentinho e confortável.

— Você nem precisa dormir! – Exclamei.

— Eu sei... – Ele disse. – Mas quando você está dormindo não tem nada para fazer e você colocou como uma das regras um não assistir as séries sem o outro, então passei a dormir também, ou meditar, já que não sinto sono... Sabia que esse negócio de meditar é mesmo bom, tão relaxante, você deveria tentar... A gente podia ir para um monastério na china ou sei la e experimentar qualquer dia desses... E por falar na China, o Japão é ali pertinho, dava para estender a viagem e dar uma passada em uma barraca tradicional de lamem... desde que a gente maratonou Naruto eu fiquei com uma vontade louca de experimentar lamem....

— Ow... calma ai, mais devagar... – Falei. O Erick tem essa mania de falar muito. Quer dizer, eu não sabia disso até uns três dias depois que ele apareceu. Antes ele se limitava a responder o que eu perguntava e comentava alguma coisa esporadicamente. Mas agora ele só fala, fala e não cansa.

— Claro, uma coisa de cada vez. – Ele disse. – Primeiro a gente termina de ver Prison Break, quando eu estava conversando pelo seu WhatsApp com a Luana ontem, ela me disse que a Netflix vai tirar do catalogo em breve, isso é tão triste, estamos ficando sem tempo. Dai depois e gente vai meditar num monastério e aí  vamos comer o lamem.

Outra coisa era a que ele também fez amizade com a Luana e aprendeu a usar o WhatsApp, agora eles vivem conversando sobre série, animes e outras nerdisses.

— Certo... certo... a gente pode fazer tudo isso. – Falei. – Mas nada de invadir locais proibidos como você fez quando fomos para a Itália e nos jogou dentro do coliseu. Quase que a Luana e eu fomos presos e deportados.

— Você não sabe o que é uma aventura. – Ele disse. Isso veio depois que assistimos Jumper. Agora ele quer sair pelo mundo e viver sem limites.

— E você não sabe que não da para ficar fazendo as mesmas coisas que a gente vê nos filmes porque neles tudo é ficção, de mentirinha. – Falei.

Me levantei e fui para o banheiro. Decidi tomar um banho para despertar de vez e aproveitar o ultimo dia de férias.

— Caio. – Erick falou. Pela direção do som deveria estar sentado na frente do computador. - O que vamos ver hoje?

— Eu não sei... – Respondi. Abri o chuveiro e me joguei debaixo da água morna.

— Mas é a sua vez de escolher. – Ele disse.

— Eu sei. – Disse. – Só que ainda não pensei sobre isso.

— Vou te ajudar. – Dessa vez o som da voz dele veio de dentro do banheiro.

Coloquei a cabeça para fora da cortina do box e ele estava sentado sobre o vaso, usando um pijama igual ao meu, porém, de cor diferente. O meu era verde e o dele azul. No colo estava o meu notebook.

— Será que eu posso ter um pouco de privacidade aqui? – Perguntei.

— Não tem nada ai que eu já não tenha visto. – Ele disse como se isso fosse facilitar as coisas.

— Vou abstrair essa informação da minha mente. – Falei e voltei para o banho.

— Ontem a Luana escolheu um filme de suspense. – Ele disse. – Que tal a gente escolher uma comedia ou romance hoje?

— Pode ser. – Respondi.

— Que tal Marley e Eu?

— Melhor não, você vai chorar demais.

— Não tenho culpa de ser um demônio sensível. – Ele falou. – Que tal esse aqui, Naomi & Elly e a lista dos não beijos?

— Ainda não vi.

— Pelo que li aqui é sobre amizade, me lembra você e a Luana. – Ele falou. – Vamos ver esse.

— Ok. – Fechei o chuveiro. – Agora pode me dar licença para eu terminar meu banho?

— Nem precisa pedir. – Ele falou de fora do banheiro.

Descemos para tomar o café da manhã. Depois de bem alimentados fomos para uma pracinha que havia perto de casa e sentamos para... não fazer nada? O que não era de meu feitio, era coisa do Erick, ele gostava de ficar vendo o cotidiano das pessoas. Gente apressada para o trabalho, crianças brincando despreocupadas, o carteiro entregando as cartas, o dono do açougue da esquina espantando os cachorros de rua quando começavam a se amontoar na frente do estabelecimento, os pássaros cantando nas copas das árvores.

Sempre que estávamos ali o cabelo dele assumia uma coloração azul, mas não o tom de azul mais vivo quando ele se sentia calmo e relaxado, um azul próximo do cinza, apagado, associei a solidão. Talvez ele sentisse a vontade de ter uma vida normal como qualquer pessoa. Me levantei, peguei a mão dele e puxei em direção ao parquinho que havia na pracinha.

— Será que somos grandes demais para sentar nos balanços? – Falei.

Coloquei ele sentado no balanço e comecei a empurrar. Aos poucos ele foi se soltando e começou a se divertir e pedir para empurrar mais forte. Então o cabelo começou a assumir uma coloração esverdeada.

À tarde escolhemos uma série pequena para maratonar. Erick insistiu que víssemos 13 Reasons Why. Depois de nos irritar com a lerdeza do Clay e ficarmos chocados com os acontecimentos revelados nos episódios finais, recebi uma ligação da Luana.

— Consultório ginecológico do Dr. Vau Gina. – Falei ao atender.

— Ridículo. – Ela respondeu. – Tenho notícias interessantes.

— Desembucha.- Falei.

— Lembra quando falei que tentaria localizar quem doou aquele livro do ritual para a biblioteca? – Ela disse.

— Lembro sim, e ai?

— Eu descobri. – Respondeu. – Ela se chama Carmen Luz. Mora num prédio próximo da nossa escola. A gente podia ir lá fazer uma visita depois.

— Já falei como você é demais? – Disse.

— É a Luana? – Erick perguntou. – Diz para ela que você já escolheu o filme de hoje.

— Oi, Erick, seu lindo. – Luana respondeu depois que ouviu o que ele disse. – Por falar nisso, hoje não vou poder ver filme com vocês. Meus pais fazem aniversário de casamento e vamos sair para comer fora.

— Que bom pra eles, que saco para nós. – Falei.

— É. – Ela disse. – Amanhã a gente se fala na escola.

— Até.

Ela desligou.

— Parece que a sessão Netflix hoje será só você e eu. – Falei.

— Se a Luana não vem, então não tem graça ver A Lista dos Não Beijo. – Erick disse. – Vamos procurar outro.

O deixei incumbido de escolher o filme enquanto eu desci e fui fazer a pipoca. Aproveitei que tinha leite condensado e fiz brigadeiro também. Peguei o refrigerante e subi. Ele tinha escolhido: Hoje eu Quero Voltar Sozinho. Sentamos na cama com as costas para a cabeceira, pus o notebook sobre meu colo. A pipoca e o prato com o brigadeiro no colo dele, o refri sobre a mesinha de cabeceira. Começamos.

Eu já tinha visto o filme, mas era a primeira vez do Erick, então era mais divertido ver as reações dele enquanto assistia. Pelo menos no início, até que eu fiquei entretido no filme. Foi a primeira vez que sentamos juntos para ver um filme assim, nas outras a Luana sempre está entre nós dois e daquela vez, ombro a ombro, senti o braço dele encostar no meu. Era uma sensação, estranha, eu me sentia constrangido por permitir o toque, mas ao mesmo tempo tinha uma sensação de calor e conforto.

— A pipoca acabou... – Peguei o pote da pipoca e passei o notebook para o colo dele. – Vou fazer mais... – Levantei.

— Já está quase no fim. – Ele disse. – Não quer saber o que vai acontecer?

— Eu já vi esse filme, sei o que acontece. – Falei e segui em direção a cozinha.

Quando voltei o filme tinha acabado. Erick estava navegando no catálogo.

— Vamos ver outro? – Ele perguntou.

— Foi mal, mas hoje não vai dar. – Respondi. – Amanha minhas aulas começam na escola, preciso dormir mais cedo.

— Entendi.

— Mas você pode ficar vendo outros filmes se quiser.

— Ok. – Ele saiu da minha cama se sentou com o notebook na escrivaninha.

Limpei as migalhas da cama e me deitei. Demorei para pegar no sono e não me lembro quando exatamente isso aconteceu.

Acordei no dia seguinte com o despertador do celular ao meu ouvido. Levantei, tomei banho, vesti a farda do colégio, arrumei a mochila, pus o livro do ritual dentro. Desci para tomar café e para minha surpresa Erick já estava lá comendo.

— Acordou cedo hoje. – Ele disse.

— Porque tenho de ir para a escola. – Sentei à mesa.

— Parece interessante. – Ele falou colocando uma torrada toda dentro da boca.

— Nem pensar. – Falei, pegando algumas coisas e pondo no prato. – Você não pode ir, não tenho como justificar sua presença lá.

— Mas eu não posso ficar longe de você. – Ele disse. – Já tentei.

— Você pode ir, mas só se ficar invisível para os outros. – Falei.

Ele suspirou.

— Está bem, mas só enquanto você estiver nessa tal escola.

Peguei minha bicicleta e segui em direção ao colégio. Quando cheguei lá, olhei para o lado e lá estava ele, usando o mesmo uniforme.

— Você só pode estar brincando, né? – Perguntei.

— Clama. Ninguém pode me ver. – Ele disse. – Só você.

Ele andou até um grupo de alunos que estava conversando mais à frente e começou a dançar no meio deles. Nenhum deles esboçou qualquer reação.

— Viu? – Ele disse quando voltou.

— Ótimo. – Falei. – Então vamos.

Quando cheguei na sala de aula a Luana já estava lá. Ela perguntou sobre o Erick e eu pedi que ele ficasse visível para ela também. Então o sinal tocou e todos tomamos nossos lugares. Eu estava sentado na fileira mais próxima das janelas da sala, Luana ao meu lado e o Erick ficou de pé, recostado na parede. A primeira aula foi de história, o assunto, primeira guerra mundial.

— Esta mulher é muito chata. – Erick apontou para a professora de historia. – Nunca conheci uma contadora de historias tão monótona.

— Shhhh! – Falei. Luana apenas riu.

— Porque temos que ficar ouvindo o que ela fala? – Ele perguntou. – Vamos lá fora tomar sorvete ou fazer qualquer outra coisa mais interessante.

— Não podemos. – Sussurrei para ele. – A escola é assim mesmo. Somos obrigados a assistir as aulas.

— Então a escola é algo extremamente chato. – Ele disse. – Ninguém deveria ser obrigado a tal sofrimento. Vou pulverizar esta mulher e os libertarei.

— Não! – Falei mais alto do que pretendia.

— Algum problema, Caio? – A professora perguntou.

— Desculpe, professora. – Falei. – Pensei em voz alta.

— Mantenha os pensamentos em sua cabeça. – Ela disse e voltou a dar a aula.

— Não gosto dela. – Erick falou. – Vou dar-lhe um câncer.

— O que? Nada disso, você não pode sair fazendo as pessoas terem câncer só porque não gosta delas.

— Porque não? Eu posso.

Enquanto isso a Luana se esforçava para não rir. Dei um tapa no braço dela.

— Para... Me ajuda aqui.

— Desculpa, isso é entre vocês dois.

— Ok. – Falei. – Mais uma regra de convivência. Nada de câncer ou qualquer outra doença contra as pessoas que você não gosta.

— E uma condenação eterna de torturas? – Ele perguntou.

— Isso também não.

— Você é tão chato quanto ela. Se não tivesse colocado o lance do câncer na lista teria te dado um agora.

— Ei!

As próximas aulas foram igualmente torturantes. Na de matemática ele fez com que o professor ficasse com a língua dormente por causa das chatices que ele dizia. Na aula de ciências causou uma reação estranha na mistura que a professora fazia e causou uma bomba fedorenta. A sala ficou podre e o cheiro começou a se espalhar pela escola, por isso anunciaram o intervalo mais cedo para tentar resolver o problema. Por pouco a professora não foi demitida.

— Não entendo como vocês conseguem sobreviver a isto todos os dias. – Ele falou e a Luana o chamou para ajudar a trapacear a máquina de refrigerante.

— Eu não sei como eu sobrevivo a você todos os dias. – Pensei em voz alta.

Um grupo de idiotas do colégio me avistaram e decidiram dar início ao pacote diário de bullying. Quando estava passando com o meu lanche na mão um deles colocou o pé na frente e eu tropecei feio. Então outro pisou em cima do meu lanche, amassou, depois recolheu e jogou na minha cara. Como todas as vezes, me levantei, peguei o lanche, joguei no lixo e segui meu caminho. O problema foi que os valentões começaram a fazer caras estranhas e começaram a vomitar. Tipo, muito mesmo, vomitaram tudo que tinhas nas barrigas, mas mesmo assim continuaram com a ânsia, cada vez mais forte, era torturante ver que eles já não tinham mais o que vomitar e continuavam tentando.

Olhei em volta e todos observavam aquilo atônitos, então localizei Luana e Erick. O cabelo dele estava numa coloração vibrante de vermelho. Então corri até onde eles estavam.

— Para com isso! – Falei.

— Estes seres merecem uma punição pior do que esta.

 – Você tem que parar! – Insisti. – Está machucando eles

— Essa é a intenção. – Ele respondeu.

— Erick, estou falando sério. – Fiquei na frente dele e o encarei nos olhos.

Então o cabelo dele mudou para o azul e ouvi os meninos pararem de agonizar. Então a coloração mudou novamente, desta vez para um amarelo vivo.

— Porque você sempre faz isso! – Ele disse irritado. – Eles mereciam o castigo. Eu deveria tê-los pulverizado e feito chover o sangue de suas entranhas sobre toda essa gente.

— Porque não é assim que as coisas acontecem por aqui. – Falei. – A gente não sai matando as pessoas que nos irritam ou que são chatas.

— Eu não me importo, posso fazer o que eu quiser, você não pode me impedir. – Ele me segurou pelo braço e estalou os dedos.

Quando dei conta estávamos em um lugar alto. Muito alto. Olhei em volta e percebi que era algum tipo de torre de metal, uma cidade iluminada se estendia lá embaixo.

— Está vendo, é sempre assim. Sempre fazendo o que quer e me arranjando problemas. – Falei puxando o braço para ele me soltar. – Você não entende que gente normal não faz essas coisas, nós não podemos parar no topo da torre Eiffel com um estalo de dedos!

— Eu sei como gente normal age, passei esse tempo fazendo isso.

— Não, você não sabe, nunca vai saber. – Falei. – Você não é gente, normal, nunca vai ser, se acostume a isso. Você é um demônio que eu invoquei e eu exijo que me leve de volta para casa!

 Quando menos esperei estava de volta na escola. Luana estava ao meu lado com uma expressão confusa.

— O que aconteceu? – Ela perguntou. – Vocês sumiram e agora você voltou do nada.

— O que houve com os meninos? – Perguntei me referindo aos valentões.

— Foram levados para a enfermaria. Já chamaram a emergência, vão leva-los para o pronto socorro. Eles estão bem ruins. – Luana respondeu. – Onde está o Erick?

— Não vai mais importar. – Falei. – Vamos procurar aquela mulher que você falou. Precisamos resolver isso agora

— Caio, você está bem? – Ela segurou minhas mãos. – Você está gelado e está tremendo.

Puxei as mãos.

— Estou bem. – Falei. – Mas temos que ir agora.

Aproveitamos a confusão e fugimos da escola. Luana me levou até o endereço da tal Carmen Luz. Tocamos o interfone.

— Quem é? – Alguém perguntou pelo aparelho.

— Eu me chamo Luana. – Ela falou. – Estamos procurando a senhora Carmen Luz.

— É ela quem fala. – Respondeu - O que vocês querem?

— Gostaria de falar sobre um livro que a senhora doou para a biblioteca municipal. – Falei.

— Eu doei muitos livros para a biblioteca. – Ela disse.

— E todos ensinavam a fazer rituais? – Perguntei.

Fez-se silencio por um tempo, então o portão do prédio fez um barulho mecânico e abriu.

— Subam. – Ela disse e desligou o interfone.

Subimos as escadas do prédio antigo. O apartamento dela ficava no quinto andar de sete. Batemos na porta e ela abriu. Era uma mulher baixinha, um pouco gorda. Usava um lenço na cabeça e um cigarro repousava em seus lábios.

— Entrem. – Disse.

O apartamento não era muito grande. Tinha uma sala com um sofá e um raque para televisão e mais duas portas que imaginei ser a cozinha e um quarto. Fora isso a decoração era bem exótica. Mascaras de madeira com caretas penduradas nas paredes, quadros de santos, na porta do que imaginei ser o quarto havia uma cortina de contas. Todo o lugar cheirava a tabaco. Ela ofereceu o sofá para sentarmos e arrastou uma cadeira se sentando do outro lado de uma mesinha de centro na sala.

— Onde está o livro? – perguntou.

Tirei da mochila e a entreguei.

— Não era para estar lá. – Ela disse. – Há alguns anos me mudei de minha antiga casa e precisei me desfazer de muitas coisas. Recolhi a maioria dos meus livros e os doei, mas parece que este acabou indo junto por algum acaso. O estive procurando esse tempo todo achando que havia se perdido na mudança.

— Eu o encontrei ha duas semanas. – Falei. – E digamos que tentei um dos rituais que contém nele.

— Criança tola. – Ela disse. – Não se deve mexer com o que não se tem conhecimento.

— Agora é um pouco tarde. – Falei. – Eu tentei fazer um ritual que dizia ser para formar um acordo com um ser sobrenatural, só que não saiu como planejado e estou ligado a um demônio.

Ela olhou em volta preocupada.

— Ele está aqui agora?

— Não. – Respondi. – Nós meio que brigamos.

— Agora vocês querem saber como desfazer a ligação, suponho. – Ela disse.

— Sim. – Falei.

— Veja bem. – Ela começou. – Isso é algo muito complicado. Quando um elo desse é feito é para ser algo de longa data, que só termine com a morte do invocador e só funciona quando o demônio aceita a oferenda. Geralmente são feitos por pessoas más que invocam demônios ainda piores para conseguirem o que querem passando por cima de tudo e de todos. Mas parece que esse não é bem o seu caso. Que tipo de oferenda você fez?

— Eu ofereci um cachecol que era especial para mim.- Respondi

— Entendi. Algo simplório, poucos são os demônios que aceitariam algo assim. – Ela disse. – Eles preferem aqueles que oferecem sacrifícios de sangue ou suas almas. A ligação os impede de machucar o invocador e o elo só acaba com a morte deste. Sendo assim o preço tem que ser alto para que um demônio decida se submeter a uma pessoa. Mas este demônio que você atraiu parece não se importar com isso, ele com certeza é diferente dos outros, você teve sorte, garoto. Há muitos horrores ocultos que você nem imagina.

— E não há outra forma de romper a ligação? – Perguntei.

— Na maioria dos casos não, principalmente as que ocorreram por oferendas de grande escala. – Respondeu. – Mas em casos como seu é possível sim, basta que ambos concordem com isso, o invocador e o demônio. Mas requer um preço.

— Que preço?

— Varia para cada demônio. – Ela disse. – Você precisa conversar com o seu e descobrir o que precisa abrir mão para desfazer a ligação.

Saí de lá preocupado. O Erick parecia ser um bom demônio se comparado ao que a Carmen disse. Tinha esperanças que tudo ocorresse o mais fácil o possível de lidar.

— E agora? – Luana perguntou.

— Vou voltar para casa e tentar falar com ele. – Disse.

— Boa sorte. – Ela me deu um beijo na bochecha e antes de seguir seu caminho, disse. – Me liga depois para contar o que aconteceu.

Fui para casa e nem parei para falar com minha mãe, apenas subi para o meu quarto. Erick não estava lá.

— Erick, preciso falar com você. – Falei. – Por favor.

Não obtive resposta por um tempo, até que ele apareceu, sentado na cama.

— O que você quer? – Seu cabelo estava com a coloração amarela ainda, porém mais apagada. Ele tinha ido da loucura para a insegurança.

— Descobri que podemos desfazer o elo. – Disse. – Só precisamos descobrir o preço a apagar para isso.

Ele permaneceu calado e evitou olhar para mim, apenas ficou encarando o chão.

— Você sabia! – Falei. – Você sabia esse tempo todo que era possível e me enganou, me fez pensar que não era possível.

— É eu sabia. – Ele disse e ficou de pé. – Queria a oportunidade de vagar por esse plano e aproveitei quando você apareceu.

— Não acredito que você foi tão egoísta a esse ponto. – Falei. – Eu confiei em você... eu o deixei entrar na minha vida e você esse tempo todo apenas se aproveitou de mim.

— Exatamente. Porque eu sou um demônio e demônios não tem sentimentos mortais, apenas nos aproveitamos dos idiotas que acham que podem mexer com aquilo que não conhecem ou podem controlar.

— Você é um monstro... – Falei. Não acreditava que tudo aquilo que vivemos, a amizade que construímos era tudo mentira. Sentia um aperto no peito e sabia que se não me segurasse acabaria chorando.

— É, eu sou. Você achou o que? Que eu era como você, uma pessoa normal – Ele disse. – Aliás, o tempo todo você sabia que eu não era e que nunca seria tal coisa.

— Não importa qual seja o seu preço! – Gritei. – Desfaça agora!

— O meu preço é queimar aquilo que você mais ama! – Ele disse e levantou a mão com os dedos a ponto do estalo.

Naquele segundo mil coisas passaram por minha cabeça, pessoas da minha vida, minha mãe, Luana e percebi que não sabia a resposta, não sabia o que eu mais amava. Então Erick finalmente estalou os dedos e chamas irromperam do chão em volta dele e cresceram, tomando seu corpo. Precisei dar alguns passos para trás por causa da violência das chamas e naquele momento eu percebi.

Naquele momento eu entendi porque tudo aquilo que ele disse havia me magoado tanto, porque sentia como se meu coração estivesse rasgado. Olhei para o fogo e encontrei seu rosto. Ele estava atônito, claramente confuso. Seja o que for que passava em sua cabeça, ele só percebera naquele momento.

As chamas começaram a diminuir e sumiram por completo. Lá estava o velho Erick, camisa do Nirvana, calça jeans surrada, descalço e usando o meu cachecol da Corvinal. Seu cabelo estava em uma coloração de vermelho mais próximo do rosa.

— Você está falando sério? – Ele perguntou e acenei positivamente com a cabeça.

Então ele veio andando em minha direção e parou a poucos centímetros me olhando nos olhos.

— O elo foi rompido. – Ele disse. – Você está livre.

— Espera. – Eu segurei sua mão. – Eu... eu não sabia... eu não quero...

— Já é tarde. – Ele disse. – Não tem mais volta. Mas se serve de alguma coisa... se fosse o contrario, fosse a coisa que eu mais amo, eu jamais poderia desfazer a ligação.

— Porque você não pode amar. – Falei.

— Sim. – Ele disse. – Porque eu não posso amar mais ninguém além de você.

— E como você espera que eu lide com isso agora? – Falei. Não consegui segurar mais as lagrimas e elas começaram a escorrer pelo meu rosto.

Foi então que percebi que metade do seu corpo havia desaparecido e aos poucos sua forma estava se desfazendo em uma poeira colorida, como as muitas cores de seu cabelo.

— O que está acontecendo? – Perguntei.

— Estou voltando para o submundo. – Ele respondeu. Então acariciou o meu rosto, limpando as lagrimas – A magia que me mantinha aqui foi desfeita.

— Não quero que você vá...

— Eu não quero ir, sinto muito por tudo aquilo que eu disse. Não era verdade.

— Eu também... Eu falei muita coisa que não queria por causa da raiva.

— E o que você quer falar agora?

— Que... eu te amo.

— Era isso que eu queria ouvir...

O cabelo dele mudou para o roxo e seu rosto se aproximou do meu. Então senti sua boca sobre a minha. Aquele era o meu primeiro beijo e naquele momento não poderia ser com ninguém melhor. Fechei os olhos e me entreguei. Quando voltei a abrir estava sozinho no silêncio devastador do meu quarto.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado. Se quiser, deixe sua opinião dizendo o que achou, as criticas construtivas são bem vindas. Obrigado por sua atenção.



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